segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SEM DISCURSO E SEM CANTO



Certas coisas não avisam quando terminam. Simplesmente acabam e pronto.

A Gripe espanhola, por exemplo.

Depois de matar milhões de pessoas no mundo inteiro num tempo absurdamente curto, em 1918, simplesmente acabou em algum momento de 1919 sem deixar aviso.

Durante meses o mundo espreitou assustado, quando surgiria uma nova vítima, mas, simplesmente, acabou.

De certa forma, o feudalismo também.

As mudanças foram ocorrendo em série, as relações servis se alterando, o capitalismo se assentando aqui, acolá, e quando se viu, já não existia feudalismo.

Até hoje historiadores divergem sobre uma data específica sobre seu fim.

Outra coisa que acabou sem pompa e circunstância foi o governo Dilma Rousseff.

Não seu período de governo que ainda durará três anos, mas, sua originalidade e diferenciação.

Depois de um primeiro governo de resultados positivos em várias áreas e de carregar trôpega as bandeiras sociais do governo anterior, de Lula, o governo Dilma acabou sem nenhum aviso ou manchete no Jornal Nacional.

E isso depois de uma extraordinária vitória eleitoral, contra todas as forças conservadoras e a mídia, por um punhado de milhões de votos, Dilma venceu.

Sim, Dilma venceu embora a maioria tenha esquecido desse detalhe.

Mas Dilma e a esquerda brasileira não soube vencer.

Apequenou-se com a vitória.

Pressionado pelos perdedores que, ao contrário, se agigantaram com a derrota, o governo Dilma fez como o time pequeno que após fazer um gol se retranca e apenas se defende dos ataques do time que está perdendo, fazendo sua torcida sofrer a cada escanteio do adversário.

Ou como o lutador que, mesmo melhor tecnicamente, prefere se encostar nas cordas e suportar os golpes do outro esperando a vitória por pontos quando poderia ser por  knockout.

Numa situação parecida, embora mais grave pois acossado ainda por militares golpistas, João Goulart foi pra cima e proferiu o histórico discurso da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Com essa ação corajosa, Jango deixou claro que preferia ser deposto a fazer de conta que governava e que não aceitava chantagens. Os golpistas que mostrassem a cara.

Caiu, visto que sob a força das armas, mas não mentiu pra ninguém.

O governo Dilma terminou quando aceitou a chantagem da direita.

Terminou quando temeu perder o “apoio” dos aliados de sustentação e permitiu que esse medo fosse maior que a coragem de lutar.

Acabou quando promoveu uma reforma ministerial que agride aliados históricos e sinceros, substituindo ministros comprometidos com a luta ideológica por seres sinistros, que não serão seus ministros, mas, inimigos na trincheira.

No pôquer da política, aceitou um remendo de blefe e depôs suas cartas que eram, infinitamente melhores.

Faltou ao governo Dilma, ao governo do PT, o discurso da Central do Brasil.

Ou o canto do cisne que barulhento despede-se da vida num último ato de coragem.

O fim do governo Dilma, do governo do PT, será sem discurso e sem canto, muito menos ainda, coragem.

Infelizmente certas coisas são assim.

Não avisam quando terminam. Simplesmente acabam e pronto.




Prof. Péricles

sábado, 10 de outubro de 2015

TERRAS INDÍGENAS, UM GRANDE NEGÓCIO



Por Maria Fernanda Arruda 
Gerações aprenderam na escola que o Brasil foi descoberto em 1500, onde Pedro Alvares Cabral encontraria os índios, logo ofertando a eles uma primeira missa. Hoje, postas de lado as versões inventadas pela História Oficial, as crianças são informadas sobre a invasão ocorrida naquele ano, quando os portugueses navegantes se encontraram com os povos habitantes e senhores daquelas terras.
Estimativas, por razões evidentes, e mais que vagas: seriam entre 6,8 milhões e 1 milhão. Como informa o IBGE, hoje são 900 mil, uma população que tem crescido a partir de 1980, compreendendo 300 etnias e aproximadamente 274 línguas.
Na escola, as crianças aprendem o que não quis e não quer saber o homem branco, dono e proprietário de todas as terras e matas. Para os jesuítas, aqueles reais senhores dessas terras foram tratados como almas a serem conquistadas para a Igreja, Anchieta e Nóbrega, que se fizeram santos heróis europeus em terras da América. Mas os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759. O que fazer com os silvícolas?

Participação na história dos homens brancos? Poucas e discutíveis. Na guerra da Independência da Bahia, os índios, então chamados “caboclos”, foram vestidos como heróis e são celebrados a cada 2 de Julho. Além disso, o movimento indianista vivido pelas letras brasileiras: as Americanas, de Gonçalves Dias; O Guarani, Iracema, Ubirajara, de Jose Alencar; A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães.
A Lei de Terras, de 1850, inaugura a agressão ilimitada às terras das aldeias indígenas.
Dai a pergunta de resposta pronta: onde estão os índios? A província do Ceará foi a primeira a negar a existência deles em suas terras; em 1853 é o Sergipe que define sua inexistência. Adornado em sua túnica produzida com penas de papagaios, o pequeno Imperador de longas barbas tranquiliza-se: não há mais índios no Brasil.
O massacre promovido desde os primeiros tempos com os bandeirantes, que os “caras-pálidas” transformaram em estátuas de heróis, foi a regra implementada sem descanso a partir de 1850, procedendo-se a uma expropriação total.
Eventuais embargos legais, passaram a ser levantados com a emancipação dos índios que passavam a ser entendidos como “aculturados”. Ou ainda, muitas aldeias de Goiás, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo passavam a ser declaradas extintas, sob alegação de que abrigavam populações mestiças.
O que são então os povos indígenas no Brasil do século XXI?

No Sul restam 75 mil, no Rio Grande do Sul representando 0,4% da população, 8,9% em Santa Catarina, 0,33% no Paraná.

Em fins do século XIX, quatro indígenas foram levados do Rio Grande do Sul para serem exibidos em circos europeus.

Em São Paulo, são 44,8 mil, representando 0,11% da população. Os kaingangs que habitavam todo o vale do rio Peixe, foram chamados de coroados pelos antropólogos.

Esta tribo enfrentou e resistiu a colonização branca. Já os Cayúas que habitavam o vale do rio Paranapanema, à sua direita, tinham terras de campos agricultáveis, os primeiros a desaparecer.

Por último, os Xavantes, considerados sociáveis, ocupavam toda bacia inferior do Rio Pardo (Mato Grosso) atravessando o rio Paraná (São Paulo) indo se estabelecer nos campos de Jaquaretê e Laranja Doce. Estes oferecendo grande resistência.

Quase sempre foram sangrentos os contatos entre índios e pioneiros. Os verdadeiros habitantes da terra lutaram muito, mas, foram dizimados pelos colonizadores.

O empenho de um militar, Cândido Rondon, de formação positivista, foi decisivo na criação de um primeiro órgão de proteção aos índios, o SPI – Serviço de Proteção ao Índio, que não impediu a transferência de terras para colonização, defendendo o respeito e o trato amigável com os indígenas, o que não foi mais do que uma exceção, com gente como os Irmãos Villas Boas e o médico sanitarista Noel Nutels.
Sob a égide de um governo tíbio, o Congresso Nacional pretende assumir a tarefa de demarcação das terras indígenas, o que em termos práticos significa entrega-las aos ruralistas comandados pela ministra Katia Abreu.
Nos últimos meses, a ação de pistoleiros vai se multiplicando, animada pela fraqueza de um Ministério de Justiça omisso. Os abusos vão tomando todas as formas possíveis.
Recentemente, a Agência Nacional de Petróleo lança pré-edital de licitação para exploração de petróleo em sete blocos próximos de 15 terras indígenas, sem qualquer consulta prévia à FUNAI.
Avá Uerá Arandú é um dos líderes do povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Doutorando em Antropologia no Museu Nacional da UFRJ, ele tem a voz que fica muito acima dos grunhidos dos matadores, que não são gente simples e nem mesmo jagunços. São pessoas ricas, recrutadas pelas organizações ruralistas e por políticos.
É o índio antropólogo que nos diz o que é obrigação nossa saber: “Há fontes consistentes e diversos documentos oficiais que comprovam essa história recente de compra e venda das terras indígenas, envolvendo no comércio dessas terras somente para a elite, a classe rica, políticos poderoso e os agentes dos governos.
Os povos indígenas foram expulsos e dispersados. O Estado-Nação brasileiro doou e vendeu as terras indígenas: isso é uma imensa dívida histórica no Mato Grosso do Sul”.
A política de genocídio do índio, praticada pelos bandidos brancos, é uma tradição profundamente arraigada entre nós.
Os ruralistas brancos têm poder de dinheiro e político. Comandam a Polícia e a Justiça. Agora, são donos do Ministério da Agricultura e estão próximos de conseguir a “solução final”.

Maria Fernanda Arruda é escritora e colunista do Correio do Brasil.
  


quinta-feira, 8 de outubro de 2015

AS AMORAS SÃO VERMELHAS


Era uma vez um jovem chamado Píramo. Era o mais garboso, o mais belo e agradável jovem de toda a Babilônia.

Píramo amava loucamente a jovem Tisbe, a mais bela virgem (sim, já houve), a mais encantadora, a mais simpática, enfim, a mais tudo.

Eram vizinhos, separados apenas por uma parede comum a casa de ambos e cresceram fazendo juras de amor, beijando e se enroscando na mesma parede, cada um do seu lado.

Por motivos desconhecidos, os pais de Píramo e de Tisbe não gostavam dessa relação endoidecida e proibiram o namoro entre os pombinhos.

Oh crueldade! Queriam muito ser um do outro, casar, ter filhos e uma casinha de cerquinha branca, mas a intransigência dos velhos era total.

Mas nada pode segurar o amor, muito menos uma paredezinha de nada.

Havia, sim havia uma pequena fenda na maldita parede, quase imperceptível e conhecida apenas pelos dois, e por aquela estreita fenda seus hálitos se cruzavam e suas juras de amor tornavam-se incandescentes e cada vez mais rebeldes.

Todas as noites despediam-se beijando a parede e agradecendo a pequena e única fenda pela qual por instantes se sentiam mais próximos.

Até que um dia os hormônios em ebulição assumiram o comando.

Combinaram fugir.

 Naquela noite, protegidos pelas sombras da falta de lua, se encontrariam num point da gurizada apaixonada chamado “o Túmulo do Nilo”.

A ideia era enlaçarem-se apaixonados e felizes, próximos a uma fonte e sob uma grande árvore, uma amoreira cheia de frutos maduros e brancos como a neve (sim, naquela época as amoras eram brancas).

Então, sem parede para atrapalhar, iriam se amar loucamente e depois partir em busca de outros ares já que os dali ficariam pesados com a fúria de seus pais.

Aquele dia pareceu interminável para os jovens apaixonados, mas, finalmente caiu a noite e a hora chegou.

Tisbe, mais apressadinha, chegou primeiro ao lugar combinado, cheia de medo e de desejos.

Sozinha na mais completa escuridão, ela ficou encolhida, à espera do amado.

De repente, porém, com a visão já acostumada ao escuro, percebeu o vulto de um animal selvagem que se aproximava com o andar típico dos predadores noturnos. Era uma leoa e já que tinha acabado de matar uma presa, chegava com as mandíbulas ensanguentadas.

Tisbe percebeu que, de barriga cheia, a fera não iria se esforçar para alcança-la e correu em busca de um abrigo na floresta ali próxima. Ao correr, desajeitada diante do perigo, deixou cair a capa que lhe protegia os ombros.

A enorme predadora deixou Tisbe se ir e após alguns minutos de descanso retornou para as profundezas das matas virgens de onde viera. Antes, porém, atraída pelo movimento da capa empurrada pelo vento, abocanhou-a e a fez em pedaços.

Minutos depois, nosso herói Píramo chegava para o encontro marcado e a cena que encontrou foi a seguinte: a capa que bem sabia ser de sua amada, toda rasgada e cheia de sangue (o bicho estava com a mandíbula ensanguentada, lembra?) e por toda volta as pegadas inconfundíveis de uma leoa.

O que foi que ele pensou?

Como fui estúpido. Demorei demais comendo a sobremesa que minha mãe fez e permiti que ela ficasse aqui sozinha. Céus, enquanto eu devorava o pudim a leoa devorava minha amada. Como fui marcar um encontro num lugar tão perigoso? A culpa é minha, sou um retardado, um imbecil, eu a matei.

Desesperado, abraçado aos trapos da capa de Tisbe, foi para debaixo da amoreira, e, entre soluços, zaz, enfiou sua espada no coração.

O sangue explodiu em borbotões atingindo as amoras que se tingiram de vermelho-escuro.

Mais tarde, apesar de apavorada com a leoa, mas, querendo muito encontrar seu amado, Tisbe retornou ao “Túmulo do Nilo”.

E encontrou o pobre rapaz agonizante. 

Desesperada abraçou o corpo moribundo de Píramo que ao sentir seu calor abriu os olhos pela última vez (deve ter pensado “sou uma besta mesmo” que é que fui fazer) para em seguida morrer.

Enlouquecida de dor, Tisbe pegou a espada encharcada com o sangue de Píramo e, também zaz, a cravou no coração, morrendo instantaneamente.

Arrependidos os pais babacas incineraram os corpos de seus filhos e guardaram a cinza de ambos numa mesma urna para dizer que nem a morte iria os separar.

Até os deuses, normalmente insensíveis, se tocaram com o drama dos jovens e desde então os frutos das amoreiras são vermelhos para lembrar esse louco e infeliz amor.

Esta história era contada, mais ou menos assim, por Ovidio, poeta latino do século I.

Prof. Péricles


segunda-feira, 5 de outubro de 2015

OS ARRASTÕES E SUAS ESTRANHAS OCORRÊNCIAS





Por Mário Augusto Jakobskind


Os arrastões nas praias da Zona Sul do Rio de Janeiro e até mesmo no centro da cidade maravilhosa não são propriamente fatos novos.

Quem não tem memória curta lembra perfeitamente que nos dois governos de Leonel Brizola ocorreram os tais arrastões. No governo de Benedita da Silva, numa antevéspera de eleição, também.

Em várias ocasiões constatou-se que os incidentes foram forjados e a participação da mídia hegemônica, leia-se Rede Globo, foi decisiva no sentido de criar pânico entre a população.

Os arrastões mais recentes ganharam dimensões e as imagens da violência correram o mundo, provocando consequentemente sérios danos ao turismo no Rio de Janeiro e do Brasil.

Por coincidência ou não, mais uma vez a TV Globo esteve presente no momento exato de um dos arrastões na praia do Arpoador, tendo com uma das vítimas uma turista europeia que fez questão de afirmar que jamais voltaria ao Rio de Janeiro.

A mesma Rede Globo não cobre a violência que vem sendo praticada sistematicamente pela polícia em áreas carentes do Rio de Janeiro. São mortas gente inocente, em sua maioria afrodescendentes, e o Secretário de Segurança José Mariano Beltrame não aparece da mesma forma como nos acontecimentos recentes na Zona Sul carioca.

Beltrame parece que nesta hora se esconde ou então a mídia hegemônica não o procura para explicar as violências policiais.

No caso dos recentes arrastões na Zonal Sul as autoridades agiram de forma inconsequente. Como a Justiça tinha impedido a prisão de menores nos ônibus sem flagrante delito, o Secretário José Mariano Beltrame disse em entrevista que a polícia se sentia “constrangida” e “obedecia à lei”. Na prática, para usar uma expressão popular “deixou correr”.

Ficou evidente que no fundo ele queria o apoio da opinião pública contra a medida da Justiça. Foi a forma que encontrou para justificar a incompetência de sua gestão. A polícia não foi impedida de agir preventivamente e obedecer a lei. Beltrame deixou as praias vazias de policiais que foram atender aos organizadores do Rock in Rio.

Os arrastões se multiplicaram e acirraram o preconceito e racismo de setores da classe média da Zona Sul carioca que decidiram fazer justiça pelas próprias mãos. Foram gravadas cenas chocantes de menores sendo retirados à força de ônibus em plena Avenida Copacabana.

Tudo realmente, no mínimo muito estranho, ainda mais quando se sabe que a polícia e a Secretaria de Segurança Pública têm um setor de inteligência. Uma pergunta que não quer calar: por qual motivo a inteligência não foi acionada para identificar quem faz os arrastões? Seria apenas incompetência?

Na prática, os maiores atingidos pelo esquema truculento, seja por parte dos integrantes dos arrastões ou dos justiceiros de índole fascista, são os pobres, afrodescendentes que vão às praias de ônibus ou metrô. E que as autoridades querem proibir.

Não é de hoje também que esses cidadãos brasileiros pobres são mal vistos pelos truculentos de índole fascista que agora se organizam através de redes sociais para agredir os que consideram “invasores” de seu território.

No governo Brizola quando linhas de ônibus foram autorizadas a utilizar o Túnel Rebouças para facilitar a ligação da Zona Norte e subúrbio com a Zona Sul, houve protestos de frequentadores (racistas) das praias. Neste setembro de 2015, os racistas estão se valendo de justiceiros truculentos para atacar.

Os que se consideram donos das areias, sobretudo das praias de Copacabana, Ipanema, Leblon, não excluindo moradores de bairros como a Lagoa, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes podem ser facilmente identificáveis.

São os mesmos integrantes da classe média de médio ou alto poder aquisitivo que em meses anteriores saíram às ruas de Copacabana pedindo o impedimento da Presidenta Dilma Rousseff e os ainda mais radicais a volta da ditadura militar que assolou o país por 21 anos.

Na carona dos arrastões se consolida também a decisão dos proprietários dos ônibus, juntamente com a Prefeitura, de cancelar várias linhas que fazem a ligação das Zonas Norte e subúrbios com a Zona Sul. Com isso, os usuários, a maioria absoluta de trabalhadores, serão obrigados a fazerem baldeação, tanto na ida como na volta.

Redução de linhas para possibilitar ainda maiores lucros aos proprietários de veículos coletivos, como Jacob Barata, identificados como detentores de contas no exterior com polpudas quantias que não passaram pelo crivo do Imposto de Renda, mas que são beneficiados pela impunidade promovida por decisão da Câmara dos Deputados que ordenou a suspensão do aprofundamento das investigações nas contas do HSBC na Suíça.

O que vem acontecendo no Rio de Janeiro deve ser objeto de uma profunda investigação para evitar não só interpretações equivocadas sobre os nefastos acontecimentos, como também a manipulação da informação. E, além do mais, para acabar de uma vez por todas com a barbárie, que pode estar sendo estimulada para fins inconfessáveis.

Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil). Consultor de História do IDEA



sábado, 3 de outubro de 2015

DICIONÁRIO BRASILEIRO DA ESTUPIDEZ



 Armagedom” – Final dos tempos; é quando você se liga no noticiário da mídia brasileira.

Guerra Fria” – há duas definições. 1. Período geopolítico posterior à Segunda Guerra Mundial até a dissolução da União Soviética em 1990, e 2. Atualidade Geopolítica no pensamento dominante da mídia brasileira e de seus fiéis seguidores, conservadores de os matizes.

Hipocrisia” – criticar nos outros, especialmente no pessoal da esquerda, aquilo que ele mesmo ou seus representantes fazem o tempo todo. Chorar quando vê um corpinho de criança morta na beira da praia e chamar refugiado de escória também vale.

Classe Média” – Quem primeiro usou a definição de Classe Social foi Marx para denominar o estamento social que não detém os meios de produção e o poder, nem faz parte da massa mais explorada e menos especializada do trabalho. No Brasil essa denominação define a galera que por não ser dos mais pobres se acha ameaçada por esses e por isso adquirem um comportamento mais conservador do que os que realmente mandam.

Diabo ou Capeta” – ser sobrenatural que assume toda a responsabilidade sobre nossos erros e nos livra da responsabilidade de corrigi-los.

Salvação” – aquilo que os pastores dizem que vem depois que os fiéis pagam (e esse pagar é infinito) para a Igreja botar tudo na conta do capeta.

Crise de Consciência ou Alucinação Coxinhógena” – argumentação de que Golpe Militar é uma coisa Constitucional, ou seja, que tem alguma justificativa justamente no instrumento que preserva a democracia num país.

Comunista” – Demônio que come criancinha.

Cuba” – Inferno comunista que quer dominar o mundo e invadir o Brasil com falsos médicos.

 “Heróis” – agentes da morte de inocentes quando provocada pelas gloriosas forças armadas dos Estados Unidos ou de seus subordinados, a força militar de Israel.

Terrorista” – quando a tragédia é provocada por palestinos ou qualquer um que use turbante ou simplesmente, os outros.

"Cidadão” – cãozinho amestrado que balança o rabinho faceiro quando o dono, ianque ou doutor joga um ossinho.

Estados Unidos” – Canaã, terra prometida onde não haverá esquerdistas nem qualquer ideia que questione às ordens e interesses dos mais ricos.

Professor de História” – idiota que estudou história por anos mas não sabe nada sobre o assunto.

Petralha” – todo aquele que não concorda com o pensamento golpista.

Aguardem para breve, mais alguns verbetes do nosso dicionário do ódio.



Prof. Péricles

sexta-feira, 2 de outubro de 2015

MUNDO FESTIVO DA IMPUNIDADE


Por Moisés Mendes

Racistas, homofóbicos e xenófobos (inclusive os que choraram vendo a foto da criança síria morta no naufrágio) nunca estiveram tão à vontade no Brasil. 

Todos, incluindo os golpistas, circulam com desenvoltura, sempre em nome da liberdade de expressão e da democracia. 

O grande deboche cometido pelo reacionário folgadão é exatamente este: ele fala em nome de uma democracia que pretende ver pisoteada. Fala e nada acontece.

Mas nos Estados Unidos o bicho pega. A escrivã Kim Davis, do Kentucky, decidiu que não casaria gays. Contrariou uma determinação da Suprema Corte, e a Justiça foi acionada.

O juiz federal John Heyburn mandou que a mulher fosse presa. Uma multa, disse ele, não adiantaria nada. 

No Brasil, o que mais se aplica é multa ou fiança. Se fosse aqui, com dinheiro no bolso, ela estaria solta.

Às vezes nos falta um juiz como esse Heyburn. Ele é o mesmo que no ano passado enfrentou autoridades ultraconservadoras. Procuradores decidiram, “em defesa do Estado”, que não haveria casamento gay no Kentucky. Porque a Constituição era contra e a região precisava de casais héteros, ou a reprodução de kentuckyanos estaria ameaçada.

O juiz ordenou que se cumprisse a decisão da Corte. O cartórios obedeceram, mas não a católica ortodoxa Kim Davis. Ela não casaria gays nem com ordem do Papa. Kim acha que só os casamentos héteros dão certo. Tanto que se casou quatro vezes, sempre sob as bênçãos divinas.

Há um componente na idiotia de Kim nem sempre presente nos reacionários brasileiros: a sinceridade. A escrivã não tem outro interesse que não seja o de defender seu ponto de vista ultraconservador.

Aqui, não. Aqui os reacionários mais estridentes usam o ódio contra gays, negros “e tudo o que não presta” — como já disse um deputado — como grande negócio político. 

O mercado do ódio é próspero no Brasil. 

A pilantragem se escora na religião só como desculpa.

Aqui, temos pelo menos a juíza Carine Labres, que não se acovardou diante dos homofóbicos dos CTGs que tentaram impedir casamentos de gays em Livramento. 

No Estado dos machos galhofeiros, quem se impõe é uma juíza. 

Mas ainda falta mandar um homofóbico para a cadeia.

sábado, 26 de setembro de 2015

TE ENXERGA

As melhores ideias foram utilizadas para as piores aberrações.

Algumas sofreram metamorfose tão grande que se inverteram, se não no conteúdo, em sua forma.

O Cristianismo, por exemplo.

A ideia original, o ponto de partida da doutrina cristã é a solidariedade e a igualdade.

Talvez nenhuma outra doutrina tenha destacado tanto a prática da tolerância

A cena descrita nos evangelhos em que Jesus confrontado pela observância da lei que determinava apedrejar as prostitutas, apresenta uma das mais belas respostas que se tem notícia na história humana.

O atire a primeira pedra aquele que não pecou é a expressão máxima do “questione a ti mesmo, assuma teus próprios erros” ou, simplesmente, como se diz no Rio Grande “te enxerga”.

No entanto, posterior a seu nascimento, o cristianismo se tornou propriedade do estado e de um clero profissional que se formou em torno de sua popularidade.

A Igreja deformou de tal maneira a ideia inicial do cristianismo que, na Idade Média justificava a intolerância com a invenção do pecado, financiou campanhas de terror baseada na tortura e na fogueira. O clero profissional criou um exército para impor a sua visão das coisas e as Cruzadas promoveram massacres terríveis, piores até do que o ocidente costuma acusar os muçulmanos.

Nada poderia ser mais intolerante e por isso, menos cristão.

Com certeza, se pudesse, Jesus diria para os cruzados e papas se enxergarem antes de agredir, não com pedras, mas com o aço das espadas.

O capitalismo também.

Nasceu de um sonho diante do desespero.

Homens sem esperança diante das obrigações feudais que lhes tornavam a vida impossível encontraram no comércio à longa distância a centelha de luz para iluminar suas trevas feudais e no lucro honesto uma nova forma de viver e buscar ser feliz.

Lendo obras como “A Riqueza das Nações” de Adam Smith, o papa do liberalismo, percebe-se claramente a preocupação com o humano. A vontade de que o novo sistema trouxesse vida melhor para todos, donos dos meios de produção e meros trabalhadores, até porque os fundadores do capitalismo eram isso mesmo, trabalhadores.

Entretanto, a ideia original do capitalismo foi distorcida por visões encasteladas no egoísmo mais cruel, cuja preocupação sempre foi a concentração da riqueza, tornando o rico cada vez mais rico e o pobre que se lixe.

O maior holocausto da terra que foi o massacre dos povos ameríndios em nome do lucro do estado e das classes mercantis europeias, além da escravidão, foram justificadas (até pela Igreja) como um mal necessário diante da imposição do civilizado (e capitalista) sobre o selvagem e inútil (entrave ao capital).
Igual o cristianismo, tornou-se algo distante e distorcido do próprio início.

O socialismo também.

Desde os utópicos a ideia era a construção de uma sociedade mais justa.

Marx e Engels lapidaram com talento científico o sistema que nascia do mais humano e cristão dos desejos: a igualdade.

Ao despojar os seres da propriedade privada, os fundadores do socialismo jamais pensaram em punir os ricos, mas, de superar a pobreza.

Da mesma forma, ao conceituar a religião como o ópio do povo, eles, como cientistas, referiam-se à religião oficial e dogmática, instrumento utilizado para a exploração e não a qualquer conceito teológico.

Aliás, de várias maneiras percebesse ser o socialismo muito mais próximo das ideias do cristianismo do que mesmo, o Capitalismo, na medida em que prega o total despojamento de qualquer instrumento que permita a exploração do homem pelo homem.

Mas, premido por suas limitações históricas o socialismo, se apresentou alguns êxitos, também deu origem aos mais bizarros ditadores e a ditaduras cruéis que, assim como massificou a propriedade massificou também as criaturas e a liberdade.

Tanto o cristianismo como o capitalismo e o socialismo, eram belos em essência e foram indevidamente reescritos por quem os utilizou a seu proveito.

Assim também ocorre com os movimentos que, de forma justa e democrática expressam oposição e contrariedade ao governo do PT, mas que se tornaram instrumentos utilizados por defensores de ditaduras, homofóbicos e religiosos radicais.

Intolerantes que cultivam o ódio como prática, sem nenhum pudor.

Por isso, é bom manter-se atento à bandeira que se empunha e a máscaras que se prende ao rosto.

É bom ter certeza que expressam e defendem realmente o que pensamos e sentimos ou se o melhor ao convite para ingressar na turba não seria o gaudério e sincero "te enxerga".




Prof. Péricles





quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O VALE TUDO E A FALTA DE LIMITES







Por Clóvis Malta






Foi tudo num período tão curto desses tempos difíceis, que quase passou despercebido na fila dos acontecimentos.

Em protesto contra a corrupção, uma senhora com a expressão dessas tias compassivas que todo mundo tem ou teve escancarou num cartaz, em plena Avenida Paulista, seu desejo em relação a antagonistas políticos: "Porquê não mataram todos em 1964?".

Um dia depois, uma professora de Araçatuba, em São Paulo, passou pela humilhação de ficar grudada na cadeira em plena sala de aula. Mas não: o problema maior não está naquele "porquê" grafado junto e com acento na cartolina, num país de tão pouco apreço à educação, em todos os sentidos que o termo abarca. Nem no fato de os alunos terem passado uma supercola no assento. O que inquieta é a falta de limite na origem dos dois casos.


Se até a virtude precisa ser contida, como defendeu Montesquieu, fica mais fácil entender por que o cotidiano virou uma bagunça.

Crianças e adolescentes são incentivados, cada vez mais, a imaginar que podem tudo. Pais, que deveriam ajudá-los a discernir o que é certo, o que é errado, muitas vezes acabam confundindo-os ainda mais com seus exemplos. Ajudam então a perpetuar um círculo perverso.

Fica mais fácil assim entender, mas não aceitar, por que o sagrado direito de protestar contra o que quer que seja acaba dando abrigo à expressão do desejo do extermínio de oponentes — e não foi, não, um caso isolado, nem força de expressão.

Se o exemplo falha em casa e nas ruas, o que esperar de quem vai à escola sem qualquer noção de respeito a um educador e ao que deveria ser visto como um templo de aprendizagem?

Agora mesmo, estamos presenciando as ações contra a corrupção alcançarem, enfim, políticos poderosos que chegaram aonde estão com o nosso voto. São casos típicos de pessoas para as quais nem o céu é o limite. Acham que podem tudo, inclusive quando estão diante do nosso dinheiro.

Corrupção prospera a partir da ganância, do excesso de tolerância, da impunidade. Mas tem também a ver, nas banalidades do cotidiano, com a forma como exercitamos valores éticos com a nossa família, com funcionários, com amigos...

Desde cedo, os brasileiros vêm sendo obrigados a conviver nesse ambiente marcado pelo baixo-astral, mas também pela esperança.

Vamos, então, conferir mais atenção a nossas crianças — desde as pequenas que colocam cola em assentos, até as mais crescidas que usam o acento errado para conclamar morte aos inimigos, sem esquecer, obviamente, daquela que mora em nós.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

PROFESSORES, ESPÉCIE EM EXTINÇÃO



O professor faz parte das mais intensas lembranças da maioria das pessoas.

Ser intermediário entre os pais e os estranhos que povoam os novos caminhos além de nossas casas, os professores marcaram os "melhores momentos" da vida de quase todos.

Atualmente se quedam diante da falta de valorização profissional, da humilhação de serem sinônimos de profissionais mal pagos e, mais recentemente, de saco de pancada de policiais militares a mando de governadores incompetentes, como aconteceu hoje pela manhã, em Porto Alegre e a pouco tempo, em Curitiba.

Talvez estejamos vendo o fim de uma era e de um profissional.

Nas faculdades os cursos de licenciatura já são oferecidos a preço muito abaixo dos demais.

Mesmo assim, falta quem queira segurar o giz que os mais antigos estão largando.

Talvez, nesse mundo informatizado e virtual, não haja mais espaço para os professores...

A seguir, uma texto de Moisés Mendes, cronista da "Zero Hora" onde ele faz um pedido que talvez esteja chegando tarde demais.

Prof. Péricles




Se acabarem com o Facebook, daqui a alguns anos, terá sido tão normal como quando acabaram com o fax e o Orkut.

Podem acabar com o Twitter como acabaram com o CD. E dar um fim à lâmpada de LED e ao smartphone, como descartaram o iPod.

Podem me dizer, sem que represente grande prejuízo, que vão acabar com o Instagram e suas assustadoras paisagens falsificadas. Podem terminar com o que ainda nem inventaram.

Se quiserem, podem extinguir os bancos, esses medievais que estão aí, e inventar os bancos do século 21.

Eu acredito mesmo que os bancos podem ser reinventados. Não me incomoda a ideia do fim de algo aparentemente insubstituível, até que um dia coisas, aparelhos e processos desaparecem e não fazem falta. Podem acabar até com o WhatsApp.

Só não terminem com os professores.

Não há como imaginar um mundo sem professores. Não há como uma criança virar adulto sem que carregue a certeza de que foi cuidada por um professor. É bobo isso? Então cresça e você saberá do que estou falando.

Ninguém será completo se não tiver na memória a imagem daquela professora. Pode ser um professor, mas de preferência que seja uma professora — elas é que são poderosas.

O professor de quem você guarda imagens de uma frase, um olhar, um pito, um silêncio, uma vacilação, uma cena banal.

Um dia você se verá tentando imitar sua fala e seus gestos. Um dia você aí saberá do que estou falando.

Bem, fiquei assim porque há alguns dias conversei por telefone, depois de mais de 50 anos, com a minha primeira professora.

Falei dela e sua neta Bruna leu e nos reaproximou. Vergília de Almeida Mongelôs, diretora, nos anos 60, do Grupo Escolar Alexandre Lisboa, de Alegrete.

Já contei que fui seu aluno do primeiro ano na sala dela, porque me negava a entrar em sala de aula. Tive agora, quando ouvi sua voz ao telefone, uma das sensações mais mágicas da minha vida.

Sim, eu me lembro da professora Vergília sentada à mesa ou circulando pela sala. Eu me vejo naquela sala. Eu sei o que a diretora do Alexandre representou para mim.

Escrevo agora para contar que daqui a alguns dias vamos nos ver.

Mas escrevo também para dizer que desejo que Martina tenha o que meus netos Joaquim e Murilo já têm. Que Martina tenha uma professora para não esquecer. Martina nasceu na terça-feira. É minha primeira neta.

Eu sei que a minha Martina terá a sua Vergília.


Por: Moisés Mendes

sábado, 19 de setembro de 2015

BOLO DE MILHO



Aqueça o forno em temperatura média. Bata o milho como o leite até ficar homogêneo. Em separado bata o açúcar com a manteiga até obter um creme claro. Junte os ovos e bata bem. Ponha o milho reservado, a farinha, o fermento e bata até obter uma mistura homogênea. Coloque na forma e leve ao forno por 30 minutos ou até que, ao enfiar um palito no centro, ele saia limpo. Deixe esfriar, desenforne e polvilhe o açúcar.

Está pronto o tradicional bolo de milho verde.

Por gerações a receita da vovó tem seguido com os mesmos ingredientes e a forma de fazer variado apenas com as melhorias tecnológicas como batedeira e liquidificador.

Receitas tradicionais são assim. As mesmas, através dos tempos.

O neoliberalismo, seja com Margareth Thatcher ou Ângela Merkel, Collor, FHC ou Aécio, mantém a mesma receita para enfrentar as crises econômicas.

Tudo parte dos mesmos ingredientes: o governo gasta mais do que arrecada; os benefícios sociais são insustentáveis; a previdência social é uma bomba silenciosa; as empresas públicas são onerosas e incompetentes, untados com os mesmos molhos, corrupção e inflação.

Leva-se essa mistura ao forno, ou seja, a mídia e todas as formas de comunicação que sirvam para formar uma opinião pré-aquecida.

Em pouco tempo, tudo fervilha e as vítimas se tornam algozes: os funcionários públicos, as empresas públicas, os aposentados e os que trabalham mas custam muito ao pobre empregador: o custo Brasil (fundo de garantia, 13º salário, etc.).

Misturados esses ingredientes e fervilhados na mentalidade nacional, a receita para enfrentar a situação, também é, como a receita do bolo de milho, sempre a mesma: privatizações de empresas públicas, demissões de servidores públicos, cortes de verbas nos programas sociais, aperto dos cintos com achatamento de salários e aposentadorias.

No Brasil, Fernando Collor de Mello deu início ao processo em 1990, mas foi FHC que assumiu a cozinha e apresentou o bolo final.

O patrimônio público foi delapidado com a venda de empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional e a Vale do Rio Doce a preço de bananas.

Direitos dos servidores públicos foram estuprados da forma mais vil e vergonhosa.

O resultado: desemprego em massa, fome, exclusão e miséria, apontados por âncoras de telejornais como efeito amargo e necessário para salvar o país.

Mas não para empresários e banqueiros que receberam junto com o bolo de fel o doce suporte de um proer, perdoando todas as suas dívidas e falcatruas.

No bolo de milho podemos substituir o milho verde por uma xícara de milho em conserva escorrido, mas continuará sendo um bolo de milho.

No neoliberalismo cria-se uma reforma fiscal com cara de coisa nova, mas continuará sendo a receita neoliberal com os mesmos resultados conhecidos.

Certamente as reflexões são necessárias à cidadania antes de apoios tácitos a coisas velhas travestidas de novidades.

Se o bolo de milho se mostrar desconfortável ao paladar, inove-se na receita ou tente-se outro bolo.

Já o bolo neoliberal tendo se mostrado ineficaz e amargo, busque-se outras receitas, com outros ingredientes e que outros cintos sejam apertados. Que o "proer" seja ao povo e não aos ricos.

Aliás, essa receita do bolo de milho rende 10 porções e demora de 30 a 45 minutos para ficar pronta.

Quanto à receita neoliberal rende 200 milhões de porções e pode, trazendo de arrastro ditaduras que lhe são afins, demorar 20 anos para demonstrar sua inutilidade.



Prof. Péricles











quinta-feira, 17 de setembro de 2015

DILMA E DUNGA, SALVE-SE QUEM PUDER



Por Laerte Braga


Aumenta na esquerda o descontentamento com a presidente Dilma.

Um dos maiores jogadores de futebol em todos os tempos, o meia Gérson, campeão do mundo em 1970, cérebro de uma equipe magistral, já no final de sua carreira, jogando no clube do seu coração, o Fluminense Futebol Clube, no intervalo de uma partida contra o América, à época uma grande equipe, perdendo de dois a zero, depois de fumar seu cigarrinho no banheiro, foi ouvir as instruções do técnico Duque.

Duque explicou como “virar” o jogo, traçou as coordenadas para o primeiro gol, o gol de empate e o terceiro, que seria o da virada. Do seu canto e com seu jeito, Gérson disparou – “você já combinou com o técnico deles?” Risos disfarçados e a despeito de todo o empenho do time do Fluminense, o jogo foi ganho pelo América.

O time de Dilma Roussef não tem nenhum Gérson. Mas dois trombadores. Joaquim Levy e Nélson Barbosa, respectivamente na Fazenda e no Planejamento, o que no futebol seria equivalente ao meio de campo. Jânio de Freitas é um dos grandes jornalistas brasileiros. E independente. Chama a dupla de “criadores de problemas”.

Permito-me incluir entre eles, o arrogante e incompetente Aluísio Mercadante. Zagueiro que só dá de bico. Com licença de Pinheiro, que nunca perdeu um pênalti e só batia de bico. Jogava no Fluminense e foi titular da seleção na copa de 1954.

Quando tudo parecia marchar para um alívio nas pressões contra o gol do governo Dilma, o vice-presidente Michel Temer, sabotado por Mercadante (quer ser o candidato em 2018), se afasta da coordenação política, deixa um rombo sem tamanho no time e ainda ameaça levar boa parte dos jogadores, os do PMDB, para a oposição. Vai anunciar se sim ou se não em setembro.

E Eduardo Cunha, corrupto com assento na presidência da Câmara dos Deputados, denunciado pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, por falcatruas no ofício que exerce, além do uso indevido do nome de Deus para receber propinas, dá uma suspirada, um gesto de alívio e a despeito de todo o bombardeio contra si, sobrevive. Aos trancos e barrancos, mas forte, no velho esquema de chantagens, extorsões, etc.

Aí vem Dilma e manda a bola nas arquibancadas. Anuncia a extinção de Ministérios e Secretarias. Jogada armada por Joaquim Levy. O pretexto de economizar recursos, reduzir cargos comissionados, a aparente moralidade do anúncio, é para inglês ver. No caso os brasileiros.. Deve achar, como no célebre Fla versus Flu, da Lagoa, que a bola demora a voltar. Hoje são várias as bolas disponíveis, o esquema não funciona.

No caso, perdendo de dez a zero, é mais prudente seguir o conselho daquele técnico aos seus jogadores – “arrecua os harfies que é pra evitar a tragédia”. A conta dessa confusão tática vem toda para os trabalhadores brasileiros. E até a primeira parcela do décimo terceiro de aposentados e pensionistas vai ser dividida em duas, fato inédito nos últimos nove anos. Decisão de Levy, que Dilma engoliu depois de ter anunciado que iria pagar em setembro.

Faz uma espécie de mea culpa ao dizer que demorou a perceber a crise. Mas percebeu, depois de reeleita.

Martin Francisco Lafaiete Andrada, advogado nas horas vagas e técnico de futebol, foi campeão com o Atlético de Madri, Espanha, inventando o 4-2-4 e evoluindo para o 4-4-2. Era descendente do “patriarca da independência”.

Zezé Moreira, técnico da seleção em 1954, com vários títulos e caráter acima de qualquer prova, como Martin Francisco, se contrapõe ao pesado sistema de marcação homem a homem e cria a marcação por zona.

Feola esboça o 4-3-3- e Zagalo, que o provara na prática nas copas de 1958 e 1962, o transforma em realidade na copa do tri, a de 1970.

Oto Glória levou Portugal a um terceiro lugar na copa de 1966 e até Iustrich inventou a tal “cavadinha”. Nem falo de Carlos Alberto Parreira, um fora de série nessas artes.

Há uma crise quase que absoluta no futebol brasileiro. O técnico é Dunga, um turrão que adora mediocridades. Mas Dilma criou uma nova tática, na política – o salve-se quem puder. Como nas melhores peladas de domingo.

Impedimento? Uma quebra da normalidade democrática e incompetência por si só não é justificativa. Mas Dilma está fazendo o possível e o impossível para ficar na banheira.

Ela própria anula seus gols. Seu assistente Mercadante? Busca a bola nas redes e coloca no meio do campo para reinicio do jogo. Está pior que o sete a um de Luís Felipe Scolari.



Laerte Braga, jornalista, trabalhou no Diário Mercantil e no Diário da Tarde de Juiz de Fora, para os Diários Associados e pela agência Meridional (primeira grande agência de notícias do Brasil) e também dos Diários e Emissoras Associadas. Escreve semanalmente para o Diário Liberdade.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

ÍNDIO NÃO É GENTE OU É INVISÍVEL?



Por José Ribamar Bessa Freire


“When a dog bites a man that is not news,
but when a man bites a dog that is news”.
(Charles A. Dana, jornalista americano)

Foi isso que aprendemos no Curso de Jornalismo da UFRJ, assim mesmo, em inglês.

Se um cachorro morde um homem, isso não é notícia, acontece sempre, mas se um homem morde um cachorro, aí sim, é notícia. Notícia é a novidade, o inusitado.

Tal lição importada dos Estados Unidos era ensinada, em 1966, pelo nosso professor Danton Jobim, autor do Espírito do Jornalismo, um espírito de porco que continua baixando ainda hoje nas redações, especialmente se o mordido for um índio e não o filho do dono do jornal.

No domingo vasculhei os dois jornais que assino – um do Rio, outro de São Paulo – para confirmar a notícia dos disparos feitos no sábado (29/8) por pistoleiros pagos que mataram o guarani-kaiowá Simeão Vilhalva, 24 anos, e feriram dez outros índios, incluindo crianças da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu (MS).

Nada encontrei. “Não houve tempo hábil de noticiar” – pensei, já que a edição dominical dos jornais fecha cedo no sábado e o corpo de Semião foi encontrado por volta das 15h, no córrego Estrelinha, onde foi atingido na cabeça quando bebia água.

Esperei a segunda-feira e passei um pente fino nos dois jornais. Inútil. Sequer uma notinha. O velório com as rezas de despedida, o caixão sobre banco de madeira ao lado de um galpão, o choro dolorido do filho e da esposa Janaína só apareceram nas redes sociais. A mídia nacional ignorou olimpicamente as mordidas dos “cães raivosos” do agrobanditismo, considerando, afinal, que aquilo não era novidade. Novidade seria se um índio mordesse um desses “cachorros”.

Se índios são assassinados sistematicamente nos últimos cinco séculos, isso é tão corriqueiro que deixou de ser notícia, assim como não é notícia o motivo pelo qual se mata: disputa por terra. No caso, esta área indígena demarcada e homologada pelo presidente Lula, em 2005, teve a homologação suspensa pelo ministro do STF Gilmar Mendes a pedido dos fazendeiros que a ocuparam ilegalmente. Permanece engavetada até hoje, alimentando o conflito, que é silenciado pela grande mídia, mas que bombou nas redes sociais em compartilhamentos indignados.

Os dois jornais de circulação nacional não deram uma vírgula ao longo da semana sobre os desdobramentos do crime: velório, enterro, protestos, ação policial e ministerial. Na terça, negaram aos seus leitores a notícia sobre o enterro. Lá poderiam entrevistar a professora guarani-kaiowá Inaye Gomes Lopes, testemunha do crime: “Houve massacres em dois lugares. Um na fazenda de Roseli, presidente do Sindicato Rural e o outro na fazenda de Dácio Queiroz, onde ocorreu a morte. Os fazendeiros com os pistoleiros deles chegaram atirando”.

Quarta-feira, nas redes sociais circularam notas de protestos de várias entidades, entre outras a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de uma Carta Aberta dos Servidores da Funai de Campo Grande/MS, mas os dois jornais de circulação nacional nem seu souza.

Se a morte de Semião não foi noticiada, como publicar notas exigindo a punição dos assassinos?

As notas lembraram outros líderes assassinados como Marçal de Souza e Dorvalino Rocha, condenaram a ação planejada dos ruralistas em ataque paramilitar premeditado, denunciaram o uso de munição própria das forças de segurança pública e exigiram o julgamento dos mandantes e dos executores, além da regularização da terra. O líder guarani Anastácio Peralta disse que Mato Grosso do Sul virou “o maior faroeste, o país perdeu a soberania, quem manda lá é pistoleiro e fazendeiro.

Um boi vale mais que uma criança. Eles matam nós como animais”.

Comparando as redes sociais com o silêncio da mídia, fica claro que noticia, na realidade, é aquilo que os jornais não publicam, o resto é propaganda, matéria paga.

Desconfio que não vou renovar minha assinatura dos dois jornais, transformados em panfletões dos donos da grana.

Eles contribuem para a invisibilidade dos índios no cenário nacional. A publicação dos fatos certamente evitaria outros crimes.

Diante do silêncio “se faz um nó na garganta e se espalha em vários nós por todo o corpo” – como sinaliza Graciela Chamorro, que conclama:

– Em nome de A Bondade de Nosso Pai, quem escreve, escreva; quem canta, cante; quem toca, toque; quem pinta, pinte; quem reza e ora, reze e ore; quem prega, pregue; que os operadores do direito operem com justiça para que a impunidade dos crimes cometidos contra indígenas tenha um ponto final.



José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de doutorado e mestrado e da Faculdade de Educação da UERJ, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indigenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

NALEDI ENTERRAVA SUAS CRIANÇAS



Essa é para os meus alunos que dizem não gostar de história porque é um campo do conhecimento que apenas trabalha com velhas e enfadonhas certezas.

Uma equipe internacional de arqueólogos e paleontólogos trabalhavam despretensiosamente num sistema de cavernas na África do Sul que havia sido descoberto por dois espeleólogos (exploradores de cavernas) em 2013 a cerca de 50 quilômetros de Johanesburgo, capital da África do Sul.

Com certeza nenhum dos 60 membros da equipe estava preparado para as surpresas que viriam. Coisas tão inesperadas para o historiador como seria a descoberta de um novo planeta no sistema solar para o astrônomo.

Foram encontrados mais de 1500 ossos e fragmentos, além de 140 dentes de indivíduos diferentes que incluem homens, mulheres, crianças, adultos e jovens.

Tal quantidade de vestígios num mesmo sítio já seria de espantar, mas surpresas maiores ainda seriam reveladas.

A espécie encontrada é completamente nova, sem nenhum registro entre hominídeos já conhecidos.

Além disso, pode ser a mais primitiva do gênero humano, datando, presumivelmente de 3 milhões de anos.

Já batizado como “Momo Naledi” (pronuncia-se Nalédi), suas características físicas deixam os especialistas perplexos.

Enquanto o crânio, as mãos, os dentes não deixem dúvida sobre ser da espécie hominídeos, e os pés incrivelmente semelhantes aos do Homo Sapiens, sua pelve e ombros são, aparentemente igual de macacos que viveram a 4 milhões de anos atrás.

Aliás, os pés sugerem uma espécie que viviam no solo e percorria distâncias, mas mãos são mais apropriadas para viver nas árvores.

Essa mistura de características de hominídeos modernos e antigos é de deixar qualquer historiador sem saber direito o que dizer.
Mas as perplexidades são ainda maiores.

O grande número de ossos encontrados em um só local, não havendo evidências de que tenham sido depositados ali pelas chuvas, e ainda não existindo marcas que sugiram terem sido carregados por predadores, revelam ser possível que os corpos tenham sido deliberadamente deixados no sistema de cavernas, o que, por sua vez, indicaria terem sido enterrados numa espécie de ritual funerário.

Enterrar seus mortos é algo muito além do instintivo, tanto que nenhum animal além do homem tem essa prática.

Exige que se acredite haver uma necessidade para que isso seja feito, e ainda sentimentos de respeito pelo indivíduo morto, o que exige que haja algum tipo de raciocínio, crença e valor.

Historicamente se acredita que as primeiras espécies suficientemente evoluídas para tudo isso só haviam procedido com algum tipo de funeral a 136 mil anos atrás, aproximadamente.

Como entender que isso fosse feito por uma espécie tão mais antiga (3 milhões de anos) do que os primeiros cemitérios encontrados? E uma espécie cujo cérebro não deveria ser maior do que uma laranja?

Teria a natureza testado o surgimento do homem em épocas diferentes e por diferentes caminhos evolutivos?

De onde veio o Homo Naledi? O que ele ainda tem para nos revelar?

Por tudo isso, a descoberta nas cavernas da África do Sul, pode revolucionar todo o conhecimento que consideramos sólidos e definitivos sobre nós mesmos.

E, para aqueles alunos que limitam o conhecimento histórico como algo acabado e desinteressante sobra o velho refrão: “há mais mistérios entre o céu e a terra do que nossa vã filosofia possa imaginar”.


Prof. Péricles
Fonte: Hype Science