sábado, 12 de dezembro de 2015

ORFEU, NÃO OLHE PARA TRÁS

Orfeu e Eurídice



Era uma vez um jovem chamado Orfeu.

Filho da musa Calíope, inspiradora dos poetas e do rei Eagro da Trácia, numa versão, ou, do próprio deus Apolo, em outra versão.

Era músico e o maior e mais inspirado poeta que o mundo já conheceu.

Sua arte era tão poderosa que, foi capaz de silenciar as sereias usando apenas o seu próprio canto.


Diziam que quando Orfeu tocava sua lira, que ganhou de Apolo, silenciava até o murmúrio dos ventos, das águas e o canto dos pássaros.

Já Eurídice era uma ninfa. Linda. Maravilhosa. Quando era vista, nua ou quase nua por algum mortal, embasbacava o pobre coitado.

Era desejada por deuses e criaturas mágicas. Por homens e mulheres.

Orfeu conheceu e se apaixonou profundamente por Eurídice.

Por sua vez, Eurídice se apaixonou por aquele artista maravilhoso.

A relação entre eles era harmoniosa e sob a inspiração do poeta e de sua música faziam amor nos campos sem fim do mundo mitológico grego.

Himeneu, o deus das paixões e dos matrimônios abençoou os dois quando resolveram casar.

Porém, a tragédia iria se abater sobre o casal apaixonado.

Na véspera do casamento, outro filho de Apolo, Aristeu, tentou seduzir Eurídice.

Tentando fugir de suas armadilhas inconvenientes, a ninfa acabou pisando numa serpente venenosa que a picou, provocando sua morte.

Orfeu enlouqueceu de dor.

Sua poesia calou, seus dias escureceram e tudo em sua volta ficou mais triste.

Inconformado e cego de dor, levando apenas sua Lira, empreendeu uma perigosíssima viagem ao Mundo dos Mortos para trazer de volta sua amada.

Movido pelo amor e transtornado pela dor percorreu vales sombrios e campos inteiros sem nenhum sinal de vida.

Não havia flores e frutos nas árvores, nem peixes nos rios.

Mas, Orfeu não recuou obcecado para rever a mulher da sua vida, dona de seu coração.

Na solidão do mundo dos mortos Orfeu toca sua Lira e canta para espantar a dor.

E é seu canto mavioso que amolece o mais duro dos corações, o coração de Caronte, barqueiro condutor das almas pelo rio Estige, que a princípio negava-se a transportar vivos no reino dos mortos.

O som de sua Lira faz dormir Cérbero, o terrível cão de três cabeças que guardava os portões do reino dos mortos.

Além disso, enquanto avança, o som de sua música maravilhosa aliviava os tormentos e angústias das almas condenadas ao sofrimento.

E, finalmente, Orfeu se vê diante do trono de Hades, o deus dos mortos, tendo ao lado sua esposa, Perséfone.

O poeta não resiste ao acúmulo de suas dores e chora como criança pedindo clemência à Hades para que possa levar Eurídice para o reino dos vivos. Seu choro é pungente, vindo do fundo do coração e comove a todos em sua volta, menos a Hades.

Porém, Perséfone, sensibilizada, implora ao marido que dê uma chance a Orfeu.

O senhor dos mortos acaba cedendo, Eurídice poderia voltar com Orfeu ao mundo dos vivos, mas impõem uma condição: Orfeu não pode olhar pra sua amada até que a luz do sol atinja os dois.

Eufórico Orfeu agradece muito à Perséfone e parte de volta para casa. Vai na frente segurando Eurídice pela mão e sem voltar o rosto. Toca músicas de alegria, numa verdadeira euforia contagiante. Nunca o mundo dos mortos viveu momentos tão alegres.

Algum tempo depois, perto da saída, ocorre o que não poderia ocorrer.

Segundo alguns por não aguentar as saudades, por outros, pelo medo de ter sido enganado por Hades, não se sabe bem, mas a verdade é que Orfeu vira-se para olhar Eurídice.

Por alguns instantes ele a vê, mas em seguida sua imagem começa a desaparecer lentamente.

Ambos choram, Orfeu caí de joelhos, mas o desaparecimento não cessa e em pouco tempo ele se vê sozinho novamente, segurando sua lira e não contendo a dor em seu coração.

A triste história de Orfeu e Eurídice nos lembra de que tudo começa com um desejo, mas que todo desejo possuí suas condições, seus limites, facilmente ultrapassados pela nossa invigilância e impulsividade.

Muitas vezes o que mais ansiamos é ter uma nova oportunidade, mas, geralmente, não estamos preparados para ela, pois mantemos os hábitos mais antigos.

Temos que confiar que seguindo o caminho encontraremos as respostas que amenizem nossas dores apenas quando atingirmos a luz do sol da consciência.

Devemos confiar mais no futuro e não olhando para trás, para o que já passou.

O futuro, sem dúvida é mais radioso e iluminado, é só acreditar.

Quanto a Orfeu, diziam os gregos nas conversas de fim de noite, nunca mais recuperou a paz e a felicidade, tornando-se um artista preso à sua dor e a seu arrependimento.

Sua arte ficou triste, seu semblante nunca mais recuperou o brilho.

Passou a aconselhar as pessoas, especialmente nos assuntos de amor e isso deu origem à expressão “orfismo”, uma ação em que o conselheiro resolve os problemas de todos, menos os seus.

Orfeu nunca mais quis saber de outra mulher, embora fosse constantemente assediado, especialmente pelas Mênades (furiosas) que eram mulheres adoradoras do culto a Dionísio.

Lascivas, incoerentes, perigosas, faziam o sexo mais enlouquecido e descompromissado que se possa imaginar. Sedução, embriaguez, violência, ligadas as forças mais primitivas da natureza, as tornavam temidas até pelos deuses.

Desprezadas, coisa que não podiam suportar, faz Mênades, acabaram num surto de desejo reprimido, num contraste de amor e ódio, matando Orfeu.

As nove musas, incluindo sua mãe, Calíope, sepultaram seu corpo no Monte Olimpo.

As assassinas foram punidas sendo transformadas em silenciosos carvalhos.

Não há lágrimas para esse final, pois, segundo os gregos, finalmente, no mundo dos mortos, Orfeu e Eurídice puderam se reencontrar, que era o que mais queriam.




Prof. Péricles



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