domingo, 29 de maio de 2016

LAERTE BRAGA PAROU DE ESCREVER

A partida de um grande guerreiro para o outro lado da existência, deixa o Brasil mais pobre e ainda mais carente de corações sem medo.

Mas, Laerte Braga não é uma perda. Laerte Braga jamais seria uma perda. Ele sempre será um ganho, nem que seja junto a outros guerreiros que hoje ainda lutam por justiça e por suas utopias nas grande padrarias celestes.

Prof. Péricles




Por Celso Lungaretti

Só mesmo a morte podia fazer Laerte Braga parar de escrever.

Veterano do jornalismo e do comunismo, Laerte Braga faleceu dia 15 de maio, vítima de enfarte aos 70 anos de idade.

Foi um companheiro com quem travei contato apenas virtual, mas logo percebi tratar-se de um militante da velha guarda, sincero e dedicado às suas causas.

Entendemo-nos bem, com mútuo respeito, no início. Depois, fomos arrastados a uma polêmica acalorada, em que tínhamos fortes motivos para assumir posições antagônicas.

Dois idosos que moram em cidades distantes acabam se encontrando apenas por acaso, e isto acabou não ocorrendo conosco (certa vez ele esteve para vir a São Paulo, mas cancelou a viagem à última hora). Então, eu não teria informações suficientes para traçar um perfil do Laerte com a qualidade deste que a jornalista Hildegard Angel, filha da Zuzu do filme, escreveu em 2012, quando ele disputava pela primeira vez a prefeitura de Juiz de Fora:

Dos candidatos de esquerda a prefeito no país, que se saiba, o mineiro Laerte Braga é o único que tinha direto acesso ao líder palestino Yasser Arafat, conversa em tête à tête com o iraniano Mahmoud Ahmadinejad e consegue, sem grande dificuldade, uma audiência quer seja com o venezuelano Hugo Chavez quer seja com o cubano Raul Castro. Enfim, um mineiro internacional!

Um comunista atípico, que professa religião, veste-se de branco às sextas-feiras, obedecendo à tradição da umbanda, aprecia a boa mesa, a bebida de qualidade, os valores familiares, é filho respeitoso da mãe de 98 anos, cultiva as frases, a memória e os conceitos transmitidos pelo pai, gosta de escutar jazz e blues, admira e assiste aos filmes de Fellini, Godard e Woody Allen, e quando casa é com mulher bonita e jovem, como a Fernanda Tardin, com quem constituiu sua segunda família depois de enviuvar.

Enfim, nada a ver com o perfil clássico do comunista iconoclasta, barbado, desajustado e avesso aos gostos tradicionalmente cultivados pela burguesia…

Tem uma história tecida com os fios da coerência, desde os 13 de idade, quando se ligou ao PCB, em 1958, ao qual (o dito Partidão) agora retorna.

Jornalista nascido e vivido em Juiz de Fora, onde trabalhou no extinto Diário Mercantil e no Diário da Tarde, da cadeia dos Diários Associados. Depois, saltou para os jornais graúdos, como Estado de Minas e Jornal do Brasil.

Hoje, abraça com todo o fôlego a mídia virtual, aquela que dá liberdade total, escrevendo para o jornal espanhol Diário Liberdade, blogs e sites como Juntos Somos Fortes, Pueblos de Nuestra America, Quem Tem Medo da Democracia?, Jornal O Rebate, enfim, a imprensa realmente livre, aquela em que se pode expressar opinião própria sem se submeter à tirania dominante da opinião única, que atualmente envergonha a imprensa brasileira…

Laerte participou da resistência à ditadura, quer ligado ao MDB, quer como jornalista, acolhendo e veiculando denúncias em veículos da mídia internacional, à época a única a relatar as torturas e assassinatos perpretados no país…

Quatro filhos, seis netos, Laerte acredita em debater a cidade em que vive como “a primeira realidade de cada um de nós –onde nascemos, onde está nossa família, onde crescemos, nos formamos, vendemos nossa força de trabalho, em família temos nossos filhos, netos, onde terminamos nossos dias”…

Diz mais: “Dentro dessa visão, a cidade é o ponto de partida para uma nação forte e isso só será possível com participação popular”… (por Hildegard Angel)



Celso Lungaretti, jornalista e escritor, participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Preso e processado, escreveu o livro Náufrago da Utopia.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

IMPRÓPRIA PARA MAIORES DE 50 ANOS


O jovem desolado, mãos nos bolsos, caminha tenso pela calçada vazia de uma noite que ficou para trás.

Sua rebeldia acumulada luta para escapar do peito e transformada em gritou assustar a fauna noturna que já dorme nos becos.

A repressão dos tempos negros daquela época em que qualquer tipo de comportamento rebelde era perigoso para saúde estava sempre atenta a gritos fugitivos que se escondiam nos becos.

Eram tempos em que, quem não suportava as injustiças e as ordens opressoras não tinha para quem apelar, a não ser, para seus próprios deuses imaginários. E esses deuses eram seus únicos amigos confiáveis, naqueles tempos.

Dia haverá de chegar, pensava ele, em que todos os ouvidos estarão abertos aos apelos dos perseguidos.

Não há madrugada que não acabe, pensava ele enquanto chutava uma lata, sempre haverá um novo amanhecer.

Muitos anos depois o jovem já não é mais jovem, embora seus sonhos esqueçam disso e insistam em ter as mesmas cores de antigamente.

E para sua imensa surpresa ele se pega novamente chutando lata.

Novos gritos se recusam às masmorras da ordem estabelecida.

A repressão dessa vez, não tem a face suja de sangue como antigamente, mas tem nos olhos aparência mais sinistra, talvez, devido aos comerciais.

A quem apelar em pleno estado de direito, se são os juízes que escolhem o que ouvir, a quem julgar, que listas devem ser apuradas ou esquecidas?

A quem pedir justiça se ela foi privatizada e agora tem dono?

Nos tempos antigos os perseguidos eram listados por organismos cujas siglas tornaram-se sinônimas de terror: DOPS, OBAN, SNI e tantas outras.

Nos tempos novos os perseguidos são selecionados em gabinetes refrigerados, por equipes profissionais que escolhem as notícias e as versões que serão impostas ao povo.

São nos estúdios e editoras que se traçam destinos e se praticam torturas.

Se antes os profissionais se envergonhavam, de sua própria brutalidade escondendo da própria família sua “rotina de trabalho” hoje, os profissionais da mentira vestem roupas limpas, ganham bons salários e se orgulham do que fazem.

Antes o inimigo era bem definido, usava farda. Agora, é invisível, ou melhor, é bem trajado e maquiado.

Dia virá em que tudo isso será reescrito e redefinido.

Dia virá... bolas, mas até lá, como esconder tanta patifaria e canalhice?

A geração mais velha prefere a luta direta do que a farsa de uma democracia prostituída.

Essa é uma ditadura imprópria para maiores de 50 anos.

Muito difícil jogar um jogo de cartas marcadas. Melhor mesmo a fria bala do fuzil.

É mais dura, porém mais sincera.



Prof. Péricles

quarta-feira, 25 de maio de 2016

AS INSTITUIÇÕES ESTÃO FUNCIONANDO

Por MARCELO ZERO

Após o golpe, tudo volta ao normal. Tudo volta ao que manda a tradição. As instituições funcionam.

O poder voltou para seus detentores tradicionais: homens brancos, ricos e conservadores. Homens de religiosidade rígida e moral flexível. Homens de contas suíças e política hondurenha, como manda a tradição. As mulheres voltam ao lar e os negros à senzala, como impõe a tradição.

Para conciliar a nação e unir o país, iniciou-se à caça às bruxas contra petistas, progressistas, “bolivarianos”, defensores dos direitos humanos, gays, “abortistas”, “artistas vagabundos” e toda essa fauna que nunca deveria ter chegado perto do poder. Estão fora, como sempre foi na nossa normalidade democrática. Talvez sejam presos, talvez torturados, como reza nossa mais bela tradição.

Na Esplanada, os ministros, na falta de ideias e propostas, dedicam-se a “rever tudo o que foi feito”. Não fazem; reveem o que foi feito. Editam e reeditam a mesma medida provisória várias vezes. Fazem e desfazem ao mesmo tempo, num confuso ioiô cultural. Desfazem até o que eles mesmos fizeram. Esse governo não governa. Esse governo desgoverna. Como era a tradição. Como era normal.

Fazer, mesmo, só o déficit monumental. Deram a si mesmos um enorme cheque em branco para evitar as acusações que eles mesmos utilizaram. À população darão os tradicionais e sombrios pacotes de maldades. Tudo como esperado.

No Senado, prepara-se o rito sumário do julgamento de cartas marcadas iniciado por Eduardo Cunha por vingança política. Segue-se escrupulosamente o rito, faz-se a inescrupulosa condenação sem crime. Sem mérito, mas com muitas formalidades e salamaleques. Como manda a tradição.

Na Câmara, o chefão acusado por um cruel, malvado e anônimotrust suíço continua a mandar no país, mediante seus subordinados no Planalto. Tudo certo.

A mídia plutocrática, antes o maior partido de oposição, volta a ser um diligente partido da situação, defendendo os verdadeiros donos do poder. Como determinam a tradição e a normalidade.

Após cumprir o cívico papel de criminalizar o PT, as gavetas das instituições de controle voltarão a se encher com processos incômodos. Como era a tradição.

As ruas voltam a ficar vazias e as bandeiras do Brasil regressam aos baús cínicos da indignação seletiva. Como sempre foi. As panelas tornam a silenciar em homenagem à normalidade restaurada.

O Itamaraty, que fez silêncio obsequioso ante o atentado à democracia, agora dirige decibéis grosseiros contra potências imperialistas como Nicarágua e El Salvador, que ameaçam a soberania e a imagem do golpe. Volta-se a falar grosso com a perigosa Bolívia. Promete-se, no entanto, mansidão de trato com países pacíficos e modestos, como os EUA. Volta-se ao normal.

Os pobres, que haviam entrado de modo solerte no Orçamento, preparam-se para dele sair. A pinguela para o passado prepara os cortes no Bolsa Família, no Minha Casa Minha Vida, na saúde pública, no Prouni, no Fies, no Pronatec, nos institutos federais, nas universidades. Afinal, a constituição cidadã e os pobres não cabem no Orçamento. Nele cabem apenas rentistas e ricos. Como reza a nossa gloriosa tradição de exclusão.

Os médicos estrangeiros sairão do país, os negros e pobres sairão das universidades, as crianças do Bolsa Família sairão das escolas. Os sem casa voltarão às ruas, as crianças retornarão aos sinais, pobres e negros voltarão às favelas e às filas do desemprego. Gays e transexuais voltarão á marginalidade. Mulheres regressarão ao seu lugar. Trabalhadores deixarão a proteção legal da CLT e voltarão à precariedade e ao subemprego. Quem foi à classe média retornará à pobreza.

Toda essa “herança maldita” de igualdade será revista, seguindo nossos sólidos cânones históricos, que sempre privilegiaram os privilegiados. Como deve ser.

Os aeroportos serão, de novo, apenas dos abastados e o poder será somente de quem pode. Tudo voltará ao normal. Reza a tradição que o Brasil é para poucos.

Quem entrou na Casa Grande, voltará à Senzala. Como sempre foi, como deve ser.

Não se preocupem. No Brasil, as instituições estão funcionando.



MARCELO ZERO é Sociólogo, especialista em relações internacionais e assessor da Liderança do PT no Senado








sábado, 21 de maio de 2016

PEDALADAS DO AMOR


Transformar o ódio em diálogo e a intolerância em arte.


Os caminhos da paz são mais suaves do que os da guerra.


A Praça Salvador, em Laranjeiras, Zona Sul do Rio de Janeiro sempre foi uma espécie de local de encontro de militantes onde debates espontâneos sobre a triste conjuntura atual brasileira é discutida.


Ali nasceu o coletivo “A Esquerda da Praça.


Muitas vezes, de seus encontros surgiram planos de mobilização e resistência contra o vergonhoso golpe impetrado no Brasil.


Todas as atividades sempre foram pacíficas e ordeiras, tendo, inclusive o apoio dos moradores locais.


Dia 18 desse mês de maio, os estabelecimentos comerciais daquela região amanheceram pichados com mensagens de intolerância e homofobia típicas do fascismo, com apologia ao ódio aos partidos de esquerda.


A indignação da militância esquerdista, no entanto, lançou um outro olhar sobre como reagir às agressões fascistas.


Seu Luiz, dono de uma papelaria que teve suas portas pichadas adorou a ideia da meninada de, por cima das inscrições beligerantes permitir que artistas de rua criassem uma obra em grafite (foto).


Outros comerciantes invejaram seu Luiz e pediram também uma obra em seus estabelecimentos.


Alguns artistas grafiteiros, mesmo não participando do coletivo “’A Esquerda da Praça”, compareceram voluntariamente para ajudar nos trabalhos.


Ideia interessante e feliz.


Das agressões visuais surgiu uma Praça mais bela e humana.


Seria uma benção ao nosso povo se fosse possível transformar toda agressão em arte, toda intolerância em aproximação.


A arte acalma as feras e agrada ao coração.


Dizem que Hitler tornava-se dócil como criança ouvindo Wagner.


Talvez o melhor mesmo seja implantar outras “Praça Salvador” ao longo de nossas ruas e cidades.


Que se produza arte ao sabor da paz, como foi “Pedaladas do Amor” o trabalho em grafite na papelaria do seu Luiz.




Prof. Péricles

quarta-feira, 18 de maio de 2016

O HOMEM QUE SE APAIXONOU POR UMA PAINEIRA



Por Moisés Mendes

Contei ao biólogo Flávio Barcelos Oliveira que uma figueira da Avenida Juca Batista, na zona sul de Porto Alegre, é a minha árvore preferida. Flávio é funcionário da Secretaria do Meio Ambiente (Smam) e quem mais conhece as árvores de Porto Alegre.

Quando falei da figueira, ele me disse: eu sei qual é. E sabia. A figueira está perto da rótula da Serraria e foi mantida sobre a calçada quando alargaram a avenida, há mais de 10 anos. É uma árvore vulnerável.

Se um dia o progresso alargar de novo a Juca Batista, a figueira será ameaçada, mesmo que todos os Flávios da Smam tentem protegê-la. Durante a semana, passo pelo menos duas vezes por dia pela figueira e penso se em algum momento ela não será um estorvo para os carros.

Flávio me ouve e depois me conta a história da sua árvore preferida. É uma das mais belas histórias de árvore que já ouvi. Começa em 1978, quando ele, aos 23 anos, é técnico agrícola da Smam.

Determinam que Flávio examine as copas das árvores da Avenida João Pessoa, para implantação do corredor de ônibus. Sobre a calçada, passando a esquina com a Princesa Isabel, do lado esquerdo de quem vai para o centro, ele e um colega veem uma muda de paineira de um metro de altura.

A árvore iria crescer e as raízes poderiam estourar a calçada. Decidem cavar e retirar a paineira. No lugar, colocam uma muda de jacarandá. É quando um homem grita da janela do prédio em frente:

— Parem, seus ladrões de mudas. Essa paineira é minha.

O homem desce. Eles argumentam que a Smam cuida do espaço público e que a paineira estaria bem em outro lugar. O homem não aceita. A paineira é dele. Vencidos, os dois retiram o jacarandá, recolocam a paineira no buraco e recomendam que o homem faça uma espécie de proteção com leivas, para que as raízes se acomodem ali.

Seis anos depois, o homem aparece, ao acaso, na sala de Flávio na Smam. Diz que uma paineira está estourando a calçada. O agora biólogo percebe que o dono da paineira não o reconhece e então se apresenta:

— Eu era o ladrão de mudas lá de 1978. Mas agora é tarde demais.

O homem vai embora. Mas volta à Smam mais duas vezes para tentar remover a paineira. Os vizinhos viam as raízes como ameaça. A árvore chegara aos oito metros. Flávio resiste e vence. A paineira sobrevive. As raízes se esparramaram e hoje quase tomam conta da calçada.

O biólogo vai se aposentar no dia 18 de agosto, no exato dia em que completará 42 anos de Smam. Essa é a história que mais emociona o protetor das árvores de Porto Alegre. Flávio me disse:

— Depois da tempestade, a primeira coisa que fiz foi ver como ela estava. Está bem. É a paineira mais bonita da cidade. Podem até dizer que não é, mas eu me apaixonei por ela.



Moisés Mendes era jornalista do jornal golpista Zero Hora de Porto Alegre/RS.
Por ser voz solitária em defesa da democracia foi desvinculado do jornal no mês de março.
Ao Moisés Mendes nosso respeito e nossa solidariedade. 

segunda-feira, 16 de maio de 2016

BRASIL LILIPUT















Por Mino Carta



O afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara estava escrito no script da conspirata. Ele paga o pato (obviamente, não o da Fiesp) para que Michel Temer e outros não paguem por coisa alguma.

Passo seguinte: a devolução das investigações a respeito de Luiz Inácio Lula da Silva à sanha de Sergio Moro. Ousada demais a previsão da condenação final do ex-presidente da República, último e principal objetivo de caudalosa manobra?

Como disse Massimo D’Alema, a prisão de Lula acentuaria o sabor do golpe e abriria a perspectiva de “um confronto lacerante”. Mas não seria a detenção de Lula a última passagem do script? O impeachment de Dilma Rousseff não passa de uma etapa do golpe, outras hão de vir.

Nunca aos meus olhos foi tão evidente a prepotência dos eternos donos do poder, prontos a aproveitar o momento de fragilidade de um país, por eles mesmos condenado a não passar de exportador de commodities, para desferir um golpe de feitio inédito.

Os conspiradores vitoriosos não hesitam em se apresentar como patriotas quando nada fizeram por sua terra ao satisfazer apenas e tão somente a sua ganância.

Elite da pior qualidade, incapaz até de entender as vantagens que o capitalismo tem condições de oferecer à nação em peso pelos caminhos que em outros tempos Antonio Gramsci definiu como fordismo.

Devemos à dita elite nativa a permanência da senzala, a educação precária do povo, a saúde mais ainda. Mas os próprios autores da desgraça não primam pela sabedoria, pela cultura, pela visão profunda das coisas da vida e do mundo. Em geral, toscos até a medula, embora arrogantes.

De certa forma criaram o país que lhes convém, e tragaram na esteira dos seus comportamentos quem haveria de resistir e apontar a direção certa. Aludo inclusive ao PT. Imaginou ter atingido o estágio senhorial e se portou no poder como os demais pretensos partidos.

Na tentativa de imaginar o que virá, é fácil antever o futuro. O loteamento dos bens brasileiros, o distanciamento dos BRICS para a alegria de Tio Sam, Alca em lugar de Mercosul. Etc. etc. Antes ainda, a punição do trabalho, e aqui a alegria será da Fiesp e quejandos. Antes de tudo, a punição do Brasil e da maioria abandonada ao seu destino, em boa parte incapaz de perceber e avaliar a imponência da tragédia.

O que espanta é a profusão de bandeiras desfraldadas, a enfeitarem fachadas e carros, ou envolverem cidadãos ignaros. Celebra-se, igual à conquista de uma Taça do Mundo, o enterro do Estado de Direito. O espetáculo é assustador sem deixar de ser patético, reação parva, para não dizer demente, à fatal prepotência cometida contra qualquer propósito democrático. Se quiserem, contra quem se embandeira.

Suponho que, se Gulliver decidisse hoje partir na rota de Lilliput, não teria maiores dificuldades ao aportar no Brasil.

sábado, 14 de maio de 2016

O MAIS TRISTE


Deixando de lado o discurso político e as palavras doces, e definindo as coisas pelo seu nome popular, tudo isso que vimos acontecer na política brasileira deve ser definido como golpe, imoralidade, mas, acima de tudo, como algo muito triste.

Mas, de todas as tristezas, qual foi a mais dolorosa?

O fato de 54 milhões de votos serem desconsiderados é chocante, claro.

Assistir ao vivo uma rede de televisão, a maior do país, despir-se do manto da neutralidade e atuar mais do que qualquer partido político. Destacar pessoas e falas e omitir outras, é assustador.

E sem dúvida, que ver a Polícia Federal, que por coerência em suas funções sempre foi discreta, aparecer todos os dias na televisão, ou juízes incorporando bocejos de celebridade, foi de lascar.

E o STF, nossa suprema corte, sempre a última esperança, o bastião da neutralidade? Como doeu ver a suprema corte tomando partido pelo golpe.

De todos os fatos absurdos dois, provavelmente, serão sempre lembrados sem muito esforço: o caso de um ex-presidente ser levado coercitivamente a depor sem nunca ter sido chamado antes e o fato de um processo que pedia a exclusão do presidente da Câmara dos Deputados ter ficado cinco longos meses engavetado no STF e desengavetado depois que tudo já tinha se decidido.

O golpe impetrado pela maioria do parlamento, tido como pior já eleito no Brasil, teve a parceria vital da mídia e do sistema jurídico do Brasil.

Homens como Tche Guevara alegavam que a revolução armada era necessária pois, nas regras da democracia burguesa jamais um governo popular seria eleito e se fosse não teria governabilidade e se tivesse seria derrubado.

Vendo o que aconteceu no Brasil somos obrigados a concordar com ele.

Mas, o que foi mais triste nessa sujeira histórica praticada do Brasil, ainda não foi nada disso.

A maior de todas as tristezas foi ver parcela majoritária da classe média despejar seu ódio contra qualquer avanço das classes mais pobres.

No golpe nazista na Alemanha utilizou-se o anti-sionismo como combustível na fogueira do ódio. No Brasil o fascismo usou o antipetismo.

Mas, o petismo não é uma etnia, nem uma ideologia, muito menos uma religião.

O petismo, no caso, representava políticas sociais que alavancaram os mais infelizes do Brasil do pior estado de miséria para uma situação remediada.

Por isso o antipetismo é, na verdade, anti-pobre, anti-melhorias sociais, anti-negro na faculdade.

O que mais dói é perceber como nosso povo é anti.

É perceber, sem direito a qualquer ilusão, o quanto é medíocre o pensamento do dito, brasileiro médio.

O mais triste de tudo isso é perceber que ainda estamos longe de ser uma nação e como estamos próximos das mais mesquinhas sensações, moralmente indigentes e egoístas.



Prof. Péricles

quinta-feira, 12 de maio de 2016

LAMENTO SOBRE O BRASIL






Por Hermes C. Fernandes

Ai de ti, Brasília! Ai de ti, Brasil! Porque, se nos dias que precederam o golpe de 64 a população tivesse acesso a tantas informações quanto se tem atualmente, certamente teria se mobilizado e impedido que a democracia fosse ultrajada e o país mergulhasse em vinte e um anos de ditadura militar.

Portanto, que sejamos menos rigorosos em julgar os brasileiros daquela época que saíram às ruas clamando por um golpe, do que em julgar os que hoje, mesmo alertados pela história, seguem coniventes com o que está sendo engendrado contra a jovem democracia brasileira.

A primeira vez é tragédia. Mas a segunda, farsa.

E tu, República Federativa do Brasil, que te levantaste até o céu para desfrutares da liberdade de uma pungente democracia, tornando-se a quinta economia mundial, terás teu orgulho abatido até o inferno ao vires o retrocesso a que serás submetida por aqueles que se unem para devorá-la e negociar tuas riquezas.

Os brasileiros que enfrentaram a ditadura e que saíram às ruas nas “Diretas Já” se levantarão e condenarão tua letargia e cinismo.

As grandes democracias do mundo olharão com desdém e te censurarão por haver permitido tal descalabro, deixando-se seduzir por teus próprios algozes.

As gerações futuras se envergonharão ao descobrirem a maneira como esta geração se deixou manipular por aqueles que almejavam retomar o lugar que ocuparam por quinhentos anos.

Não há desculpas para esta geração. Não depois da internet. Não depois que o Brasil se tornou protagonista no tabuleiro político e econômico internacional. Não depois que 36 milhões de cidadãos brasileiros deixaram a miséria. Não depois que o analfabetismo foi quase inteiramente banido. Não depois que o fluxo migratório foi revertido.

Em 64, o número de jovens que ingressavam na universidade era ínfimo, na casa dos milhares. Hoje são quase oito milhões, incluindo negros e outras minorias que antes eram excluídos.

Não se trata de ser a favor de um governo ou de um partido em particular, mas de ser a favor da democracia, contrariando interesses econômicos dos que se locupletam da opressão exercida sobre as camadas mais humildes.

Não chegamos ainda à terra prometida. Quando muito, encontramos um oásis ou outro no meio do caminho. Mas, ainda há meio deserto pela frente. Mas não se pode dar ouvidos aos que pretendem nos levar de volta para o Egito.

Você pode não gostar da presidente, de sua maneira de discursar, das alianças que fez em nome da governabilidade, e até da corrupção cometida por membros de seu governo, mas daí se prostrar diante de um enorme pato amarelo em frente à sede de uma instituição que pretende acabar com os direitos trabalhistas conquistados a duras penas pelas gerações que nos antecederam, isso é inadmissível.

As próximas gerações não nos perdoarão. Nossos filhos e netos colherão o que hoje está sendo plantado sob a justificativa de se combater o comunismo e a corrupção, a mesma usada para desmoralizar Getúlio, destituir Jango, exilar Juscelino e decretar o AI-5.

Que o Senhor da História tenha compaixão da nossa geração durante a travessia desta encruzilhada.

Que Sua providência nos guie na direção da justiça, da liberdade e da esperança.

quarta-feira, 11 de maio de 2016

O IMPEDIMENTO VENCEU MAS O GOLPE SERÁ DERROTADO


Por Wanderley Guilherme dos Santos


Não há reversibilidade possível no processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff. 

O atual Supremo Tribunal Federal não tem coesão para tanto ousar, declarando inconstitucional a decisão iniciada pela Câmara dos Deputados e completada pelo Senado Federal.

Os fundamentos da acusação à presidente são precários, a sentença é notoriamente desproporcional, mas a convergência de conspirações entre agentes econômicos, maiorias parlamentares conservadoras, ressentimentos de ricos e remediados, com a liga propiciada pelo oligopólio dos meios de comunicação, historicamente antidemocráticos, alcançou eficácia inédita na contra-história golpista brasileira.

Em vão a tonelada de argumentos e evidências da insustentabilidade de processos em que maioria decide que 2 e 2 são 5 porque ela assim quer.

O impedimento se deu porque a maioria assim o quis. Qualquer objeção jurídica ou lógica à decisão é pura perda de tempo.

Por isso o golpe fracassou.

As sucessivas ilegalidades da força-tarefa da Lava-Jato, com prisões injustificadas, humilhações de investigados, difamações, tortura psicológica de presos, vazamentos operados com oportunismo, incansável repetição de incriminação e degradação de investigados ou mesmo réus em curso de julgamento, linguagem virulenta de procuradores, policiais federais e procurador-geral da República, cultivando hostilidade e ódio na opinião pública e, finalmente, o apelo dos homiziados de Curitiba aos movimentos sociais conservadores e mídia golpista para continuado apoio, esquecendo as instâncias judiciárias e de outros poderes a que estão subordinados, substituiu a indumentária de cavaleiros pelo restabelecimento da moralidade pelo descarado uso da força bruta, e só ela, contida nas leis.

Não há salvação: Michel Temer é um usurpador e seu governo não deve ser obedecido.

Não deve e não o será.

O golpe fracassou socialmente e o usurpador só governará mediante violência física, repressão sem disfarce.

Ou a sublevação social pela democracia é submetida pela força (e aí o golpe, finalmente, será vitorioso), ou a coerção servirá de combustível à sublevação.

Então, de duas uma: ou Michel Temer renuncia e o STF convoca novas eleições ou as forças armadas intervirão.





segunda-feira, 9 de maio de 2016

A BANALIDADE DO MAL





Exmo. sr. capitão paraquedista reformado
Deputado Jair Messias Bolsonaro (PSC/RJ)

Sou Maria Garcia Meirelles, amazonense de Parintins, mãe de Thomaz Antônio da Silva Meirelles Neto, ex-secretário geral da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES), preso, torturado e assassinado na prisão.

Escrevo-lhe porque o senhor matou meu filho outra vez no domingo passado, em sessão da Câmara de Deputados, ao fazer uma apologia do crime exaltando seu colega de armas, coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, torturador e assassino reconhecido, responsável por 60 mortes e por mais de 500 casos de torturas cometidos no Doi-Codi entre 1970-1974.

Neste período, capitão Bolsonaro, Thomazinho combatia o golpe militar que rasgou a Constituição, derrubou o presidente eleito pelo voto popular, instituiu a censura e suprimiu as liberdades democráticas. Por isso, em 1970, foi preso e torturado no Doi-Codi. Condenado, cumpriu pena. Libertado dois anos depois, teve que se esconder. Foi aí que viajei ao Rio para encontrá-lo, na clandestinidade, levando um pouco do sabor de sua infância – uma paçoquinha que eu mesma fiz no pilão e que ele gostava tanto.

Nosso encontro foi numa noite de fevereiro de 1973 em Copacabana. Senti dor imensurável ao ver o fruto das minhas entranhas machucado, lanhado, com marcas de tortura e cicatrizes no corpo. Era um pedaço de mim que estava ferido. Provou a paçoquinha e deitou a cabeça no meu regaço, sempre calado, discreto e triste. Eu lhe fiz muito carinho, sem saber que era uma despedida. Essa foi a última vez que o vi.

Meu filho voltou a ser preso em 7 de maio de 1974, quando viajava do Rio a São Paulo, conforme documentos do DOPS/SP e relatório do Ministério da Marinha assinado pelo ministro Ivan Serpa. Cinco anos depois, o nome de Thomazinho constava numa lista publicada pelo Correio da Manhã (03/08/79) com 14 presos mortos pelos serviços secretos das Forças Armadas, mas somente em 1995 ele foi considerado oficialmente desaparecido. O corpo até hoje não foi localizado.

Durante anos, não assumi o luto por meu filho, sempre com a esperança de reencontrar a quem me fez mãe. É que quando ele nasceu, eu também nasci como mãe. Admitir sua morte era, além de amputar uma parte de mim, matar minha maternidade. Meu filho era muito inteligente, doce, educado, generoso. Um príncipe. Todos gostavam dele. Eu não o esqueci nem um minuto, não podia imaginar um amanhã sem ele. Nunca soube de seu paradeiro. Levou tempo para ter a certeza de seu assassinato.

A notícia foi confirmada quatro décadas depois pelo seu colega, capitão Bolsonaro, o ex-delegado do DOPS, Cláudio Guerra, atirador de elite, que escreveu o livro “Memória de uma Guerra Suja” para exorcizar os demônios que o atormentavam. Em entrevista a Alberto Dines, em junho de 2012, no Observatório da Imprensa, ele contou histórias de assassinatos e torturas durante a ditadura militar:

– “Hoje mais uma historia triste para esclarecer é (do) desaparecido político Thomaz Antônio da Silva Meirelles. É…recebi um chamado do coronel Perdigão e fui ao quartel da Barão de Mesquita (…) Ali o coronel Perdigão me entregou um corpo num saco preto, né, (…), quando chegou em Campos abri o saco, vi que se tratava de um homem aparentando ter mais ou menos 40 anos. E muito machucado, ele estava apenas vestido com um calção, não tinha as unhas das mãos, estavam arrancadas, o rosto bem desfigurado pelas torturas, com sinais de queimaduras…”.

A brutalidade da cena agride a humanidade. Quanta dor! Não desejo esse sofrimento para ninguém, capitão Bolsonaro, nem para dona Olinda – a sua mãe, nem para Michelle – sua esposa, nem para qualquer um de seus filhos – Eduardo, Flávio, Carlos, Renan e Laura. Ninguém merece isso, nem mesmo um execrável torturador. No meio da barbárie, luto para preservar minha humanidade. Vocês tiraram duas vidas: a minha e a do meu filho. Aconselhada a pedir indenização, não o fiz. O que queria era a verdade, nada mais, saber o paradeiro do meu filho em cujo túmulo em lugar desconhecido não pude colocar uma flor ou acender uma vela.

O assassinato de Thomazinho como de tantos outros foi uma extrema covardia. Ele estava preso, desarmado, legalmente sob proteção do estado. Os assassinos, com salários pagos pelo contribuinte, envergonham o Exército nacional por praticarem um crime abjeto contra a humanidade, conforme definido pelo Direito Internacional. Como pode um ser humano se degradar tanto a ponto de torturar ou de apoiar a tortura? O senhor defendeu a tortura cometida por um coronel armado contra Dilma Roussef, uma mulher indefesa.

A sua declaração de voto, capitão Bolsonaro, revela covardia, que não me surpreende, pois o senhor é um notório agressor profissional de mulheres. Ofendeu Maria do Rosário (PT-RS) quando ela defendeu a Comissão da Verdade, insultou Benedita da Silva (PT-RJ), ameaçou a advogada indígena Joênia Wapichana, a cantora Preta Gil, a ministra Eleonora Menucucci (PT/MG), a senadora Marinor Brito (PSOL-PA) e até Marta Suplicy (PMDB/SP) quando ela defendia projeto de lei que criminaliza a homofobia. Tudo isso escancaradamente, publicamente.

Racista, homofóbico e fascista, a sua declaração em favor da tortura ecoou como o grito necrófilo e insensato de “Viva la Muerte” do general espanhol José Millán-Astray, em 12 de outubro de 1936, criticado por Miguel de Unamuno, reitor da Universidade de Salamanca, para quem só um mutilado mental carcomido pelo ódio é capaz de gritar “morra a vida”.

Capitão Bolsonaro, no Congresso do Cunha comandado por um réu no STF, o senhor votou e declarou que votava “sim” porque era a favor da tortura. Mais claro não canta um galo. Sua declaração de voto a favor da tortura me deu a certeza de que aquilo que está acontecendo no Brasil é mesmo um golpe. O Fora Dilma equivale a um Fora Thomazinho e Fora todos aqueles que combateram o outro golpe, o de 1964.

Tenho pena do senhor pela besta-fera em que se transformou. Morro de vergonha de vê-lo representando parcela do povo brasileiro no Congresso Nacional. Se viva fosse, diante de tanta afronta e de tanto escárnio, me sentiria representada pela reação do deputado Jean Wyllys (PSOL/RJ) e pela ação atribuída à torcida do Corinthians na montagem da foto que circulou nas redes sociais.





Carta “psicografada” de dona Maria Garcia Meirelles, falecida em 1999.

sábado, 7 de maio de 2016

DIA DAS MÃES E O DIREITO DA DESPEDIDA


No dia das mães lembro de Zuleika.

Em 14 de abril de 1971, pouco antes dela completar 50 anos, seu filho, Stuart, foi preso pela repressão da Ditadura Militar Brasileira.

Nunca mais foi visto com vida.

Mas Zuleika, que era conhecida no Brasil como Zuzu Angel, nunca desistiu de encontrá-lo, ou, de pelo menos, poder enterrar seu corpo.

Ficou conhecida no mundo inteiro por sua busca de mãe desesperada, tornando-se um símbolo da luta contra os crimes da ditadura.

Chegou a “furar” a segurança, arriscando a vida durante uma visita oficial do secretario norte-americano Henry Kissinger ao apartamento do General de plantão na presidência do Brasil na época, Ernesto Geisel.

Como mães possuem um código próprio, pediu ajuda para outra mãe, a esposa do general Mark Clark, comandante das tropas aliadas na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial.

Tudo inútil. As lágrimas de Zuzu Angel jamais secaram e, exatamente cinco anos depois da prisão de Stuart, em 14 de abril de 1976, ela também se tornaria uma vítima da ditadura, sofrendo aquelas mortes estranhas e inexplicáveis de acidente de trânsito, tão ao gosto dos tiranos da época.

Uma semana antes do “acidente” Zuzu deixou na casa do amigo Chico Buarque de Hollanda uma carta em que dizia “se eu aparecer morta, por acidente ou outro meio, terá sido obra dos assassinos do meu amado filho”.

O corpo de Stuart jamais foi encontrado e ainda figura entre os desaparecidos políticos, apesar de ser amplamente conhecido, graças ao testemunho de outros presos políticos da época, o que aconteceu com ele.

Stuart, militante do MR-8 era muito próximo do Capitão Carlos Lamarca, inimigo número 1 da ditadura. Foi torturado desde o momento em que foi preso. Acabou morrendo por asfixia quando teve a boca amarrada a um cano de descarga de um veículo.

Muitas mães, como Zuzu, já morreram sem poder enterrar os restos mortais de seus filhos assassinados nos porões da tortura. Outras, em idade avançada, ainda sofrem de saudades e ainda choram lágrimas de mãe, aquelas lágrimas que, sabemos, são as mais amargas que se pode conhecer.

E  às dores dessas mães, acrescenta-se hoje a dor de assistir elogios à ditadura.

À essas mães sofridas, de todas as lágrimas amargas, a quem foi negado o direito da despedida, o desejo sincero de um dia das mães suavizado pela resignação e a certeza de que a justiça, mais cedo ou mais tarde, aqui ou em outro plano da existência, será feita.


Prof. Péricles

quinta-feira, 5 de maio de 2016

SUPERMAN DE REAÇA AMERICANO A DITADOR SOVIÉTICO


Por Ednardo Pinho

Quadrinhos de super-heróis, historicamente, têm sido considerados produto para entretenimento de crianças e adolescentes, sem qualquer pretensão artística ou intelectual.


Foi assim desde o surgimento do gênero, no fim dos anos 1930, nos Estados Unidos, e quase nada mudou até idos da década de 1980, quando surgiram obras que, por um lado, introduziram inovações técnicas apreciáveis, chamando atenção para a  linguagem quadrinhística, e, por outro, apresentaram desenvolvimentos temáticos com forte apelo junto ao público adulto.

Nessa época, O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, causou furor e devoção ao apresentar um Batman envelhecido, soturno, violento, numa trama efetivamente bem elaborada. Também Alan Moore e Dave Gibbons, com Watchmen, elevaram os quadrinhos de super-herói a um patamar artístico nunca antes atingido ao mostrar uma história altamente realista sobre como poderia ser um mundo em que super-heróis de fato existissem.


E assim começou a operar-se uma mudança no modo como os super-heróis eram vistos pelo público.

Ironicamente, o personagem símbolo de super-herói, o Superman, não teve a mesma sorte que um Batman ou um Demolidor, por exemplo, a de estrelar histórias que tivessem algo a dizer a um público maduro ou a um leitor não aficionado por quadrinhos. O Superman, a despeito de algumas histórias escritas por roteiristas consagrados, parecia um personagem fadado a viver aventuras infantiloides e dramas artificiais.

É que talvez não seja mesmo muito fácil infundir densidade a um personagem superlativamente poderoso e sem sérios dilemas morais, cuja atuação parecia ser sempre uma peça de propaganda de valores associados ao American way of life, aspecto ideológico estudado de maneira cabal por Umberto Eco em Apocalípticos e integrados, cuja primeira edição data de 1964.

O Superman, segundo Eco, batalha sempre pela manutenção do status quo num mundo profundamente injusto e cheio de sofrimento, sem jamais questionar sua conduta. Argumenta o estudioso que um personagem tão poderoso poderia gerar riqueza incalculável, seria capaz de resolver problemas como a fome e a opressão por que passam milhões de pessoas no planeta.

Em vez disso, porém, a luta do herói se dá geralmente em âmbito local, despendendo suas energias no desbarate de quadrilhas de gangsters, assaltantes de banco e coisas do gênero. Por que se limitar a salvar pessoas dos escombros de um desabamento ou evitar o descarrilamento de um trem quando se tem poder para agir em escala cósmica? Por que salvar a humanidade de monstros galácticos sem envidar esforços reais para mitigar o sofrimento humano aqui na Terra?

A resposta é só uma: o Superman nunca age contra as instituições, jamais questiona o establishment social, político e econômico, embora tenha poder para fazê-lo.


Está claro, então, que esse personagem espelha os valores do sistema socioeconômico vigente nas economias capitalistas. A própria mitologia do personagem  já mostra os Estados Unidos como um lugar especial.

Pensemos bem: o Superman é um ser alienígena que foi mandado por seus pais para a Terra a fim de escapar de um desastre em seu planeta natal. A nave que o transportou poderia ter caído em qualquer
lugar da Terra, mas foi aterrissar justamente no interior dos Estados Unidos, onde foi encontrada por um casal que, em tudo, encarna o ideal da pequena propriedade que faz a cabeça do americano médio. Parece natural que, dadas essas circunstâncias, o personagem se haja embebido com os valores desse sistema socioeconômico.

O que aconteceria, porém, se a fatídica nave, na verdade, tivesse ido parar, digamos, na antiga União Soviética? Teríamos então um Super-Homem educado segundo os valores do socialismo marxista e stalinista,  um defensor do comunismo?

Pois essa é a premissa básica de Superman: Entre a foice e o martelo (Superman: Red Son, no original), uma rara história desse personagem que talvez tenha algum apelo junto ao leitor adulto, ou que pelo menos já tenha passado pelo Ensino Médio, ainda que certos cacoetes do gênero a tornem uma história pouco palatável a quem porventura se acostumou a ler Faulkner ou Proust, por exemplo.

A verdade é que críticas como a de Umberto Eco não costumam deixar pedra sobre pedra, e por sua análise não havia mesmo outra forma de se enxergar o Superman a não ser como entretenimento barato para mentes ainda não amadurecidas e pouco exigentes.


De algum modo, então, e seguindo uma tendência mais geral dos quadrinhos norte-americanos em fins do século XX, a de se adequar a um público cada vez mais  adulto, procurou-se dar ao Superman alguma densidade, em tramas um pouco mais elaboradas, em que se esperasse do personagem mais que impedir uma queda de avião ou um assalto, por exemplo.

É nesse sentido que vêm a lume histórias como Paz na Terra, de Paul Dini & Alex Ross, que pretende justamente explicar por que o Superman, poderoso como é, não age de modo a superar os flagelos da humanidade. E é mais ou menos nessa linha conceitual que se insere a citada Entre a foice e o martelo, de Mark Millar e Dave Johnson, história que apresenta uma visão alternativa desse personagem, de maneira que, em vez daquele defensor do American way of life, temos “um super-homem alienígena comprometido com os ideais comunistas”, o “super-homem espacial de Stalin”, o “campeão dos proletários”, sempre disposto a atender a “seus chefes em Moscou”, segundo lemos nas primeiras páginas da história.

Na história, vemos um Superman tornando-se líder do Partido Comunista soviético após a morte de Stálin. Uma vez nesse posto, lança-se a ampliar a influência do Pacto de Varsóvia até que todos os países do mundo se hajam convertido ao modo de produção socialista, com exceção de Estados Unidos da América e Chile.

Segue-se uma era de relativo progresso material, com ganhos expressivos nas áreas sociais em todos os países que adotaram o regime socialista: não havia criminalidade, desemprego ou trabalho infantil, todos tinham direito a suas oito horas de sono por dia, e a expectativa de vida chegava a 120 anos.


A utopia ganha corpo. Tudo isso, porém, a um preço altíssimo. O Superman erigira-se não apenas líder, mas déspota, ditador, atuando com um Big Brother orwelliano em escala planetária. Não chegava aos extremos da violência física, mas também isso a um custo, o dos cérebros praticamente lobotomizados para todos os opositores, todos os dissidentes, todos os “desobedientes”.

Sob a liderança de Lex Luthor, o mundo vê a descoberta de uma cura para o câncer e a AIDS, por exemplo, e entra numa espiral de progressos materiais e tecnológicos inauditos. Aqui se tem, como conclusão, o outro lado da moeda: se, sob o comunismo, o que havia era opressão, apesar de alguns progressos econômicos e sociais, sob o capitalismo se produziu muito mais riqueza e conhecimento, com liberdade para o ser humano.


É bem claro o viés ideológico de Entre a foice e o martelo, de sorte que o Superman, mesmo nessa versão alternativa, continua a serviço da representação e propagação de valores caros ao status quo sociedades como a norte-americana.

Logo se vê, dessa forma, que a discussão de temas sociopolíticos resvala paraconcepções um tanto maniqueístas e reducionistas, ainda que estas venham a ser atenuadas pela habilidade dos autores na construção narrativa propriamente dita.


Somente assim se entende, por exemplo, que essa história em quadrinhos seja sucesso na Rússia, apesar das conclusões a que aludimos acima. É que, ao que tudo indica, a figura do Superman permanece ainda um símbolo de poder altamente sedutor, é ainda, como o classificou Umberto Eco, um mito moderno.

Ednardo Pinho, professor de Língua Portuguesa, mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará, colecionador e estudioso de quadrinhos.



quarta-feira, 4 de maio de 2016

O CREPÚSCULO DEPRIMENTE DE CRISTOVAM BUARQUE



Por Carlos Fernandes

Houve um tempo em que o senador Cristovam Buarque representava uma das raras ilhas de lucidez e coerência em meio a um oceano de hipocrisia, ignorância e estupidez política.


Para ele não importava o problema secular que o país enfrentasse, a educação, e só ela, era a solução definitiva. Não é exagero falar que Cristovam dedicou uma grande parte de sua vida em defesa de uma educação pública inclusiva e de qualidade para todos. Sobretudo para os menos favorecidos.


Durante muito tempo utilizou de sua erudição para divulgar a importância do ensino público, dos profissionais da educação e das políticas governamentais para a democratização do ensino como as cotas raciais e o financiamento público para estudantes pobres em universidades particulares.


É justamente em função desse histórico invejável que Cristovam Buarque é hoje a maior decepção entre os principais traidores da jovem e inexperiente democracia brasileira.


Que víboras como Michel Temer, Eduardo Cunha, Aécio Neves e todos os seus asseclas acampem no pantanoso terreno de um golpe de Estado não é surpresa alguma. Mas alguém com as credenciais de Cristovam Buarque aderir a um expediente tão avesso à democracia e à Constituição Federal é realmente desalentador.


Não é à toa que está em curso no Distrito Federal um dos movimentos mais impressionantes e conscientes de agravo a um político feito exatamente pelos eleitores que o elegeram.


A outrora referência de dignidade, Cristovam Buarque, agora é alvo de uma campanha de “desvotação”. Nem Eduardo Cunha, um energúmeno, conseguiu tamanha desonra.


A revolta com que os cidadãos que votaram em Cristovam acreditando ser ele um porto seguro contra toda essa insanidade é gritante. É enorme a desilusão dos movimentos sociais que o ajudaram durante tanto tempo a estar no lugar de destaque que ocupa atualmente.


As evidências do descontentamento já são claras. O senador foi hostilizado recentemente numa livraria. Entre palavras de ordem, foi obrigado a ouvir de pessoas que provavelmente nutriam grande afeto por ele o estigma de “fascista” e “golpista”.


É inegável que o Brasil de transformou numa grande dicotomia ideológica. Chega a ser deprimente constatar que Cristovam Buarque optou por opor-se ao lado onde se encontram todos os movimentos sociais, todos os partidos políticos de esquerda, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas (ONU), toda a imprensa internacional especializada, um vencedor do Pulitzer, um Nobel da Paz e até o Papa mais socialista da história recente da Igreja Católica.


Mais deprimente ainda é constatar que o homem que defendia a educação agora é defensor de um governo ilegítimo que, ao que tudo indica, trará um crápula como José Serra para o Ministério da Educação. Na prática é impor o desastre do governo Alckmin nesse setor a todo o país.


Trocando em miúdos – para não deixar Chico Buarque fora dessa discussão em que o outro Buarque faz um papel tão abjeto – Cristovam nega, descaradamente, Darcy Ribeiro, talvez o maior educador da história desse país.


É imprevisível saber como Dilma Rousseff sairá dessa monstruosidade a que está sendo submetida. Mas uma coisa é certa. Ou Cristovam Buarque retorna urgentemente às suas origens ou um dos maiores perdedores de toda essa história será exatamente ele. Depois, é claro, da democracia e de toda a população brasileira.





segunda-feira, 2 de maio de 2016

CRISE DA LÓGICA


A Lógica se baseia na harmonia de raciocínio, proporcionalidade entre os argumentos e a correta e equilibrada relação e concordância entre todos os termos. 

A lógica discute o uso da racionalidade em alguma atividade.

É discutida principalmente nas disciplinas de filosofia, matemática e ciência da computação.

Atualmente o Raciocínio Lógico é um dos conteúdos mais solicitados em concursos públicos.

“A lógica examina de forma genérica as formas que a argumentação pode tomar, quais dessas formas são válidas e quais são falaciosas. 

Em filosofia, o estudo da lógica aplica-se na maioria dos seus principais ramos: metafísica, ontologia, epistemologia e ética.

Foi estudada com paixão em várias civilizções, principalmente na Índia, na China e na Grécia Antiga.

No Ocidente, quem buscou estabelecer a lógica como disciplina, dividida em formal e material, foi Aristóteles na obra Organon.

Talvez seu estudo tenha faltado nos currículos escolares brasileiros.

Nessa terra de tantas certezas e de tantas convicções, muitas vezes, o que solidifica conceitos não é a lógica.

Assim como os tupiniquins juravam que viram o homem branco botar fogo na água sem conhecer o álcool, muitos nativos ainda acreditam que a TV mostra a verdade, por amor à verdade e sem outros interesses.

Aliás, o que ela mostra se torna a verdade dos fatos para muitos, sem grandes reflexões, mesmo em gente formada e "reformada" em cursos superiores de ensino.

Para que lógica se o moço da televisão falou está falado. Aliás, o mesmo moço que já comparou o telespectador brasileiro a Homer Simpson. Pra que pensar se a TV já traz a interpretação pronta?

Vejamos alguns exercícios de lógica.

Estão expostas duas camisas: verde e vermelha. Fulano diz que não gosta da verde, isso quer dizer que ele gosta da vermelha?

Não. Ao dizer não gostar da verde fulano não está dizendo que gosta da vermelha. São coisas diferentes. A conclusão em relação ao fulano não é lógica é preconceituosa, pois se formula um conceito sobre a referência sem ela ser exposta.

Da mesma forma se alguém diz ser contra lixamentos e justiçamentos pelas próprias mãos não está dizendo que defende o bandido e a violência. Afirmar isso, não tem lógica.

Outro exemplo.

Se um partido se diz defensor da ética, mas vota contra o fim das doações empresariais, discurso e prática estão em flagrante contradição e nenhuma contradição não é coerente.

Ou, se um partido se apresenta como defensor da ética mas é composto por uma imensa maioria envolvida em casos corruptos, algo violenta a afirmação.

Lógica é lógica. É coerência e harmonia.

Harmonia que não existe num Congresso presidido por alguém envolvido em gravíssimas denúncias públicas e que condena uma presidente sem cometimento de ato ilícito algum.

Simplesmente não tem lógica.

Quer saber? Consultemos a razão.

E que se leia Aristóteles.




Prof. péricles