segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

MENSAGEM DE FIM DE ANO


Nosso trabalho visa acompanhar os fatos que compõem a nossa atualidade e, na medida do possível, buscar, juntos, compreender melhor o mundo que nos cerca.

Outro dos nossos objetivos é repensar os fatos históricos, tanto do mundo, como do Brasil, sob uma nova visão, ou, ao menos, numa visão mais humanista.

Todos os que tiveram o prazer de ter alguém na sua cabeceira dizendo “era uma vez...” sabem o quanto a forma de contar os fatos pode nos aproximar ou distanciar da narrativa. É de quem conta a função de não permitir que a história perca o seu fascínio, algo, infelizmente, muito comum em nossas escolas.

Em 2013 postamos 128 textos e tivemos a enorme satisfação de receber 16.200 acessos.
Para um blog modesto e sem patrocínio, é um número bem significativo, Tanto que o Google AdSense entrou em contato perguntando (na verdade, sugerindo) sobre interesse em incrementar o blog e fazê-lo gerar dinheiro.

Agradeci muito pelo inesperado contato, mas, preferimos ficar do mesmo jeito que estamos desde que começamos: um blog de amigos e para amigos, com muito prazer.

Bata-nos saber que não estamos sozinhos. Se somos lidos, existimos.

Conforme revelação deles que pudemos posteriormente comprovar, quando alguém seleciona um assunto em procura, o nosso blog é umas das primeiras ou a primeira opção que aparece (confiram).

Mas, essa mensagem não é para presepadas. Não, o orgulho fica lá fora. Essa mensagem é para agradecer.

Agradecer a todos que visitaram o blog, leram os textos, encaminharam comentários ou ampliaram a discussão em aula ou não.

Agradecer a todos os queridos amigos e amigas, primos, primas, alunos, colegas, enfim a todos os que prestigiaram o trabalho esse ano.

Um abraço especial no Marcos Santos por tudo que ele representa de apoio e estímulo. Sem ele o blog provavelmente já não existiria.

Também abraço especial nos queridos amigos Hilton, Luis Carlos, Eduardo, Helena, com suas sugestões de assuntos e discussões.

E um beijo e um abraço fraterno na mais linda família do sul do Brasil, a maluca e hiperativa família Rocha. Recebo todos os dias, as energias que vocês emanam de carinho, solidariedade e parceria.

Esperamos contar com vocês no ano que começa. Por favor, sua companhia nos deixou mal acostumados e não podemos mais escrever sem saber que estão aí.

Que a liberdade se fortaleça, que as transformações aconteçam dentro de nós, pois, quando mudamos as mentes, mudamos o universo!

Um brinde.

Feliz 2014 para todos nós!

Prof. péricles

domingo, 29 de dezembro de 2013

NÃO ESTOU VENDO FANTASMAS



Stuart Angel, militante do MR-8, foi assassinado sob tortura, amarrado com a boca presa ao cano de descarga de um automóvel. Sua mãe, Zuzu Angel, famosa estilista internacional, tornou-se conhecidíssima no Brasil e no exterior, ao procurar respostas sobre o que teria acontecido a seu filho, denunciando a Ditadura militar, até morrer em estranho acidente, até hoje não esclarecido.

Hildegard, a filha e irmã, teve um texto publicado aqui no Blog, “Carta de Hildegard Angel” em março/2012.

Na mensagem a seguir, na condição de sobrevivente e de quem perdeu as pessoas mais amadas, ela expõe seus temores de que um novo golpe seja dado no país. Ela “já viu esse filme antes”.

Costumo comentar com meus alunos que, um país que não pune seus ditadores, torturadores e lacaios do terror, e que permite que empresas e pessoas que não só apoiaram o golpe, como também conspiraram contra a democracia, continuem sem responder pelos seus atos criminosos pousando de moralistas, um país que confunde heróis com terroristas e dá nome de rua, pontes, etc., aos generais-presidentes, corre sim, sério risco de repetir os mesmos erros.

Que os brasileiros estejam atentos.

por Hildegard Angel

O fascismo se expande hoje nas mídias sociais, forte e feioso como um espinheiro contorcido, que vai se estendendo, engrossando o tronco, ampliando os ramos, envolvendo incautos, os jovens principalmente, e sufocando os argumentos que surgem, com seu modo truculento de ser.

Para isso, utiliza-se de falsas informações, distorções de fatos, episódios, números e estatísticas, da História recente e da remota, sem o menor pudor ou comprometimento com a verdade, a não ser com seu compromisso de dar conta de um Projeto.

Sim, um Projeto moldado na mesma forma que produziu 1964, que, os minimamente informados sabem, foi fruto de um bem urdido plano, levando uma fatia da população brasileira, a crédula classe média, a um processo de coletiva histeria, de programado pânico, no receio de que o país fosse invadido por malvados de um fictício Exército Vermelho, que lhes tomaria os bens e as casas, mataria suas criancinhas, lhes tiraria a liberdade de ir, vir e até a de escolher.

Assim, a chamada elite, que na época formava opinião sobre a classe média mais baixa e mantinha um “cabresto de opinião” sobre seus assalariados, foi às ruas com as marchas católicas engrossadas pelos seus serviçais ao lado das bem intencionadas madames.
Elas mais tarde muito se arrependeram, ao constatar o quanto contribuíram para mergulhar o país nos horrores de maldades medievais.

Agora, os mesmos coroados, arquitetos de tudo aquilo, voltam a agir da mesma forma e reescrevem aquele conto de horror, fazendo do mocinho bandido e do bandido mocinho, de seu jeito, pois a História, meus amores, é contada pelos vencedores. E eles venceram. Eles sempre vencem.

(...) Esse extemporâneo destemor teve uma irrefreável motivação: o medo maior do que o meu medo. Medo da Sombra de 64. Pânico superior àquele que me congelou durante uma década ou mais, que paralisou meu pensamento, bloqueou minha percepção, a inteligência até, cegou qualquer possibilidade de reação, em nome talvez de não deixar sequer uma fresta, passagem mínima de oxigênio que fosse à minha consciência, pois me custaria tal dor na alma, tal desespero, tamanha infelicidade, noção de impotência absoluta e desesperança, perceber a face verdadeira da Humanidade, o rosto real daqueles que aprendi a amar, a confiar…

Não, eu não suportaria respirar o mesmo ar, este ar não poderia invadir os meus pulmões, bombear o meu coração, chegar ao meu cérebro. Eu sucumbiria à dor de constatar que não era nada daquilo que sempre me foi dito pelos meus, minha família, que desde sempre me foi ensinado. O princípio e mandamento de que a gente pode neutralizar o mal com o bem. Eu acreditava tão intensamente e ingenuamente no encanto da bondade, que seguia como se flutuasse sobre a nojeira, sem percebê-la, sem pisar nela, como se pisasse em flores.

E aí, passadas as tragédias, vividas e sentidas todas elas em nossas carnes, histórias e mentes, porém não esquecidas, viradas as páginas, amenizado o tempo, quando testemunhei o início daquela operação midiática monumental, desproporcional, como se tanques de guerra, uma infantaria inteira, bateria de canhões, frotas aérea e marítima combatessem um único mortal, José Dirceu, tentando destrui-lo, eu percebi esgueirar-se sobre a nossa tão suada democracia a Sombra de 64!

Era o início do Projeto tramado para desqualificar a luta heróica daqueles jovens martirizados, trucidados e mortos por Eles, o establishment sem nomes e sem rostos, que lastreou a Ditadura, cuja conta os militares pagaram sozinhos. Mas eles não estiveram sozinhos.

Isso não podia ser, não fazia sentido assistir a esse massacre impassível. Decidi apoiar José Dirceu. Fiz um jantar de apoio a ele em casa, Chamei pessoas importantes, algumas que pouco conhecia. Cientistas políticos, jornalistas de Brasília, homens da esquerda, do centro, petistas, companheiros de Stuart do MR8, religiosos, artistas engajados. Muitos vieram, muitos declinaram. Foi uma reunião importante. A primeira em torno dele, uma das raras. Porém não a única. E disso muito me orgulho.

Um colunista amigo, muito importante, estupefato talvez com minha “audácia” (ou, quem sabe, penalizado), teve o cuidado de me telefonar na véspera, perguntando-me gentilmente se eu não me incomodava de ele publicar no jornal que eu faria o jantar. “Ao contrário – eu disse – faço questão”.

Ele sabia que, a partir daquele momento, eu estaria atravessando o meu Rubicão. Teria um preço a pagar por isso.

Lembrei-me de uma frase de minha mãe: “A gente nunca perde por ser legítima”. Ela se referia à moda que praticava. Adaptei a minha vida.

No início da campanha eleitoral Serra x Dilma, ao ler aqueles sórdidos emails baixaria que invadiam minha caixa, percebi com maior intensidade a Sombra de 64 se adensando sobre nosso país.

Rapidamente a Sombra ganhou corpo, se alastrou e, com eficiência, ampliou-se nestes anos, alcançando seu auge neste 2013, instaurando no país o clima inquisitorial daquela época passada, com jovens e velhos fundamentalistas assombrando o Facebook e o Twitter. Revivals da TFP, inspirando Ku Klux Klan, macartismo e todas as variações de fanatismo de direita.

É o Projeto do Mal de 64, de novo, ganhando corpo. O mesmo espinheiro das florestas de rainhas más, que enclausuram príncipes, princesas, duendes, robin hoods, elfos e anõezinhos.

Para alguns, imagens toscas de contos de fadas. Para mim, que vi meu pai americano sustentar orfanato de crianças brasileiras produzindo anõezinhos de Branca de Neve de jardim, e depois uma Bruxa Má, a Ditadura, vir e levar para sempre o nosso príncipe encantado, torturando-o em espinheiros e jamais devolvendo seu corpo esfolado, abandonado em paradeiro não sabido, trata-se de um conto trágico, eternamente real.

Como disse minha mãe, e escreveu a lápis em carta que entregou a Chico Buarque às vésperas de ser assassinada: “Estejam certos de que não estou vendo fantasmas”.

Feliz Ano Novo.

É o que desejo do fundo de meu coração.

sábado, 28 de dezembro de 2013

O MINOTAURO E NOSSOS LABIRINTOS




O grande Rei Minos teve que enfrentar seus irmãos para poder ter reconhecido seu direito sobre o trono de Creta. Mas, a briga foi feia, e num momento em que parecia que seria derrotado, prostrou-se ao solo e implorou ajuda ao deus Posseidon, o senhor dos mares.

O deus ouviu seu pedido e Minos venceu a guerra. Logo depois, numa noite de lua cheia, sai das entranhas do mar um touro, totalmente branco, extremamente belo, como ninguém jamais viu. A exigência de Posseidon à Minos, pela vitória, é que o rei sacrifique aquele touro de beleza indefinível em honra ao deus dos mares. Minos não consegue se libertar da admiração pelo touro branco e tenta enganar Posseidon sacrificando outro animal em seu lugar. Essa tentativa de ludibriar a divindade provocou profunda fúria do deus, como era próprio dos deuses gregos.

O castigo ao Reio Minos foi terrível. Posseidon pede ajuda à Afrodite, a deusa do amor, para que Pasífae, a esposa de Minos, se apaixone pelo touro vindo do mar e com ele tenha uma tórrida relação de amor. Para que isso fosse possível, a apaixonada Pasífae pede ao grande artesão Dédalo (pai de Ícaro, aquele que tentou voar até o sol), que lhe construa uma vaca de madeira, na qual ela se escondeu, para transar com o touro.

Dessa transa zooantropomórfica nasceu um monstrinho, com corpo de homem, porém, cabeça e cauda de touro, que será um dia chamado de Minotauro (o touro de Minos). Já o autor romano Ovídio, não tinha certeza de que partes eram humanas e quais eram de touro e no Renascimento, séculos depois, o Minotauro tem configuração inversa: corpo de touro e cabeça de homem.

Parsífae cuidou dele com todo o carinho de mãe durante a infância. Uma taça de vinho etrusca feita na primeira metade do século IV A.C.retrata cenas de uma terna mãe cuidando de seu filho aberração. Porém, com o natural crescimento ele foi se tornando cada vez mais feroz e assustador.

Sendo fruto de uma união sem similares, entre homem e animal selvagem, o Minotauro não tinha qualquer alimentação adequada na natureza, e, para sobreviver, era necessário devorar seres humanos para sobreviver.

Apavorado, Minos solicitou e Dédalos construiu, embaixo do palácio real, localizado na capital de Creta, Cnossos, um gigantesco labirinto para lá manter presa a fera.

O Labirinto de Cnossos sempre foi um dos objetivos mais procurados pela moderna arqueologia.

SegundoMichael Hogan, em seu livro“Cnossos, The Modern Antiquariun” de 2007, é possível identificar nas ruínas de Cnossos, mais de 1300 compartimentos dispostos semelhantes a um labirinto.

Pouco tempo depois Creta derrotou os atenienses, na época apenas em formação. Para estabelecer a paz o Rei de Creta exige que, todos os anos (segundo alguns relatos, a cada 9 anos), fossem enviados sete rapazes e sete moçasde Atenas (escolhidos por sorteio) para serem devorados pelo Minotauro.

Três anos após começarem os sacrifícios, Teseu, um jovem guerreiro, vai voluntariamente à Creta para matar o Minotauro. Ariadne, filha do Rei Minos apaixona-se perdidamente pelo jovem Teseu, e, para ajuda-lo entrega-lhe um novelo de lã na entrada do Labirinto. Teseu amarra uma ponta do novelo na parte interna da entrada e durante todo o caminho vai desenrolando o novelo. Sem esperar visitantes, o Minotauro é atacado por Teseu que usando a espada de seu pai, Egeu, assim, consegue matar a fera. O retorno para a saída será facilitado, bastando seguir o fio de novelo.

Infelizmente, pela demora de Teseu retornar, Egeu imagina que seu filho foi morto na luta e se suicida atirando-se ao mar que até hoje tem seu nome “Mar Egeu”.


Em outra versão, Teseu é filho não de Egeu, mas do próprio deus Posseidon e a Ariadne foi jogada no labirinto para ser devorada e para salva-la Teseu enfrenta e mata a fera. A ideia do novelo, entretanto, existe nas duas versões.

O mito do Minotauro foi um dos mais populares de todas as épocas da rica história grega e fascinava vivamente, especialmente os mais jovens.

A figura dos chifres sempre foram na antiguidade, e mesmo, na Idade M´dia, símbolo da virilidade masculina. O próprio demônio judaico-cristão tem chifres numa referência à sensualidade, ao apelo sexual que leva ao pecado e à queda do homem.

Em muitos relatos, a sedução e a virilidade masculina está representada com figuras com chifres como em alguns momentos o próprio Zeus em suas inumeráveis conquistas ou o deus Eolo ao cortejar Dejanira.

Em muitas imagens desse mito vemos, como sempre, a representação do próprio homem em seus desafios, medos e inseguranças, assim como em suas conquistas e vitórias.

O Minotauro é o “ser diferente” o excluído, aquele que não nasceu como os outros e muito menos foi amado e querido antes do nascimento.

Ainda hoje as sociedades humanas continuam discriminando suas crianças com síndrome de down, isolando hansenianos em leprosários apartados do convívio social e acorrentando seus loucos em manicômios de onde não se pode retornar e onde todas as esperanças são perdidas assim como os jovens condenados a serem devorados após percorrer um caminho sem fim e sem salvação.

Um Labirinto foi construído unicamente para exclui-lo, e continuamos hoje, construindo labirintos para outras exclusões.

Assim como foi com o Minotauro, esconde-se as misérias, os erros mais terríveis que assustam e lembram o quanto nosso mundo é frágil e a justiça um mito.

Ainda não houve uma sociedade humana sem seus minotauros.

Os Etruscos (povo que dominava a Península Itálica antes da ascensão de Roma) tinham uma visão bem mais humana do Minotauro, denotando até uma simpatia ao vê-lo, não como o touro aprisionado, mas como o homem rejeitado.

E, cada aspecto da vida humana e das opções que escolhemos para nossos procedimentos poderíamos incluir uma autocrítica sincera nos sentido de estabelecer se afinal, somos realmente humanos, ou se, ainda estamos mais próximos das feras.

Prof. Péricles

quarta-feira, 25 de dezembro de 2013

A ALEGRIA DO EVANGELHO - 02


No mais aguardado documento papal dos últimos tempos, a “Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), o Papa Francisco surpreende o mundo com propostas definitivas e corajosas de reformas na Igreja Católica.

O documento apresentado pelo Vaticano promete renovar a Instituição e combater o comodismo que por décadas têm jogada a Igreja em descrédito.

A reforma promete mexer com interesses arcaicos que dominam o pensamento religioso há muito tempo, afastando o catolicismo dos mais pobres e dos mais jovens.

Baseado nas conclusões do Sínodo de Bispos sobre a Nova Evangelização realizado em outubro desse ano, o documento de mais de 100 páginas traz as reflexões do novo Papa que denuncia que o afastamento da Igreja de seu povo reside, principalmente, na aceitação do domínio do dinheiro sobre a sociedade.

A seguir destacamos algumas reflexões e recomendações da Exortação Apostólica que promete mudar profundamente a Igreja dos católicos:

- Francisco critica a comodidade dos sacerdotes, a passividade das aparências de que tudo é normal, inclusive a exploração e a miséria. Segundo ele, é perceptível em muitos agentes de pastoral uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais; Como resultado “muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou ocultar a sua identidade e crenças cristãs”.

- Embora Francisco não conceda a possibilidade das mulheres exercerem o sacerdócio, considera que “elas devem ter um maior espaço e uma presença mais incisiva” na Igreja Católica, no âmbito laboral e nos diversos lugares onde são tomadas as decisões importantes.

- Sobre o aborto o papa Francisco afirmou que “não deve se esperar que a Igreja mude sua postura” sobre a questão do aborto, pois este assunto não está sujeito a “supostas reformas ou modernizações” e opinou que “não é progressista pretender resolver os problemas eliminando uma vida humana”.

- O Vaticano promete mudar sua visão sectária sobre as outras religiões reconhecendo que “é possível aprender com outras religiões. Quantas coisas podemos aprender uns com os outros”.

- Sobre a corrupção alerta “Enquanto alguns ganhos de poucos crescem exponencialmente, a maioria fica cada vez mais distante do bem-estar de que a minoria feliz desfruta. Esse desequilíbrio vem de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e especulação financeira”.

- O papa diz que a preleção não pode ser demorada e virar um espetáculo. “A homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo.”

- um alerta especial sobre o que chamou de “economia de exclusão”: Essa economia mata. Hoje, tudo está dentro do jogo e da competitividade, onde o forte come o fraco. Como resultado, grandes massas da população são excluídas e marginalizadas: sem emprego, sem horizontes”. “Os excluídos não são explorados, mas resíduos, excedentes”.

Finalmente, Segundo a Exortação Apostólica, a cultura midiática e alguns círculos intelectuais, por vezes, transmitem uma mensagem desconfiança em relação á Igreja, provocando decepção. “Como resultado, muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou ocultar a sua identidade e crenças cristãs. Um círculo vicioso é então produzido, porque se eles não estão felizes com o que fazem, não se identificam com a sua missão evangelizadora, isso enfraquece a entrega”, diz o documento.

Oremos.

Prof. Péricles


domingo, 22 de dezembro de 2013

BÍBLIA E AS SANTAS FOGUEIRAS


Com todo o respeito às diversas crenças e religiões, e sem a menor intenção de ferir suscetibilidades, não podemos de achar incrivelmente ingênuo o fato das pessoas aceitarem os relatos bíblicos como verdades insuspeitas. Pior ainda, alguns a interpretam “ao pé da letra” como se o seu texto tivesse conotação histórica e relatasse fatos irrefutáveis.

Causa ainda verdadeira angústia perceber que muitas e muitas pessoas pautam suas vidas, seus valores e suas relações pessoais e familiares a partir da leitura “fria” do texto bíblico.

Embora a fé seja um direito de cada um, não é compreensível que, os mesmos que exigem o respeito às suas crenças não tenham a menor consideração pelas verdades históricas.

Importante entender que “A Bíblia” não é um livro e sim a união de 66 livros. Seus 1.189 capítulos foram escritos por, no mínimo, 40 autores em contextos históricos, motivações políticas, regiões, línguas e nações diferentes, ao longo de quase 1600 anos.

A melhor idéia que se pode ter da Bíblia não seria a de um livro, mas de uma biblioteca em que, ao longo do tempo, vários autores acrescentaram suas próprias visões de religião (relação com Deus) e de mundo.

Esses autores, claro, possuíam seus próprios estilos e intenções.

Por exemplo: nos cinco primeiros principais livros que formam o que os cristãos chamam de “Pentateuco” (os judeus chamam de Torá), Deus é chamado de Javé ou Iavé e o autor o descreve de forma leve e informal, como se Deus fosse pessoa próxima e simples de compreender. Em outros, Deus é denominado de Elohim e o autor o trata de forma temerosa, distante e formal, numa clara diversidade de composição. Embora os religiosos afirmem que Moisés foi o único autor e usou os dois nomes porque quis é evidente o estilo diferente da narrativa, isso sem contar que, ao final é narrada a própria morte de Moisés.

É o “livro” sagrado do judaísmo, do catolicismo e de várias tradições islâmicas. Maior Best seller de todos os tempos e também, a literatura mais manipulada da história, tendo sido por séculos, propriedade exclusiva da Igreja Católica, que suprimiu textos, ampliou outros, alterou várias passagens gerando incontáveis distorções, sempre de acordo com seus interesses políticos e ideológicos. (em recente tradução de conhecida Editora, as palavras bruxos e feiticeiros foram traduzidas como “médius”, vocábulo criado pelo francês Allan Kardec apenas no século XIX).

Alguns textos estão em evidente contradição com os conhecimentos científicos mínimos, como da própria criação do mundo, que, na Bíblia refere o criacionismo divino da espécie humana que ignora completamente a já exaustivamente comprovada, evolução das espécies, incluindo, claro, a do homem.

A participação de outros povos evidencia-se, por exemplo, no relato do fim do mundo pelas chuvas e a sobrevivência da espécie graças à construção da Arca de Noé. Texto mais antigo que esse é encontrado na cultura dos sumérios, um dos mais antigos povos, que narra a Epopéia de Gilgamesh, um semideus que constrói um barco e salva muitas pessoas vítimas de uma calamitosa enchente que arrasou a região da Mesopotâmia e o próprio Oriente Médio.

Com o Cisma dos hebreus (divisão em dois diferentes Reinos, Judá e Israel, entre 878 e 924 AC) fica evidente a conotação de nacionalismo do autor descrevendo as crenças do “outro grupo” como desvios religiosos e defendendo a santidade de Judá e seu povo, num uso explícito da literatura religiosa para justificar diferenças políticas.

Evidentemente o respeito à fé de cada um, faz parte das relações mais saudáveis da convivência democrática. Mas é inconcebível que essa fé seja cega, surda e muda diante dos conhecimentos históricos e científicos que se acumulam com o passar do tempo.

Fatos de fé não são fatos históricos.

Dimensionar a Bíblia em seu verdadeiro contexto não é reduzir Deus, que, sendo espírito criador de tudo, e todo-poderoso, certamente está acima das concepções bizarras que se façam sobre ele. Raciocinar é por luz nas questões da fé e não apagá-la como apregoa o fanatismo.

Deus e Bíblia não são sinônimos até porque, enquanto Deus é um conceito universal, criador de todos os povos, a Bíblia é um livro nacionalista, de autoria e para o povo judeu. De seus incontáveis personagens, apenas um não judeu, Ciro, Imperador Persa, é citado como filho de Deus.

Tal como antiga propaganda do Bom-Bril que apregoava 1001 utilidades ao produto, a Bíblia já foi utilizada pelos poderes constituídos de 1001 maneiras para calar, queimar em santas fogueiras, prender e torturar, inimigos políticos ao longo do tempo.

A Bíblia é um livro, ou melhor, uma extraordinária coleção de livros, de alto valor cultural e antropológico. Deixar-se levar por suas diferentes interpretações não é viver pelo que na Bíblia está escrito, mas moldar-se aos valores defendidos por quem formulou suas interpretações.

Prof. Péricles

sábado, 21 de dezembro de 2013

FAUNA URBANA



Tratado biológico emitido por ETs sobre a Fauna Brasileira:


A fauna urbana brasileira é extremamente rica e diversificada.

Animal noturno urbano, pré-histórico e que sobrevive ainda nos tempos modernos, como o tatu e as formigas, as “garotas de programa”, são numerosas e coloridas, e povoam as ruas brasileiras como suas ancestrais. Os bons cidadãos procedem com “As garotas de programa” de forma similar ao proceder com as baratas, ou seja, todos sabem que elas existem, mas fingem que não existem e esperam que se escondam nas sombras para manter as aparências.

Há o “motorista sou braço”, tipo que se reproduz através do caldo de cultura que criou a imagem imbecil simbolizada no “braço”, isso é, motorista bom é o que acelera mais, ultrapassa em qualquer circunstância e pratica todo ato de imprudência e nunca se considera errado apesar de fazer tudo que é proibido. Para o “motorista sou braço” dirigir bem é burlar a lei de trânsito sem ser multado e ludibriar a fiscalização. Adora criticar os políticos corruptos e reclamar da falta de segurança ao bom cidadão.

Uma variação muito comum do “motorista sou braço” é o “motorista bebum” espécime que adora dizer que dirige melhor depois que bebe e se acha inteligente por sobreviver aos acidentes que provoca. É um tipo ignorante que se torna predador de milhares de vidas inocentes todos os anos e continua a se reproduzir apesar de todas as campanhas de trânsito.

Temos o gênero “abandonados” seres nômades e seminômades, agrupados em múltiplas espécimes: “esquizofrênicus”, “seniles” e “chapadus”, sendo que esse último tipo, o “chapadus” inclui-se as subespécies “adultos” consumidores de álcool e menores, mais ligados ao crack e outros tipos de inalantes.

A população de alguns espécimes dessa fauna diminuiu em número, como o “batedor de carteira” e o “bicheiros” que, cederam espaço no ecossistema urbano ao “larápio à luz do dia”, criatura perigosa que não se preocupa em furtar, como antigamente, mas age a descoberto e a mão armada e o “traficantes” gênero de parasita que sobrevive graças a abundância de hospedeiros que o procuram diariamente.

A fauna urbana brasileira é riquíssima, e, ao contrário da fauna das matas, não corre qualquer perigo de extinção. Isso porque, segundo nossas pesquisas, não há perigo de que se acabe sua forma essencial de multiplicação que é a desigualdade, a exclusão, a desesperança, a solidão, a marginalização e, seu oxigênio, a falta de educação para a vida. Observamos ainda que sua principal fonte de alimentos, o preconceito, o conservadorismo e a falsa-moral possuem, no país, uma fonte, aparentemente, inesgotável, com o que, podemos concluir que sua sobrevivência está solidamente assegurada.

Prof. Péricles

quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

A CRISE DO POPULISMO



Entre 1954 e 1964 o Brasil passou por uma sequência de crises e turbulências políticas que deram o nome ao período de “A Crise do Populismo”.

Em 1954 o suicídio do presidente Getúlio Vargas diante da iminência de ser derrubado pelos militares, evitou o golpe que já estava em andamento. O final de mandato de Getúlio foi exercido numa tensão terrível entre os golpistas, politicamente liderados pela UDN de Carlos Lacerda e os que buscavam desesperadamente manter a ordem democrática.

JK foi eleito nesse contexto em outubro de 1955 e sua posse só se concretizou graças a ação decidida do Marechal Henrique Teixeira Lott, que, em 11 de novembro desencadeou um forte movimento denominado de “retorno ao quadro constitucional vigente”. Lott conseguiu declarar o impedimento do presidente em exercício Carlos Luz (que apoiava o golpe em gestação).

Embora se costume falar maravilhas do governo JK, o maior mérito desse presidente, talvez seja, ter concluído todo o seu mandato. Pelo menos dois movimentos golpistas tentaram interromper seu governo: a Revolta de Jacarecanga em fevereiro de 1956 e a Revolta de Aragarças em 2 de dezembro de 1959. Ambas patrocinadas pela aeronáutica, sendo que a segunda, chegou a planejar o bombardeio dos Palácios Laranjeiras e do Catete para “afastar do poder o grupo comprometido com o movimento comunista internacional”. O movimento foi derrotado antes mesmo de qualquer bombardeio, ficando restrito a Aragarças (Goiás).

A eleição de Jânio Quadros em 1960 parecia trazer a pacificação interna, visto que a vitória eleitoral de Jânio, conservador e apoiado pela UDN, parecia representar o afastamento das forças ligadas ao trabalhismo do poder. Porém, sua inesperada renúncia em 25 de agosto de 1961originou um crise sem precedentes na nação.

Conforme a Constituição vigente (promulgada em 1946), o vice-presidente (eleito separadamente do cargo de presidente) João Goulart, deveria tomar posse como novo presidente da República (diante da renúncia do titular). Entretanto, odiado pelos militares e temido pelas elites, organizam-se as força que querem impedir essa posse.

De 25 de agosto a 07 de setembro daquele ano, o Brasil navegou em águas revoltas numa situação pré-guerra civil. De um lado as forças lideradas pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que defendiam a obediência à Constituição e preservação da democracia (por isso chamados de legalistas) e de outro, liderados pelo Ministro da Guerra, Marechal Odílio Denis, os que queriam impedir a posse do vice na Presidência.

A chamada Campanha da Legalidade apartou o Rio Grande do Sul de Brizola e do 3º Exército, do restante do país e a guerra civil só não se concretizou devido a uma costura política arranjada às pressas por Tancredo Neves, que cria uma emenda Constitucional criando o sistema parlamentarista no Brasil. Dessa forma, Jango assumiu, mas com poderes minimizados.

Em janeiro de 1963, um plebiscito determinava a volta do sistema presidencialista. Jango passou a governar como presidente com plenos direitos e teve início a conspiração para derruba-lo que uniu as elites brasileiras, grande parte de sua classe média e os serviços de inteligência dos Estados Unidos. Essa conspiração acabou vitoriosa com o golpe em 1964 e com a ditadura que se seguiu e duraria 20 anos.

Durante dez anos o estado de direito no Brasil viveu sob a corda bamba. Golpes foram planejados, alguns levados a efeito, mas a frágil democracia do país conseguiu protelar o seu fim. Dessa forma, o golpe militar de 31 de março de 1964, não deve ser visto de forma separada, como algo aleatório a seu tempo como muitos gostam de fazer. O golpe, foi, na verdade, a concretização da vontade de grupos poderosos que, ainda no tempo de Getúlio Vargas ambicionavam o poder.

A alegação de que o seu vetor tenha sido apenas o afastamento de João Goulart e da “ameaça comunista”, não encontra apoio se percebermos o golpe no seu contexto maior e os seus antecedentes que expõem um quadro reacionário que temia a politização das massas e de seus sindicatos.

Quanto ao seu viéis externo, o golpe de 1964 está inserido no doloroso drama da Guerra Fria e de suas mais infelizes definições.


Prof. péricles

sábado, 14 de dezembro de 2013

APARTHEID À BRASILEIRA


A capacidade de escândalo é sempre maior quando este escândalo parece distante da própria casa.

A maioria se revolta profundamente quando aprende sobre as origens, as histórias, as ignomínias praticadas pelo apartheid na distante África do Sul.

“Como isso é possível? Que barbaridade!”

Poucos dos escandalizados percebem o apartheid aqui mesmo, no nosso país, na nossa própria realidade verde e amarela.

- Como assim? Aqui não há restrição na Lei que impeça igualdade racial!

Realmente, a segregação nunca esteve legalizada por alguma constituição brasileira. Mas também é verdade que também nunca foi proibida, ao menos, até a de 1988.

No Brasil a preparação para abolir a escravidão ocupou mais de 50 anos de nossa história, o que nos tornou a nação escravagista mais longeva.

Quando as elites perceberam que a abolição era inevitável partiram para a execução de um plano macabro: desenvolveram uma política de imigração, seduzindo a mão de obra estrangeira, especialmente alemães e italianos, para vir ao Brasil, ocupar postos de trabalho e espaço social que deveria ser de quem? Dos negros.

Nenhum plano de treinar, adaptar, assistir a população recém liberta e totalmente despreparada para a competição do mercado de trabalho. Terras? Apenas para os imigrantes (pelo menos até a Lei de Terras de 1850).

A idéia era tão simples quanto macabra: se os negros fossem isolados em bolsões de miséria, não tivessem acesso à terra, sem inclusão e sem possibilidade de acumular capital, o provável era que, com o tempo, ocorresse um branqueamento total da sociedade e o desaparecimento da população negra no país.

Não foi um extermínio planejado como a “solução final” do holocausto judeu. Mas um extermínio social, pensado a longo alcance. Não foram criados campos de concentração, mas criados guetos na distribuição geográfica da riqueza.

Nossas favelas, nosso sertão nordestino e outros tantos sertões são nossos sowetos.

Se tirarmos das girafas todas as folhas suculentas das árvores... Se colocarmos as girafas, por exemplo, no deserto, a tendência natural é o desaparecimento das girafas. Sem os meios naturais para a sobrevivência as espécies desaparecem. A seleção natural elimina espécies inferiores nos diferentes ecossistemas e a seleção social baseada na posse, no sucesso e no dinheiro eliminaria o elemento “inferior” negro cujo espaço seria ocupada pelo elemento branco “superior”.

Foi esse o pensamento diabólico que norteou as ações das elites brasileiras e seus capachos monarquistas do governo D. Pedro II.

Para essa gente o negro era algo que não podia ser esquecido, mas bem que se queria esquecer. No início do século XX o negro é quase um estrangeiro no seu próprio país. O futebol era vedado aos negros. O samba era marginal. Os cultos afro-brasileiros era pecaminosos e demoníacos. A felicidade do negro incomodava.

O negro sobreviveu, felizmente, como todos nós sabemos, mas, ao longo do tempo ocorreu um fenômeno interessante: a negritude, um conceito de raça, se ampliou incluindo o miserável, um conceito social, brancos e pardos e outras cores.

Todos os governos brasileiros trabalharam para as elites e pelas elites e todo questionamento às diferenças tratadas como caso de polícia.

Na República Velha dos coronéis dê-lhe porrada no pobre, no negro e melhor ainda, no negro pobre.

A Era Vargas interpretou o papel de popular criando Leis populista como a CLT, e órgão tipo Ministério do Trabalho e Ministério da Saúde, por exemplo, mas atrelou os sindicatos aos seus interesses e amordaçou qualquer organização do trabalhador que não fosse aliada. Reformas, talvez, revoluções jamais.

Juscelino e Jânio nunca falaram seriamente sobre as necessidades dos miseráveis, embora Jânio adorasse interpretar esse papel e Juscelino conhecesse melhor o pobre norte-americano do que o brasileiro.

João Goulart foi uma ameaça inesperada a esse tipo de visão, pois suas reformas de base propunham mudanças mais consistentes, mas você sabe o que aconteceu com Jango, não é?

A Ditadura Militar por sua vez, criou um mito, o mito do pobre feliz que habita um gigante adormecido que, agora sim, vai ser grande e poderoso. Entretanto, por baixo do mito permitiu que a distância entre os que têm e os que não têm se tornasse imensurável.

O casamento de negros e brancos nunca foi proibido pela Lei brasileira, mas o sínico racismo nacional simplesmente não leva a sério esse tipo de união e quando leva é para benzer-se e pedir a Deus que esse tipo de desgraça nunca aconteça em sua família.

O direito de ir e vir no Brasil sempre existiu na lei, mas nunca na prática, a não ser que você considere o ir e vir do trabalho para casa. Você já viu pobre curtindo um turismo dentro do Brasil, conhecendo os Lençóis Maranhenses ou as delícias de Angra? O direito de ir e vir é uma ilusão que a classe média adora acreditar, nem que seja de excursão, uma vez na vida.

Não existem lugares proibidos à entrada dos negros/pobres no Brasil. Não pela Lei, mas pelo dinheiro sim.

Recentemente a classe média branca-conservadora-racista do Brasil resmungou profundamente por ver negros andando de avião. “Igualdade sim, mas precisavam andar de avião?”

Nos seus piores pesadelos, pobre tem carro e Plano de Saúde privado. “Só falta colocarem seus filhos na escola dos meus meninos”.

“Cotas? Por que se nosso país nunca houve racismo?”

No Brasil, todos são mais ou menos iguais perante a lei.

Nosso apartheid é um apartheid silencioso. Alguns Mandelas já foram criados em nossa história, mas, ao contrário do grande herói do povo sul-africano, não foram reconhecidos.

Zumbi dos Palmares, Sepé Tiarajú, Cipriano Barata, Antônio de Sousa Neto, João Cândido e tantos outros.

Não, nosso racismo não está Lei e, portanto, não provoca escândalos como o regime segregacionista de Peter Botha.

Mas está nas ruas, no dia a dia, nas mágoas que se tornaram anedotas para serem mais suportáveis.

Está nas marcas que o corpo e a história guardam.



Prof. Péricles




sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

A ALEGRIA DO EVANGELHO - 01


Havia uma grande expectativa em relação ao primeiro documento doutrinário oficial do pontificado do papa Francisco. E ele chegou com uma carga bem acima das melhores espectativas daqueles que aguardam mudanças na mais poderosa Igreja do ocidente.

A Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), apresentado ao público no site oficial do Vaticano apresenta propostas de reformas que excitaram até o mais pessimista observador dos caminhos oficiais dos católicos.

O Papa Francisco declara sua decepção com a “economia da exclusão” onde, segundo ele, a Igreja se acostumou a enxergar o mundo contemporâneo e seu quadro devastador de desigualdades sociais.

Francisco se declara, também, entristecido com o comodismo de padres e agentes evangelizadores diante das dores dos mais pobres. O papa cobra também maior participação das mulheres na Igreja.

Diz o documento que “Hoje, tudo está dentro do jogo e da competitividade, onde o forte come o fraco”. Como resultado, grandes massas da população são excluídas e marginalizadas: sem emprego, sem horizontes”. Para Francisco, os “excluídos não são explorados, mas resíduos, excedentes”.

Para o papa, “pacificamente aceitamos o domínio do dinheiro sobre nós e nossas sociedades” que reduz o ser humano a uma das suas necessidades: o consumo”.

As declarações contidas no “Exortação Apostólica Evangeli Gaudium” provocam as mais legítimas esperanças de que uma das instituições mais conservadores do mundo esteja, a partir de sua nova liderança, despertando para a necessidade de mudanças e de busca de novos rumos.

Se João Paulo I representou um papel decisivo na queda da União Soviética e fim do socialismo, Francisco pode estar assumindo o papel de protagonistas das reformas urgentes da Igreja diante das mudanças geopolíticas do novo século.

O reacionarismo xiita de alguns grupos sectários da sociedade brasileira, podem ser colocados em xeque com a perda do apoio radical e perene da Igreja contra mudanças essenciais e necessárias, como a Reforma Agrária.

O trabalho que Francisco tem pela frente é árduo e doloroso.

Em suas propostas de mudanças será necessário enfrentar grupos poderosíssimos entrincheirados na própria cúpula da Igreja. Detonar esses grupos e desbanca-los do poder que exercem a mais de século, higienizar o Banco do Vaticano e suas inúmeros ramificações corruptas enraizadas no mundo inteiro, assumir os crimes de pedofilia que minam as paredes de seus prédios e opor-se às políticas conservadoras de países poderosos como os Estados Unidos são desafios insanos, talvez impossíveis de serem superados por uma só autoridade.

Quando mexemos com o vespeiro é bom estarmos preparados para a encrenca.

É fundamental que o povo cristão, especialmente católico, do mundo inteiro aliem-se ao Papa e assumam seu papel de apoiadores das mudanças tão sonhadas quando difíceis.

Prof. Péricles

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

A HISTÓRIA DO NATAL


Tudo começou com um antigo festival mesopotânico que simbolizava a passagem de um ano para outro, o Zagmuk.

Para os mesopotâmios, o Ano Novo representava uma grande crise. Devido à chegada do inverno (a Mesopotâmia, atual Iraque, localiza-se no Hemisfério Norte, portanto, as estações são opostas às nossas), eles acreditavam que os monstros do caos enfureciam-se e Marduk, deus da fertilidade do solo e principal deus de alguns desses povos, precisava derrotá-los para preservar a continuidade da vida na Terra.

O festival de Ano Novo,durava 12 dias.

Para ajudar Marduk em sua batalha. A tradição dizia que o rei devia morrer no fim do ano para, ao lado de Marduk, ajudá-lo em sua luta. Para poupar o rei (iria morrer um rei a cada ano) um criminoso era vestido com as suas roupas e tratado com todos os privilégios do monarca. Recebia presentes e mais presentes do povo agradecido. No final do festival era morto levando todos os pecados do povo consigo. Assim,a ordem era restabelecida.

Um ritual semelhante era realizado pelos persas. Chamado de Sacae, a versão também contava com escravos que tomavam o lugar dos seus mestres, e também ganhavam, temporariamente, presentes e privilégios.

A Mesopotâmia, chamada de mãe da civilização, inspirou a cultura de muitos povos, como os gregos, que englobaram as raízes do festival, celebrando a lutade Zeus contra Cronos.

Mais tarde, através da Grécia, o costume alcançou os romanos, sendo absorvido pelo festival de nome Saturnalia (em homenagem a Saturno). A festa começavano dia 17 de dezembro e ia até o 1º de Janeiro, comemorava-se o Solstício do inverno. De acordo com seus cálculos, o dia 25 era a data em que o Sol seencontrava mais fraco, porém pronto para recomeçar a crescer e trazer vida às coisas da Terra. Durante a data, que acabou conhecida como o Dia do Nascimentodo Sol Invicto, as escolas eram fechadas e ninguém trabalhava, eram realizadas festas nas ruas, grandes jantares eram oferecidos aos amigos e árvores verdesornamentadas com galhos de loureiros e iluminadas por muitas velas - enfeitavam as salas para espantar os maus espíritos da escuridão. Os mesmos objetoseram usados para presentear uns aos outros.

Apenas após a cristianização do Império Romano, o 25 de dezembro passou a ser a celebração do nascimento de Cristo (por referência, jamais por motivo histórico).

A maior parte dos historiadores afirma que o primeiro Natal como conhecemos hoje foi celebrado no ano 336 d.C.. A troca de presentes passou a simbolizaras ofertas feitas pelos três reis magos ao menino Jesus, assim como outros rituais também foram adaptados.

domingo, 8 de dezembro de 2013

O APARTHEID



Quando foram expulsos do Brasil em 1654, os holandeses invadiram algumas Ilhas das Antilhas. Antes, porém, de trazer os colonizadores para cá, exterminaram toda a população nativa da região num holocausto muito típico dos impérios coloniais. No século XVIII a expansão do Império Neerlandês atingiu o sul da África com a fundação de colônias no Transwal. Pouco mais tarde forças britânicas também ocupam parte da região, de olho nas jazidas de ouro e diamantes recém descobertas na região.

No final do século XIX duas violentas guerras, as “Guerras dos Boers ou dos Bôeres” entre holandeses e ingleses definiram a soberania dos britânicos sobre a região, embora os holandeses mantivessem autonomia em alguns pontos.

Foram os Bôeres que criaram um regime que afastava legalmente brancos de negros.

Em 1909 Londres criou o “Ato da África do Sul” que deu origem ao país, fundado em 31 de maio de 1910 e suprimiu definitivamente o poder dos holandeses (bôeres) na região.

Em 1931 a África do Sul se tornou independente do Reino Unido e, em 1948 ocorreram as primeiras eleições livres e que decidiram as estruturas do novo país. Essas eleições foram vencidas, através dos mais violentos casuísmos pelo Partido Nacional da África do Sul, organização política racista que reivindicava o direito dos brancos de manterem sua dominação elitista, baseada nas suas origens européias e superioridade racial.

Foi assim que, a partir de 1948 a Constituição da África do Sul instituiu um sistema asqueroso de segregação racial, política e civil no país. Este regime perdurou de 1948 até 1993, quando depois de anos de sangue, o isolamento da África do Sul e um severo boicote internacional sobre as relações econômicas do país, somado a luta interna liderada pelo Congresso Nacional Africano de Nelson Mandela, as primeiras eleições multirraciais decretaram a vitória do primeiro presidente negro do país.

A legislação do Apartheid dividia a população em negros, brancos, de cor e indianos (o despertar de Gandhi para a revolta contra a desigualdade se deu num acontecimento do qual foi vítima em viagem de trabalho à África do Sul).

Foram decretadas áreas residenciais restritas a brancos e negros (guetos) que implicaram inclusive em remoções forçadas de grande parte de sua população. As áreas restritas a brancos e negros passaram a ser identificadas com cartazes de alerta e os serviços públicos de saúde e educação se diversificaram, cabendo a população negra serviços muito inferiores aos prestados aos brancos.

Os negros só podiam circular de posse de uma caderneta de identificação obrigatória e sua presença em áreas exclusivas de brancos era punida com prisão.

Importante lembrar que o regime não se instalou por inteiro em 1948, mas foi se estruturando com o tempo. Assim:

- em 1949 é proibido o casamento entre brancos e negros e tornado nulo seus efeitos em caso de desobediência e presos os infratores;
- em 1950 fica obrigatório o registro da cor nas certidões de nascimento de qualquer sul-africano (branco, negro, indiano, de cor);
-- em 1951 fica proibida a circulação de negros em determinadas áreas das cidades (hipódromo, parques, área residencial de brancos, etc.) e são criados os bantustões (guetos) só para negros. Na verdade, com os bantustões, os negros perdiam a cidadania do próprio país;
- em 1952 é proibido o uso, para negros, de determinadas instalações públicas (bebedouros, banheiros, etc.);
- em 1953 são criados sistemas diferenciados de educação para as crianças brancas e as crianças dos bantustões.

A luta contra o apartheid foi sangrenta.

Cientes da enorme diferença numérica e apoiado pelos EUA e aliados, o regime do apartheid sempre foi avesso às negociações. Sobraram conflitos e massacres.

Houve um tempo em que a África do Sul entrou num ciclo vicioso macabro: havia manifestações de rua dos negros que eram violentamente reprimidas pela polícia (extremamente bem equipada, inclusive com carros totalmente blindados do tipo “caveirão”). Militantes negros morriam. Nos funerais novas manifestações, novos conflitos e mais mortos. Nos funerais...

Restou o caminho da luta armada onde se destacaram pessoas como Steve Bantu Biko, líder estudantil que criou em 1968 a Organização dos Estudantes Sul-Africanos. Depois de muitas lutas Biko foi preso em 6 de setembro de 1977 e morto acorretado às grades de uma janela da penitenciária, com traumatismo craniano após um dia inteiro sob as mais terríveis torturas.

O próprio Mandela iniciou sua carreira ativista criando a “Umkhonto We Sizwe” (Lança de Uma Nação), sendo seu primeiro comandante em chefe.

O fim do Apartheid ocorreu, porém, por uma soma de fatores internos e externos.

Além da resistência negra dentro do país, externamente a África do Sul foi ficando cada vez mais isolada graças às pressões dos povos do ocidente sobre seus governantes a não mais apoiarem um regime assassino (a mídia brasileira oficial, que hoje decanta Mandela, não apoiava as manifestações populares e rotulava Mandela de terrorista). Além disso, para manter sua hegemonia, o governo branco de Peter Botha envolveu-se nas guerras pós-independência de Moçambique, e principalmente, Angola. Tropas aliadas de Cuba desembarcaram na África em apoio ao governo de esquerda da UNITA e derrotaram fragorosamente os sul-africanos, enfraquecendo seu governo.

Minado por dentro, derrotado e isolado por fora, o novo governante, Frederik De Klerk, foi obrigado a negociar e a enfrentar a força insuperável de Mandela.

Eleito presidente, Mandela governou de 1994 a 1998. Promoveu a união e a pacificação. O “banho de sangue” da revanche, não aconteceu.

A morte de Nelson Mandela, líder maior da luta pela igualdade racial, encerra, assim um capítulo de dor, sangue, lutas e vitórias desse povo.

Se a despedida era inevitável, pelo menos, ao contrário de Biko e de outros mártires, Mandela pode fechar os olhos vendo seu povo finalmente unido e seu país reconstruído.

Prof. Péricles

sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

MANDELA E O COBERTOR


Contava Mandela que fazia muito frio na prisão em que se encontrava. Houve um tempo em sua vida que sua maior ambição, seu maior desejo, era um simples cobertor. Logo ele percebeu que não adiantaria escrever um tratado acadêmico ao Diretor da Prisão solicitando o cobiçado cobertor, pois isso iria gerar burocracia, despertaria expectativas políticas e ele continuaria passando frio por muito tempo.

Percebeu, então, que a única forma de atingir seu objetivo era o responsável pela seção da cela onde estava. Um simples, mas, naquele sentido, poderoso funcionário.

Para que suas noites fossem menos penosas ele precisaria dialogar com o carcereiro. Não com o Diretor.

O diálogo o levou a entender melhor aquele homem. Soube que era muito mal
pago, assim como seus demais colegas, praticamente não tinha nenhum estudo formal e tinha medo, muito medo que os negros tomassem seu emprego, expulsassem sua família, o deixassem sem nada, talvez até, sem vida.

Nelson Mandela, que era advogado, tornou-se uma espécie de conselheiro daqueles homens manteve o interesse em suas reivindicações e ajudou-os inclusive em questões trabalhistas.

Ele sempre contava essa história, que chamava de “estratégia do cobertor” para dizer o quanto aprendera na prisão.

Ouvir as pessoas humildes. Entender como o medo separa as pessoas que nem sequer se conhecem. Reconhecer o poder muito maior dos pequenos, do que, nos governantes.

Ao ganhar a confiança daqueles homens, dizia, entendeu melhor o quanto somos iguais em nossas carências.

Já na presidência do país, Mandela repetiria que a opressão trás o medo e o medo a separação. Era necessário, dizia ele, um cobertor novo para o país.

No primeiro dia de mandato percebeu, ao entrar na sede do governo, que os funcionários (todos brancos) o esperavam perfilados, certos de que seriam demitidos e trocados por servidores negros. Ergueu a voz para que todos pudessem ouvi-lo dizer que, caso desejassem ir embora, não seriam detidos, mas se quisessem ficar e ajudar a reconstruir uma nação, doando ao país sua experiência, seriam muito bem aceitos. Segundo testemunhas, houve uma profunda emoção entre todos e Mandela pôde contar com toda a fidelidade daquele grupo.

Nos cinco anos em que esteve na presidência (1994-1999) ele mudou as condições de vida de muita gente. Pessoas que nunca haviam tido eletricidade em suas residências. Novas casas foram construídas para quem vivia em bairros de lata, muitos passaram a ter água potável. Mas, sem dúvida, seu maior feito foi ter impedido o grande massacre que ameaçava se abater sobre o povo sul-africano.

Ah... sobre o cobertor, Mandela nunca mais passou frio à noite.


Prof. Péricles

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

MANDELA E O FAROL


Algumas pessoas nascem para ser farol.

O farol, você sabe, ilumina as trevas por mais densas que elas sejam.

Porém, ao pé do farol, tudo é muito escuro.

Algumas pessoas nascem para se farol. Iluminam a escuridão de seus povos com uma luz persistente que não se apaga, mesmo diante da maior das tempestades.

Levam seus contemporâneos a dias mais seguros, embora a nave esteja sendo engolida pelo mar.

São protagonistas de seu tempo, artífices dos tempos futuros.

Eles próprios, porém, estão condenados as águas mais profundas e à escuridão, ao pé do farol.

Nelson Mandela foi um homem farol.

Com sua luz radiante atravessou os sangrentos anos em que seu povo era diariamente massacrado nas ruas.

Diariamente humilhados, desprezados, estrangeiros dentro de seu próprio país.

Sua marca registrada foi a rebeldia, a não aceitação da injustiça covarde.

Mas a ele estava reservado quase trinta anos de prisão solitária entre paredes frias e insalubres.

Tiraram a liberdade e lhe deram uma tuberculose.

Tiraram os anos mais jovens e lhe deram a solidão.

Mas, apesar de acorrentado ao pé do farol, não conseguiram tirar sua luz.

Mandela sobreviveu aos anos intermináveis de prisão. Seu nome virou hino entoado por seu povo, embora amaldiçoado pelos inimigos e manchado como terrorista pela mídia internacional, incluindo a brasileira.

Combateu primeiro como militante da luta armada, depois como político e negociador e finalmente sendo símbolo de resistência pacífica.

Combateu a um dos mais tirânicos e cruéis dos sistemas políticos da história, o apartheid.

Esse sistema forjado pelos holandeses na África antes de sua expulsão na Guerra dos Bôers, e posteriormente instituído pelos ingleses, tinha o apoio internacional dos Estados Unidos e das potências capitalistas aliadas.

Impedia qualquer tipo de miscigenação de forma constitucional. Casamento entre tipos raciais distintos era punido com a prisão dos cônjuges. Presença de negro em ambiente de branco era passível de longo tempo na prisão.

O apartheid, com todo apoio que sempre teve dos Estados Unidos e seus parceiros na exploração da principal riqueza nacional da África do Sul, a extração de diamantes, só caiu pela luta do Congresso Nacional África, partido clandestino liderado por Mandela, e pelas derrotas diante das tropas cubanas na luta pela independência de Angola e Moçambique e Rodhesia (atual Zimbabue).

Como prisioneiro condenado a prisão perpétua, virou mártir e espinho que sangrava diariamente a alma do execrável regime que privilegiava 5 milhões de brancos e jogava na marginalidade 20 milhões de negros.

Mas, também virou esperança e era citado como oração toda vez que as forças pareciam faltar a sua gente.

Presidente do País após sepultar o apartheid, Mandela governou de 1994 a 1999, e não apenas evitou o revanchismo e o esperado banho de sangue, como ainda promoveu a unificação e a pacificação de todos os sul-africanos, brancos e negros. Graças a ele, que tinha todos os motivos possíveis para uma vingança, o esperado “banho de sangue” não aconteceu.

Nelson Mandela morreu hoje, 05 de dezembro de 2013, aos 95 anos.

Agora, com a África do Sul pacificada, finalmente ele pode subir ao ponto mais alto do farol, para se tornar eternamente luz.

Prof. Péricles

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

HIPOCRISIA A 100%


Por Marcelo Zero

Lord Byron costumava dizer que, na Inglaterra, a única homenagem que se prestava à virtude era a hipocrisia. Mas a frase de Byron pode ser aplicada a qualquer império. Com efeito, nas relações internacionais das grandes potências o que predomina é uma flexível “ética de lupanar”, diriam os analistas mais diretos. “Realpolitik”, diriam os mais elegantes.

O caso do programa nuclear iraniano, objeto de acordo recente, é emblemático.

Pode parecer estranho, mas esse programa não foi desenvolvido pelos aiatolás, religiosos mais afetos às leituras do Corão do que ao desvendamento da intrincada tecnologia ocidental. Tampouco caiu de nenhum dos sete céus nos quais acreditam os muçulmanos.

Na realidade, ele caiu do colo do Departamento de Estado dos EUA.

Do colo dos EUA para o colo do regime do Xá Reza Pahlevi, ditador tão sanguinário quanto pomposo, que se autoproclamava herdeiro de Dario e Xerxes. De fato, o primeiro reator nuclear iraniano, inteiramente construído pelos EUA, começou a operar já em 1967, com urânio enriquecido a 20%, o mesmo grau de pureza que hoje se proíbe ao Irã. Posteriormente, o Xá firmou um acordo para que os EUA construíssem no Irã nada menos que 23 usinas nucleares até 2000.

Outras potências se juntaram a esse notável esforço em prol da segurança mundial. A Alemanha firmou, em 1975, acordo com Teerã para a construção de duas grandes centrais nucleares baseadas em água pressurizada, um investimento de US$ 6 bilhões. A França criou com o Irã a Sofidif (Société franco–iranienne pour l’enrichissement de l’uranium par diffusion gazeuse), mediante um investimento de US$ 1 bilhão. Com a sociedade criada, o Irã teria o direito de usar 10% do urânio enriquecido.

Mas não ficou só nisso. Em 1976, os EUA ofereceram ao Irã uma usina de reprocessamento de material radioativo, que permitiria aos confiáveis descendentes do Império Persa o domínio de todo o ciclo nuclear e a fabricação de plutônio, material com o qual se pode construir uma bomba atômica. Uma bem “suja” e tóxica.

O Xá chegou a virar garoto-propaganda da indústria nuclear internacional. Entre um telefonema e outro para a Savak, sua polícia secreta, responsável pela tortura e morte de milhares de desobedientes vassalos, o Xá achou tempo para pousar, sorridente, em propagandas de fabricantes de reatores nucleares.

É evidente que os EUA, com todas essas ofertas, estavam começando a criar as condições para um possível armamento nuclear do Irã, na época grande aliado dos norte-americanos no Oriente Médio. Relatório da CIA de 1974, já “desclassificado”, indicava claramente essa possibilidade. Segundo o relatório, se o Xá ainda estivesse vivo em meados da década de 1980, e se outros países da região se armassem (notadamente a Índia, como de fato aconteceu) o Irã, “sem dúvida”, seguiria o mesmo caminho. Estranhamente, isso não parecia inquietar muito Washington.

Tudo mudou com a queda de Pahlevi. Todos os acordos e contratos foram cancelados ou revistos, mesmo sendo instrumentos jurídicos de Estados, e não de governos. Em alguns casos, o dinheiro dos investimentos iranianos sequer foi devolvido, como aconteceu com a sociedade francês-iraniana para o enriquecimento de urânio.

Entretanto, como o Irã, ao contrario de Israel, é signatário do TNP, que diz que é “direito inalienável de todas as Partes do Tratado” desenvolverem a energia nuclear para fins pacíficos, “sem discriminação”, os aiatolás acharam que poderiam prosseguir com o programa, sem a devida autorização da superpotência. Ledo engano. Com o tempo, a pretensão do novo regime iraniano foi sendo sepultada por uma série de embargos e duras sanções econômicas.

Outra vítima desse brutal cinismo foi Lula. Ele também levou a sério o multilateralismo e a construção conjunta da paz. Lula, com o apoio explícito de Obama, fechou um acordo magistral com Teerã sobre o programa nuclear.

Tal acordo, praticamente idêntico ao que havia sido tentado 6 meses antes, sem êxito, pelos EUA, previa o envio de 1.200 quilos de urânio enriquecido iraniano para o exterior e tinha dois efeitos imediatos: a) impossibilitava a construção de qualquer artefato nuclear por parte do Irã, pois para isso seria necessário enriquecer a mais de 90% cerca de 2.500 quilos de urânio levemente enriquecido, sendo que os iranianos ficariam com apenas cerca de 800 quilos, e b) abria as portas para uma cooperação pacífica entre o Irã e as potências ocidentais. El Baradei, ex-diretor da AIEA, uma das maiores autoridades mundiais no tema, deu pleno apoio ao acordo. Gary Sick, que foi membro do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, considerado um dos maiores especialistas norte-americanos em Irã, afirmou que “ter o Brasil e a Turquia trabalhando ativamente para desenvolver uma nova abordagem da questão iraniana era uma enorme vantagem para os EUA”. Essa ação, segundo Sick, tinha “valor incalculável para progressos futuros”.

Mas prevaleceu, de novo, o cinismo imperial. Os EUA, que não esperavam o êxito do Brasil, preferiram sabotar o bom acordo. É que o acordo retirava protagonismo dos EUA numa região estrategicamente sensível. Eles ficaram melindrados com o êxito alheio e receosos quanto a manter o controle absoluto do processo de negociação. Ademais, havia, e ainda há, o interesse em desestabilizar o regime iraniano.

Tão inesperada quanto essa cínica sabotagem dos EUA foi a hipócrita reação em âmbito interno. Nossa lamentável matilha de vira-latas se regozijou com a sabotagem contra o Brasil e criticou o presidente por sua indevida ingerência nas “brigas de cachorros grandes”. Agora, devidamente autorizados pelo Big Dog, abanam os rabos para um acordo que, como já notaram alguns, é inferior ao obtido pelo Brasil, pois não retira do território iraniano uma única grama do urânio enriquecido a 20% e inviabiliza a produção de isótopos para fins medicinais.

Uma hipocrisia enriquecida a 100%.

domingo, 1 de dezembro de 2013

MULHERES E UMA GUERRA SURDA


Por Rosyska Darcy de Oliveira

A história das mulheres é um longo percurso de lutas contra a humilhação e a brutalidade, escrevi há 30 anos. Não pensei que voltaria a escrever. Tudo parecia indicar que a sociedade brasileira saíra da Idade da Pedra com seus Brucutus arrastando as mulheres pelos cabelos e possuindo-as no melhor estilo animal.

Ilusão. A história das mulheres continua marcada pela humilhação e a brutalidade. É o que contam os dados do Fórum Nacional de Segurança Pública: 50 mil casos de estupro no Brasil no ano de 2012.

Este número aberrante não deveria cair no esquecimento como uma má notícia entre outras. Cinquenta mil americanos morreram na Guerra do Vietnam e isso mudou a América. Aqui 50 mil mulheres são violadas por ano e a sociedade assiste em silêncio.

Segundo a pesquisa, o número de casos vem aumentando. Os estupros de fato aumentaram ou o que aumentou foi sua notificação? Se assim for, é provável é que esses números sejam apenas a ponta do iceberg.

Um caso isolado de estupro é uma tragédia que o senso comum põe na conta de algum tarado que ninguém está livre de encontrar numa rua deserta. São psicopatas que agem por repetição à semelhança dos serial killers. Requintados torturadores, desprovidos de culpa ou remorso, são descobertos e presos. Quando saem, reincidem.

Cinquenta mil casos têm outro significado. A psicopatia não explica. Configura-se uma tara social, uma sociedade que convive com a violência sexual com uma naturalidade repugnante. São milhares de estupradores que, assim como os torturadores, transitam entre nós como gente comum. Estão nas ruas, nas festas, nos clubes, lá aonde todos vão, e passam despercebidos. Estão nas famílias e nas vizinhanças onde mais frequentemente agem — suprema covardia — aproveitando-se da proximidade insuspeita com a vítima.

Dissimulam seu alto potencial de crueldade no magma de desrespeito em que se misturam machismo, piadas grosseiras, gestos obscenos, aceitos como parte da cultura. A certeza da supremacia da força física, herdaram das cavernas. O desprezo pelas mulheres, aprendem facilmente em qualquer conversa de botequim. Ninguém nasce estuprador: torna-se.

O estupro é uma mutilação psíquica que a vítima carrega para sempre. Fecundação pelo ódio e contaminação pelo vírus do HIV são sequelas possíveis desse pesadelo. O medo ronda. Quantas mais estarão em risco? Pergunte-se a qualquer mulher se, uma vez na vida, se sentiu ameaçada pela violência sexual. Há uma guerra surda contra as mulheres. Quando as guerras de verdade se declaram, o estupro como arma se pratica às claras. Na Bósnia, a “limpeza étnica”, crime contra a humanidade, se fazia violando as mulheres.

Há décadas os movimentos de mulheres denunciam essa guerra surda. Estão aí as Delegacias da Mulher e a Lei Maria da Penha. O anacrônico Código Penal, que falava de crime contra os costumes, hoje capitula o estupro como crime hediondo. Aumentaram as penas e os agravantes. A Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres criou o número 180 para acolher as denúncias e promete espalhar Casas da Mulher em todos os estados.

Dir-se-ia, no entanto, que estupradores não temem a denúncia, a lei e a Justiça. Por que será? De onde lhes vem a sensação de que o que fazem não é crime e, se descobertos fossem, ficariam impunes?

A resposta está no sentimento de poder sobre o corpo das mulheres que nossa sociedade destila como um veneno. É esse caldo de cultura, em que a violência sexual de tão banal fica invisível, que estimula e protege os agressores, realimentando a máquina de fazer monstros. Some-se a isso uma espécie de pacto de silêncio que, salvo quando os dados gritam como agora, impede que se reconheça a gravidade do problema que, na sua negação da dignidade humana, é comparável à prática da tortura.

Os governos descuidam do indispensável amparo às vítimas. Ora, se não há reparação possível, deve haver acolhimento e socorro. Em todo o país os serviços de saúde pública capazes de oferecer a possibilidade de um aborto previsto em lei são ridiculamente insuficientes para atender às consequências desse massacre.

A mesma energia com que a sociedade brasileira condena a tortura é necessária para debelar a epidemia de crueldade. Três mudanças de comportamento se impõem, imediatas: o fim da tolerância com o desrespeito às mulheres, em casa e nas ruas; a inclusão para valer da prevenção e repressão da violência sexual na agenda da segurança pública; e a expansão dos serviços de amparo às vítimas. É o mínimo que o Brasil deve às mulheres.