quinta-feira, 27 de julho de 2017

UM POVO QUE NÃO LUTA


Por Bepe Damasco


Desde que uma quadrilha assaltou o governo há pouco mais de um ano, a rapinagem das riquezas nacionais, a roubalheira mais escrachada, a destruição de direitos históricos do povo, o fim dos programas sociais, a volta da fome e dos sinais mais aviltantes da miséria, além da humilhação internacional do país, têm sido a tônica do nosso pesaroso dia a dia.


Motivos existem de sobra para que uma população revoltada ocupe permanentemente as ruas, elevando gradativamente os níveis de radicalização dos protestos até que seja posto abaixo o governo ilegítimo e usurpador. Mas, por que será que isso não acontece entre nós, se até a Organização das Nações Unidas reconhece o direito à rebelião popular diante de governos opressores?


Antes de entrar no exame propriamente dito dessa pasmaceira coletiva, é importante assinalar que tem havido resistência. Desde que o golpe se tornou uma ameaça concreta até hoje, centenas de milhares de pessoas atenderam aos chamados das centrais sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda e compareceram a manifestações marcantes em todos os estados do país.


Não custa lembrar que em 28 de abril passado registrou-se a maior greve da história e que, mesmo com o boicote e a sabotagem da mídia velhaca, multidões se moveram contra as contrarreformas do governo golpista, pelo Fora Temer e por Diretas Já. Contudo, o nó da questão é a presença insuficiente nos protestos de contingentes maiores da classe operária e de moradores de favelas e bairros periféricos. Em síntese, tem faltado povão.


Múltiplos fatores combinados vêm sendo levantados pelos que buscam entender a inação justamente dos mais atingidos pelas medidas antipovo do governo golpista, tais como: ceticismo com a política e os políticos; desânimo e fadiga em relação à eficácia dos protestos, já que o governo e o Congresso teimam em seguir na direção oposta; forte campanha do monopólio midiático em defesa das reformas, confundindo as pessoas; déficit de consciência política e cidadã do povo brasileiro; desgaste de entidades e partidos do campo progressista.


Na minha visão, em maior ou menor grau, esse elenco de causas joga luz na difícil missão de clarear esse intrincado fenômeno político e sociológico. No entanto, como não sou e jamais serei candidato a nada, acrescentaria outros. Começa pela constatação de que o mito do brasileiro cordial do gigante Sérgio Buarque de Holanda há muito fez água por todos os poros.


Hoje, expressiva parcela das classes média e alta cultiva valores racistas, homofóbicos, sexistas e xenófobos. Em geral iletrados e ignorantes até a medula, em que pese o acesso à educação formal, esses bem-nascidos detestam os pobres. Daí o ódio que sentem pelos que fazem da política uma trincheira de lutas para reduzir a nossa vergonhosa desigualdade social.


O problema é que o mau-caratismo dos privilegiados contaminou parte considerável da base da pirâmide social. Li em algum lugar, e lamento não lembrar o autor para citá-lo, uma frase genial segundo a qual a obra mais acabada do capitalismo é o pobre de direita. E, a julgar pelo que ouvimos nas ruas, botecos e transportes públicos, ele existe em profusão e não para de se multiplicar entre nós. Tristeza!



Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente texto! Qual é a solução para os problemas relatados?