terça-feira, 28 de outubro de 2014

A SOLIDÃO DAS AREIAIS




Heródoto, considerado o primeiro historiador, conta na sua famosa obra Histórias o caso de 50.000 soldados persas que desapareceram no deserto, tendo sido apanhados por uma tempestade de areia, por volta de 524 a.C., no século VI a.C.

O rei persa Cambises II já tinha conquistado cidades egípcias como Mênfis ou Tebas, expandindo o império persa até àquela região. Mas o estranho desaparecimento daqueles soldados passou a ser um mistério para os arqueólogos, que desde o século XIX procuraram por vestígios desse exército.

Agora, dois blocos descobertos de um templo romano indicam que estes 50.000 soldados foram, afinal, derrotados pelas forças de Petubastis III, um líder rebelde egípcio que durante um par de anos conseguiu recuperar parcialmente o império egípcio aos persas e foi coroado faraó.

“Heródoto viajou no Norte do Egito e escreveu o que ouviu", explica Olaf Kaper um egiptólogo da Universidade de Leiden, na Holanda. Do que ouviu, "o desaparecimento do exército era claro, mas os persas tornaram o acontecimento menos devastador ao culparem o clima", defende.

Sem provas físicas, os historiadores têm tentado interpretar as palavras de Heródoto com a ajuda do contexto: a geografia, o que já se conhece sobre os impérios egípcios e persas daquela altura, até os fenômenos meteorológicos como as tempestades de areia.

O templo descoberto em 2005 pertence a uma vila romana chamada Amheida, no oásis de Dakhla. "Em dez anos, escavamos algumas casas, uma que tem pinturas nas paredes, banhos romanos e uma igreja, além dos vestígios do templo", explica Olaf
Kaper.

O oásis de Dakhla é enorme, tem um comprimento de 80 quilômetros de leste a oeste, e uma largura máxima de 25 quilômetros. A área situa-se a 500 quilômetros a oeste da antiga cidade egípcia de Tebas, hoje Luxor, que fica junto ao rio Nilo, a cerca de 600
quilômetros a sul do Cairo.

Os primeiros indícios sobre Petubastis III surgiram logo em 2005, quando descobriram uma cartela com o nome real Petubastis - a cartela é um bloco com o nome de um faraó em hieróglifos e uma linha ovalada à volta da inscrição. Em 2014, com a descoberta de uma segunda cartela onde estava escrito "shr-ib-Ra", o nome de coroação de Petubastis III, que reinou entre 522 e 520 a.C., foi possível identificar o faraó certo.

“O fato de este rei desconhecido e efêmero, que governou apenas parte do país durante a ocupação persa, ter construído um templo em Dakhla, mostra que este local era muito especial para ele. Os templos são construídos com dinheiro público, e
normalmente isto é feito em grandes cidades ou nos locais de origem dos reis", defende o egiptólogo. "A única explicação para a existência deste templo é que Petubastis III usou o oásis como um centro de poder.”

É neste lugar que os escritos de Heródoto, o desaparecimento do exército persa de Cambises II e a origem de Petubastis III se conjugam. Segundo as investigações, o rebelde egípcio era uma força a temer. Por isso, Cambises II pôs os seus homens em movimento - num exército com um tamanho bastante razoável para a época - por volta de 524 a.C.: "O exército desapareceu, Heródoto apresenta-nos a história de uma tempestade de areia. Isto é demasiado improvável para ser verdade, certamente não é para ser tido como um fato, uma explicação muito melhor é que o exército tenha sido derrotado. Agora que temos um poderoso inimigo dos persas em Dakhla, este cenário é o mais provável.”

Apesar de o exército persa estar mais equipado, Olaf Kaper especula que as forças de Petubastis III conheceriam melhor o terreno, o que lhes daria uma vantagem determinante.

Cambises II ficou por Tebas enquanto o seu exército tomou o caminho do deserto e desapareceu nos confins da História. Depois, o rei voltou para a Pérsia onde acabou por morrer. Dois anos depois, Petubastis III entrava em Mênfis, onde foi coroado, mas foi faraó por pouco tempo. Dario I, que sucedeu a Cambises II, lançou as suas forças contra o recém-coroado monarca e em 519 a.C. já tinha recuperado o território.

Mas, os 50 mil nunca voltaram para casa e a história da tempestade de areia fatal e dos seus condenados permaneceu sendo contada por gerações.

A escuridão que envolve esta batalha deve-se primeiro a Cambises II e principalmente a Dario I. "Quando Cambises II soube do desastre, ele fez com que a notícia não se espalhasse para não encorajar mais uma revolta", defendeu o egiptólogo na apresentação que fez no congresso de Arqueologia junho. Depois, "Dario I conseguiu restabelecer o controle [do Egito] e apagou todas as referências a Petubastis III nas listas dos reis".

O novo monarca do império persa quis, por isso, refazer a História. É um hábito antigo dos vencedores. Mas os acontecimentos deixam lastro e deixam rasto e afunção da história é resgata-los.

A descoberta feita no oásis de Dakhla transformou agora o destino daqueles 50.000 homens: a tempestade de areia foi engolida por uma batalha.

Talvez agora, depois de vagar por 2550 anos nas areias do deserto, tendo sido sua história descoberta e recontada, eles possam, finalmente, voltar pra casa.

Prof. Péricles
Fonte – texto informativo de Nicolau Ferreira (Portugal)

Um comentário:

Anônimo disse...

Professor, verifique o link do teu Blog desta postagem lá no face que está errado.