domingo, 17 de fevereiro de 2013

JÁ VAI TARDE




Por Márcia Denser

Inspirada em várias fontes, eis algumas reflexões (e revelações para quem não sabe) sobre a renúncia de Beto XVI: um mix de dinheiro, poder e sabotagens, corrupção, espionagem, escândalos sexuais – a presença ostensiva desses ingredientes de filme de terror no noticiário constituía o dia-a-dia do Vaticano.

Tal frequência e a intensidade anunciavam algo nem sempre inteligível ao mundo exterior: o acirramento da disputa sucessória de Bento XVI nos bastidores da Santa Sé. Desta vez, mais do que nunca, a fumaça que anunciará o “habemus papam” refletirá o desfecho de uma fritura política de vida ou morte entre grupos radicais de direita na alta burocracia católica.

Mais que de saúde, razões de Estado teriam levado Bento XVI a anunciar a renúncia de seu papado. (...)

Sua desistência oficializa a entrega de um comando de que já não dispunha. Devorado pelos grupos dos quais inicialmente tentou ser o porta-voz e controlar, Bento XVI jogou a toalha. (...)

Quadro ecumênico da teologia, inicialmente um simpatizante das elaborações reformistas de pensadores como Hans Küng, Joseph Ratzinger escolheu o apoio da direita para galgar os degraus do poder interno no Vaticano.

Em meados dos anos 70/80, ele consolidaria essa comunhão emprestando seu vigor intelectual para se transformar em uma espécie de Joseph McCarthy do fundamentalismo católico. Foi assim que exerceu o comando da temível Congregação para a Doutrina da Fé. À frente desse arremedo da Santa Inquisição, Ratzinger foi diretamente responsável pelo desmonte da Teologia da Libertação.

O teólogo brasileiro Leonardo Boff, um dos intelectuais mais prestigiados desse grupo, dentro e fora da igreja, foi um dos seus alvos: advertido, punido e desautorizado, seus textos foram interditados e proscritos. Por ordem direta do futuro papa. Antes de assumir o cargo supremo da hierarquia, Ratzinger “entregou o serviço” cobrado pelo conservadorismo. (...)

E dá-lhe pedofilia por debaixo dos paramentos sacrossantos!

Sob a inspiração de Ratzinger, seu antecessor, João Paulo II, liquidou a rede de dioceses progressistas no Brasil, por exemplo. As pastorais católicas de forte presença no movimento de massas foram emasculadas em sua agenda “profana”. A capilaridade das comunidades eclesiais de base da igreja ficou restrita ao catecismo convencional e, naturalmente, à Nova Carismática e o nunca por demais esquecido Padre Marcelo Rossi (cruzes!).

Ratzinger recebeu o Anel do Pescador em 2005, no apogeu do ciclo histórico que ajudou a implantar. Durou pouco. Três anos depois, em setembro de 2008, as finanças do conservadorismo sofreriam um abalo do qual não mais se recuperaram. (...)

Fome, exclusão social, desolação juvenil não são mais ecos de um mundo distante. Formam a realidade cotidiana no quintal do Vaticano, em uma UE destroçada para a qual a Igreja Católica não tem mais nada a dizer há séculos. Sua tentativa de dar uma dimensão terrena ao credo conservador perdeu qualquer sentido perante a crise social devastadora.

Será lembrado (ou esquecido) como o Papa dos ricos e pedófilos.

Vade retro!

Ou melhor: já vai tarde.

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