quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

ESPAÇO AÉREO DE PORTO ALEGRE




O espaço aéreo de Porto Alegre sempre foi foco de atenção, expectativas e encantos.

Em agosto de 1961, durante os momentos mais críticos da Campanha pela Legalidade, que impediu o golpe militar que só ocorreria em março de 1964, olhava-se para o céu de Porto Alegre com grande aflição. Notícias desencontradas davam conta de um provável bombardeio ao centro da cidade, ao Palácio Piratini e arredores, onde a população armada pelo Governador Brizola transitava, disposta à luta. O bombardeio não veio, sabe-se hoje, graças a uma heróica resistência de militares gaúchos na Base Aérea de Canoas.

Antes, em 1923, os céus de Porto Alegre já haviam assistido gaúchos rumando para bombardear gaúchos, quando aviões do governador Borges de Medeiros atacaram forças de Assis Brasil, na chamada Revolução Assisista.

Hoje, felizmente, não se observam vôos de guerra mas, o espaço aéreo de Porto Alegre ainda apresenta seus mistérios.

Por exemplo: é conhecida de todos a presença de uma perigosa gang de papagaios na cidade.

Todos os dias eles partem da Praça da Alfândega, cruzam o centro histórico e se jogam debochadamente nas árvores do Parque Farroupilha (Redenção). Passam o dia por lá, matraqueando o tempo todo, discutindo política, a situação da dupla Grenal e, claro, falando das papagaias. À tardinha, retornam barulhentos para as Árvores da Praça da Alfândega e adjacências, onde fazem amor despudoradamente e dormem com as últimas luzes da cidade.

Já as centenas de pombos, mais antigos, são presença obrigatória em qualquer fotografia tirada na Praça Montevideo e do Mercado Público. E não adianta reclamar e pedir que se retirem pois, estranhamente, eles se sentem mais donos da cidade do que qualquer outro porto-alegrense.

Dia desses, um filhote apareceu no “fumódromo” localizado no 12º andar do prédio onde trabalho. Nasceu com a pata atrofiada e, sem poder voar, foi abandonada pela mãe. Foi adotada pelos freqüentadores daquele antro de perdição. Cuidamos dele com zelo, água, pão e carinho, talvez porque fumante saiba bem o que é ser discriminado. Duas semanas depois, crescido, ele finalmente conseguiu voar e se foi a povoar nosso céu, o que provou duas coisas: fumante também tem coração e pombinhas são mal agradecidas, pois se foi sem nem dizer adeus.

Porém, existem novidades nos céus de Porto Alegre.

Recentemente um casal de abutres aderiu ao cenário.

Esqueça o urubu, aquele bicho sinistro. Esses são abutres altivos, orgulhosos, cabeças erguidas e ar solene. Voam com estilo e olham pombos, papagaios e pessoas, literalmente de cima. Dão vôos longos (acho que apostam quem chega primeiro a próxima nuvem), descrevem curvas sinuosas e largas. Um menino e uma menina. Únicos. Sem bando. Provavelmente personagens de um amor não compreendido entre os abutres, que resolveram abandonar tudo, menos um ao outro e escolheram Porto Alegre como sua Verona.

Os biólogos e urbanistas não sabem explicar, pois não tem sentido biológico o que os dois fazem aqui. Fui um dos primeiros, mesmo antes dos jornais, a percebê-los enquanto queimava a vida no fumódromo aquele. Inclusive quando dei a notícia exultante, recebi frieza e ainda fui acusado de estar fumando outra coisa além do cigarro lá no12. Tudo bem, dessa vez eles estavam errados, mas não guardo rancor.

Tudo isso somado à presença inexplicável de alguns pequenos gaviões perdidos (provavelmente bêbados) fazem do espaço aéreo de Porto Alegre, moldurado pelo Guaíba que cerca a cidade como um caminho de prata brilhante, um espaço de encantos e de mistérios. Enquanto cidadãos apressados arrastam suas rotinas sem tempo de erguerem os olhos aos céus, seres alados, de outros tempos e de outros espaços, trazem beleza à vida, até mesmo de fumantes.

Prof. Péricles



2 comentários:

Anônimo disse...

Bom retorno, meu amigo Prof. Péricles! Essa foi uma das melhores crônicas que já li. A-do-rei! Abraços fraternos.
Maria Hein

Leonardo Curso vigor disse...

Grande professor!
Ao ler textos como este, tenho muita vontade de escrever o que penso acerca de assuntos variados.Certamente, não terei tantos leitores como você, isso se tiver algum.Mas a verdade é que gosto de ler o blog, na verdade gosto de uma boa leitura.
Ps: a história do Brasil é muito interessante, só percebi após as tuas aulas.
Abraço!