sábado, 23 de fevereiro de 2013

CACHORRO VIRA LATA



Somos jovens traumatizados.

Na nossa infância, o período colonial, aprendemos que éramos o pior tipo de colônia, o mais desprezível. Não tínhamos ouro como no México, ou prata como no Peru. Nossos índios andavam nus ou com apetrechos diversos, mas sem nenhum resquício de qualquer metal precioso. Fomos o que chamamos hoje de “colônia de exploração”.

Sim, éramos uma colônia revoltante, distante, suja, doente, que devia agradecer à Metrópole por cada moeda investida no nosso povoamento.

Naquela época um grama de ouro e um grama de açúcar tinham quase o mesmo valor e o Brasil produziu toneladas e toneladas incalculáveis. Apenas 5% dos lucros ficavam aqui, mas, não importa, éramos o patinho feio do grande império português.

Quando saímos de casa, proclamando a independência, o fizemos quase sem querer, com um grito tímido que mal e mal foi percebido além do pequeno riacho Ipiranga. Tanto que após a independência e antes da independência mantivemos o mesmo caráter: monarquia escravagista de economia primário-exportador. O que mudou na vida dos escravos com a independência?

No período imperial, fomos adolescentes problemáticos e cheios de complexos. Usávamos uma roupa totalmente fora da moda, uma roupa que não tinha nada a ver conosco, a monarquia. Única monarquia da América do Sul. Pobre se denominando Império. Até na Guerra (do Paraguai) o inimigo zoava dos militares brasileiros perguntando se gostavam de beijar a mão de um homem. Nosso Imperador e nossa corte do Rio de janeiro eram como um baile de carnaval constante e fora de hora. Além disso, a ferida fétida da escravidão nos marcava a carne com a vergonha da exploração humana.

Na idade adulta, mantivemos nossas dificuldades e nossas múltiplas carências.

Primeiro, na República Velha, carência de democracia, de exercício livre do voto e da prática partidária. Acabamos com a escravidão, mas continuamos massacrando os mais pobres como em Canudos e no Contestado.

Na Era Vargas, especialmente no Estado Novo carentes de liberdade e de cidadania.

Nos anos pós a Vargas carentes de paz e de respeito pelas inúmeras tentativas de golpes, grandes e pequenos, da UDN.

E na Ditadura Militar, carentes de tudo.

Talvez por tudo isso desenvolvemos no íntimo da nação aquilo que poderíamos chamar de “Complexo de Vira lata”.

Ninguém fala pior do Brasil do que os próprios brasileiros. Ninguém descrê mais de nosso futuro e de nossa história do que nós mesmos.

O brasileiro não acredita na possibilidade do Brasil criar asas e voar. Persiste entre muitos a idéia de que somos apenas aquela colônia metida à besta, uma monarquia ridícula e ultrapassada e ai meu Deus tomara que não saia no Times.

Nosso povo se constrange em vez de se orgulhar, quando mecanismos econômicos internacionais afirmam que nosso Produto interno Bruto é o 6º ou 5º do mundo. As pessoas não acreditam quando se noticia que estamos em pleno emprego enquanto na Europa o desemprego é uma verdadeira tragédia.

Não é possível um ex-metalúrgico governar direito se a “obrigação” do metalúrgico um simples representante do proletariado é ser um pobre obediente e agradecido, um figurante, jamais o protagonista. Não pode uma mulher (uma mulher, meu Deus!) governar o país e ele progredir. Algo deve estar errado. Cadê meu privilégio que estava aqui? Estão roubando, mentindo, iludindo, não é possível. Onde está os Estados Unidos que não vê uma coisa dessas?

A corrupção é fenômeno e problema no mundo inteiro, mas no Brasil é maior. Ninguém rouba mais do que nosso corrupto, não senhor!

Lateja em nossa mente que somos apenas uma nação de mestiços e de escravos. De negros que não embranqueceram como deveriam e que agora querem até fazer faculdade, de mulheres que parem pobres desavergonhadamente, de plantadores de cana, da Casa Grande e da Senzala. Não merecemos a riqueza e o desenvolvimento é uma ilusão que deverá terminar já no próximo governo.

Enquanto os Europeus e os Estados Unidos nos causam inveja e posam de cachorro de raça, nós insistimos em ser um cachorro vira-lata.

Insistimos em ver nossas crianças mais burras do que a dos outros, nossas mulheres mais vulgares do que as outras e nosso destino mais determinado à pobreza do que qualquer um.

Talvez esteja na hora de acreditar na possibilidade de diminuir as desigualdades sociais. A distância abismal entre ricos e pobres não obedece a um mandamento determinista. Nosso pobre pode deixar de ser pobre e o nosso abandonado, pode sim, ser acolhido.

Talvez esse seja o momento de deixar de ser colônia moral.

Talvez esteja na hora de respeitar nossa cultura, que não é nem melhor, nem pior do que a dos outros, mas digna e moldada na lágrima de dor e esperança do escravo martirizado, na perplexidade e coragem do índio violado, na saudade do imigrante e na brasilidade de tudo isso misturado.

Não, definitivamente, não somos um cachorro vira lata.


Prof. Péricles

Um comentário:

Anônimo disse...

Excelente post, Prof. Péricles!