quinta-feira, 12 de novembro de 2015
É O MERCADO, ESTÚPIDO
Por Moisés Mendes
Uma das propostas de resgate de fortunas extraviadas que recebi por e-mail neste ano me desafia a buscar US$ 85 milhões no ICBC, o Banco Industrial e Comercial da China.
É o apelo de sempre: o dinheiro abandonado por um investidor poderá ser meu.
Por que sempre tão longe? Por que não no Equador? De qualquer forma, é tentador. É perto dos US$ 97 milhões que Pedro Barusco, o ladrão avulso da Petrobras no tempo do governo tucano, levou para a Suíça.
Foi a primeira vez que recebi tal convite vindo da China.
Tenho e-mails enviados da Síria, do Sudão, da Líbia, da Tunísia, do Azerbaijão.
Ainda me causa estranheza que a terra de Confúcio seja citada entre os lugares de fortunas sem dono. Até pouco tempo, não havia especulação financeira na China, que aos poucos acabou virando essa coisa estranha, disforme, que ninguém sabe direito o que é.
Fortunas de financistas extraviadas na Índia, na Ucrânia, no Paquistão, tudo bem. Mas na China?
E recebo o apelo na hora em que se anuncia que o país vai quebrar. O mundo aguarda a implosão do comuno-capitalismo confuciano.
O que será do povo comunista que investiu loucamente em ações, quando o povo capitalista ocidental tentava se desfazer das suas? De onde os chineses tiraram que o mercado de ações funciona, se desde 2008 as bolsas do mundo rico estão emperradas?
Seria o fim da superbolha chinesa.
Imagine um chinês ainda agarrado à lembrança de Mao Tsé-tung — e ainda em dúvida sobre o que levou o país a esse estranho capitalismo —, agora falido e com um monte de ações que não valem nada.
A China pode ter seu crash de 29, apenas quatro décadas depois da morte de Mao.
Vou esperar o livro Breve Introdução à História da China, que o professor Carlos Eduardo da Cunha Pinent lança agora pela Sulina, para entender a crise de identidade do capitalismo chinês. Gostaria que o professor me ajudasse a decifrar o ódio que certos jovens liberais brasileiros sentem pela ditadura cubana e a adoração que nutrem pela ditadura chinesa.
Um amigo apressado me disse: é o mercado, estúpido. Cuba não tem mercado, nem mão de obra de graça, nem bagulhos baratos. Cuba, estúpido, só tem médicos.
Pobre Mao Tsé-tung.
O estágio superior do capitalismo está vicejando na sua China. Mao não merece. Nem Confúcio.
E muito menos os nossos velhos liberais.
Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre/RS
terça-feira, 10 de novembro de 2015
O ÉDEN AMEAÇADO
Templo de Palmira foi destruído |
Mesopotâmia,
terra entre rios. Um dos berços da humanidade.
Terra de
muitos povos que surgiram, floresceram e desapareceram, mas deixaram sua marca
e seu legado.
Tudo
testemunhado pelos rios Tigre e Eufrates e seus vizinhos como a Palestina do
Rio Jordão e o Egito, a terra dos faraós.
Ali a
humanidade aprendeu a escrever em cuneiformes gravados em tabletes de argila,
tão antigos quanto os hieróglifos egípcios.
E foi em
escrita hieroglífica que ficou registrado o mais antigo código de leis
conhecido pelo homem, o Código do grande rei Hamurabi.
“Eu,
Hamurabi, pela vontade dos deuses rei de toda a mesopotâmia...”
Suas
velhas cidades assistiram o esplendor de povos que cultuavam o prazer do agora
e buscavam fazer da vida o melhor passatempo possível.
Segundo
os autores bíblicos foi ali que um dia Deus criou o Jardim do Éden, os homens
construíram a Torre de babel e onde duas cidades, Sodoma e Gomorra, foram
completamente destruídas pela ira de Deus.
Muitas de
suas maravilhas, como os Jardins Suspensos da babilônia já desapareceram,
muitas outras ainda são perceptíveis através de ruínas e outras ainda estão
para serem descobertas.
Mas a
Mesopotâmia e seus arredores fica na região mais conflituosa do globo. O
Oriente Médio, mais especificamente o Iraque, destruído pelos Estados Unidos e
aliados, a Síria, o Irã, o Afeganistão.
Aqui a
perversidade anda de mãos dadas com a intolerância e no rastro de exércitos
muito mais cruéis do que foram um dia os Assírios do rei Sargão II, os tesouros
de sua história convivem com a ameaça de agressão.
A Rússia
há algumas semanas entrou no conflito pois o “faz de contas” dos Estados Unidos
de combater o tragicômico EI já ameaçava diretamente o governo de seu aliado Bashar
al-Assad.
Sem fazer
de contas a aviação russa em três semanas destruiu mais da força militar do EI do
que EUA e aliados em mais de ano.
Mas os misseis não distinguem os tesouros humanos de seus objetivos, quando lançados, por isso Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores russo, pede que a UNESCO (órgão
da ONU para Educação, Ciência e Cultura), envie peritos para a região para
avaliar os danos causados pela guerra ao patrimônio cultural e mapear, com
clareza, as regiões de interesse histórico mais importantes e que precisam ser
preservadas.
Diga-se
de passagem, essa é uma súplica antiga de historiadores do mundo inteiro.
Historiadores norte-americanos chegaram a entregar por escrito uma carta de
recomendação ao presidente Barak Obama, assinalando os pontos mais importantes a serem preservados mas, ao que parece, não foram levados
em consideração pelos senhores da guerra.
A questão
é urgente como demonstra à demolição do templo de Palmira uma antiga cidade semita de muitas histórias, situada num oásis na província de Homs, a 215 km de Damasco, capital da Síria.
Palmira
foi declarada Patrimônio Mundial da UNESCO, mas nem por isso o Estado Islâmico
deixou de dinamitar vários lugares, incluindo os antigos templos de Baal
(divindade máxima dos mesopotâmios) Marduke e Baalshamin, de onde
veio a expressão Belzebaal, ou Belzebu, dos hebreus.
O pedido do Ministro Lavrov tem
como base jurídica a Convenção das Nações Unidas de 1954 sobre a proteção de
bens culturais em caso de conflito armado.
Os esforços da Rússia para o
desenvolvimento das relações culturais entre os países do mundo no âmbito do
trabalho da Unesco estão prejudicados por medidas discriminatórias de certos governos
para quem os interesses estratégicos e econômicos superam em larga margem os
interesses culturais, afirma o Ministro.
Espera-se
que os deuses antigos orientem os passos daqueles que, como herdeiros da
cultura milenar deixada pelos mesopotâmios, têm a tarefa intransferível de
protege-la.
Prof.
Péricles
sábado, 7 de novembro de 2015
PRA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DE FLORES
Por Vitor Nuzzi
Pouca coisa se sabe efetivamente sobre a obra de Geraldo Vandré. Sua carreira de músico profissional foi relativamente curta e prejudicada por um certo folclore alimentado pelo silêncio.
São apenas cinco LPs lançados, de 1964 a 1973, data de seu retorno ao Brasil, após quatro anos e cinco meses de andanças pelo exterior, em uma saída forçada pela repercussão de sua música mais conhecida, Pra não Dizer que não Falei das Flores (Caminhando), de 1968.
A partir daí, prevaleceram as lendas. Para usar uma expressão do escritor Eric Nepomuceno, em artigo recente no jornal Valor Econômico, o artista "alcançou píncaros de luz para depois mergulhar numa névoa densa, carregada de perguntas sem resposta e mistérios sem solução".
As perguntas mais recorrentes são se Vandré foi mesmo torturado, se enlouqueceu. Ou por que motivo nunca mais se apresentou no Brasil – seu último show foi do lado paraguaio da fronteira, em 1982. A alguns artistas, como Jair Rodrigues e Ney Matogrosso, chegou a falar em fazer apresentações "nas fronteiras", que nunca aconteceram.
Vandré estava no radar do regime, mas tortura física nunca houve. Talvez algo mais grave tivesse acontecido se ficasse no Brasil. Depois da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, ele permaneceu escondido – na casa de praia do pai de sua namorada, no litoral sul paulista, e depois no apartamento de dona Aracy, viúva de Guimarães Rosa, no Rio de Janeiro, perto do Forte de Copacabana. Os soldados faziam manobras e Vandré, versos.
Durante o carnaval de 1969, ele deixou o país disfarçado em direção ao Uruguai, e de lá para o Chile. Partiu para a Europa, andou pelo Velho Continente, fixou-se na França e, por fim, voltou ao Chile, de onde saiu dois meses antes do golpe que em setembro de 1973 derrubou Salvador Allende e iniciou um período de terror.
Artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque, presos naquela época, dizem que nos interrogatórios era possível perceber certa "prioridade" dos militares em relação a Vandré. Alguns falavam mesmo em matá-lo, segundo o compositor baiano.
Famoso produtor de festivais, Solano Ribeiro acredita que ele poderia ser morto se fosse preso no pós AI-5. Por ironia, seu último show no Brasil como cantor profissional foi em 13 de dezembro, data do ato institucional, em Anápolis (GO).
O motivo de tanta raiva seriam alguns versos de Caminhando, que teriam sido especificamente destinados aos militares, em um período que culminaria no período mais violento da ditadura.
Em 2007, à então estudante de Jornalismo Jeane Vidal, o autor chamaria sua obra mais famosa de expiação. "Mais do que uma canção, Caminhando foi um desnudamento. Um dizer-se tudo quando era proibido dizer-se quase tudo. Sem ofensas e sem reivindicações. Um relato indeclinável para todos nós, brasileiros, que ali nos reunimos num concurso de arte, sem paradigma e sem igual, até hoje, para mim."
O concurso a que Vandré se refere foi o Festival Internacional da Canção (FIC). Um representante do Brasil seria escolhido previamente para a fase internacional. Ganhou Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque. Uma música delicada, que tratava do exílio, mas de forma sutil.
O público queria a canção explícita de Vandré e vaiou longamente a decisão dos jurados. Não era exatamente para Tom, mas ficou marcada como a maior vaia que o compositor recebeu.
O médico otorrino José Vandregíselo (do qual se origina o nome artístico) foi ligado ao Partido Comunista, mas seu filho Geraldo nunca foi militante político.
Paraibano de João Pessoa, no Chile, chegou a ser internado para tratamentos psiquiátricos.
Uma condição para a permanência no Brasil foi uma falsa entrevista, forjada pelos militares e exibida no Jornal Nacional, da Globo, um mês depois da real data de seu retorno. Ali, Vandré renegou qualquer uso político de sua obra. Foi uma espécie de retratação, como se dizia na época.
O silêncio foi imposto e também assumido.
Vandré deu entrevista em 1974 para o programa de estreia de Flávio Cavalcanti, mas o censor viu "apologia" à figura do artista e vetou o quadro. O Brasil também era outro.
Para a pesquisadora Dalva Silveira, autora do livro A Vida não se Resume em Festivais, houve uma tentativa do governo autoritário de "apagar Vandré e sua obra da memória coletiva nacional", à medida que a imprensa não podia fazer referência ao seu nome, nem ele podia se apresentar.
Mas o compositor faz também sua crítica à sociedade que, de alguma forma, deu as costas quando ele retornou, doente e fragilizado, e que talvez o preferisse como mártir.
Assim, há muito o que se explorar e descobrir no universo musical criado por Vandré. Sem se preocupar tanto com o festival que representou seu auge e o fim, ao mesmo tempo. Até hoje fala-se em uma possível pressão militar para que Caminhando não ganhasse em 1968.
"A história reserva às peças desse tabuleiro as suas posições corretas, não adianta você mexer. Tanto filme ganha Festival de Cannes e cai no esquecimento em seguida... E tantos filmes que não ganham prêmio nenhum e ficam eternos na memória de todos os cinéfilos", O que traduz este momento? Naquele momento, traduzimos com Caminhando."
Em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, onde tem vivido nos últimos tempos e onde sua mãe morava (dona Marta morreu em 2011; "seu “José, em 1986), ele se ocupa, fazendo canções e versos em silêncio.
O repórter Vitor Nuzzi lançou em abril o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida.
São apenas cinco LPs lançados, de 1964 a 1973, data de seu retorno ao Brasil, após quatro anos e cinco meses de andanças pelo exterior, em uma saída forçada pela repercussão de sua música mais conhecida, Pra não Dizer que não Falei das Flores (Caminhando), de 1968.
A partir daí, prevaleceram as lendas. Para usar uma expressão do escritor Eric Nepomuceno, em artigo recente no jornal Valor Econômico, o artista "alcançou píncaros de luz para depois mergulhar numa névoa densa, carregada de perguntas sem resposta e mistérios sem solução".
As perguntas mais recorrentes são se Vandré foi mesmo torturado, se enlouqueceu. Ou por que motivo nunca mais se apresentou no Brasil – seu último show foi do lado paraguaio da fronteira, em 1982. A alguns artistas, como Jair Rodrigues e Ney Matogrosso, chegou a falar em fazer apresentações "nas fronteiras", que nunca aconteceram.
Vandré estava no radar do regime, mas tortura física nunca houve. Talvez algo mais grave tivesse acontecido se ficasse no Brasil. Depois da decretação do AI-5, em 13 de dezembro de 1968, ele permaneceu escondido – na casa de praia do pai de sua namorada, no litoral sul paulista, e depois no apartamento de dona Aracy, viúva de Guimarães Rosa, no Rio de Janeiro, perto do Forte de Copacabana. Os soldados faziam manobras e Vandré, versos.
Durante o carnaval de 1969, ele deixou o país disfarçado em direção ao Uruguai, e de lá para o Chile. Partiu para a Europa, andou pelo Velho Continente, fixou-se na França e, por fim, voltou ao Chile, de onde saiu dois meses antes do golpe que em setembro de 1973 derrubou Salvador Allende e iniciou um período de terror.
Artistas como Caetano Veloso e Chico Buarque, presos naquela época, dizem que nos interrogatórios era possível perceber certa "prioridade" dos militares em relação a Vandré. Alguns falavam mesmo em matá-lo, segundo o compositor baiano.
Famoso produtor de festivais, Solano Ribeiro acredita que ele poderia ser morto se fosse preso no pós AI-5. Por ironia, seu último show no Brasil como cantor profissional foi em 13 de dezembro, data do ato institucional, em Anápolis (GO).
O motivo de tanta raiva seriam alguns versos de Caminhando, que teriam sido especificamente destinados aos militares, em um período que culminaria no período mais violento da ditadura.
Em 2007, à então estudante de Jornalismo Jeane Vidal, o autor chamaria sua obra mais famosa de expiação. "Mais do que uma canção, Caminhando foi um desnudamento. Um dizer-se tudo quando era proibido dizer-se quase tudo. Sem ofensas e sem reivindicações. Um relato indeclinável para todos nós, brasileiros, que ali nos reunimos num concurso de arte, sem paradigma e sem igual, até hoje, para mim."
O concurso a que Vandré se refere foi o Festival Internacional da Canção (FIC). Um representante do Brasil seria escolhido previamente para a fase internacional. Ganhou Sabiá, de Tom Jobim e Chico Buarque. Uma música delicada, que tratava do exílio, mas de forma sutil.
O público queria a canção explícita de Vandré e vaiou longamente a decisão dos jurados. Não era exatamente para Tom, mas ficou marcada como a maior vaia que o compositor recebeu.
O médico otorrino José Vandregíselo (do qual se origina o nome artístico) foi ligado ao Partido Comunista, mas seu filho Geraldo nunca foi militante político.
Paraibano de João Pessoa, no Chile, chegou a ser internado para tratamentos psiquiátricos.
Uma condição para a permanência no Brasil foi uma falsa entrevista, forjada pelos militares e exibida no Jornal Nacional, da Globo, um mês depois da real data de seu retorno. Ali, Vandré renegou qualquer uso político de sua obra. Foi uma espécie de retratação, como se dizia na época.
O silêncio foi imposto e também assumido.
Vandré deu entrevista em 1974 para o programa de estreia de Flávio Cavalcanti, mas o censor viu "apologia" à figura do artista e vetou o quadro. O Brasil também era outro.
Para a pesquisadora Dalva Silveira, autora do livro A Vida não se Resume em Festivais, houve uma tentativa do governo autoritário de "apagar Vandré e sua obra da memória coletiva nacional", à medida que a imprensa não podia fazer referência ao seu nome, nem ele podia se apresentar.
Mas o compositor faz também sua crítica à sociedade que, de alguma forma, deu as costas quando ele retornou, doente e fragilizado, e que talvez o preferisse como mártir.
Assim, há muito o que se explorar e descobrir no universo musical criado por Vandré. Sem se preocupar tanto com o festival que representou seu auge e o fim, ao mesmo tempo. Até hoje fala-se em uma possível pressão militar para que Caminhando não ganhasse em 1968.
"A história reserva às peças desse tabuleiro as suas posições corretas, não adianta você mexer. Tanto filme ganha Festival de Cannes e cai no esquecimento em seguida... E tantos filmes que não ganham prêmio nenhum e ficam eternos na memória de todos os cinéfilos", O que traduz este momento? Naquele momento, traduzimos com Caminhando."
Em Teresópolis, região serrana do Rio de Janeiro, onde tem vivido nos últimos tempos e onde sua mãe morava (dona Marta morreu em 2011; "seu “José, em 1986), ele se ocupa, fazendo canções e versos em silêncio.
O repórter Vitor Nuzzi lançou em abril o livro Geraldo Vandré – Uma Canção Interrompida.
quarta-feira, 4 de novembro de 2015
QUANDO PARLAMENTARES ANDAVAM ARMADOS
Tenório Cavalcanti |
Por Norman P.J. Davis Júnior
A liberação de porte de armas para senadores e deputados federais, aprovada em uma especial da Câmara nesta semana, faz lembrar uma época em que era comum que parlamentares não só andassem armados como resolvessem as querelas políticas na base do tiro e da intimidação.
O caso mais famoso foi o do senador Arnon de Mello, pai do atual senador Fernando Collor (PTB-AL), que assassinou um colega em plenário. Foi em 1963. Arnon de Mello tinha uma disputa com Silvestre Péricles, também de Alagoas, e atirou nele. Mas errou.
Quem acabou atingido foi outro senador, José Kairala, que não tinha nada a ver com a briga dos dois. O senador acabou morrendo horas depois em um hospital. Péricles prometeu em seguida que iria matar Arnon de Mello.
A história começou com Arnon de Mello provocando o rival e o chamando de crápula. Péricles partiu para cima dele e Arnon sacou a arma. João Agripino, da UDN paraibana, tio do atual senador José Agripino, tentou apartar. Péricles se jogou no chão para sacar a própria arma.
Kairala morreu porque tentou separar os dois enquanto Arnon seguia atirando. Arnon e Péricles foram presos, mas logo soltos e absolvidos.
(Não deixa de ser curioso que parte dos envolvidos siga com suas famílias representadas no Congresso)
Outra cena célebre envolve o então deputado Antônio Carlos Magalhães, avô do atual prefeito de Salvador, Antônio Carlos Magalhães Neto. Ele resolveu interromper um discurso de Tenório Cavalcanti, o famoso “homem da capa preta”, que não só andava armado como dava um nome a sua arma: a "Lurdinha".
Cavalcanti acusava um aliado de ACM de corrupção. O baiano retrucou: “Vossa Excelência pode dizer isso e mais coisas, mas na verdade o que vossa excelência é mesmo, é um protetor do jogo e do lenocínio, porque é um ladrão”.
Tenório sacou a arma e disse: “Vai morrer agora!” ACM revidou dizendo: “Atira, fdp!”
Tenório não atirou, e passou para o folclore que ACM molhou as calças em plenário. Mas sobreviveu. Tenório disse para a turma do deixa-disso que não se preocupassem. Podem sossegar. Só mato homem!
Seria uma pena, 50 anos depois, descobrir que os parlamentares pensam em
voltar a se armar e que a política nacional pode ter evoluído tão pouco em meio século.
segunda-feira, 2 de novembro de 2015
GUARDIÃO DE CABELOS AMARELOS
A figura de Sepé Tiarajú está fortemente relacionada ao imaginário do gaúcho.
Líder de um povo subjugado e inferiorizado militarmente teve a coragem de lutar pelo que considerava justo e erguer a voz com seu lendário: "Esta terra tem dono!".
Sepé foi brilhante como líder e como guerreiro em campo de batalha, sendo respeitado até pelos inimigos. Acredita-se que sua morte tenha sido premeditada para tira-lo da cena decisiva do conflito, a batalha de Caiboaté.
Como se dariam os fatos da tenebrosa batalha se houvesse a participação de Tiarajú? Jamais saberemos.
Ao longo do tempo, entretanto, a figura de Sepé foi sendo “europeizada” e “cristianizada” a ponto de ser visto como um santo popular dos católicos do Rio Grande.
Nas representações gráficas sua imagem abandonou o estereótipo guarani para adotar uma postura e rosto do “homem branco”.
Os Guaranis de hoje reclamam dessa “desindianização” do mito e alegam ser essa mais uma grande injustiça contra seu povo.
Como diz Werá Tupã (também chamado de Leonardo), tido como um dos mais destacados intelectuais indígenas do sul do país, “ninguém pode continuar pensando que perdemos a memória”.
Ele faz parte de um grupo de guaranis que vem pesquisando fatos históricos e episódios lendários com o objetivo de reapresentá-los ao povo brasileiro de um modo diferente daquele que se tornou predominante.
Um dos temas, cujo estudo demorou anos e ainda não está totalmente concluído, é a verdadeira história de Sepé Tiarajú.
Segundo Werá Tupã: Os homens da Igreja católica apossaram-se da figura heroica, metamorfoseando-a quase num branco que era índio por acaso.
Os livros falam que ele "abraçou a doutrina cristã" e foi "o mais ardoroso defensor da obra dos jesuítas"; que "seus mestres foram os padres"; que ele lutou "sugestionado pelos religiosos"; que "foi criado pelos jesuítas"; Werá Tupã discorda de tudo isso.
“Ele pertencia a um outro povo indígena que não conseguimos identificar. Ele foi adotado pelos guaranis e criado como um dos nossos".
Essa já é uma declaração bombástica de Leonardo, Sepé, era índio sim, mas não Guarani. E prossegue.
Quando ele tinha dois anos de idade, sua aldeia, que ficava no Rio Grande do Sul, foi atacada por portugueses ou espanhóis. Os guaranis correram para ajudar, mas o lugar já tinha sido invadido e quase todos tinham sido massacrados.
Os guaranis salvaram o menino e o levaram para uma aldeia nossa, perto da missão de São Miguel. Um casal adotou ele. O avô da família era um pajé muito poderoso e o menino adorava ele.
Uma coisa que quase ninguém sabe é que o nome certo dele não era Sepé Tiarajú. Esse era o jeito que os padres das missões entenderam e escreveram.
Seu nome era Djekupé A Djú, que significava "Guardião de Cabelo Amarelo".
"Guardião" porque era um guerreiro e "cabelo amarelo" porque não tinha o cabelo bem preto como os guaranis, era meio castanho. Mas era índio mesmo, não mestiço.
O destino de guerreiro (e não pajé como o avô adotivo) foi porque ele era revoltado com os brancos e tinha gratidão pelos guaranis. Queria lutar pelos guaranis. É que, na aldeia, nunca esconderam dele a sua história, tudo que tinha acontecido no ataque.
Os jesuítas não criaram ele, mas ia sempre nas missões porque aprendia tudo que pudesse com os padres. Foi assim que aprendeu a língua espanhola.
Sepé articulou uma espécie de Confederação Guaranítica, criando inovadoras táticas militares para a época, nas quais priorizava a guerrilha e evitava grandes batalhas. Chegou a idealizar e construir quatro peças de artilharia, confeccionadas com cana brava.
Foi assassinado numa emboscada, nos campos de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, em 7 de fevereiro de 1756.
As pesquisas a respeito de Sepé baseiam-se na história oral, preservada na memória de índios centenários que viveram no Rio Grande do Sul.
Resgatar a memória de Sepé Tiarajú, em nada diminuí seu espaço na galeria de heróis da liberdade, e é fundamental para se fazer justiça histórica a esse mito que sobrevive ao tempo nas histórias contadas e recontadas em torno no fogo de chão.
Prof. Péricles
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
O MINUANO SUSSURRA SEU NOME
Local da Morte de Sepé Tiarajú |
Em 1750 com a assinatura do tratado de Madri, a região denominada de “Sete Povos das Missões” (noroeste do atual estado do Rio Grande do Sul) passou a fazer parte das terras portuguesas no continente.
Imediatamente, por iniciativa do Marques do Pombal, os Jesuítas de língua espanhola que, vindos da região do Paraguai em 1680, haviam fincados raízes por aqui, construindo às sete missões (São Borja, São Miguel, Santo Ângelo, São João, São Lourenço, São Nicolau e São Luis) foram expulsos para o outro lado do Rio Uruguai.
O fato foi recebido com inevitável resignação pelos padres mas com extrema pavor por seus aliados, os índios Guaranis.
Para os guaranis havia apenas dois tipos de brancos, os Jesuítas que lhes protegiam em troca de sua submissão religiosa e os bandeirantes que os atacavam com armas de fogo e, sempre que possível, os escravizavam, levando para terras distantes.
Para eles, a saída dos Jesuítas significava abandono e escravidão.
Em fevereiro de 1753 uma comissão de demarcadores ao chegar em São Miguel foi impedida pelos índios de seguirem adiante no trabalho de demarcar oficialmente o novo território.
Segundo os relatos, eles eram liderados por um jovem índio chamado Sepé Tiaraju.
Um ano depois, soldados portugueses estacionados no forte de Rio Pardo (atual cidade de Rio Pardo) convidaram, gentilmente, um grupo de guaranis a entrar no forte e ao penetrarem na guarnição foram imediatamente presos.
O oficial em comando acusou o grupo de ter roubado cavalos durante a noite. O líder do grupo de guaranis, Sepé Tiaraju disse saber onde estavam e prometeu ir busca-los. Mesmo escoltado por doze portugueses conseguiu fugir sem deixar rastro, muito menos, os cavalos.
Fatos como esses somado a insistência dos Guaranis de não abandonar a região enfureceram o governo português.
Era inadmissível aceitar a liderança de um selvagem que ousara dizer “Essa terra tem dono” numa afronta intolerável aos novos “senhores” do Continente de Rio Grande.
As “Guerras Guaraníticas” iriam se desenrolar entre os anos de 1754 a 1756.
A primeira expedição, foi organizada em parceria por forças portuguesas e espanholas e chegaram ao Continente no início do mês de setembro de 1754, mas, devido as péssimas condições climáticas de frio e chuvas intensas, tiveram que recuar.
Novas tropas portuguesas vindas do Rio de Janeiro unem-se a tropas espanholas vindas de Buenos Aires e Montevideo no início de 1756.
Algumas escaramuças menores, vencidas pelos índios fariam crescer a lenda do guerreiro invencível.
O desenrolar dos fatos acabaria levando a uma batalha que ambos os lados perceberam ser decisiva, a Batalha de Caiboaté, localidade próxima do atual município de São Gabriel.
Antes, porém, um grupo especial comandado por oficial português, e composto de renegados e desertores, que faziam guerra por dinheiro, recebeu a missão de matar Tiarajú. Não se conhece muitos detalhes, mas, conseguiram atraí-lo para uma emboscada.
O heroico índio foi morto em 7 de fevereiro de 1756, atingido por arma de fogo.
Três dias depois, a 10 de fevereiro, os índios foram forçados a enfrentar as tropas luso-espanholas em Caiboaté.
A morte de seu líder e maior estrategista seria fatal para os nativos.
O chefe dos Guaranis colocou suas forças postadas na forma de uma meia lua, o que enfraqueceu os flancos e fez com que seus homens fossem presas fáceis para o ataque de artilharia (armada até de canhões), além da cavalaria pelos lados.
A batalha de Caiboaté foi tão desigual que durou apenas uma hora e quinze minutos e o sangue indígena derramado foi tanto que formou uma grande pasta de lodo. Os sobreviventes capturados, feridos ou não, eram sumariamente executados.
O exército espanhol perdeu três homens e teve dez feridos. O português, um morto e 30 feridos. Os mortos entre os guaranis foram de 1500 a 1750 guerreiros.
Um militar português o coronel José Custódio de Sá e Faria chegou a escrever em seu diário, no dia 10 de fevereiro de 1756, que “fazia grande compaixão a multidão de mortos”.
A morte de Sepé e a chacina final representaram a derrota definitiva dos índios guaranis, os verdadeiros donos dessas terras.
Em maio de 1756, as tropas coloniais ocuparam os Sete Povos das Missões.
Em 1762 a Espanha voltou atrás e anulou o Tratado de Madri reiniciando a guerra contra os portugueses.
As Missões tornaram-se ruínas.
E Sepé tornou-se lenda e um dos mais fortes mitos na formação do povo rio-grandense.
Até hoje ainda dizem que o Minuano quando percorre as terras do Rio Grande sussurra o seu nome... Tiarajúúúúúúúúúúúúúúúúúú.
Prof. Péricles
O fato foi recebido com inevitável resignação pelos padres mas com extrema pavor por seus aliados, os índios Guaranis.
Para os guaranis havia apenas dois tipos de brancos, os Jesuítas que lhes protegiam em troca de sua submissão religiosa e os bandeirantes que os atacavam com armas de fogo e, sempre que possível, os escravizavam, levando para terras distantes.
Para eles, a saída dos Jesuítas significava abandono e escravidão.
Em fevereiro de 1753 uma comissão de demarcadores ao chegar em São Miguel foi impedida pelos índios de seguirem adiante no trabalho de demarcar oficialmente o novo território.
Segundo os relatos, eles eram liderados por um jovem índio chamado Sepé Tiaraju.
Um ano depois, soldados portugueses estacionados no forte de Rio Pardo (atual cidade de Rio Pardo) convidaram, gentilmente, um grupo de guaranis a entrar no forte e ao penetrarem na guarnição foram imediatamente presos.
O oficial em comando acusou o grupo de ter roubado cavalos durante a noite. O líder do grupo de guaranis, Sepé Tiaraju disse saber onde estavam e prometeu ir busca-los. Mesmo escoltado por doze portugueses conseguiu fugir sem deixar rastro, muito menos, os cavalos.
Fatos como esses somado a insistência dos Guaranis de não abandonar a região enfureceram o governo português.
Era inadmissível aceitar a liderança de um selvagem que ousara dizer “Essa terra tem dono” numa afronta intolerável aos novos “senhores” do Continente de Rio Grande.
As “Guerras Guaraníticas” iriam se desenrolar entre os anos de 1754 a 1756.
A primeira expedição, foi organizada em parceria por forças portuguesas e espanholas e chegaram ao Continente no início do mês de setembro de 1754, mas, devido as péssimas condições climáticas de frio e chuvas intensas, tiveram que recuar.
Novas tropas portuguesas vindas do Rio de Janeiro unem-se a tropas espanholas vindas de Buenos Aires e Montevideo no início de 1756.
Algumas escaramuças menores, vencidas pelos índios fariam crescer a lenda do guerreiro invencível.
O desenrolar dos fatos acabaria levando a uma batalha que ambos os lados perceberam ser decisiva, a Batalha de Caiboaté, localidade próxima do atual município de São Gabriel.
Antes, porém, um grupo especial comandado por oficial português, e composto de renegados e desertores, que faziam guerra por dinheiro, recebeu a missão de matar Tiarajú. Não se conhece muitos detalhes, mas, conseguiram atraí-lo para uma emboscada.
O heroico índio foi morto em 7 de fevereiro de 1756, atingido por arma de fogo.
Três dias depois, a 10 de fevereiro, os índios foram forçados a enfrentar as tropas luso-espanholas em Caiboaté.
A morte de seu líder e maior estrategista seria fatal para os nativos.
O chefe dos Guaranis colocou suas forças postadas na forma de uma meia lua, o que enfraqueceu os flancos e fez com que seus homens fossem presas fáceis para o ataque de artilharia (armada até de canhões), além da cavalaria pelos lados.
A batalha de Caiboaté foi tão desigual que durou apenas uma hora e quinze minutos e o sangue indígena derramado foi tanto que formou uma grande pasta de lodo. Os sobreviventes capturados, feridos ou não, eram sumariamente executados.
O exército espanhol perdeu três homens e teve dez feridos. O português, um morto e 30 feridos. Os mortos entre os guaranis foram de 1500 a 1750 guerreiros.
Um militar português o coronel José Custódio de Sá e Faria chegou a escrever em seu diário, no dia 10 de fevereiro de 1756, que “fazia grande compaixão a multidão de mortos”.
A morte de Sepé e a chacina final representaram a derrota definitiva dos índios guaranis, os verdadeiros donos dessas terras.
Em maio de 1756, as tropas coloniais ocuparam os Sete Povos das Missões.
Em 1762 a Espanha voltou atrás e anulou o Tratado de Madri reiniciando a guerra contra os portugueses.
As Missões tornaram-se ruínas.
E Sepé tornou-se lenda e um dos mais fortes mitos na formação do povo rio-grandense.
Até hoje ainda dizem que o Minuano quando percorre as terras do Rio Grande sussurra o seu nome... Tiarajúúúúúúúúúúúúúúúúúú.
Prof. Péricles
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
SABIÁS CANTAM, TUCANOS PIAM
Por Moisés Mendes
Panfílio sempre canta antes dos outros sabiás da Aberta dos Morros. No ano passado, começou a cantar no final de agosto. Panfílio é o sabiá guaxo que seu Mércio trata com minhoca servida no bico.
Panfílio vem dando sinais de que está perto de cantar: desaparece por uns dias para remarcar territórios e conferir as sabiás da redondeza.
Na semana passada, Panfílio quase se engasgou com um susto do seu Mércio. Seu Mércio escutava no rádio a entrevista de um ministro do Tribunal de Contas da União. Augusto Nardes dizia que o governo Dilma deu pedaladas como nunca antes. Sempre pedalaram, mas não pedalavam tanto.
Seu Mércio deu um tapa na testa, tastaviou no banco de cortiça e quase pisou no Panfílio.
Imagine, pensou seu Mércio, medir o tamanho das pedaladas e decidir se é pedalada para um pito, para ficar quieto (como sempre ficaram), ou se é para cassar mandato.
Seu Mércio é guarda de rua na zona sul da Capital. Já viu assombração ao meio-dia e já montou mula com cabeça de macaco. Mas nunca na vida ouviu tanta entrevista de um ministro do TCU. Pelo menos aprendeu o que é pedalada, o truque dos governos para manipular contabilidades e maquiar despesas. Dizem que é delito grave, mas só agora.
A oposição torce pela reprovação das contas de Dilma pelo TCU para chegar ao impeachment. Se falhar, sobra a chance de reprovação das contas da campanha de Dilma no Tribunal Superior Eleitoral. Se também não der certo, teria a ilegalidade da dieta de Dilma, importada da Argentina e não regulamentada no Brasil.
Seu Mércio ouve a Rádio Gaúcha da manhã à noite. Do muito que já ouviu, concluiu o seguinte: Aécio quer porque quer ser presidente agora. Mas tem que ser agora. O PSDB perdeu oito eleições, não pode esperar até 2018 e correr o risco de perder mais duas em turno e returno.
Aécio perdeu a eleição para presidente até em Minas, a terra dele, onde não elegeu nem o governador. Por isso quer uma eleição só para ele.
Seu Mércio reflete e põe a minhoca no bico de Panfílio. O sabiá engole a minhoca com os olhinhos fechados. Seu Mércio garante que já viu o sabiá se lamber de faceiro. Ele sabe que Panfílio vai cantar logo. Mas seu Mércio não acredita que Aécio tenha gogó para cantorias antes do tempo.
Até porque tucano pia muito, mas, que se saiba, cantar mesmo, não canta.
Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre/RS
sábado, 24 de outubro de 2015
BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO
Por Tarcísio Lage
Escândalo aqui, escândalo ali, tribunal com juiz acusado de corrupção julgando contas do governo, impeachment já, impeachment é golpe e toma lá um festival de pragas e discussões com xingatórios que assola a internet e até imprensa bem instalada, sem falar dos bancos com seus lucros abundantes e com regateios para conceder um mínimo aumento dos salários de seus empregados.
Mas não é nada disso que me arrepia o cabelo, que aliás, nem os tenho. No entanto, o que me arrepiou mesmo, por dentro e por fora, cabelo onde os tenho e a pele toda da cabeça aos pés, foi a pesquisa da Data Folha do dia 28 de setembro com a pergunta simples e rasteira:
“Você concorda que bandido bom é bandido morto?”
Com o estômago já revirado, li o resultado: empate. Ou, por outra, metade dos mais de 1.300 entrevistados em 84 cidades acima de 100 mil habitantes respondeu sim: bandido bom é bandido morto.
Não se especificou bem o que se entende por bandido. Mas creio que a referência é aos assaltantes saídos das favelas e das comunidades pobres da sociedade e não aos ladrões de colarinho branco trabalhando em escritórios de luxo ou dependências governamentais e vivendo em apartamentos de luxo e palacetes no Leblon, Ipanema, Lago Sul de Brasília, Jardim Paulista e outras pragas paulistanas onde a arte do bom viver é o orgulho máximo da burguesia bem nutrida.
Mas, vá lá, mesmo se a resposta de OK à proposta “bandido bom é bandido morto” coloca todos no mesmo saco – como se a bandidagem fosse como o saco do PMDB onde cabe tudo – eu ainda digo que é algo para vomitar. Ou pior. Para temer. Temer muito.
Quer dizer, então, que metade da população do Brasil, considerando-se eficiente o método de pesquisa da Data-Folha, é a favor de ir matando os bandidos, instalando esquadrões da morte em cada esquina ou armando a população para que se faça um OK Curral a cada instante na Avenida Paulista, na orla do Rio de Janeiro e mais invasões de favelas e comunidades pobres como se já não houvesse o bastante!
No chamado mundo ocidental, o Brasil é um dos poucos países onde ainda existe Polícia Militar, resquício da ditadura.
E tomem nota: só este ano em São Paulo foram mortas pela polícia militar 571 pessoas entre suspeitos de crime e gente inocente por estar no lugar errado e na hora errada.
Mande bala, na lógica de uma polícia já considerada uma das mais violentas do mundo e onde um punhado de bandidos mortos vale por um ou dois inocentes abatidos por engano. Efeitos colaterais, como dizia Rumsfeld quando invadia com Bush e Cheney o Iraque em ruínas.
No entanto, não há guerra no Brasil e as causas da violência urbana têm profundas raízes sociais.
A principal delas é péssima distribuição da renda que faz do país um dos mais injustos do mundo, ainda que a situação tenha melhorado um pouquinho nos últimos anos. E, no entanto, é por causa dessa política de melhor distribuição da renda que a classe media e a direta gritam pelo impeachment ou pela quebra da institucionalidade.
Mas não vamos desviar o assunto. A segunda causa da violência no Brasil é o tráfico de drogas. Isso poderia ser facilmente resolvido liberando-se o comércio de algumas delas com já vem ocorrendo em vários países.
Vale repetir que até a ONU chegou à conclusão da inutilidade da guerra contra as drogas. Há, inclusive, um relatório de 2011 assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito.
No entanto, dois setores são radicalmente contra a liberalização: os traficantes e a polícia, para que continuem com o jogo de gato e rato, numa teia de corrupção e violência.
Enfim, o tráfico é um vasto assunto certamente para um outro artigo. O que nos interessa aqui é ressaltar como ele contribui para o aumento da violência.
Veja, por exemplo, o caso do México, onde os assassinatos na guerrinha suja entre a Polícia, a DEA dos EUA e os carteis são com resquícios de maldade.
Para finalizar. Sugiro que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que encomendou a pesquisa da Data-Folha, peça uma outra para ver quem concorda com essa afirmação: um bandido bom é um bandido recuperado.
O resultado pode decepcionar dado ao avanço ideológico da direita no Brasil.
Tarcísio Lage, jornalista, escritor, começou na Última Hora de Belo Horizonte no início dos anos 60.As Tranças do Poder é seu último livro.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
MONTANHAS AZUIS
Às
vezes, dá uma vontade danada de sair em silêncio, escapar do burburinho pelo
buraco da fechadura das portas mal-humoradas. Você já percebeu como as portas
são mal humoradas? Ao menos as fechadas.
E
quando as horas do relógio ditam as fases de nossa rotina... nossa que vontade
deixar de existir mesmo existindo!
Será
que ao fechar os olhos com as pálpebras bem apertadas a gente fica invisível?
Quando
criança funcionava. Pena que a idade adulta nos tire os superpoderes e a gente
perceba que jamais se está invisível de si mesmo. Que porcaria!
Triste
como a descoberta de que as montanhas azuis não são azuis, mas parecem assim
pela distância misturadas com o horizonte.
Por
que os rios não secam se dia e noite suas águas vão embora, e se perdem no mar,
sendo que a água é recurso não renovável?
E as utopias
são renováveis?
A
reciclagem das fantasias que um dia fizeram que coubesse todas em nossos sonhos
desde dragões até princesas, bruxas e fadas, espadachins e heróis que voam e
uma infinidade de criaturas que dormiam, todas, embaixo do travesseiro.
Pra
onde vai toda a rebeldia dos dias jovens capaz de destruir exércitos quando os
dias jovens dão lugar aos dias velhos?
Como é
chato o mundo das coisas sérias.
Horários
pra tudo. Dias organizados que não variam e a segunda que sempre vem depois do
domingo e o sábado que vem antes dos dois. Ou seria depois?
E
essas semanas que se repetem em meses pré-definidos desde o dia do salário, até
o próximo salário.
Deveríamos
contar o tempo por número de salário e não por anos vividos, e o legal é que muitos,
como os milhares de mendigos, ficariam eternamente jovens.
O ano
das pessoas sérias é muito chato.
Sempre
com 12 meses, feriados marcados, início e fim comemorado sem motivo, sendo que
o ano não passa de uma volta que a Terra dá sobre o sol sempre do mesmo jeito,
sem nenhuma reboladinha, na mesma velocidade e constância.
Não
que eu seja fofoqueiro, mas é o que acontece com a lua que desde 1969, volúvel,
deixou de ser dos poetas para ser dos cientistas que a viram nua, tão de perto,
mas tão de perto que, pasmem... concluíram que não havia vida nenhuma por lá.
Quanta
incapacidade criativa! A culpa não é da lua, é dos cientistas!
Para
quem curte a história da vida, do país e das pessoas que habitam esse país, dói
profundamente ver gente defendendo a ditadura ou chamando golpe de estado de
intervenção.
É por
demais chocante entender que as pessoas que se acham sérias considerem justas
as diferenças que excluem e só consigam se sentir mais belos se existir feiura
e por isso cultivem a feiura fanaticamente. Que necessitem que existam pobres mais
pobres para acreditarem que foram competentes e previdentes.
Dilacerante
é que existam argumentos endeusando criaturas da pré-história da memória
nacional como deputado que se orgulha pelas torturas e defenda pena de morte ou
pastores que enriquecem com a manipulação da fé e da ignorância entre os que os
procuram.
Se é
verdade que o conhecimento liberta, talvez também o seja que o conhecimento
machuca, não o conhecimento da vida e da história, mas o conhecimento sobre as
pessoas e de suas mediocridades.
Eu já
decidi.
Vou
continuar acreditando em justiça e igualdade, mas não aqui, com essas almas
sombrias e sem cores.
Não.
Com esses rançosos de egoísmo eu não brinco mais.
Vou procurar
a minha turma.
Mesmo que
muito longe, onde as nuvens se escondem atrás das montanhas azuis.
Prof.
Péricles
terça-feira, 20 de outubro de 2015
O CIRCO DA PILANTRAGEM
Pilantragem e Civismo |
Por Laerte Braga
Kalanag
foi um mágico que se apresentou no Brasil lá pelos idos de 1960.
Como, ninguém
nunca soube, mas descia do palco até a platéia com uma jarra d’água e mandava o
espectador escolher a bebida preferida. Vinho, uísque, cerveja, da tal jarra
saia tudo. Se levarmos em conta que os mágicos àquela época dispunham de poucos
recursos tecnológicos, aquele negócio de jogos de luzes, máquinas que engolem
pessoas, esses aparatos todos dos mágicos de hoje, Kalanag era de fato um
prodígio.
Circos
ainda ocupam um espaço importante tanto na lembrança dos que assistiram aos
velhos grandes circos do passado, como os que hoje têm o privilégio de observar
uma arte – falo de tudo o que o circo traz -. Aquela armação de lona sobrevive
em muitas cidades do interior do País. Hoje, uma nova roupagem recheada de
salamaleques dos tempos atuais, levou o circo para dentro dos ginásios, das
grandes áreas de espetáculos e numa certa forma preservou e preserva as
características do espetáculo circense.
Águas
dançantes apareceram no Rio de Janeiro no final da década de 50 e o show
aconteceu no Maracanãzinho como ponto culminante de um dos grandes circos
norte-americanos em seguida a trapezistas, palhaços, mágicos, equilibristas,
toda a troupe.
Foi
uma semana antes da célebre luta entre Archie Moore e o brasileiro Luisão, mas
essa é outra história.
A
descaracterização da palavra circo, transformada, entre outros sinônimos, em
local de pilantragem, de maracutaia aconteceu por conta de se emprestar à
pilantragem e às maracutaias o epíteto de um grande circo, com mágicas com
dinheiro público, trapaças nos negócios de governo, grandes palhaçadas de
políticos, toda essa sorte de ilusionismo do chamado mundo real.
O
circo de Brasília, por exemplo, não tem nada a ver com o Circo de Moscou. E nem
com as lonas remendadas que povoam as cidades do interior brasileiro. Ali, nessas cidades, crianças e adultos ainda
são capazes de gargalhadas quando o palhaço tropeça e daquelas interjeições de
espanto quando o mágico faz sumir um carro em pleno palco substituindo-o ou por
um elenco de mulheres, ou por pássaros coloridos que saem voando dentro dos
limites da lona.
O
circo de Brasília tem a batuta de três dos mais espertos “mágicos” da política
brasileira.
O
presidente do Senado, José Sarney. O presidente da Câmara dos Deputados, Michel
Temer e o presidente do Supremo Tribunal Federal – atual STF – o “ministro
Gilmar Mendes.
Sarney,
proprietário dos estados/fazenda Maranhão e Amapá seja talvez o mais completo
exemplo de Zelig da história da política brasileira. Em 1º de abril de 1964,
governador do Maranhão, soltou um manifesto na parte da manhã apoiando o
governo constitucional de João Goulart e outro à tarde, aderindo ao golpe
militar. Virou capacho de confiança dos governos da ditadura. Acabou presidente
da República no episódio da construção da candidatura Tancredo Neves e da morte
do mineiro, eleito presidente em 1984.
Michel
Temer saiu da casca de jurista e constitucionalista para virar político,
deputado em vários mandatos e uma interpretação para cada caso, não importa que
seja diversa da anterior, desde que os interesses dos que representa sejam
mantidos.
É
ponta de lança de FHC e José Serra no PMDB. O maior partido do País,
curiosamente sem cara, sem rosto, um amontoado de queromeu, onde ainda
pontificam figuras sérias do porte de Roberto Requião governador do Paraná.
O
terceiro nessa trindade de pilantras é Gilmar Mendes, presidente do STF.
Corrupto de carteirinha, tucano de coração, corpo e alma, ocupa a presidência
do que deveria ser a corte suprema do País para transformá-la em instrumento de
garantia de todo esse mundo podre e irreal que acaba sendo o real.
E
William Bonner, síntese do pilantra na comunicação, está lá para assustar todos
os “homer simpson” na hora do Jornal Nacional. O maior produto vendido pelos
donos do Brasil aos incautos que ainda acham que esses circos são reais. Não
têm a ver com Arrelia ou Pimentinha, palhaços de muito caráter e seriedade.
O
circo da pilantragem é no duro mesmo um circo de tragédias e essas tragédias se
abatem sobre o povo brasileiro que segundo o imortal João Ubaldo Ribeiro ainda
é o culpado de tudo.
A
corrupção é só uma conseqüência do modelo político e econômico. Esse é o fato
gerador. Esses são os donos do circo.
Laerte
Braga é jornalista em Juiz de Fora/MG
domingo, 18 de outubro de 2015
A MAIOR DOR DE ALEKSANDRA
A saudade por si só dói como vento gelado.
As vezes o vento pode ser tão frio que mata em pouco tempo. Em outras a agonia se faz de forma lenta, matando por desgaste e não por congelamento.
Já a decepção tem se processa rápida e não mata, mas prepara o caminho para o firmamento.
Me pergunto, como suportar a saudade misturada com outros sentimentos, como, por exemplo, a mágoa da ingratidão?
Ou ainda, qual seria o terreno mais inóspito, a crueza do Ártico ou a crueza do coração?
Lembro de Aleksandra Sokolovskaia.
Alexandra era uma linda ucraniana, como só as ucranianas costumam ser.
Ficava ainda mais bela ao viver como só os jovens conseguem o idealismo latente na construção de um mundo mais justo e fraterno.
Apesar de todos os perigos participou desde muito cedo dos movimentos clandestinos nos terríveis tempos de agonia e êxtase do czarismo.
Com apenas 18 anos participou da criação de um sindicato no sul da Rússia o que lhe valeria um mandato de prisão.
Conheceu, na clandestinidade, um dos mitos da revolução russa, Leon Trotsky, apaixonaram-se e com ele se casou em 1899, com 27 anos.
Tiveram duas filhas, Nina e Zinaida.
Em 1901 os dois foram presos e deportados para a Sibéria, um lugar tão gelado e de tão difícil sobrevivência que precisava de poucos guardas para ser mantida, já que fugir de lá, era quase impossível.
Só que os revolucionários deram um jeito para providenciar uma fuga. Mas, havia um problema, seria possível libertar apenas um dos prisioneiros.
Ela não permitiu discussão. Embora seu coração de mulher não quisesse a distância, o coração da revolucionária dizia que Trotsky era muito mais importante livre, para o projeto revolucionário, do que ela, e por isso ele deveria fugir, enquanto ela ficaria na prisão gelada e mortal da Sibéria, sobrevivendo enquanto fosse possível.
E assim foi feito, sendo Trotsky resgatado para um lugar a salvo na Europa.
Só que chegando a Paris, em 1903, Trotsky se apaixonou por outra mulher, Natália Sedova, declarou finda sua união com Sokolovskaia e casa-se com a outra.
É daí que vem a indagação.
O que será que mais doeu na bela Aleksandra: o vento gelado que corta a carne com um uivo selvagem nos ouvidos ou a traição do homem amado que para ser liberto precisou que ela mesma continuasse no inferno?
Sabe-se pouco sobre ela.
Não morreu na Sibéria e retornou, anos mais tarde para Moscou.
Não pode viver com as filhas que foram criadas pela mãe de Trotsky e nunca mais se casou.
Continuou suas atividades políticas mas caiu em desgraça na sangrenta ditadura Stalinista, assim como uma geração inteira de revolucionários que o ditador julgava mais brilhante do que ele mesmo.
Foi presa, e novamente deportada para a Sibéria, onde foi vista com vida pela última vez no campo de trabalhos forçados de Kolyma, em 1938.
Tinha então 66 anos.
Com essa idade e submetida as péssimas condições da prisão deve ter morrido em silêncio, de forma quase imperceptível em alguma noite de nevasca maior.
Mesmo assim, cabe a dúvida: qual teria sido a maior dor de Aleksandra Sokolovskaia?
A fria morte provocada pela hipotermia ou a morte por traição do amor de toda sua vida?
Leon Trotsky
|
Prof. Péricles
sábado, 17 de outubro de 2015
COMO DILMA PERDEU A VITÓRIA
Por Mário Magalhães
Aniversaria, por esses dias, a vitória da campanha reeleitoral de Dilma
Rousseff.
Em
outubro do ano passado, a candidata venceu o primeiro e o segundo turnos. No
começo daquele mês, alcançou 42% dos votos. No fim, 52%, triunfo com 54.501.118
sufrágios.
Talvez o porvir esclareça em que
momento algum bichinho, o antípoda da mosca azul, soprou-lhe que havia sido
sobrepujada por Aécio Neves. A presidente deu-lhe ouvidos, a julgar por seus
passos no Planalto.
A reforma ministerial em curso
consagra uma política contraditória com a pregação de palanque.
O governo contrário à agenda
chancelada pela maioria dos eleitores é uma evidência tal que, quando Fernando
Henrique Cardoso afirma que a presidente enredou-se em “um pacto com o
demônio”, poucos correligionários de Dilma rejeitam o diagnóstico.
O que fazem as vozes
intelectualmente honestas é recordar que o ex-presidente se pronuncia na
condição de mestre Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça.
Há um sem-número de erros de
tática política e inépcia de gestão no atual governo.
O engano mais relevante, porém, é
a estratégia de impor ao país uma administração ofensiva à decisão da maioria
um ano atrás.
Ao romper consigo mesma (ou com o
que dizia), a presidente, em vez de frear, estimula segmentos que
historicamente não reconhecem a soberania do voto popular. Como já dito no
blog, ela age como o time que se retranca, chama o adversário para cima e
padece com o sufoco.
Como também observado aqui, este
ensaio de suicídio político resulta no abandono da presidente pelo colchão
social que a respaldava.
De cada dez brasileiros, apenas
um considera ótimo ou bom o governo Dilma. Ela dilapidou boa parte do seu
enorme patrimônio eleitoral.
A síntese do arrocho que
sacrifica os mais pobres é a presença, no comando do Ministério da Fazenda, de
um eleitor de Aécio Neves.
Militantes que se dedicaram a
renovar o mandato de Dilma, e nela acreditaram, protestarão sábado também
“contra a política de ajuste fiscal”. Os bancos, na contramão, estabelecem
recordes de lucros.
Sem sua antiga base social
disposta a defender a política que pune os já punidos pela desigualdade
obscena, a presidente rendeu-se ao toma-lá-dá-cá do Congresso.
Isto é, aceitou o terreno onde
grassa a chantagem, incluindo a modalidade golpista do impeachment (não há
prova de crime contra a presidente), e a ela se rende. O trunfo de Dilma contra
as chantagens são _seriam_ os seus quase 55 milhões de eleitores.
Mas como convocá-los a pressionar
as instituições que decidem, e nas quais muitos congressistas chantageiam a
governante constitucional, se em 2015 Dilma castiga seus apoiadores de 2014 com
a fatura mais amarga da conta da crise?
Expulsar da Saúde um sanitarista
digno e entregar o Ministério à gula do PMDB equivale a autorizar a queda de
qualidade do sistema público de saúde. É a rede que atende aos brasileiros mais
necessitados.
Com o ensino público sofrendo com
o arrocho impiedoso, Dilma retira do Ministério da Educação um educador de
méritos reconhecidos para acomodar um amigo saído de outra pasta. Quem vem
pagando pelo arrocho? Os filhos daqueles que precisam de livros infantis nas
escolas públicas, que não têm como comprar nas livrarias _o governo cancelou ou
adiou a aquisição de livros para as bibliotecas escolares.
Hoje faz nove meses que Dilma foi
(re)empossada. Ela faz o que dizia que não faria. Governa contra os interesses
de quem a escolheu. Castiga seus eleitores e prestigia a política neoliberal
patrocinada pelo adversário derrotado. Comporta-se como se a derrotada tivesse
sido ela.
Nas internas, a presidente
costuma lamentar a correlação de forças no Congresso. Será que ela não sabe
que, em muitos momentos da história, a pressão popular logrou dos conservadores
concessões que eles não aceitariam sem o povo nas ruas?
Mas quantos eleitores de Dilma
estão dispostos a desfraldar bandeiras em nome do arrocho que ela aplica?
Mais do que a cabeça da
presidente, muitos figurões querem o fim das políticas que permitiram a dezenas
de milhões de brasileiros deixarem a miséria absoluta. Tem gente que não
aceita, eis o Brasil, nem empregada doméstica com carteira de trabalho.
Num vexame apoteótico, o PMDB
famélico toma o governo.
A vida dos brasileiros mais
humildes, comprovam até as estatísticas oficiais, vai piorando.
Não foi para isso que a
presidente foi eleita.
Quem foi o bichinho que disse a
Dilma Rousseff que ela perdeu a eleição? (Publicada originalmente no
blog do autor)
Mário Magalhães, nasceu no Rio em 1964. Formou-se em
jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S.
Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. É autor da biografia “Marighella – O
guerrilheiro que incendiou o mundo”.
quarta-feira, 14 de outubro de 2015
PICASSOS E GUERNICAS
(releitura de “Pintores
da Noite” de dezembro/2011 cujo link apresentou problemas e teve que ser
deletado)
Ela olhou pra mim como
quem está prestes a fazer uma grande revelação: “sabe, eu nunca te contei, mas,
detesto cachorros”.
Comecei a rir baixinho do
seu jeito cerimonial. Mas o riso foi crescendo e ela, escorando a testa no meu
ombro foi me acompanhando, e quando vimos as gargalhadas já eram cúmplices e
incontidas.
Ergui os olhos para as
estrelas e perguntei pra uma delas: mas do que mesmo estou rindo?
Do fato de estar
pendurados no alto de um poste numa dessas madrugadas de Porto Alegre?
Seria da escada velha que
rangia e que ainda por cima se mantinha mal equilibrada, inclinada entre o muro
da calçada e o poste por dentro do terreno?
Talvez fosse dos dois
cachorros furiosos que babavam de ódio por não poder nos alcançar e que
ansiavam para que aquela escada velha se partisse.
Seria só do jeito de
madame daquela guria com cola nos ombros e tinta na testa me sussurrando ter
medo de cachorros?
Até hoje não sei, mas,
eram tantas coisas que não sabíamos naqueles dias furiosos.
Tantas coisas que
precisavam de respostas e tantas respostas que procuravam perguntas, que não
valiam à pena perder muito tempo.
Só sei que nossas
gargalhadas calaram os cachorros como se nem eles entendessem, afinal, qual era
a graça de situação tão grotesca.
Quando paramos de
sacolejar de tanto rir, a escada diminuiu seu rangido, e o silêncio nos lembrou
a necessidade de continuar a gloriosa tarefa de prender no poste, com arames
pouco resistentes, mais uma placa com nossas mensagens.
Mensagem? Não era só
isso. Havia em cada placa um sentimento de resistência e onipotência, acalentado
por tantos sonhos velhos e antigos sonhados por tanta gente!
Descemos altivos diante
da indignação dos cachorros e recolhemos o material restante, pois era preciso
ter pressa, pois outros postes nos esperavam, outros cachorros talvez, e com
certeza, o sol, não demorava.
A polícia odeia a hora
entre o fim da madrugada e o início da manhã. É quando encerram suas rondas.
Os cachorros odeiam
escadas e ela odiava cachorros.
E eu achava graça. Uma
graça que carecia de argumentos, mas que transbordava de dor e de energia.
Que nos importam os
vadios da madrugada que vagueiam embriagados? Ou os loucos das calçadas como o
Imperador, um velho amigo de insânia, morador das calçadas da Av. Independência.
Não eram com certeza mais
embriagados ou mais loucos dos que carregam escadas e sonhos.
Lá, em cima do poste,
vendo a cidade “do alto” a gente desafiava a repressão, os medos, os ventos do
inverno, os cachorros e o destino.
Cá embaixo o bom senso
nos desafiava a pensar mais um pouco e a tomar um café amargo diante da friagem
insensível.
Às vezes, virávamos
artistas e pintávamos muros.
Muros estreitos e largos.
Inteiros e lascados. Muros simpáticos e taciturnos. De casas, de cemitérios, de
colégios. Muros de ruela e de avenidas.
Tinta vermelha de cheiro
forte, artesanal, feita por nós mesmos, em balde que abraçávamos para que não
derramasse enquanto a velha kombi sacudia sobre as ruas de uma Porto Alegre
adormecida.
Pintávamos palavras de
ordem. Pintávamos declarações de guerra e de amor.
Cada um de nós era um
Picasso pintando Guernica.
Mas, ao contrário de
Picasso, não podíamos assinar nossas obras.
Mas no outro dia.. ah no
outro dia ninguém podia impedir nosso orgulho de ver expostas nos muro da
cidade em cores fortes com a tinta que ainda nos fedia, o nosso trabalho
noturno.
“Depressa”, dizia em
silêncio ao mundo, “leiam antes que apaguem”.
Talvez seja assim mesmo. Quando
nos tiram os livros inventamos arte.
Quando nos tiram as
montanhas, escalamos escadas que rangem.
Quando nos tiram
oportunidades descobrimos talentos, e somos Picassos que pintam Guernicas com
tinta barata em muros estreitos.
Quando nos tiram a graça
rimos de nós, rimos a sós, e rimos das dores.
É quando pintamos nossa
história, com tintas próprias para a alma e não para os muros carrancudos.
Pinturas que jamais se
apagam da memória.
Prof. Péricles
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