terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O IMPÉRIO DAS ELITES


O maior império da antiguidade, o Império Romano, agonizou antes da queda final. Uma agonia que durou cerca de três séculos.

Apesar de ter o mundo inteiro interessado em sua queda, não foi nenhum inimigo externo que o derrubou. Não foram os povos “bárbaros” como eles chamavam os germânicos, uma nova arma ou um gênio militar. O que derrubou o maior de todos os impérios foram suas próprias contradições.

Roma adotou uma religião alienígena, do oriente, que fazia sucesso entre seu povo, a religião cristã. Negociou com lideranças inimigas. Subornou generais estrangeiros. Fortaleceu os limes com aliados de última hora e até mesmo dividiu o próprio império acreditando que seria mais fácil defender e preservar dois impérios menores.

Os políticos romanos fizeram tudo o que acharam possível fazer. Só esqueceram de olhar para dentro do próprio Império. Se assim o fizessem talvez percebessem que a causa de sua decadência estava na sua própria estrutura escravagista e na imensidão de miseráveis que construía em torno de um pequeno núcleo de privilegiados.

Ao não enfrentar suas mazelas tentou deter uma avalanche com meias-medidas.

Outros grandes impérios deram o mesmo exemplo.

A falta de humildade somada à fome insaciável de poder e manutenção de privilégios, construíram ao longo da história, sepulturas de povos e de líderes que só olhavam para fora, para o inimigo externo, nunca para suas próprias deficiências.

A história deveria ser a conselheira dos governantes, mas não é.

No Brasil, o núcleo de privilegiados que tomaram o estado como sua propriedade encastelam-se dentro de um mundo surreal.

Quando Getúlio Vargas aproximou-se das causas operárias reagiram com a soberba de quem não aceita vizinhos pobres em sua esfera mítica. Tanto infernizaram a vida do líder populista que acabou com o suicídio do presidente.

Antes mesmo de retornar a segurança de suas muradas de privilégios, porém, um novo “ataque” externo tirou o sono da casta de bem-nascidos do Brasil, com o fenômeno João Goulart e suas reformas de base.

Ao invés de olhar para si mesma e perceber as enormes contradições num país que cada vez mais se industrializava e se politizava, a casta reagiu novamente com a força do império. Chamou os militares e o golpe de 1964 desbancou Jango, o “bárbaro” e trouxe mais 20 anos de calmaria aparente para esses eleitos da fortuna.

Mas o fim da ditadura traria com forças redobradas as esperanças dos mais humildes, principalmente depois da enorme popularidade da Campanha Diretas-Já e da promulgação da Constituição Cidadã de 1988.

O império dos eleitos temia por sua sobrevivência e usando sua mais potente arma, a mídia, que fora tão útil na deposição/morte de Getúlio e de Jango, criou uma mentira e elegeu um presidente amigo em 1989.

Outros mitos viriam, como um presidente sociólogo, teórico esquerdista nos velhos tempos e o Plano Real.

O que o império não entendeu e continua não entendendo é que esses mitos televisivos são eficientes para empurrar as crises para debaixo do tapete, mas são ineficazes para trazer a paz que almejam, sendo que a paz que almejam é manter seus privilégios sem que a esquerda e seus molambos ameaçem tomar o poder.

Lula deveria ser o choque de realidade, fosse nossas elites minimamente capazes de ler nas massas populares o desejo de mudanças.

Os programas sociais, os estímulos a distribuição de renda soaram para essas elites como o grito dos Hunos deve ter soado aos ouvidos romanos. O início do fim. Do cataclismo. E isso, simplesmente porque a elite brasileira, uma das mais reacionárias do mundo continua vendo pobre e melhorias sociais como algo inimigo, contrário ao seu mundo.

O golpe parlamentar contra Dilma não demonstra que a guerra acabou, ao contrário, deixa claro que a paz está cada vez mais distante.

Tomar o poder do qual sentiam tanta saudade não resolve seus problemas. O uso da truculência tem prazo de validade

O que fazer com um presidente pífio que não consegue obter uma popularidade que chegue a dois dígitos? Como angariar popularidade com medidas neoliberais?

Como enganar a população trazendo notícias de desenvolvimento econômico se a crise, a mesma que já era difícil nos tempos de Dilma, ameaça ficar pior a partir do protecionismo republicano de Trump?

A elite brasileira faria melhor se olhasse para si mesma, mas parece que, humildade é algo que os poderosos do Brasil continuam desconhecendo, assim como desconheceram que a causa da instabilidade da monarquia era, que ironia, a manutenção das estruturas escravagistas.



Prof. Péricles







domingo, 1 de janeiro de 2017

DO BRASIL E SEUS HERÓIS


Por Alberto Dines



Enquanto um via suborno e aviltamento, o outro ironizava sobre a ” doçura” do

Diplomata Calero que não entendeu o espírito de como se faz política em Brasília.



Calero negou-se a aceitar o projeto estapafúrdio da vaquejada como cultura e da maracutaia como forma de fazer política. Na suíte do caso, Temer teria enquadrado Calero, o caso acabou respingando no presidente, mas Calero saiu, Geddel ficou — só não aguentou a pressão, agora da população inteira, e uma semana depois pediu “exoneração do honroso cargo”. Tarde. Na mesma denúncia de propina nas páginas que destrincham a falência do Rio, vem a explicação de uma simples “oxigenação “.



Na mesma revolta da população inteira que inclui canto de servidores revoltados com trechos de Carmina Burana de Carl Orff e Carmen de Bizet diante da Assembléia Legislativa do Rio, a declaração de Sergio Cabral, “estou com a consciência limpa, indignado com acusações “. Neste Brasil grande cabe tudo, Caixa Dois por um lado e pressa para descriminalizar o que é crime.



Esta semana Temer montou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social alegando que assumiu um Brasil com déficits de verdade e muito ilusionismo contábil. Garantiu “entramos na era da lucidez”. Na mesma edição, Temer qualificava então o escândalo Calero-Geddel de “um acidente” menor.



O mesmo ex-governador do Rio, Antônio Garotinho, que ia levar ”um bombom Garoto” para Sérgio Cabral quando o desafeto fosse preso, acabou em Bangu, junto com Cabral. Antes, tentou oferecer R$ 5 milhões para não ser preso e apresentou um diploma universitário duvidoso para escapar do xilindró.



Um bombom, um acarajé, um kibe, bacalhau, propina não. ” Fumar um charuto”, “tomar um vinho”, assim o ex-diretor de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, marcava encontros com os operadores para receber contratos malocados.



O ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto cunhou como ”pixuleco” aquilo que Carlinhos Cachoeira preferia denominar ”assistência social”. Luís Rogério Gonçalves Magalhães em conversa com Wagner Garcia, preso em Bangu, preferiu noticiar três dias antes a prisão de Cabral assim, “entregou a rapadura com raspas de limão”. Já Cabral preferia negociar propinas com a Andrade Gutierrez utilizando nome de mulher, Nelma de Sá Saraca, em alusão à histórica secretária d’O Pasquim, tabloide fundado entre outros pelo Sergio Cabral pai, criador do musical Sassaricando.



A era é a do esquecimento, Sergio Cabral não sabe como pagou as joias da mulher em dinheiro vivo, algumas no valor de R$100 mil. Sua mulher não sabe como R$ 10 milhões foram parar na sua conta. A era é a do deslumbramento, da ostentação, do triplex em Guarujá que é de ninguém, de mais uma delação premiada do senador cassado Delcídio Amaral dizendo que o ex-presidente Lula, que não sabia de nada, tinha ” conhecimento absoluto “. E todo Congresso, que diz não temer nada, tremendo diante do acordo de delação dos 80 executivos da Odebrecht, empreiteira que mantinha um departamento de propina para suprir as demandas e agora pode atingir 130 políticos.



A era é a da pós-verdade, do virtual que não é real, da anti-humanidade de Donald Trump respingando temores nos ilegais brasileiros. A era é a do nacionalismo, da ultradireita antissemita, racista, xenófoba, homofóbica, neonazista ganhando espaço no mundo. A era é a da pós Petrobrás, empresa das mais poderosas do mundo, transformada na mais endividada do planeta com 132 bilhões de dólares. E é ainda o pré-sal, os royalties do pré sal que vão saldar parte do endividamento dos estados.



Na era da “lucidez ” que é a dos reality shows, devem se suceder as operações Calicut, My Way, Nessum Dorma, Caça-Fantasma, Resta Um e uma nação que segue atônita com verdades partidas, em busca de seus heróis– ou pelo menos de políticos éticos –, e de um espelho que não reflita a face de uma pós-verdade tão mentirosa.



Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do Observatório da Imprensa.



sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

PODEMOS MUDAR O MUNDO

Quando crianças somos cheios de fantasias e sonhos. Criamos amigos imaginários e monstros embaixo da cama. Brincamos com tudo e tudo se transforma em brinquedo, seja uma bola de meia ou uma caixinha de fósforos que vira um carrinho de fórmula 1.

Quando adolescentes, nossas fantasias se alteram, mas não nos abandonam.

Junto aos amigos e brinquedos imaginários somamos sonhos com pessoas reais que gostaríamos que fossem como queríamos que fossem e não como realmente são.

Mas, chega um momento, sem data específica para cada um de nós, em que as fantasias escasseiam e a maioria dos sonhos acabam. Um mergulho frio na realidade da vida. Dizem que é quando nos tornamos adultos, mas desconfio que seja quando nos tornamos tristes.

De muitas maneiras 2016 representou o fim de sonhos de muita gente.

Em especial, 2016 representou o fim do sonho de um tipo de esquerda representado pelo PT forjado na crença de que os programas sociais, por sua abrangência e virtude seriam suficientes para manter o poder. Terrível despertar de quem achava que fosse possível governar sendo aliado da banda mais podre da política brasileira. O PT descobriu que não se entra num chiqueiro sem se sujar.

Também foi o fim da crença de grande parte dos brasileiros de que a democracia depois de tantas quedas estivesse suficientemente madura para superar os perigos do golpismo.

A queda de Dilma foi a queda de milhões de joãos e Marias. Caímos junto com Dilma após um longo percurso de farsa onde uma mulher inocente e sem crimes foi condenada.

Em 2016 de alguma maneira, nosso país por inteiro despertou de algo, ou, pelo menos se viu envolto numa realidade até então não muito bem identificada.

Nunca tantos se revelaram tão reacionários e a hipocrisia até virou moda. Piadas racistas e machistas incentivadas pela intolerância tornaram-se dura realidade, agressiva e cruel.

Assim como quando jovens descobrimos que nosso melhor amigo não é tão amigo assim, descobrimos que nosso judiciário não é tão imparcial como imaginávamos.

A Lei Maria da Penha completou 10 anos, mas não tem como festejar se as mulheres continuam sendo agredidas e massacradas todos os dias e em todos os cantos do Brasil.

Um Tribunal de São Paulo decidiu que os 111 fantasmas de Carandiru, continuarão insepultos ao determinar a anulação dos julgamentos anteriores que punia os responsáveis.

No mundo inteiro o fascismo cresceu, tomou forma e trouxe consigo todos os medos que julgávamos enterrados para sempre.

Trump ganhou nos Estados Unidos e a extrema direita cresceu em vários países da Europa.

Mal podemos festejar com o espetacular Papa Francisco e a canonização da Santa dos pobres, madre Tereza de Calcutá diante de tanta pressa das notícias ruins.

Ficamos mais afastados da humanidade e próximos da animalidade em Orlando, onde 50 pessoas de uma boate LGBT foi morta e 53 foram feridos no pior atentado homofóbico desse tipo nos Estados Unidos, um país farto em atentados em escolas e faculdades.

De várias maneiras nos afastamos mais da unidade, criando novas fronteiras.

Depois de 50 anos de guerra o povo colombiano parece que se acostumou, e rejeitou um acordo de paz com as FARC.

Os britânicos decidiram, em referendo dar adeus à União Europeia.

E, acredite, o comandante Fidel que acostumamos pensar que fosse eterno, morreu, e foi ocupar seu lugar na história.

Se não dá para dizer que despertamos da inocência, já que nossa inocência não sobreviveu a outros golpes como o de 1964, dá para afirmar que acordamos no inferno das incertezas.

Há algo profundamente errado acontecendo no Brasil e no mundo.

Sobram conformidades e faltam escândalos diante das grandes e pequenas tragédias do nosso dia a dia. Será que perdemos a capacidade de indignação?

Mas sobram algumas certezas e entre elas, diante da intolerância e violência de um lado e do desejo de igualdade e fraternidade do outro, podemos ter a certeza de estar no lado certo.

Por isso, você aí, que anda cabisbaixo se sentindo derrotado. Você que anda indignado querendo que egoístas e fascistas divirtam-se com o butim que a crédula e invigilante sociedade brasileira permitiu, você, não pode fraquejar.

Você precisa resistir em defesa dos seus valores e da dignidade humana.

Você precisa ser a voz dos que não podem se expressar e os corações dos que deixaram de acreditar.

Você pode pensar que é pequeno e que não tem influência, mas está errado.

Nós somos capazes de mudar o mundo, mudando uma só consciência.

Somos capazes de fazer o mundo melhor fortalecendo uma só esperança.

Não desista. 2017 está aí e a luta está só começando.

Do seu jeito, em seu trabalho, entre amigos e parentes, com a namorada, debatendo com o marido, corrigindo informações distorcidas, incomodando os que não querem pensar na besteira que apoiaram e no perigo que nos ronda, faça você a sua parte.

Ela é grandiosa, acredite... os grandes incêndios começam sempre com pequenas chamas.

Feliz 2017 a todos os nossos queridos leitores do Blog. Foi uma enorme alegria poder contar com a presença de vocês em nossos textos.

Estaremos juntos no ano que inicia.

Boa luta!





Prof. Péricles

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

TEMPOS DE FÚRIA

por Fernando Pacheco


Há datas que entram para a história como símbolos da abertura de novo ciclo. O 14 de julho de 1789, o outubro de 1917, entre outros, são dias que se cristalizaram em nossas memórias pelo ineditismo de seus fatos, ainda que não fossem a consolidação de seus processos históricos.

Quando as ruínas das torres do World Trade Center ainda ardiam em chamas na noite do dia 11 de setembro de 2001, tornou-se popular entre os analistas de política internacional a ideia de que ali começava o século XXI. 

O ano de 2016 parece, agora, melhor candidato a ponto de partida de uma nova jornada histórica.

No espaço de um ano, assistimos a sucessivas ondas sociais e políticas a desafiar as análises e desmoralizar permanentemente quaisquer teorias de “fim da história”. Vimos o surgimento de um ambiente político marcado pela flutuação em tempo real da opinião pública, catalisada pelos algoritmos das grandes redes sociais.

E, assim, as insatisfações desaguaram em fúria, e escreveram enredos históricos antes impensáveis, dando origem a coisas como o Brexit, a eleição de Trump, o golpe parlamentar no Brasil, a vitória de François Fillon nas primárias na UMP na França, e o crescimento do partido nacionalista Alternative fur Deutschland nas eleições estaduais na Alemanha.

O balanço do ano é que a direita tradicional, o conservadorismo e um novo nacionalismo ampliaram seus terrenos, enquanto as esquerdas e as teses de internacionalização e integração econômica assistem atônitas às derrotas que acumulam.

As ondas bruscas que abalaram corporações, governos, partidos e convicções neste ano trouxeram mais dúvidas do que certezas para o futuro do mundo.

Há pouca semanas para o dia da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América, analistas lutam contra as imensas dificuldades de traçar previsões sobre um resultado eleitoral que parecia fantasioso e impossível.

Incerteza e dúvidas são as palavras mais comuns entre os principais editorialistas e formadores de opinião americanos. 

Um dos poucos que acertaram o resultado eleitoral, o documentarista Michael Moore, adiciona mais incerteza sobre o futuro dos EUA ao dizer que ainda não sabemos quem tomará posse no dia 20 de janeiro, já que o resultado do colégio eleitoral poderá ser alterado por delegados infiéis às decisões de seus estados, fato que não ocorre desde 1824.

Já no Brexit, o novo governo conservador, instalado com o único propósito de tornar concreta a decisão do referendo, segue a pedir mais prazos para romper os laços com a Europa. Os acessos de fúria e insubmissão de uma opinião movida a likes produziram consequências que atingem interesses de amplo espectro, de corporações multinacionais a partidos progressistas, e tal convergência, em vez de representar sólido triunfo, pode ser a origem de fragilidades e dúvidas.

Invertendo o ângulo pelo qual se veem os fenômenos e a examinar os processos que deram origem às ondas de 2016, os vencedores podem ter mais preocupações do que comemorações. A crise generalizada da representação democrática e a inquietação de largos segmentos da população com os resultados e as soluções encontradas para a crise de 2008 indicam que a impaciência não foi aplacada.

Trump talvez seja o exemplo mais caricato dessa nova lógica, ao dar declarações conflitantes e moldar uma base oscilante para sua agenda política, moldada a partir da lista de trending topics de sua conta no Twitter. A estratégia é eficaz para passar pelo portal do processo eleitoral, mas será suficiente para sustentar um projeto de longo prazo?

Hoje o mundo digital é mais real que virtual, mas ainda assim a política ainda não é uma tela de smartphone, em que um deslizar de dedos faz desaparecer as verdades de 15 minutos atrás.

Em uma entrevista logo após o resultado do referendo, um vitorioso parlamentar Nigel Farage gaguejava ao dizer que o dinheiro que o Reino Unido destinava para a União Europeia talvez não pudesse ser revertido em futuro próximo para o Sistema Nacional de Saúde. Tal medida havia sido um dos principais motes da campanha do Brexit, da qual Farage foi o principal porta-voz. De julho para cá, seu partido perdeu 30% dos seus filiados.

Nos EUA, ainda resta duvidosa a capacidade de Trump de recriar os empregos fabris nos estados que lhe deram a vitória, pois a maioria das avaliações entendem que, mesmo que uma parte dos postos de trabalho tenha sido exportada, a grande maioria foi vitimada pela mais recente revolução tecnológica nos segmentos manufatureiros.

Aqui, o novo governo brasileiro, que inverteu a agenda política eleita pelo voto, adiou a promessa de crescimento para o último trimestre do ano que vem. Até lá, muito arrocho, medidas impopulares e hordas de políticos envolvidos em denúncias de corrupção. E a impaciência e a fúria latentes.

Tais realidades não implicam que os tempos das direitas serão necessariamente curtos. Por outro lado, há espaço para que forças progressistas recuperem o diálogo com a opinião pública.

Primeiro, é preciso parar de apontar para os outros, e começar a encarar os problemas internos. Seria positivo ver a esquerda brasileira parar de cobrar os que foram às ruas pelo impeachment, e passar a dialogar com as críticas a corrupção e a insatisfação com o estado de coisas da economia que levaram àqueles protestos.

Assim como seria excelente ver o Partido Democrata americano explicar porque ignorou a diretriz política de Barack Obama que dizia “Não façam coisas estúpidas” e permitiu que um sistema distorcido de superdelegados elegesse uma candidata vinculada ao establishment, quando o público exigia a antítese.

Os progressistas europeus poderiam retraçar um projeto de Europa integrada que incluísse os trabalhadores e preservasse direitos. Tais primeiros passos permitiriam que vozes progressistas recuperem o tempo de tela perdido nas timelines mundo afora.

Voltar a ser ouvido é apenas ponto de chegada e não de partida. Exige-se da esquerda e do campo progressista resposta para as grandes questões. A saída para crise de 2008 foi suficiente para reduzir desemprego em alguns países, mas a desigualdade social só se amplia (2016 também foi o ano que em que o 1% mais rico concentrou mais riqueza do que os demais 99%, segundo a Oxfam).

A insatisfação com o desaparecimento de empregos fabris resultante de substituições tecnológicas não foi aplacada pelas soluções de pós-emprego, tais como as panaceias do empreendedorismo e das indústrias criativas.

O multiculturalismo parece não ter sido suficiente para conciliar a vida em sociedades multiétnicas e preservar a laicidade do Estado em diversos países. O multilateralismo falhou na sua missão fundamental de promover a paz, tendo a Síria como prova cabal de seu insucesso.

Ideias novas que possam responder a essas difíceis questões talvez sejam a saída para que 2016 não tenha sido o marco de uma nova era conservadora, mas sim um importante recomeço para as forças que acreditam na construção de um novo mundo mais justo, tolerante e solidário.



Fernando Pacheco é economista e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).

domingo, 25 de dezembro de 2016

O MUNDO DE HADES



No início da criação dos mundos, em determinado momento, os três filhos de Cronos, Poseidon, Zeus e Hades, viram-se diante de um dilema: que área infinita da manifestação divina cada um deles deveria governar?


Como nenhum deles teve uma ideia melhor, resolveram pelo simples e eficiente sorteio.


Juntaram três pequenos gravetos de tamanhos diferentes que foram escondidos na mão fechada de Zeus. Hades e Poseidon, escolheram aleatoriamente um gravetinho cada um, que, a mão fechada, não permitia ver o tamanho.


Segundo os gregos, o grande sortudo foi Zeus que, ficando com o graveto maior tornou-se governador da Terra e de todos os seres vivos que vivem nela. Seria o deus mais bajulado e querido, senhor de todos os homens e pai de muitos outros deuses.


Poseidon não se deu tão bem, mas não podia se queixar, afinal, seria o senhor de todos os mares e oceanos. Todas as criaturas vivas das águas marinhas lhe deveriam obediência e reinaria absoluto e incontestável no seu mundo.


Quem se deu mal mesmo foi Hades que, ao ficar com o graveto menor tornou-se deus do reino dos mortos, senhor dos infernos e de todas as criaturas danadas e das sombras. Os gregos detestavam a ideia da morte por isso Hades seria um Deus muito mais temido do que amado.


Se até mesmo para os seres supremos, imortais e infinitamente poderosos, a sorte é caprichosa e decisiva, podendo sorrir mais para uns do que para outros, imagine para nós, simples mortais.


Mas, nem sempre quem tem sorte percebe que a teve e os benefícios de certas escolhas ou situações só serão completamente conhecidos muito mais tarde, assim como a falta de sorte pode enganar muita gente.


Os golpistas não sortearam, mas ratearam de acordo com as conveniências, seus nacos de poder após o vergonhoso golpe que engendraram no Brasil.


Alguns deles pensaram ter muita sorte pela situação ter chegado ao que chegou no dia 31 de agosto desse ano, quando Dilma Roussef foi definitivamente afastada pelo senado.


O próprio vice que, jamais seria eleito presidente, deve ter se achado com muita sorte por ganhar dois anos inteirinhos e um país para brincar de presidente.


“Ganhei o Olimpo”, talvez tenha imaginado.


Mas, como já nos avisavam os gregos, o tempo é o senhor da razão.


Nem terminou ainda 2016 e já se percebe no ar que alguns não tiveram tanta sorte assim.


Toda ação provoca reação e achamos que sabemos como começam as vilanias, golpes e traições, mas ninguém sabe como acabam.


Muitos que se imaginavam seguros contra investigações inconvenientes foram surpreendidos na sequência inevitável dos incêndios criados para outros fins.


Alguns, percebendo que o caixa vazio é frio e sinistro, começam a duvidar da eficácia em seus negócios dos resultados de toda essa confusão criada ou apoiada por eles.


Provavelmente o vice-presidente diante das nuvens cada vez mais negras no horizonte e percebendo que apoios absolutos são momentâneos e podem sumir com a rapidez de uma crise provocada pelo dólar, esteja pensando que, achando ter conquistado o Olimpo esteja agora abraçado com o inferno, sendo muito mais temido do que amado.


E as similaridades não são poucas, entre homens e deuses.


Os senhores do Olimpo, dos oceanos e dos infernos, eram egoístas, arrogantes e autoritários.


Exigiam serem reconhecidos por seu poder e adoravam bajulação.


Dizem que muitos senhores hoje banhados pelas luzes da mídia generosa também mavegam nas mesmas emoções.


Os deuses, muitas vezes movidos pela paixão ou inebriados pela idolatria cometiam injustiças das quais até mesmo, se orgulhavam.


Parece que no nosso mundo, também.


Mas, tudo passa, e se até os deuses envelhecem, juízes e oráculos também perderão seu fulgor diante das dificuldades e mais uma vez será impossível cobrir o sol com a peneira para sempre.


Não se sabe se um dia o Brasil será algo parecido com o Olimpo de Zeus, mas, com certeza, atualmente, se parece muito com o traiçoeiro mundo de Hades.



Prof. Péricles

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

CONSPIRAÇÃO DO NATAL





Tudo bem, tudo bem... sabemos que quanto mais o tempo passa maior a tendência para o indefinido “ah meu tempo!”.

Podemos aceitar que na marcha dos anos vamos perdendo as ilusões. As cores ficam menos coloridas e a gente fala menos com amigos imaginários.

Dá pra acreditar que a maturidade nos dê aquele olhar enfadonho de quem acha que já viu tudo, mas, francamente, o que está acontecendo como natal?

Pelo menos em Porto Alegre quase não se vê mais, decorações natalinas nas ruas.

Para onde foram as luzinhas coloridas e piscantes? E a cara sorridente do papai Noel? Pior, por onde andam aquelas crianças que o amavam ou temiam?

Até daquelas musiquinhas irritantes e sempre as mesmas, sentimos falta.

Alguém tem que explicar o que aconteceu com a festa pré-natalina.

As coisas estão tão estranhas que temos até medo de desejar feliz natal para alguém e receber em resposta um “hã?”.

Nem precisa ser tanto quanto naquele ano em que foi promovido um concurso para a melhor decoração natalina e Porto Alegre inteira se tornou um imenso e lindo presépio. Realmente não precisa tanto, mas, que tenha algo.

O espírito de natal, que jamais esteve presente no comércio intenso de presentes, resistia nas luzinhas azuis, verdes, vermelhas, amarelas, que piscavam em torno de pinheiros, às vezes acompanhadas de bonequinhos representativos do nascimento de Jesus, estrela de Belém, etc.

Se a decoração de natal sumir corre-se o risco do próprio natal desaparecer.

Alguém tem que esclarecer o que está acontecendo.

Está tudo muito estranho, as cidades mais indiferentes e carrancudas.

Culpa do PT? Da Dilma? Lula?

Ou será uma conspiração dos americanos para nos deixar velhos antes do tempo?

Quem sabe?



Prof. Péricles