domingo, 1 de janeiro de 2017
DO BRASIL E SEUS HERÓIS
Por Alberto Dines
Enquanto um via suborno e aviltamento, o outro ironizava sobre a ” doçura” do
Diplomata Calero que não entendeu o espírito de como se faz política em Brasília.
Calero negou-se a aceitar o projeto estapafúrdio da vaquejada como cultura e da maracutaia como forma de fazer política. Na suíte do caso, Temer teria enquadrado Calero, o caso acabou respingando no presidente, mas Calero saiu, Geddel ficou — só não aguentou a pressão, agora da população inteira, e uma semana depois pediu “exoneração do honroso cargo”. Tarde. Na mesma denúncia de propina nas páginas que destrincham a falência do Rio, vem a explicação de uma simples “oxigenação “.
Na mesma revolta da população inteira que inclui canto de servidores revoltados com trechos de Carmina Burana de Carl Orff e Carmen de Bizet diante da Assembléia Legislativa do Rio, a declaração de Sergio Cabral, “estou com a consciência limpa, indignado com acusações “. Neste Brasil grande cabe tudo, Caixa Dois por um lado e pressa para descriminalizar o que é crime.
Esta semana Temer montou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social alegando que assumiu um Brasil com déficits de verdade e muito ilusionismo contábil. Garantiu “entramos na era da lucidez”. Na mesma edição, Temer qualificava então o escândalo Calero-Geddel de “um acidente” menor.
O mesmo ex-governador do Rio, Antônio Garotinho, que ia levar ”um bombom Garoto” para Sérgio Cabral quando o desafeto fosse preso, acabou em Bangu, junto com Cabral. Antes, tentou oferecer R$ 5 milhões para não ser preso e apresentou um diploma universitário duvidoso para escapar do xilindró.
Um bombom, um acarajé, um kibe, bacalhau, propina não. ” Fumar um charuto”, “tomar um vinho”, assim o ex-diretor de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, marcava encontros com os operadores para receber contratos malocados.
O ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto cunhou como ”pixuleco” aquilo que Carlinhos Cachoeira preferia denominar ”assistência social”. Luís Rogério Gonçalves Magalhães em conversa com Wagner Garcia, preso em Bangu, preferiu noticiar três dias antes a prisão de Cabral assim, “entregou a rapadura com raspas de limão”. Já Cabral preferia negociar propinas com a Andrade Gutierrez utilizando nome de mulher, Nelma de Sá Saraca, em alusão à histórica secretária d’O Pasquim, tabloide fundado entre outros pelo Sergio Cabral pai, criador do musical Sassaricando.
A era é a do esquecimento, Sergio Cabral não sabe como pagou as joias da mulher em dinheiro vivo, algumas no valor de R$100 mil. Sua mulher não sabe como R$ 10 milhões foram parar na sua conta. A era é a do deslumbramento, da ostentação, do triplex em Guarujá que é de ninguém, de mais uma delação premiada do senador cassado Delcídio Amaral dizendo que o ex-presidente Lula, que não sabia de nada, tinha ” conhecimento absoluto “. E todo Congresso, que diz não temer nada, tremendo diante do acordo de delação dos 80 executivos da Odebrecht, empreiteira que mantinha um departamento de propina para suprir as demandas e agora pode atingir 130 políticos.
A era é a da pós-verdade, do virtual que não é real, da anti-humanidade de Donald Trump respingando temores nos ilegais brasileiros. A era é a do nacionalismo, da ultradireita antissemita, racista, xenófoba, homofóbica, neonazista ganhando espaço no mundo. A era é a da pós Petrobrás, empresa das mais poderosas do mundo, transformada na mais endividada do planeta com 132 bilhões de dólares. E é ainda o pré-sal, os royalties do pré sal que vão saldar parte do endividamento dos estados.
Na era da “lucidez ” que é a dos reality shows, devem se suceder as operações Calicut, My Way, Nessum Dorma, Caça-Fantasma, Resta Um e uma nação que segue atônita com verdades partidas, em busca de seus heróis– ou pelo menos de políticos éticos –, e de um espelho que não reflita a face de uma pós-verdade tão mentirosa.
Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do Observatório da Imprensa.
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