Por Mário Magalhães
Aniversaria, por esses dias, a vitória da campanha reeleitoral de Dilma
Rousseff.
Em
outubro do ano passado, a candidata venceu o primeiro e o segundo turnos. No
começo daquele mês, alcançou 42% dos votos. No fim, 52%, triunfo com 54.501.118
sufrágios.
Talvez o porvir esclareça em que
momento algum bichinho, o antípoda da mosca azul, soprou-lhe que havia sido
sobrepujada por Aécio Neves. A presidente deu-lhe ouvidos, a julgar por seus
passos no Planalto.
A reforma ministerial em curso
consagra uma política contraditória com a pregação de palanque.
O governo contrário à agenda
chancelada pela maioria dos eleitores é uma evidência tal que, quando Fernando
Henrique Cardoso afirma que a presidente enredou-se em “um pacto com o
demônio”, poucos correligionários de Dilma rejeitam o diagnóstico.
O que fazem as vozes
intelectualmente honestas é recordar que o ex-presidente se pronuncia na
condição de mestre Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça.
Há um sem-número de erros de
tática política e inépcia de gestão no atual governo.
O engano mais relevante, porém, é
a estratégia de impor ao país uma administração ofensiva à decisão da maioria
um ano atrás.
Ao romper consigo mesma (ou com o
que dizia), a presidente, em vez de frear, estimula segmentos que
historicamente não reconhecem a soberania do voto popular. Como já dito no
blog, ela age como o time que se retranca, chama o adversário para cima e
padece com o sufoco.
Como também observado aqui, este
ensaio de suicídio político resulta no abandono da presidente pelo colchão
social que a respaldava.
De cada dez brasileiros, apenas
um considera ótimo ou bom o governo Dilma. Ela dilapidou boa parte do seu
enorme patrimônio eleitoral.
A síntese do arrocho que
sacrifica os mais pobres é a presença, no comando do Ministério da Fazenda, de
um eleitor de Aécio Neves.
Militantes que se dedicaram a
renovar o mandato de Dilma, e nela acreditaram, protestarão sábado também
“contra a política de ajuste fiscal”. Os bancos, na contramão, estabelecem
recordes de lucros.
Sem sua antiga base social
disposta a defender a política que pune os já punidos pela desigualdade
obscena, a presidente rendeu-se ao toma-lá-dá-cá do Congresso.
Isto é, aceitou o terreno onde
grassa a chantagem, incluindo a modalidade golpista do impeachment (não há
prova de crime contra a presidente), e a ela se rende. O trunfo de Dilma contra
as chantagens são _seriam_ os seus quase 55 milhões de eleitores.
Mas como convocá-los a pressionar
as instituições que decidem, e nas quais muitos congressistas chantageiam a
governante constitucional, se em 2015 Dilma castiga seus apoiadores de 2014 com
a fatura mais amarga da conta da crise?
Expulsar da Saúde um sanitarista
digno e entregar o Ministério à gula do PMDB equivale a autorizar a queda de
qualidade do sistema público de saúde. É a rede que atende aos brasileiros mais
necessitados.
Com o ensino público sofrendo com
o arrocho impiedoso, Dilma retira do Ministério da Educação um educador de
méritos reconhecidos para acomodar um amigo saído de outra pasta. Quem vem
pagando pelo arrocho? Os filhos daqueles que precisam de livros infantis nas
escolas públicas, que não têm como comprar nas livrarias _o governo cancelou ou
adiou a aquisição de livros para as bibliotecas escolares.
Hoje faz nove meses que Dilma foi
(re)empossada. Ela faz o que dizia que não faria. Governa contra os interesses
de quem a escolheu. Castiga seus eleitores e prestigia a política neoliberal
patrocinada pelo adversário derrotado. Comporta-se como se a derrotada tivesse
sido ela.
Nas internas, a presidente
costuma lamentar a correlação de forças no Congresso. Será que ela não sabe
que, em muitos momentos da história, a pressão popular logrou dos conservadores
concessões que eles não aceitariam sem o povo nas ruas?
Mas quantos eleitores de Dilma
estão dispostos a desfraldar bandeiras em nome do arrocho que ela aplica?
Mais do que a cabeça da
presidente, muitos figurões querem o fim das políticas que permitiram a dezenas
de milhões de brasileiros deixarem a miséria absoluta. Tem gente que não
aceita, eis o Brasil, nem empregada doméstica com carteira de trabalho.
Num vexame apoteótico, o PMDB
famélico toma o governo.
A vida dos brasileiros mais
humildes, comprovam até as estatísticas oficiais, vai piorando.
Não foi para isso que a
presidente foi eleita.
Quem foi o bichinho que disse a
Dilma Rousseff que ela perdeu a eleição? (Publicada originalmente no
blog do autor)
Mário Magalhães, nasceu no Rio em 1964. Formou-se em
jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S.
Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. É autor da biografia “Marighella – O
guerrilheiro que incendiou o mundo”.