segunda-feira, 15 de junho de 2015
A VERDADE FAZ BEM À SAÚDE
Via Carta Campinas em 9/6/2015
Brasil descobre por que o SUS não funciona
O maior problema do SUS é a consulta médica. Isso todo brasileiro sabe. Mas agora o Brasil está descobrindo por que o Sistema Único de Saúde (SUS), apesar de suas qualidades, não funciona nesta área.
O SUS é ruim porque médicos desafiam a lei da física. Apesar de terem um único corpo, muitos médicos ficam em dois, três ou quatro lugares ao mesmo tempo. Eles ganham do SUS, mas trabalham em clínicas e hospitais particulares.
Enquanto isso, alguns médicos honestos quase se matam porque trabalham por dois ou três que ganham sem trabalhar. Claro que não há sistema, empresa ou país que aguente.
Em operação em Santa Catarina, na manhã desta terça-feira, a Polícia Federal deflagrou a operação Onipresença, que investiga o não cumprimento de horas de trabalho por médicos do Hospital Universitário Professor Polydoro Ernani de São Thiago (HU/UFSC).
Estão sendo cumpridos 52 mandados de busca e apreensão em clínicas e hospitais públicos e privados de quatro municípios do Estado: Florianópolis, Itajaí, Criciúma e Tubarão. Ao menos 27 médicos devem ser indiciados pela PF, segundo jornal Diário Catarinense.
Recentemente, inúmeras ações na Justiça e reportagens de televisão mostram, em todo Brasil, a mesma situação. O delegado da PF, Allan Dias, que investiga a operação Onipresença, de Santa Catarina, afirmou: “Não faltam médicos no HU, eles precisam apenas ir trabalhar”.
Se houvesse um trabalho da Polícia Federal e um disque denúncias exclusivo para o SUS, é possível que o sistema melhorasse bastante.
sábado, 13 de junho de 2015
A MAIOR CAUSA MORTIS
As cenas de guerra nos chocam. São imagens dramáticas de bombardeios e disparos de artilharia, seguido de imagens de destruição e de mortes brutais.
Imagens dramáticas de regiões inteiras atingidas por furacões, enchentes, tsunamis e outras tragédias naturais. São tantas mortes.
Na contabilidade das tragédias naturais ou não, os números de vítimas sempre nos impressionam.
O que pouco imaginam é que, na verdade, bem perto de cada um de nós, outra causa demanda mais vítimas do que todas as guerras e todas as tragédias naturais juntas.
Segundo uma estimativa da Organização Mundial da Saúde, 883 mil pessoas se matam no mundo a cada ano enquanto todos os mortos em guerras, vítimas de homicídios e desastres naturais somados tiram em torno de 669 mil vidas por ano.
O suicídio é a maior de todas as causas mortis.
Nesse mundo onde ter é mais importante que ser, o suicídio é o alerta permanente de que dinheiro não traz felicidade, a paz pode ser apenas aparente e que, nenhuma tragédia natural é mais devastadora do que as tragédias silenciosas e individuais.
“Esse é o fim da história” disse Francis Fukuyama um, ardoroso defensor do neoliberalismo, “o capitalismo venceu e a civilização marcha rumo a felicidade prometida”. Isso posto ainda na década de 80 pós derrocada do modelo socialista da União Soviética.
Mas, a felicidade não veio, o Paraíso continua perdido e nunca tantos deram fim a própria vida.
A Universidade de Oxford estudou os efeitos da crise econômica global, que começou em 2008, sobre as taxas de suicídio nos EUA, no Canadá e na Europa. Em todos os casos, elas apresentaram crescimento: de 4,8%, 4,5% e 6,5%, respectivamente.
Antes mesmo da crise os suicídios no mundo já vinham aumentando (o número global de casos cresceu 60% desde a década de 1970), mas agora assumiram um ritmo mais intenso.
E não é só a crise a causa da aceleração. Calcula-se que em 2010, pela primeira vez na história do mundo, a maior parte da população passou a viver em cidades, onde, a pressão pelo sucesso é maior, onde a guerra das aparências é infinitamente maior.
Grandes cidades coloridas e barulhentas. Reino secreto da solidão.
Nunca fomos tantos. A população do planeta ultrapassou 7 bilhões de almas, mas nunca, fomos tão sós. Segundo um estudo feito nos EUA, 40% dos adultos se consideram solitários (o dobro da década de 1980).
A crise da família e das relações sociais, parecem contribuir para o crescimento da depressão (o mal do século). "Quanto maiores os laços sociais em uma cultura, menores as taxas de suicídio", afirmam os psiquiatras.
Algo está errado, terrivelmente errado num mundo onde 10% da população sofre de alcoolismo, 20% sofre de depressão crônica e quase 900 mil pessoas tiram a própria vida por ano.
O capitalismo jamais conseguiu construir uma sociedade justa e a história, definitivamente não acabou, caro Fukuyama, e não acabará enquanto existirem sonhos de construir sobre as ruínas humanas, um mundo melhor.
Mesmo diante da fartura de informações, redes sociais e amizades virtuais, o homem ainda caminha sozinho e cada novo caso de suícídio é um atestado de incompetência do homem na construção um mundo mais justo e fraterno.
Dói demais a ausência de si mesmo nas esperanças prometidas e nunca realizadas.
Talvez a história esteja só começando e ela só termine realmente, num final feliz, o dia que o amor superar o egoísmo e a maior causa mortis deixe de ser a falta de esperança.
Prof. Péricles
Fontes:
- Revista Superinteressante 338 de outubro/2014
- Organização Mundial da Saúde.
- Economic suicides in the Great Recession in Europe and North America, Aaron - Reeves e outros.
quarta-feira, 10 de junho de 2015
TRABALHADORAS DE TURNOS DIFERENTES
Por Prof. Maria Alice Mendes
Quando eu volto para casa, à noite (e encerrando mais um dia de trabalho) eu volto pela Avenida Farrapos.
E os meus olhos se enchem de luzes vermelhas e mulheres quase nuas. E eu as vejo com tanta frequência, que já existe uma intimidade entre nós.
Eu olho para elas e percebo que elas entendem o meu olhar. Eu percebo que elas percebem que eu não estou nem reprovando, nem julgando.
Elas sabem que eu estou voltando, cansada, de mais uma jornada. Que eu estava trabalhando, ganhando o pão de cada dia, usando dos recursos que a vida me deu, dos talentos que me foram confiados. Das oportunidades que tive. Dos diplomas que conquistei.
Elas sabem tanto quanto eu sei: eu sei que elas também estão ali, lutando. E enfrentando o desconhecido.
Somos trabalhadoras, que trabalhamos em turnos diferentes. Mas somos a classe operária do Brasil.
É claro que há uma diferença fundamental entre nós - e a diferença está no risco.
Eu sei o que me espera, quando entro na sala de aula. Elas não sabem o que as espera, quando o cliente entra e bebe e paga pelo serviço que será prestado.
E não é piedade o sentimento que me invade, no momento em que nossos olhares se cruzam. Eu tento fazê-las ver que sou solidária. Que carrego outras cruzes, também pesadas.
Que tenho cicatrizes na alma. Que já fui humilhada, que já estive em várias encruzilhadas, acuada, que fiz escolhas erradas. Que já vivi tantos anos (e tantos enganos) que eu posso entender que a vida não é assim, tão simples, tão fácil, tão perfeitamente calculada.
Que há muitas pedras no meio do caminho e que "o mundo é um vasto mundo e que se eu me chamasse Raimundo, seria só uma rima, não seria solução."
Não, não há uma grande distância entre nós.
Mulheres são mulheres e mulheres se viram, mulheres sobrevivem e vivem conforme dá para viver.
Mas a Farrapos, a Farrapos é a minha rua noturna. Eu volto pela Farrapos. E hoje (eu nem sei por que motivo mudei a minha rota) hoje eu fui pela Farrapos.
Às quinze horas, eu estava numa Farrapos que eu não conhecia: cheia de sol, um céu muito azul, e essa árvore imensa, linda, de raízes profundas e antigas.
Então eu pensei nas operárias da noite (que certamente estariam dormindo, esgotadas). E parei no meio da avenida. E fotografei a vida. A outra face da vida.
Existem, sim, faces permitidas e faces proibidas.
Existem, sim, dívidas contraídas.
Maria Alice é professora de Português e Redação do Curso Vigor, de Porto Alegre.
Minha querida colega, das mais amadas de nosso meio.
sábado, 6 de junho de 2015
O VAIDOSO, A ARGILA E O ETERNO
Qin Shi Huang Di, desde menino tinha verdadeira obsessão pela eternidade. Morrer, definitivamente, não estava nos seus planos.
Costumava dizer que achava humilhante ter que morrer.
Já adulto, Qin tornou-se um poderoso político e terrível militar.
Foi o primeiro imperador da China, unindo todos os reinos beligerantes no ano de 221 a.C.
Padronizou pesos e medidas, ordenou o uso de apenas um idioma oficial e enfim pode se sentir senhor de um só império.
Antes, porém, agiu com extrema violência, massacrando todos os levantes contra sua autoridade e executando todas as lideranças que ameaçassem seu poder.
Qin queimou livros e mandou executar todos os sábios da China que pudessem questionar sua autoridade.
Quando, aparentemente, já não havia qualquer oposição viva ao Imperador da China, ele finalmente sossegou.
Então recrutou cerca de 700 mil operários, chefiados por um número indeterminado de engenheiros.
Na busca de uma imortalidade possível, Qin Shi Huang Di, determinou a construção da mais extraordinária tumba já imaginada.
A tumba deveria ser em tudo semelhante a uma cidade e guardada por um exército de milhares de soldados moldados em terracota, material constituído por argila cozida no forno, de cor laranja acastanhado.
O trabalho artesanal foi de uma feitura fantástica, sendo cada figura original e diferente das outras. Oito mil guerreiros, 520 cavalos e 130 carruagens de bronze em metade do tamanho natural, além de inumeráveis outras figuras como funcionários, músicos e acróbatas em companhia de valiosos artefatos de seda, linho, jade e osso. Tudo reconstituído com uma veracidade espantosa.
A finalidade de todo o impressionante exército de terracota era proteger e servir o governante em sua vida após a morte, que, inevitável, aconteceu no ano 210 a.C.
Antes de sua morte, Qin Shi ordenou a execução de todos os artesãos, engenheiros, militares, concubinas e escravos que tivessem participado dos trabalhos ou conhecesse seus segredos.
As esculturas, foram descobertas em 1974 por agricultores locais no Distrito de Lintong, em Xi'an, na província de Shaanxi.
Historiadores e arqueólogos chineses temem perturbar a delicada estrutura que de forma singular imita a vida da China nos tempos de seu primeiro imperador e escavaram relativamente pouco, e por isso, acredita-se que ainda existam sobre as terras e no fundo de poços artificialmente criados, muitos segredos e mistérios.
O corpo do déspota, ainda não foi encontrado, e algumas superstições camponesas afirmam que ele ainda está vivo saindo apenas a noite para contemplar sua obra.
Qin Shi Huang Di, o Imperador que tentou enganar a morte.
Prof. Péricles
quinta-feira, 4 de junho de 2015
QUANDO O HORROR ENLOUQUECE
Era 29 de abril de 1945.
Um destacamento da 20º Divisão Blindada do 7º Exército norte-americano marcha em direção a Dachau, um campo de concentração localizado a 20 quilômetros de Munique.
Já próximo do objetivo, encontram um comboio de 39 vagões abandonado. As margens da estrada de ferro jazem cerca de 800 corpos. Eram prisioneiros que haviam sido transferidos do campo de Buchenwald e que não sobreviveram à viagem.
O quadro é terrível. Alguns corpos mantinham os olhos abertos e neles se podia ler o horror dos últimos momentos. Todos, esqueléticos e maltrapilhos.
Percebe-se a indignação e o ódio tomando conta de todos os combatentes.
O destacamento segue em frente, agora com os ânimos predispostos à vingança.
Ao entrarem em Dachau, a primeira imagem é de um homem amarrado a um porte, sendo devorado por três dobermann, famintos. O homem já está morto, com as vísceras expostas, além de órgãos vitais como os pulmões e o coração.
Horrorizados, os soldados matam os cães a tiros.
Numa rápida revista, encontram câmaras de gás e fornos prontos para queimar os cadáveres.
Esses fatos horripilantes foram relatados pelo médico-anestesista comandante Willey, então com 30 anos, através de carta à sua esposa escrita em 08 de maio de 1945 e recentemente descoberta por sua filha Clarice no sótão da casa de seus pais.
A carta foi reproduzida na íntegra pelo Daily Mail e o ABC.
Além de relatar seu mal estar pessoal (teve vômitos ao ver o homem sendo devorado), Willey relata ainda, a histeria que se abateu sobre os militares.
Segundo ele, enquanto o coronel Felix Sparks manteve os nervos no lugar e tentou fazer seus homens agirem com naturalidade e profissionalismo, a maioria, liderada pelo comandante Bill Walsh, perdeu completamente o sangue-frio, provocando um verdadeiro massacre dos homens da SS que estavam no campo e caíram prisioneiros.
"Vamos apanhar aqueles cães nazis! Não façam prisioneiros! Não deixem nenhum SS vivo!" teria dito Walsh.
Segundo o médico, foi um massacre sem sobreviventes.
Num determinado momento, 50 soldados da SS foram alinhados numa parede. O Coronel Sparks ordenou aos seus homens que apontassem as metralhadoras, mas que não abrissem fogo. Mas de repente, um dos americanos disparou, contrariando as ordens do superior. Sparks arrastou-o da zona de fogo e questionou o soldado sobre o porquê de ter desobedecido às suas ordens. "Eles estavam a tentar fugir", mentiu o soldado. Mais tarde, veio a descobrir-se que o soldado havia seguido as ordens de Walsh, o comandante descontrolado.
Tudo foi assistido pelos sobreviventes daquele campo - que tinham sido transferidos de Auschwitz no início de 1945 - que aplaudiram a tudo e até participaram em alguns assassinatos.
O médico afirma que um soldado americano, chorando muito, disparou durante quatro minutos sobre corpos mortos dos soldados alemães.
Enquanto o Coronel Sparks, ia de um lado para outro tentando impedir os assassinatos, o anestesista a tudo assistia como que incapaz de reagir. Segundo ele “Deus me perdoe, mas vi aquilo sem que a emoção me perturbasse depois de saber das ações que as bestas da SS tinham feito".
Em outro trecho ele conta que os soldados americanos obrigaram alguns membros da SS a permanecerem durante horas na posição de saudação nazi antes de dispararem a queima-roupa, matando a todos.
O alto comando das forças norte-americanas reconheceu o massacre de Dachau e muitos oficiais foram expulsos do exército depois da guerra. Não foi o caso do Coronel Sparks que teve seu esforço para impedir o massacre reconhecido.
O comandante Bill Walsh não foi punido, pois, exames posteriores revelaram estar em estado de histeria e descontrole emocional.
A carta do médico, descoberta e divulgada tantos anos depois dos fatos, serve, para, além de mais uma vez exemplificar as atrocidades cometidas pelos nazistas, demonstrar que massacres ocorreram dos dois lados.
Mas, diante das circunstâncias que envolviam os fatos, quem somos nós para julgar. Não é mesmo?
Prof. Péricles
sábado, 30 de maio de 2015
CONFISSÃO DIGITAL
Por José Ribamar Bessa Freire
Todos nós, agora, podemos ser perdoados, inclusive os senadores do PMDB. Estão absolvidos José Sarney – com um maranhão de pecados mortais, e Eduardo Braga – com um solimões de peso superfaturado na consciência. Até o prefeito de Manaus Amazonino Mendes (PTB), que se confessou pela última vez em 1947, vai ser absolvido da pororoca de pecados cabeludos cometidos de lá pra cá, sem necessidade de encarar no confessionário o mau hálito do vigário de Eirunepé. Basta clicar na tecla enter, pela Internet.
Esse clique mágico, depois de um ato de contrição digital, é suficiente para que qualquer pecado, venial ou mortal, municipal ou federal, seja perdoado, mesmo os da presidente Dilma e do ex-governador José Serra, que na campanha eleitoral demonstraram fervorosa devoção a Nossa Senhora Aparecida e uma fé inabalável nos dogmas da igreja. Basta, para tanto, comprar por dois dólares o novo aplicativo da Apple para iPhone, iPad e iPod Touch.
Já pedi a Maria Luiza da Matta – minha assessora para assuntos digitais – que me oriente no uso do aplicativo Confession. Aproveitei para confessar três pecados cabeludos que estavam engasgados – aqui oh! – e atormentavam minha consciência. O primeiro deles: nunca terminei a leitura sequer do primeiro tomo de O Capital. O segundo: não li Derrida, Lacan e Deleuze. O terceiro: citei-os aqui e ali, dando a entender que conheço suas respectivas obras. Felizmente a descolada Malu descobriu um atalho para diminuir o tamanho da penitência. Que o velho Marx me perdoe!
Como foi possível inventar o perdão digital? Tudo começou em maio de 2010, no Dia Mundial da Comunicação, quando o Papa Bento XVI deu uma de moderninho e recomendou aos fiéis o uso das novas tecnologias, em sua mensagem “O sacerdote e a pastoral no mundo digital: os novos media ao serviço da Palavra”.
A Apple, empresa multinacional que atua no ramo da informática, entendeu a mensagem como um sinal verde e investiu na fabricação de um novo aplicativo – o “Confession: a Roman Catholic App” – que torna obsoleto o confessionário. A geringonça, aprovada oficialmente por um bispo nos Estados Unidos, foi criada com a consultoria de dois padres especialistas no
tema e com a legitimidade de quem já produziu o macintosh.
O aplicativo começa com um exame de consciência personalizado para cada usuário e traz uma lista de possíveis pecados. Seu uso no Brasil é problemático, porque o programador não suspeitou que pudessem existir faltas tão cabeludas e inusitadas – das quais até o diabo duvida – como as cometidas por Sarney, Eduardo Braga e Amazonino. Por isso, tais faltas não constam explicitamente na lista, obrigando os pecadores a entrarem na janela com a denominação genérica de “pecados que bradam aos céus e pedem a Deus vingança”.
O aplicativo apresenta todos os passos do processo: exame de consciência, arrependimento, firme propósito de emenda, confissão, absolvição e até a penitência. O pecador internauta também pode contar os seus pecados, digitando-os um a um, usando uma senha protetora para evitar a quebra do segredo inviolável da confissão. Esse é o problema.
Na última quarta-feira, os jornais noticiaram que o aplicativo já está à venda na loja virtual da Apple.A notícia causou um rebucetê no mundo religioso e, no dia seguinte, um porta-voz do Vaticano, o padre Frederico Lombardi, divulgou comunicado esclarecendo que o programa de smartphone não foi criado para substituir confissões presenciais, mas para ajudar católicos no exame de consciência, que o sacramento continua exigindo a presença do padre e que o segredo da confissão é inviolável.
Idêntica reação teve o Vaticano no século XVI, com as inovações criadas no Brasil pelos jesuítas na confissão dos índios e, no século XX, nos Estados Unidos, com a missa drive-in, celebrada pela primeira vez, em 1953, na praia Daytona, na Flórida. Foi um escândalo. Mas depois as coisas se acomodaram.
Hoje milhares de fiéis assistem missa dominical, instalados dentro de seus carros, sintonizando o rádio do veículo para ouvir o padre. Na hora da comunhão, os celebrantes levam a hóstia consagrada de carro em carro. O produto é – digamos assim – consumido dentro do próprio carro, como se fosse um sanduíche de uma dessas redes de fast-food. Se a missa drive in foi liberada, a confissão no iPhone certamente também será. O problema é como contornar a quebra do segredo inviolável do sacramento.
Malu, minha assessora, adverte que qualquer hacker vagabundo ou ciberpirata pode invadir um computador, se apropriar da senha e revelar os podres do pecador-internauta, como fez meu primo Caio com sua própria mãe, a tia Ernestina, usando para isso o telefone. Ele imitava a forma de falar do vigário da Paróquia de Aparecida, um redentorista americano – o padre
Tomé – que parecia até o Mangabeira Unger falando português. Um dia, o ‘canalha’ telefonou pra sua mãe:
- Óh, dona Arnastina, aqui é padre Thóme, da Piroca de Aprrrecida.
A imitação foi tão perfeita, mas tão perfeita, que a titia sentiu até o bafo de alho que o Thomé tinha no confessionário. Ela caiu como um patinho. Contou ao telefone seus pecados, que felizmente não bradavam aos céus. Titia se livrou, porque anos depois Thomé largou a batina pra se casar, levando com ele para a vida laica todos os pecados do bairro e deixando os paroquianos em pânico. Felizmente, sua esposa, dona Edna, era mulher virtuosa e nunca revelou os podres de ninguém, o que seria um verdadeiro wikileaks manauara.
Violar o segredo da confissão já criou a maior celeuma no século XVI, quando os primeiros jesuítas, que desconheciam a língua dos índios, começaram a usar um intérprete nas confissões realizadas em aldeias do Rio de Janeiro e da Bahia. Os intérpretes eram, em geral, “meninos da terra”, ou seja, filhos de índias com portugueses, que dominavam as línguas tanto do pai quanto da mãe.
- Tive grande consolação – diz o padre Fernão Cardim – em confessar muitos índios e índias por intérprete: são candidíssimos e vivem com muito menos pecados que os portugueses. Dava-lhes uma penitência leve, porque não são capazes de mais, e depois da absolvição lhes dizia, na língua ‘xe rair tupã toçõ de hirumano’, que quer dizer ‘Vai com Deus, meu filho’.
O padre Serafim Leite, em sua obra magistral – História da Companhia de Jesus no Brasil (essa eu juro que li de cabo a rabo, quero ver a Aurelinha mortinha no inferno se estou mentindo) – comenta que usar um intermediário para contar os pecados criava o perigo das inconfidências e até do escândalo. Por isso, o bispo D. Pedro Sardinha proibiu o uso de intérpretes no confessionário, “mui perigoso, pernicioso e prejudicial à majestade deste santo sacramento”.
Os jesuítas recorreram ao Vaticano, que lhes deu razão e derrubou a proibição do bispo Sardinha, que seria depois jantado pelos índios. A prática dos jesuítas foi legalizada e sancionada pela igreja, sendo legitimada pelo Direito Canônico, no Canon 903, tanto para a confissão de mulheres na igreja, como para a confissão dos homens na portaria dos Colégios – que eram os dois lugares onde o intérprete atuava.
Às vezes – narra o padre João Daniel, outro jesuíta que viveu na Amazônia – a porrada comia solta e a penitência podia ser dada ANTES mesmo do pecado ser cometido. Foi o caso de um índio no Pará, que transgrediu o primeiro mandamento da Igreja: “ouvir a missa inteira aos domingos e festas de guarda”. Na hora da missa, ele foi pescar, quando voltou foi açoitado publicamente. Pediu, então, ao confessor: “padre, já que estou ferido, pode me açoitar mais, por conta do próximo pecado, porque domingo que vem vou pescar outra vez. Assim, já fico perdoado antecipadamente”.
Para quem era castigado dessa forma, que importância tinha violar o segredo da confissão? Afinal, eram apenas pecados de índios e não sigilo bancário dos Sarney da época.
José Ribamar Bessa Freire é professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de doutorado e mestrado e da Faculdade de Educação da UERJ, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indigenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO).
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