sábado, 23 de julho de 2016
ESCOLA SEM PARTIDO, DIREITA SEM VERGONHA
A primeira vez que frequentei uma sala de aula, era muito jovem, e ainda estava na faculdade. Estava eu no meio de professores mais velhos e experientes, encolhido num canto, nervoso diante dos minutos que antecediam minha primeira aula.
De repente um professor, que vim a me relacionar muito bem mais tarde, se aproxima de mim e me fala quase aos cochichos: vai embora guri, te manda antes que seja tarde.
Lógico que me assustei com aquilo, mas, o colega continuou: se realmente der a primeira aula, vais te apaixonar, vai querer que a segunda seja melhor que a primeira e nunca mais vai deixar de ser professor e mal pago. Te manda, vai fazer outra coisa e ganhar dinheiro.
Não ouvi seu bem-humorado conselho (sim, ele estava brincando) e dei a primeira aula, dei a segunda e estou lecionando até hoje, trinta anos depois.
De certa forma, ele tinha razão. Lecionar sobre a história da humanidade é viver uma paixão de tal forma que ela só cresce e um professor de história será sempre um professor de história.
Por mais conhecimento que tenha o professor, se não tiver paixão, jamais será um bom professor.
Como falar sobre o homem, sua produção, suas escolhas e suas heranças sem paixão?
Como relatar a história de povos que foram ricos em descobertas e conhecimentos, mas que já desapareceram, sem um toque de saudade e mistério?
De que forma podemos falar da arte humana de reproduzir a realidade em que vive sem imaginar os dedos do artista, seus pensamentos e receios diante da obra?
Impossível viajar pela mitologia dos povos sem imaginar sua personalidade, seus sonhos, esperanças e decepções sem sentir um pouco da emoção que sonhos esperanças e decepções emanam.
Seria possível falar da contradição de um animal que progrediu tanto ´tecnologicamente que já faz transplantes, mapeia genomas, viaja no cosmos e cria máquinas maravilhosas como o computador, mas que, jamais conseguiu criar uma sociedade minimamente justa, sem um misto de indignação e deslumbramento?
Somos sim inteligentes e temos consciência de nossa existência. Fazemos milagres com nossa imaginação e trabalho, mas, ainda permitimos que crianças morram de fome, velhos morram abandonados e a violência ainda dite as normas em vários pontos do planeta.
Falamos de coisas antigas, mas que estão tão presentes hoje como ontem como fanatismo religioso, homofobia, fascismo, guerras e outras degradações humanas.
Como falar da história do Brasil sem nos emocionarmos com as mesquinharias das elites que mantiveram a escravidão ao ponto da exaustão num mundo que não mais admitia o trabalho escravo?
Daria para falar do holocausto judeu sem lembrar o maior de todos os holocaustos praticados contra as populações indígenas das Américas?
Ou do egoísmo da República Velha e seus coronéis donos do poder e das Leis?
Poderíamos permitir a crítica ao totalitarismo europeu sem lembrar da comédia dos integralistas brasileiros apaixonados por Hitler e Mussolini?
Não, não peçam a um professor de história que ele dê aula sem partido, pois todo relato histórico já exige em sua essência que se tome um partido.
Um professor não é um narrador, uma leitura mecânica sem alteração no timbre de voz.
O que nos move não é o salário, é o brilho de indignação e curiosidade nos olhos de nossos alunos. É provocar a inquietação e a vontade de saber mais.
Por isso, meu colega tinha razão, os salários são baixos, mas não perdemos a vontade de continuar lecionando já que cada inquietação que provocamos é uma nova esperança em dias melhores.
Não queiram nos tirar a indignação que as vezes nos levam às lágrimas como nos relatos de perseguidos e torturados por ditaduras criminosas.
A neutralidade não foi feita para poetas nem para contadores de história.
Melhor seria uma mídia sem partido, mas a simples menção da ideia provoca clamores de interferência na liberdade de informação. Mas, o que o professor de história faz também não é direito de liberdade de informação?
Melhor seria judiciário sem partido, polícia federal sem partido, ministério público sem partido.
A interpretação e aplicação da Lei sim, exigem imparcialidade, neutralidade e, se possível, ausência de emoção.
O pedido de uma escola sem partido vem da direita, pois, reclamam, os professores são majoritariamente de esquerda.
Então seria de se questionar, se aqueles que estudam história com método e com afinco em sua imensa maioria são de esquerda, não estaria a verdade dos fatos com essa maneira de ver as coisas.
Por que são tão poucos professores de história de direita?
Então, pensam os deputados direitistas, das bancadas do boi, da Bala e da Bíblia, se não é possível mudar a história que se mude o jeito de conta-la.
O que se pretende fazer com a Lei da Escola sem Partido é o mais sórdido fascismo.
Nós, professores de história, somos percentualmente poucos para definir qualquer resultado de consulta popular. Dependemos da vontade e da luta da população brasileira. Dependemos que pais e cidadãos não aceitem que seus filhos recebam aulas de uma história morta e mentirosa.
Uma vez perguntaram a Heródoto, o primeiro historiador com método e por isso conhecido como “o pai da história” por que ele dedicava tanto tempo viajando aos locais de batalhas para apenas registra-las se as batalhas já tinham ocorrido a muito tempo e ele não poderia modifica-las. Heródoto suspirou e respondeu “para fazer justiça”.
A história contada pelos vencedores, nem sempre é a história real e cabe ao historiador, com o fôlego que só o tempo pode dar, fazer justiça também aos derrotados.
Uma escola sem partido terá partido sim, o partido dos vencedores.
Não tirem as estrelas dos poetas, nem a emoção dos historiadores.
Prof. Péricles
quinta-feira, 21 de julho de 2016
AINDA OS SEIOS DE DUÍLIA
Por Clement Rosas
O escritor Aníbal Machado, pai da teatróloga e mestra em ficção infantil Maria Clara Machado, e irmão de Cristiano Machado, candidato dos comunistas à presidência da república em 1950, constitui um caso raro na literatura: ganhou notoriedade com apenas um de seus contos. “Viagem aos Seios de Duília” é o seu título, e marca presença em todas as antologias até hoje editadas no país.
Nele, conta-se a história do seu Zé Maria, funcionário público solitário que, ao aposentar-se, sente a vida vazia, e não se satisfaz com os lazeres dos círculos de aposentados como ele. Em casa, no então bucólico bairro de Santa Tereza, no Rio, imerso em reflexões, evoca, de repente, episódio de sua adolescência, em remota cidade do interior de Minas Gerais.
A jovem Duília, que seguia uma procissão, sentindo-se observada por ele, tem um impulso de irreverência, e, fugindo às vistas dos demais acompanhantes, exibe-lhe, num relance, os seios nus: “Quer ver? Quer ver mais?”. E nada acontece na sequência, além daquele deslumbramento passageiro.
Seu Zé Maria, então, concebe o plano de retornar à sua terra de origem e rever a criatura que lhe havia proporcionado aquele êxtase momentâneo, na esperança de que isso lhe pudesse trazer de volta as emoções da juventude e o gosto pela vida. Parte sem plano de regresso, e, ao cabo de uma viagem que começa de trem e termina penosamente em lombo de burro, chega à cidadezinha e encontra a sua antiga musa.
Não mais a Duília, é claro, mas a Dona Dudu, professora aposentada, viúva e cheia de filhos, que não o reconhece. Ao apresentar-se e tentar rememorar a cena, da qual a Dona Dudu possivelmente não se lembraria, dá-se conta da ilusão em que mergulhara. Sente que o encanto do passado estava perdido, e nada teria a esperar do futuro. Chora, e é consolado pela velha professora, que, vislumbrando enfim a razão do seu desencanto, esconde as próprias lágrimas. E ele se retira, desaparecendo nas sombras da noite que cai sobre a pequena cidade, em cenário adequado ao epílogo.
Refletindo sobre a história do velho funcionário, ocorreu-me pensar se haveria registro, no meu passado, de episódio comparável de arrebatamento.
É certo que não configuro bem o caso do nosso personagem: tenho mulher, filhos e netos, além de irmãos e sobrinhos. Não sou, nesse sentido, um solitário, embora traga comigo aquela solidão radical, inerente à condição humana, de que fala Miguel Torga, o escritor português, e que carregamos desde que deixamos o “materno lago amniótico, onde boiavam nossos corpos, sem alegria e sem dores”. Mas a veleidade de reviver emoções da juventude lateja no peito de qualquer idoso.
Para minha surpresa, o momento de enlevo que me ressurge é bem mais sutil. A minha Duília era uma namoradinha de olhos amendoados, de quem a vida me separou, por outras seduções que já não vale a pena lembrar. Estávamos sentados, de mãos dadas, em um banco da lagoa do Parque Solon de Lucena, aprazível recanto no centro da cidade de João Pessoa, que pode causar inveja a qualquer capital nordestina. Era aquela hora fagueira da tarde, em que as sombras se alongam e o brilho do sol se faz mais dourado. Completando o cenário, uma lua prematura mostrava o rosto ainda na luz declinante do dia, lançando reflexos prateados nas águas da lagoa.
Assim embevecidos, fomos encontrados pelo poeta Vanildo Brito, companheiro de geração e de roda literária, que nos chamou a atenção para a magia do quadro.
Mas por que recordo isso agora? Talvez apenas porque a poesia, que nos chegou nas palavras daquele amigo, tem o dom de transfigurar a realidade, perenizar emoções, fixar memórias. Minha Duília, que, hoje casada e mãe, imagino feliz, talvez também não guarde lembrança daquele momento.
Mas por que recordo isso agora? Talvez apenas porque a poesia, que nos chegou nas palavras daquele amigo, tem o dom de transfigurar a realidade, perenizar emoções, fixar memórias. Minha Duília, que, hoje casada e mãe, imagino feliz, talvez também não guarde lembrança daquele momento.
Mas se o acaso a fizer ler estas linhas, espero que lhe sejam amenas, como o são para mim agora, ao escrevê-las.
Clemente Rosas Ribeiro atuou como consultor e executivo de empresas privadas e, a partir de 1979, assumiu cargos de confiança no Governo de Pernambuco, sendo o principal o de Superintendente do Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco (CONDEPE). Durante oito anos ocupou o posto de Procurador Geral da SUDENE, aposentando-se em 2001, com a extinção da autarquia.
Clemente Rosas Ribeiro atuou como consultor e executivo de empresas privadas e, a partir de 1979, assumiu cargos de confiança no Governo de Pernambuco, sendo o principal o de Superintendente do Instituto de Desenvolvimento de Pernambuco (CONDEPE). Durante oito anos ocupou o posto de Procurador Geral da SUDENE, aposentando-se em 2001, com a extinção da autarquia.
terça-feira, 19 de julho de 2016
TERRORISMO, RETORNO À IDADE MÉDIA
Por Celso Lungaretti
Tenho ojeriza profunda aos fanáticos religiosos que exumaram e exacerbaram o terrorismo clássico. Vale a pena explicar os motivos.
Ao contrário de considerável parcela dos articulistas ditos de esquerda, li muito Marx, Engels, Lênin e Trotsky nos meus anos de formação política. E aprendi que a abolição do capital e o fim da sociedade de classes seriam o coroamento da marcha civilizatória, o final de uma longa caminhada das trevas para as luzes, do tacão da necessidade para a plenitude da liberdade.
Então, como os autores citados, só posso considerar patética a tentativa de fazer o relógio da História retroceder à Idade Média, quando os pastores de cabras aceitavam que a idiotia religiosa regesse cada esfera da vida social e da moral individual, e acreditavam que dizimar infiéis lhes abriria as portas do paraíso.
Desde o aiatolá Khomeini, sou totalmente contrário ao oportunismo da má parte da esquerda que, trocando o marxismo pela geopolítica, alinha-se com os inimigos da civilização, apenas porque, casualmente, estão na contramão de EUA, Israel, França ou qualquer outro vilão da vez.
Quem justificou a chacina do Charlie Hebdo é cúmplice moral da matança na cidade estadunidense de Orlando. Considero simplesmente aberrante a esquerda, filha do iluminismo, dar as mãos a quem quer anular o iluminismo e todas as suas consequências!
Também me irrita profundamente a forma como os terroristas de Alá ajudam a indústria cultural a incutir no cidadão comum a paranoia face aos diferentes. O que a indústria cultural insidiosamente incute nos seus públicos, martelando sem parar?
A sensação de que tudo vai bem na vidinha de todos até que surge qualquer ameaça externa, como assassinos seriais, zumbis ou… terroristas. Os papalvos devem prezar a normalidade e temer unicamente aquilo que a quebre. É onde se encaixam, como uma luva, as bestiais matanças perpetradas pelo Estado Islâmico.
Desconheço autoproclamados inimigos do sistema mais convenientes para o dito cujo do que os carniceiros de Alá. O ataque pirotécnico da Al Qaeda ao WTC deu pretexto a uma longa e terrível temporada internacional de estupro dos direitos humanos, da qual finalmente estávamos emergindo quando o EI entrou em cena para fornecer novos e valiosos trunfos propagandísticos para os trogloditas da direita.
Se depender dos jihadistas, a guerra ao terror nunca acabará.
Por último, os verdugos de Alá, com seus atentados covardes contra civis e suas repugnantes execuções de prisioneiros, agridem de tal forma a sensibilidade dos cidadãos equilibrados que facilitam a disseminação de preconceitos contra qualquer forma de resistência armada a governos totalitários.
A direita deita e rola nesse clima de rancor cego, que propicia a satanização dos combatentes que, em situação de extrema inferioridade de forças, desafiaram heroicamente o terrorismo de estado nos anos de chumbo; propiciou a satanização de Cesare Battisti, mediante a afixação de um rótulo que nem sequer fora utilizado no momento dos acontecimentos (a Justiça italiana não o acusou nem condenara como terrorista). Serviu para socar-nos goela adentro uma lei que permitirá enquadrar as mais inofensivas formas de protesto como crimes gravíssimos.
Sou veterano de uma organização armada que erigia como inimigos apenas os torturadores, assassinos e dirigentes da ditadura militar, fazendo tudo para evitar que civis e os inconscientes úteis apanhassem as sobras dos confrontos. Preferíamos sacrificarmo-nos do que sacrificar os inocentes. Então, é chocante ao extremo para mim constatar a falta de um mínimo resquício de solidariedade, de compaixão, de empatia com outros seres humanos, nesses autômatos de Alá.
Os atentados são típicos de nazistas, de psicopatas!
“…quando olho para o rosto dos terroristas, o que vejo é a felicidade da matança. Eles não matam apenas por uma religião (que mal estudaram) ou por razões geopolíticas (que nem sequer entendem).
Eles matam porque gostam de matar… A parte bestial do ser humano não pode ser abolida da nossa natureza… Quando provamos a loucura da guerra, emergimos como o primeiro homem, o homem das cavernas.
…embalados pelo conforto da paz, somos incapazes de entender, muito menos aceitar, a felicidade (…) de homens como nós que provaram e gostaram do sangue. E que exatamente por isso querem mais e mais e mais –até que a morte nos separe“.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária.
Desconheço autoproclamados inimigos do sistema mais convenientes para o dito cujo do que os carniceiros de Alá. O ataque pirotécnico da Al Qaeda ao WTC deu pretexto a uma longa e terrível temporada internacional de estupro dos direitos humanos, da qual finalmente estávamos emergindo quando o EI entrou em cena para fornecer novos e valiosos trunfos propagandísticos para os trogloditas da direita.
Se depender dos jihadistas, a guerra ao terror nunca acabará.
Por último, os verdugos de Alá, com seus atentados covardes contra civis e suas repugnantes execuções de prisioneiros, agridem de tal forma a sensibilidade dos cidadãos equilibrados que facilitam a disseminação de preconceitos contra qualquer forma de resistência armada a governos totalitários.
A direita deita e rola nesse clima de rancor cego, que propicia a satanização dos combatentes que, em situação de extrema inferioridade de forças, desafiaram heroicamente o terrorismo de estado nos anos de chumbo; propiciou a satanização de Cesare Battisti, mediante a afixação de um rótulo que nem sequer fora utilizado no momento dos acontecimentos (a Justiça italiana não o acusou nem condenara como terrorista). Serviu para socar-nos goela adentro uma lei que permitirá enquadrar as mais inofensivas formas de protesto como crimes gravíssimos.
Sou veterano de uma organização armada que erigia como inimigos apenas os torturadores, assassinos e dirigentes da ditadura militar, fazendo tudo para evitar que civis e os inconscientes úteis apanhassem as sobras dos confrontos. Preferíamos sacrificarmo-nos do que sacrificar os inocentes. Então, é chocante ao extremo para mim constatar a falta de um mínimo resquício de solidariedade, de compaixão, de empatia com outros seres humanos, nesses autômatos de Alá.
Os atentados são típicos de nazistas, de psicopatas!
“…quando olho para o rosto dos terroristas, o que vejo é a felicidade da matança. Eles não matam apenas por uma religião (que mal estudaram) ou por razões geopolíticas (que nem sequer entendem).
Eles matam porque gostam de matar… A parte bestial do ser humano não pode ser abolida da nossa natureza… Quando provamos a loucura da guerra, emergimos como o primeiro homem, o homem das cavernas.
…embalados pelo conforto da paz, somos incapazes de entender, muito menos aceitar, a felicidade (…) de homens como nós que provaram e gostaram do sangue. E que exatamente por isso querem mais e mais e mais –até que a morte nos separe“.
Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar ainda secundarista e participou da Vanguarda Popular Revolucionária.
domingo, 17 de julho de 2016
A TURQUIA E SUAS MENTIRAS
Poucos lugares do mundo encarnam tão bem a mentira como a Turquia.
Há décadas um povo é massacrado dentro de suas fronteiras, os Curdos, mas como a Turquia é de importância estratégica vital para conter a Rússia, o ocidente “defensor dos direitos humanos” faz de conta que não sabe disso.
Desde 1952 a Turquia faz parte da aliança militar do ocidente, a OTAN, sendo sua participação considerada vital por especialistas, porém, não é aceita na União Europeia embora tente fazer parte do grupo a 20 anos.
Mas, apesar de não fazer parte da UE, recebeu dela apoio para deter pela força, a massa de imigrantes que tentava entrar na Europa pelo Bósforo.
Faz de conta que é um dos nossos só não entra no nosso clubinho restrito.
Ao mesmo tempo que Europeus bajulam a Turquia que serve de escudo contra Síria e Iraque, que fariam fronteira com a Europa se a Turquia não estivesse no meio, renegam sua maioria muçulmana.
Ângela Merkel por mais de uma vez já deixou claro que teme a islamização da Europa a partir da inserção da Turquia no dia a dia europeu.
As mentiras e os “faz de conta” preponderam em abundancia em qualquer questão que envolva a Turquia.
O governo de Recep Tayip Erdogan, por exemplo.
Há 14 anos ele e seu partido, o AKP (Partido da Justiça e do Desenvolvimento) estão no poder com as bênçãos e sorrisos satisfeitos dos Estados Unidos.
Para os norte-americanos Erdogan representa a união possível entre democracia e Islã.
Isso parece uma maravilha num país que nos últimos 50 anos conheceu quatro golpes de estado. O governo do AKP pareceu estável até mesmo nos piores momentos da Primavera Árabe que abalou as estruturas de estados vizinhos.
Mas tudo começaria a mudar a partir da crise econômica de 2008.
As dificuldades financeiras expuseram um quadro grave de tensões sociais e descortinou uma paz apenas aparente.
Como bom aprendiz de feiticeiro, Erdogan agiu como costumam agir os chefes de estado do ocidente diante de uma bomba relógio prestes a explodir em sua casa... atacou a casa dos outros.
Mas, a participação da Turquia na destruída Síria foi totalmente desfavorável ao governo que apoiou a oposição moderada, esmagada entre o EI e o governo de Bashar al-Assad.
Tentando recuperar protagonismo, a aviação Turca derrubou, em novembro do ano passado, um avião militar russo, perto da fronteira entre Turquia e Síria. Putin se irritou, ameaçou apelar e o governo da Turquia teve que pedir desculpas oficiais.
A emenda saiu pior que o soneto.
Nas eleições do ano passado, um pequeno partido, o Partido Democrático Popular, de tendência de aproximação com os curdos, conquistou, pela primeira vez, uma ampla bancada no congresso.
Talvez seja essa a causa da tentativa de golpe militar iniciada na sexta-feira, o velho e ancestral ódio aos curdos e o medo de perder as mais importantes fontes de petróleo que se localizam, justamente, onde outrora os curdos tinham sua pátria.
O discurso de defender a democracia por parte dos golpistas não só é mentiroso como é calhorda.
Ou talvez seja outra mentira e o golpe seja patrocinado pelo próprio governo em busca de recuperar espaços e encurralar ospró-curdos.
Felizmente, as notícias de reação do povo turco contra o golpe militar, vem trazer esperança de um pouco de verdade diante de tantas mentiras.
Em tempos de golpes e de fascismos não deixa de ser um alento ver jovens, do outro lado do mundo defendendo a liberdade.
Pena que seja do outro lado do mundo.
Prof. Péricles
sábado, 16 de julho de 2016
É DE SUA NATUREZA
Sabe aquela história da mulher que tratava uma cobra jararaca como se fosse filha?
Dava ratinhos fresquinhos para ela devorar e toda atenção fofinha do mundo... um dia a cobra a mordeu e ela morreu. Culpa da cobra? Claro que não, cobra é cobra, é de sua natureza.
Igual a estória do escorpião que tanto insiste que acaba convencendo o sapo a lhe atravessar na lagoa carregando-o às costas. No meio da lagoa o escorpião picou o sapo que antes de morrer ainda perguntou “por que fez isso, iremos morrer nós dois” ao qual o escorpião respondeu “sinto muito, mas é da minha natureza”.
Ninguém foge de sua natureza assim como ninguém foge de sua biografia.
O fascismo é um conjunto político de natureza perversa.
O fascismo estava na essência do Franquismo que provocou milhares de mortes na Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939.
Estava nos genes dos regimes de Mussolini e de Hitler que atearam fogo ao mundo e mataram milhões antes, durante e depois da segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Estava na alma de todas as ditaduras do século XX como em Portugal de Salazar, no Chile de Pinochet, na Ditadura Militar Brasileira e todas as outras ditaduras.
O fascismo é mal não importa com que cara santa se apresente, seja nas embaixadinhas com uma bola de futebol de Médici, no sorriso de Pinochet ou nos afagos de Hitler às crianças arianas.
O fascismo é mal porque é de sua natureza a exclusão, o autoritarismo, o racismo, a xenofobia e a homofobia.
Podemos mudar os perseguidos de acordo com o momento histórico e a geografia, mas o fascismo é sempre perseguidor.
A natureza do fascismo é o radicalismo, o ultra, sem concessões.
Por isso provoca tanta inconformidade a forma mansa como os defensores da democracia brasileira trataram e tratam os fascistas de hoje.
Não se dá leitinho às cobras.
Ao evitar combater o monopólio de uma rede de telecomunicações sabidamente envolvida com golpismo no passado, os governistas brasileiros não foram democráticos como imaginavam... foram tolos.
Tratar com democracia quem odeia a democracia não é nobreza, é burrice.
Hoje apenas começam a aparecer os elementos que formataram o golpe parlamentar-midiático-jurídico no Brasil, que tirou do poder uma presidente legitimamente eleita sem cometimento de ilícito e já se sente o cheiro de enxofre, assim como se percebe pistas de interesses estrangeiros por trás de toda a trama.
Muito mais ainda será descoberto, espera-se que não só daqui a vinte anos.
Se considerarmos que a primeira função de um governo democrático é a defesa e a manutenção da democracia, esse foi o maior erro e o maior fracasso do governo que caiu apesar de eleito por mais de 54 milhões de votos.
O fascismo é mal, é coisa ruim, é criminoso, não importa o tom da gravata e o estilo elegante do paletó de seus defensores.
Porque é de sua natureza a intolerância e o autoritarismo.
E os fascistas não deveriam jamais ser tratados a pão-de-ló, mas extirpados como erva-daninha, como dizia o saudoso Leonel Brizola, esse sim, um campeão defensor da democracia.
Prof. Péricles
Dava ratinhos fresquinhos para ela devorar e toda atenção fofinha do mundo... um dia a cobra a mordeu e ela morreu. Culpa da cobra? Claro que não, cobra é cobra, é de sua natureza.
Igual a estória do escorpião que tanto insiste que acaba convencendo o sapo a lhe atravessar na lagoa carregando-o às costas. No meio da lagoa o escorpião picou o sapo que antes de morrer ainda perguntou “por que fez isso, iremos morrer nós dois” ao qual o escorpião respondeu “sinto muito, mas é da minha natureza”.
Ninguém foge de sua natureza assim como ninguém foge de sua biografia.
O fascismo é um conjunto político de natureza perversa.
O fascismo estava na essência do Franquismo que provocou milhares de mortes na Guerra Civil Espanhola, entre 1936 e 1939.
Estava nos genes dos regimes de Mussolini e de Hitler que atearam fogo ao mundo e mataram milhões antes, durante e depois da segunda Guerra Mundial (1939-1945).
Estava na alma de todas as ditaduras do século XX como em Portugal de Salazar, no Chile de Pinochet, na Ditadura Militar Brasileira e todas as outras ditaduras.
O fascismo é mal não importa com que cara santa se apresente, seja nas embaixadinhas com uma bola de futebol de Médici, no sorriso de Pinochet ou nos afagos de Hitler às crianças arianas.
O fascismo é mal porque é de sua natureza a exclusão, o autoritarismo, o racismo, a xenofobia e a homofobia.
Podemos mudar os perseguidos de acordo com o momento histórico e a geografia, mas o fascismo é sempre perseguidor.
A natureza do fascismo é o radicalismo, o ultra, sem concessões.
Por isso provoca tanta inconformidade a forma mansa como os defensores da democracia brasileira trataram e tratam os fascistas de hoje.
Não se dá leitinho às cobras.
Ao evitar combater o monopólio de uma rede de telecomunicações sabidamente envolvida com golpismo no passado, os governistas brasileiros não foram democráticos como imaginavam... foram tolos.
Tratar com democracia quem odeia a democracia não é nobreza, é burrice.
Hoje apenas começam a aparecer os elementos que formataram o golpe parlamentar-midiático-jurídico no Brasil, que tirou do poder uma presidente legitimamente eleita sem cometimento de ilícito e já se sente o cheiro de enxofre, assim como se percebe pistas de interesses estrangeiros por trás de toda a trama.
Muito mais ainda será descoberto, espera-se que não só daqui a vinte anos.
Se considerarmos que a primeira função de um governo democrático é a defesa e a manutenção da democracia, esse foi o maior erro e o maior fracasso do governo que caiu apesar de eleito por mais de 54 milhões de votos.
O fascismo é mal, é coisa ruim, é criminoso, não importa o tom da gravata e o estilo elegante do paletó de seus defensores.
Porque é de sua natureza a intolerância e o autoritarismo.
E os fascistas não deveriam jamais ser tratados a pão-de-ló, mas extirpados como erva-daninha, como dizia o saudoso Leonel Brizola, esse sim, um campeão defensor da democracia.
Prof. Péricles
quarta-feira, 13 de julho de 2016
A "NOVA" EUROPA
Por Martonio Mont’ Alverne
A saída do Reino Unido da Comunidade Europeia comporta diversos pontos de análise.
Desde 1919 Keynes adverte ingleses e europeus dos perigos de vitórias da direita reacionária. Não foi ouvido, e aí está a história para dar-lhe razão.
Se o Brexit foi uma vitória desta direita, a responsabilidade é inteiramente dos próprios europeus. A partir dos anos 1990, a Comunidade Europeia tornou-se uma associação de banqueiros, a impor regras em favor do capitalismo financeiro, deixando para segundo plano o capitalismo produtivo.
Desta forma é que cruéis sacrifícios foram impostos a diferentes povos, cujo melhor e mais recente exemplo é o da Grécia.
A estabilidade financeira passou a ser a maior razão da existência da Comunidade, o que fez com que bancos recebessem generosos recursos e especial atenção, seguindo a antiga receita de que este capital financiará a produção e o bem-estar social, que não ocorreu.
Os programas de socorro para países endividados não é ajuda aos estados, mas ao sistema bancário destes países, o qual é vinculado aos bancos internacionais.
Referida orientação traduz a dependência dos europeus não aos seus interesses, mas àqueles dos Estados Unidos da América. Esta visão é ainda responsável pela contenção da Rússia como um dos pilares da Comunidade Europeia, ignorando a visão de Bismarck, desde o século XIX, de que uma Europa sem a Rússia é impossível: cultural, econômica e geopoliticamente.
Um sábio de 92 anos, Egon Bahr, ministro de Willy Brandt, dizia em 2014, que a Europa precisava de sua “emancipação” dos Estados Unidos.
Os europeus pagam caro pela saída do Reino Unido. Podem pagar um preço mais elevado.
Se a direita reacionária da França e noutros estados vence, pode-se falar no começo do fim do sonho europeu. O que deveria ser o incremento da livre circulação de bens e pessoas, a promoverem o comércio – que precisa de paz e tranquilidade – transformou-se num clube privado de banqueiros, a desejarem obrigar outras nações a viverem de joelhos perante seus interesses.
Surpreende que a opinião pública europeia não se tenha apercebido dos perigos, exatamente quando decorridos apenas 70 anos do fim do totalitarismo bélico que viveu entre 1939 e 1945.
Como vemos, ignorar a própria história e decidir com base em informações unilaterais, o que sempre conduz à ruína econômica e da política, não é problema só dos brasileiros.
Martonio Mont’ Alverne, Presidente do Instituto Latino-Americano de Estudos em Direito, Política e Democracia (ILAEDPD)"
terça-feira, 12 de julho de 2016
NOVOS ATAQUES DO TERROR, COM CERTEZA
Por Sheila Sacks
Em maio, uma reportagem da agência espanhola EFE, em sua edição portuguesa, revelou que um marroquino residente na Espanha e que trabalha normalmente há onze anos em uma empresa como caça talentos, também se empenhava em recrutar possíveis terroristas jihadistas. Para o ministro de Interior, Jorge Fernando Díaz, a descoberta mostra uma mudança de perfil dos supostos aliciadores que necessariamente não precisam estar engajados à ideologia do islamismo radical.
A possibilidade dos recrutadores serem cidadãos comuns, profissionais integrados na sociedade, um vizinho ou colega de trabalho, é mais um dado que assusta as autoridades e os serviços de Inteligência, principalmente os da Espanha. O país já convive com o nível 4 de alerta (alto risco de atentado terrorista, um grau abaixo do nível máximo), desde junho do ano passado, a partir dos atentados em Paris, Tunísia e Kuwait, ocorridos simultaneamente naquele mês, com mais de 60 mortos e 200 feridos.
O surgimento de novos perfis de recrutadores que não correspondem aos padrões convencionais de militantes da causa jihadista e a crescente rapidez no processo de aliciamento de jovens – inclusive de mulheres não muçulmanas para se juntar ao Estado Islâmico (Daesh) como escravas sexuais – já demandam a adoção de diferentes instrumentos para enfrentar tal realidade, como o registro aéreo de passageiros
A medida foi aprovada pelo Parlamento Europeu em abril deste ano e obriga as empresas aéreas a repassar os dados dos passageiros que chegam e partem da Europa aos governos dos 27 países-membros da União Europeia. Essa regra também vale para os voos internos e deverá estar operacionalizada em dois anos.
Desde o ano passado, os órgãos de segurança da Espanha cumprindo o protocolo do nível 4 de alerta mantêm proteção especial nos aeroportos, nas principais estações de trens e metrô, nas centrais energéticas e em locais de maior concentração de pessoas. Desde então, foram realizadas 46 operações antiterroristas com mais de 130 detidos.
Em outra reportagem, a agência EFE informa que a França vai realizar investigações administrativas, provavelmente sigilosas, sobre cidadãos que ocupam cargos “sensíveis” em profissões regulamentadas para detectar a possível presença de sinais de radicalização ou de fundamentalismo islâmico. A iniciativa faz parte de um pacote de medidas para o combate ao terrorismo anunciado em maio pelo primeiro-ministro francês Manuel Valls.
O governo também pretende criar uma rede de centros de reinserção para realizar o tratamento psicológico de jovens identificados com o radicalismo e suscetíveis ao jihadismo.
Segundo Valls, que acredita que haverá novos ataques na França, o mundo vive a “era do hiperterrorismo” e nos últimos três anos a segurança francesa conseguiu impedir a consecução de pelo menos 15 atentados no país. Em fevereiro, na 52ª edição da Conferência de Segurança de Munique, ele foi categórico: ”Vai haver ataques terroristas. Ataques em larga escala. É uma certeza.”
O premiê francês também denunciou o que chamou de “pseudomessianismo religioso e o uso do terror em massa” como componentes explosivos do “hiperterrorismo que aí está”.
Sheila Sacks, jornalista.
domingo, 10 de julho de 2016
E SE NÃO HOUVER 2018?
Os brasileiros defensores da democracia que sofreram o golpe de 64 na carne, costumam pensar nos fatos que aconteceram com grande pesar. Porém, dor maior talvez seja provocada pelos fatos que não aconteceram.
Por exemplo, e se Jango não fizesse o discurso do 13 de março teria evitado o golpe? E se Jango aceitasse a sugestão de Brizola de resistir ao golpe teria abreviado os longos 20 anos de ditadura?
No rol das lembranças dolorosas também entram as esperanças que evitaram radicalizações e depois não se concretizaram, como acreditar nas eleições que ocorreriam em 1966 e que, segundo os golpistas, marcariam o fim do movimento... não houve eleições em 1966 mas a sua espera foi motivo para impedir muitas lutas quando ainda era possível lutar contra o golpe.
Hoje também pode estar acontecendo uma ilusão com esperanças que não se concretizem e acabem atrapalhando a reação contra o fascismo.
Muitos amigos defendem a tese de que, seria melhor enfrentar com serenidade o afastamento de Dilma e até aceitar o golpe jurídico-parlamentar a partir de uma postura mais preocupada com 2018 e a volta de Lula.
Entretanto, há um componente terrivelmente ameaçador que não pode ser esquecido: e se não haver 2018?
Com o poder assegurado, os golpistas podem criar casuísmos econômicos que tragam a idéia da superação da crise econômica “criada pelo governo Dilma”.
Podem também, partir para o ataque cada vez mais pontual contra o PT e seus aliados enquanto vendem a idéia de saneamento moral da coisa pública.
Enfim, no terreno da legalidade é possível que o país seja coberto, nesses dois anos de governo Temer com a falsa idéia de que os governos Lula-Dilma levariam o país ao caos e eles, super-heróis salvaram a nação.
Mídia para isso não falta.
Mas, o terreno da legalidade será apenas uma frente de combate.
Haverá outras, como a intensificação das medidas golpistas na área jurídica onde detêm amplamente o poder. É lá que tratarão de tornar ilegal a candidatura de Lula, isso se não conseguirem antes a sua prisão.
E se todas as medidas dentro da legalidade não derem certo, se a incapacidade do governo golpista for maior do que as possibilidades de fraudar a realidade, se apesar de tudo a candudatura Lula ainda se apresentar como favorita, resta a possibilidade de um golpe mais tradicional e sem floreios.
Afinal, golpista e golpista e meio pode nem haver tanta diferença assim.
Seria um golpe dentro do golpe, coisa que nossa história conhece bem.
Dessa forma, não haveria 2018 como pensam, os que hoje argumentam que é mais sensato investir na volta de Lula do que na reação ao golpe em vigência.
Por isso, abandonar Dilma à própria sorte, voltando a atenção para Lula e uma suposta candidatura em 2018 é uma estratégia eticamente incorreta e politicamente perigosa, com altas possibilidades de fracasso.
A luta pela volta de Dilma Roussef se configura hoje como a verdadeira luta contra o golpe e esse foco não pode sofrer desvios em nome de esperanças em fatos que talvez jamais ocorram, como foram as eleições, tão esperadas e defendidas, de 1966.
Prof. Péricles
Seria um golpe dentro do golpe, coisa que nossa história conhece bem.
Dessa forma, não haveria 2018 como pensam, os que hoje argumentam que é mais sensato investir na volta de Lula do que na reação ao golpe em vigência.
Por isso, abandonar Dilma à própria sorte, voltando a atenção para Lula e uma suposta candidatura em 2018 é uma estratégia eticamente incorreta e politicamente perigosa, com altas possibilidades de fracasso.
A luta pela volta de Dilma Roussef se configura hoje como a verdadeira luta contra o golpe e esse foco não pode sofrer desvios em nome de esperanças em fatos que talvez jamais ocorram, como foram as eleições, tão esperadas e defendidas, de 1966.
Prof. Péricles
sexta-feira, 8 de julho de 2016
INSTANTÂNEO BRASILEIRO
Por Maria Lúcia Dahl
Ontem a noite passei por um casal na rua, cuja mulher estava grávida, estendendo uns papelões no chão como se fossem lençóis em cima de um colchão e se deitaram, ambos, em cima deles, perto de uma moça, um pouco mais longe e bem jovem, deitada na calçada pura, sem nem sequer um papelão de caixa, solta na rua e encolhida como um bicho assustado, provavelmente pensando nos estupradores, que apavorantemente, se tornam cada vez mais numerosos.
A mulher grávida me disse que o casal não tinha comido nada aquele dia e que ela estava passando mal. Os dois me conheciam da TV e me pediram comida.
Fui até em casa e peguei tudo o que tinha na geladeira, que era pouco, pois costumo comer na rua, peguei tudo, esquentei e levei pra eles, e depois da grávida ter devorado a comida, o seu companheiro perguntou se eu poderia comprar um pouquinho de macarrão pra eles.
Fui até o super- mercado, comprei o que eles queriam, olhei pra eles e pra garota que continuava lá perto, dormindo, encolhida.
Chocada com o tipo de vida que as pessoas ainda levam, desde a minha infância, quando o número de mendigos eram os mesmos, ou talvez até menor do que agora que a população não para de crescer no mundo, transformando as ruas em dormitórios e banheiros onde pode-se tudo: estuprar, matar, roubar ou o que lhe apetecer na hora, enquanto os transeuntes pulam por cima deles, abrindo caminho como se nada houvesse.
Fiquei em estado de choque, olhando aquele acontecimento que já se tornou corriqueiro para alguns mas intensamente chocante pra mim.
De manhã passei pelo lugar onde eles teriam dormido, se alguém consegue dormir com a cabeça nas pedras portuguesas e sob o frio que ainda por cima se manifestou.
Nessa hora, a população era de crianças pobres, rindo, felizes das musiquinhas que cantavam, provavelmente inventadas por elas e cheias de palavrões que incluíam nas melodias e os faziam gargalhar.
Lembrei-me mais uma vez da minha infância, quando uma vez cantei junto com a minha irmã e minha prima, um samba que estava na moda e sé chamava: “Na Pavuna”.
Cantávamos e dançávamos, felizes, batucando: “Na Pavuna, Tum, Tum, Tum” Na Pavuna, Tum, Tum Tum!” quando vovó nos deu uma bronca, indignada, gesticulando e nos apavorando, quando minha irmã perguntou o que é que cantar aquela música tinha de mal, ao que vovó respondeu que meninas como a gente não podiam dizer palavrão. Minha irmã perguntou que palavrão ela ouvira naquela música inocente e vovó respondeu, furiosa:
-Tapa a bunda, Tum, Tum, Tum! Tapa a bunda! E bunda não é palavrão?
Tivemos todas nós, crianças, um acesso de riso explicando a vovó que era “Na Pavuna” e não tapa a bunda, como ela tinha entendido. Vovó ficou sem graça e se retirou do jardim onde brincávamos.
Tempos inocentes aqueles onde não se podia nem falar bunda, enquanto hoje se estupra quem estiver por perto e à vontade, enquanto os políticos roubam a comida, as casas, as escolas e os hospitais da população que os substituem por ruas onde os doentes, crianças, adolescentes e grávidas tentam se abrigar enquanto a turma de cima deposita seu rico dinheirinho nos países chiques.
Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista. Participou de mais de 50 filmes 29 peças teatrais. Na televisão trabalhou em cerca de 29 novelas entre as quais – Dancing Days – Anos Dourados – Gabriela e recentemente em – Aquele Beijo. Como cronista escreveu durante 26 anos no Jornal do Brasil e algum tempo no Estado de São Paulo.
quarta-feira, 6 de julho de 2016
REFÚGIOS
Há ocasiões em que o mais desejado mesmo é um refúgio.
Um lugar para se esconder e se sentir protegido. Para recobrar as forças, entender melhor o que está acontecendo.
Ou simplesmente parar, como aqueles refúgios da autoestrada que por um tempo nos tiram do maior movimento.
Quando crianças muitas vezes o refúgio para tantas descobertas diárias, e que muitas vezes nos assustam, é a mãe.
Nada se equivale ao olhar protetor da mãe, ou seu sopro salvador para aliviar nossas dores.
O grupo de amigos são refúgios evidentes na adolescência, principalmente quando nos sentimos incompreendidos em casa, o que é comum nessa fase da vida.
E também na adolescência usamos os filmes, os livros, a própria televisão para viajar em fantasias.
As mulheres amadas são refúgios primorosos.
Nas primeiras experiências amorosas, aquelas em que guardamos até os cheiros e sabores do dia, criamos o lastro que nos leva ao porto seguro, ou ao olho do furacão.
Nos concedemos perder entre vales e montanhas, escorregar pelas laderas e buscar o controle em curvas que nos servem de desafio e afirmação.
Quem poderia imaginar que viveríamos tempos em que a cidadania procura seu refúgio?
Mesmo distante simplesmente não entendemos onde tudo isso nos levará.
Listas e delações indicam nomes repetidamente que simplesmente são postos de lado sem investigação enquanto outros são perseguidos de acordo com os desejos de quem tem o poder.
Onde está a justiça, aquela que sempre acreditamos?
Uma presidente é afastada sem cometer ou ser acusada de qualquer ilícito e nem imaginamos por onde anda a democracia pela qual tantos de nós dedicou a juventude e seus melhores sonhos.
Onde anda o caráter e a vergonha na cara do povo brasileiro, esse mesmo povo que sempre se acreditou generoso e bom?
As coisas acontecem, mas não são divulgadas na mídia que tem o poder onipresente de forma opiniões e teria o dever da isenção.
Ao contrário, os telejornais abandonaram qualquer disfarce e simplesmente assumiram a postura de esconder coisas e salientar outras conforme a necessidade da ocasião.
Onde fica o direito à informação? A ética?
O que aconteceu com a gente para ficarmos assim, divididos entre canalhas que invejam as melhorias das classes mais pobres e os covardes que permitem massacres públicos, só faltando a fogueira da Inquisição?
De que filme de terror brotaram tantos brasileiros com ódios fascistas e fanatismo religioso?
Quando foi que começamos a permitir a defesa pública da homofobia e do racismo?
Em que momento nos tornamos tão ignóbeis?
Não sei qual será o refúgio da cidadania violada.
Na verdade, nem ao menos sei qual será meu refúgio.
Talvez o tempo das lutas por democracia e pela construção de utopias de igualdade já tenham se tornado lenda e muitos até duvidem de sua existência.
Quem sabe já não exista tempo para a fraternidade e o respeito pela verdade.
Assim como o refúgio na mulher amada, ou a própria mulher amada, já não exista mais.
Prof. Péricles
segunda-feira, 4 de julho de 2016
SAÚDE, MUITA OPINIÃO POUCA INFORMAÇÃO
Uma mentira repetida inúmeras vezes acaba se tornando uma verdade, dizia Goebels naquilo que já se tornou um jargão popular.
E de mentiras nossos dias estão cheios.
Uma das lorotas preferidas é a de que a saúde nunca foi tão ruim e abandonada quanto nos governos Lula-Dilma.
Até parece que antes do PT o país vivia situação de saúde invejável e perfeita, onde todo brasileiro era assistido em suas necessidades.
O “SUS não funciona” já virou mantra golpista.
Como toda mentira, por mais repetida que seja, não resiste a uma boa memória, listamos abaixo, sete (em homenagem aos mentirosos) fatos concretos, criados pelos governos posteriores ao neoliberalismo no Brasil, ou seja, de 2003 para cá.
1- Criação do Samu - Em 2003 Lula criou o Serviço de Atendimento Médico de Urgência, o SAMU. Lula distribuiu 2.312 ambulâncias para 789 municípios e Dilma distribuiu mais 2.180 ambulâncias a 1000 municípios. Hoje o Samu atende 72% do território nacional.
2- Vacina Contra o HPV - No governo Dilma a vacina contra o HPV passou a ser distribuída gratuitamente pelo SUS. Na rede particular a vacina custa cerca de R$ 1.500,00. O HPV é o vírus que é responsável por 90% dos casos de câncer do colo do útero.
3- Criação de 121 Novos Cursos de Medicina - Lula e Dilma criaram 121 novos cursos de medicina em Universidades Federais. Para se ter uma comparação, Aécio Neves, em oito anos como governador, não criou nenhum em Minas. FHC também não criou nenhum quando foi presidente.
4- Lei do Câncer - Sancionada por Dilma a lei do câncer entrou em vigor em maio de 2013 e estabelece um prazo máximo de 60 dias para que pessoas com câncer iniciem o tratamento pelo SUS. Nesse período, que conta a partir da confirmação do diagnóstico e da inclusão dessas informações no prontuário médico, os pacientes devem passar por cirurgia ou iniciar as sessões de químio ou radioterapia, conforme a indicação de cada caso.
5- Mais Médicos - Até agosto de 2014, 14.462 médicos já estavam trabalhando em postos de saúde na periferia e em cidades pequenas, onde faltavam médicos. Mais de 50 milhões de brasileiros que não tinham acesso a um médico gratuito passaram a ter.
6 – Farmácia Popular - Criado em 2004, programa conta com uma rede própria (governamental) de 534 farmácias, e uma rede conveniada de 12.499 drogarias privadas que oferecem medicamentos com 90% de desconto. O governo arca com os custos do remédio e a população paga apenas 10% do preço. A farmácia do povo também derrubou o alto preço dos medicamentos em farmácias particulares que passaram a ter uma concorrente cobrando preços baixíssimos.
7 – Programa Saúde Não Tem Preço - Criado por Dilma, o programa oferece remédios gratuitos a pessoas que sofrem diversas doenças consideradas raras ou crônicas, como insuficiência renal crônica, hepatite viral B e C, osteoporose, problemas de crescimento, mal de Alzheimer, mal de Parkinson, mal de Gaucher, diabetes e hipertensão. Remédios caríssimos passaram a ser distribuídos gratuitamente pelo governo. Mais de 33 milhões de brasileiros são beneficiados.
Ao longo de séculos o pobre brasileiro acostumou a crer não ter direito ao atendimento de saúde, sendo isso, uma coisa de gente rica.
Esse estigma, muito mais difícil de ser superado do que se possa crer, se soma a desinformação e à informação comprometida, gerando uma “ignorância dirigida” cujo objetivo parece ser claro, acabar com a saúde pública e gratuita entregando um mercado de milhões de brasileiros, capaz de alimentar lucros astronômicos à iniciativa privada.
Falta muito a ser feito para que a saúde pública no Brasil seja de fato boa. No entanto não podemos ignorar os avanços que tivemos entre 2003 e 2014 e nem esquecer de como era a situação da saúde pública antes do governo de Lula.
Prof. Péricles
Obs. Os dados numéricos apresentados foram coletados pelo Dr. Franklin Alves, em excelente texto.
sábado, 2 de julho de 2016
O "BREXIT", O FASCISMO E O MEDO
Já faz algum tempo que esse blog denuncia o perigo do retorno do fascismo, não apenas no Brasil, como no mundo.
Esse horror que separa as pessoas, discrimina, excluí e provoca guerra entre nações, já mostra sua cara e vontade de retornar desde o final dos anos 90 quando em países como Grécia, Áustria e França, entre outos, formaram partidos poderosos.
Como sempre, o fascismo precisa do ódio, das acusações e calúnias, do preconceito, e, principalmente, do medo para se apresentar como uma opção válida.
Atualmente, o golpismo no Brasill e a saída do Reino Unido da União Européia (Brexit), escancaram essa triste realidade.
Sobre a saída do Reino Unido, leia com atenção o texto abaixo, onde Mauro Santayana, de forma muito clara, nos fala sobre as causas mais escondidas e as consequências mais temidas do "Brexit.
Prof. Péricles
Mauro
Santayana
Depois
de intestina disputa que rachou a sociedade inglesa, cujo ápice foi o
emblemático assassinato da deputada trabalhista Jo Cox por um fanático fascista
que, ao atacá-la a tiros, gritou “a Grã Bretanha primeiro!”, slogan inspirado,
assim como o de “o Brasil acima de tudo!”, no “Deutschland Uber Alles!”, do
hino nazista, o Reino Unido cada vez
mais desunido - votou, finalmente, por sua saída da União Europeia.
O
resultado provocou terremotos internos e externos. As bolsas caíram em todo o
mundo. O primeiro-ministro David Cameron já marcou data para se afastar do
cargo.
E pode
levar à desagregação do país, já que a Irlanda do Norte e a Escócia anunciaram
que pretendem convocar plebiscitos próprios para decidir, a primeira, se
continua na União Européia, e a segunda, se vai unir-se à República da Irlanda.
Além
disso, a libra já caiu mais de 10% com relação ao dólar e ao euro, e os
alimentos e as viagens para o exterior ficarão mais caras, porque em alguns
produtos, como leite e manteiga, e certos vegetais, por exemplo, mais de 50% do
que é consumido na Inglaterra vem do continente, no outro lado do canal.
Comandada
pela direita e pela extrema direita, e provocada principalmente pela ignorância
característica dos dias de hoje - milhares de britânicos entraram no Google
para perguntar, às vésperas do plebiscito, o que era “União Européia” - e pelo
medo e a aversão aos imigrantes, a vitória do “Brexit” é mais um poderoso
exemplo do comportamento burro, deletério e ilógico do fascismo.
Com a saída da UE, a Inglaterra tende a
perder influência na Europa; a enfraquecer-se frente a eventuais adversários
extracomunitários; a empobrecer economicamente, diminuindo seu acesso a um dos
maiores mercados do mundo; além de aumentar seu isolamento no âmbito
geopolítico e sua histórica dependência dos Estados Unidos.
Uma
situação que deveria servir de alerta, no Brasil, para aqueles que querem
acabar com a UNASUL e o Mercosul a qualquer preço e substituí-lo por “acordos”
de livre comércio desiguais com países e grupos de países altamente
protecionistas, como a própria União Europeia, que contam com capacidade de
pressão muito maior que a nossa.
Decepcionada
e frustrada com os resultados das urnas, a juventude inglesa reclamou que seu
futuro foi cortado, lembrando que os jovens britânicos perderam, entre outras
coisas, a chance de trabalhar em 27 diferentes países, e engrossou um
manifesto de 3 milhões de assinaturas que pede a realização de novo plebiscito
- hipótese improvável, praticamente impossível de avançar neste momento, diante
da indiferença e do egoísmo dos vitoriosos.
Nunca
é demais lembrar que o fascismo, também em ascensão na Inglaterra de hoje,
rejeita e despreza - apaixonadamente - o futuro.
Mesmo
quando se disfarça de "novo" e disruptivo, como ocorreu com a
Alemanha Nazista, ele está profundamente preso ao passado, como mostrou
claramente Mussolini - e também Hitler com seus monumentos, estátuas, bandeiras
e desfiles - ao tentar emular, canhestramente, a cultura greco-romana e
repetir - nesse caso, na forma de tragédia, com as seguidas derrotas
militares italianas - a glória perdida da Roma Imperial.
O
fascismo - ao contrário do que muitos pensam - não é glorioso, mas
medroso.
Fascistas
temem, paradoxalmente, aqueles que consideram mais fracos, e por isso são
“apolíticos”, homofóbicos, eugenistas, antifeministas, racistas, intolerantes,
discriminatorios, xenófobos, anti-culturais e contrários ao voto
obrigatório e universal.
A
suástica, girando sobre seu eixo, reproduz o movimento concêntrico de
alguma coisa que se encerra em si mesma, repelindo tudo que venha de fora, como
uma tribo ignorante e primitiva, um molusco que fecha velozmente sua concha, ou
um filhote de porco espinho ou de tatú que se enrola, tapando a cabeça, ao
primeiro sinal de ruído ou de aproximação.
Da
mesma forma que faziam, patologicamente, os soldados nazistas, educados
no temor da “contaminação” judaica, cigana ou bolchevique, que se comportavam
como diligentes técnicos de dedetização tentando conter uma epidemia,
fechando-se a qualquer razão ou sentimento, ao matar récem nascidos e crianças
de três, quatro, cinco, seis anos de idade, escondidas debaixo da cama, ou
trancadas na derradeira escuridão das câmaras de gás, da forma mais fria e
repulsiva, como se estivessem exterminando, simplesmente, pulgas, percevejos e
ratos, ou esmagando ovos de barata.
O
Brexit - a saída da Inglaterra da União Européia - é mais um perigoso aviso,
entre os muitos que estão se repetindo, nos últimos tempos - como sinais
proféticos - do próximo retorno de um fascismo alucinado e obtuso.
Um
retorno que se dá, e se torna possível, mais uma vez, pela fraqueza e indecisão
da social democracia, a existência de uma pretensa massa de “defensores” do
Estado de Direito e da liberdade, amôrfa, apática, inativa; e de uma esquerda
que apenas espera, de braços cruzados, também encerrada, em muitos países do
mundo, em seus próprios sites e grupos, disfuncional, estrategicamente confusa,
passiva, inerme e dividida, sem reagir ou defender-se quando atacada, nem mesmo
institucionalmente, como um letárgico bando de carneiros pastando ao sol.
O medo
fascista está de volta.
E não
se limitará à Inglaterra.
Se não
for contido o avanço de sua imbecilidade ilógica, por meio do recurso ao bom
senso e à inteligência, outros países da UE, tão xenófobos quanto racistas,
seguirão o reino de Sua Majestade em seu caminho de intolerância,
isolamento e fragilidade.
Porque
o fascismo só avança com a exploração do medo e do egoísmo.
O medo
de quem se assusta com o outro, repele o que é diferente e rejeita o futuro e a
mudança.
O
egoísmo daqueles que preferem erguer muros no lugar de derrubá-los; que se
empenham em separar no lugar de unir; que escolheriam, se pudessem decidir,
matar a fecundar, saudando a morte, como fazem em muitos países do Velho
Continente e em outros lugares do mundo, jovens e antigos neonazistas de
coração estéril, com a artrítica, tremente, mão espalmada levantada, no
ressentimento raivoso de uma velhice amarga, que cultiva e adora o deus do ódio
no lugar de celebrar a vida, o amanhã, a alegria, o encontro e a diversidade.
quarta-feira, 29 de junho de 2016
EM DEFESA DO SUS
Por Fr. Marcos Sassatelli
No dia 16 de maio, o ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), do governo do “golpista” Michel Temer, em entrevista à Folha de S. Paulo, afirmou que o país precisa rever o direito de acesso universal à saúde pública e a outros direitos constitucionais.
Diz o ministro: “Nós não vamos conseguir sustentar o nível de direitos que a Constituição determina”. E ainda: “Não adianta lutar por direitos que não poderão ser entregues pelo Estado. Temos que chegar ao ponto de equilíbrio entre o que o Estado tem condições de suprir e o que o cidadão tem direito de receber”. Que retrocesso!
Em outro ponto da entrevista, o ministro afirma: “Infelizmente, a capacidade financeira do governo para suprir todas essas garantias que tem o cidadão não são suficientes. Não estamos em um nível de desenvolvimento econômico que nos permita garantir esses direitos por conta do Estado”.
Ao invés de defender, como ocorre em outros países, um SUS de qualidade, público e gratuito para todos e todas, que acabe aos poucos com os planos particulares de saúde, o ministro se posiciona a favor de uma privatização cada vez maior da saúde, declarando: “Quanto mais gente puder ter planos (de saúde), melhor, porque vai ter atendimento patrocinado por eles mesmos, o que alivia o custo do governo em sustentar esta questão” (Folha de S. Paulo, 17 de maio de 2016, p. B1). Que vergonha para o Brasil!
O ministro deveria lembrar os altos tributos que os trabalhadores e trabalhadoras pagam. “Brasileiro trabalha 151 dias para pagar tributos, que comem 41,4% do salário”.
Só para pagar a contribuição previdenciária, o trabalhador ou trabalhadora com carteira assinada que ganha o salário mínimo (R$ 880,00), gasta por ano quase um mês de trabalho (R$ 844,80). Imaginem o dinheiro que entra nos cofres da Previdência!
Portanto, ministro Ricardo Barros, o atendimento na saúde pública já é muito bem “patrocinado” pelos trabalhadores e trabalhadoras. Não é um presente do Estado, mas um direito universal e inalienável de todo trabalhador e trabalhadora.
Quem sonega impostos, um verdadeiro crime contra a vida do povo, não são os trabalhadores e trabalhadoras, mas os ricos.
“No Brasil, o 1% mais rico da população controla uma renda equivalente à dos 50% mais pobres. Considerando o patrimônio, vê-se que 10% da população detém 75,4% de toda a riqueza nacional. A concentração de renda é agravada pelo sistema tributário, por baixos salários e pela falta de investimento em serviço público!
Ministro Ricardo Barros, para que o direito de acesso universal à saúde pública de qualidade e os outros direitos constitucionais sejam cumpridos, a solução é muito simples:
Acabar com a corrupção e a roubalheira generalizadas de políticos e governantes, colocando na cadeia todos os corruptos e ladrões de “colarinho branco” (hoje as cadeias estão cheias de “ladrões de galinhas”).
Exigir dos políticos e governantes corruptos e ladrões – verdadeiros assaltantes dos cofres públicos – a devolução do dinheiro roubado, com juro e correção monetária.
Acabar com a sonegação de impostos dos ricos e poderosos, cobrando – também com juro e correção monetária – todos os impostos atrasados.
Taxar as grandes fortunas, as fabulosas heranças e os lucros exorbitantes dos bancos.
Ministro, é esse o caminho para tornar o Brasil um país decente e merecedor de respeito.
Em teoria – todos e todas nós sabemos – o SUS é um dos melhores planos de saúde pública do mundo, mas, na prática, ele deixa muito a desejar. O atendimento é extremamente deficitário e, na maioria das vezes, de péssima qualidade.
Apesar de tantas deficiências, o SUS precisa ser sempre defendido, revisto e melhorado, no sentido de ampliar, em número e qualidade, suas ações, em favor de uma saúde pública gratuita e de qualidade.
Para que isso aconteça, precisamos acabar com a corrupção, muitas vezes legalizada, e banir da vida pública toda a cambada de políticos e governantes oportunistas e aproveitadores do povo, que, infelizmente, são hoje a maioria.
Um outro Brasil é possível e necessário! Lutemos por ele!
Marcos Sassatelli, Frade dominicano, Doutor em Filosofia (USP) e Professor aposentado de Filosofia da UFG.
terça-feira, 28 de junho de 2016
DARWIN ERA UM BABACA
A única Constituição brasileira que não diferenciou claramente o poder político do poder religioso foi a Constituição Monárquica de 1824 que através do padroado considerava o Imperador a máxima autoridade religiosa. Todas as outras Constituições brasileiras definem o país como laico e reconhece o direito de culto de todas as religiões.
Estado laico é o estado neutro no sentido religioso, ou seja, oposto ao estado eclesiástico e fundamentalista.
O Brasil se tornou um Estado laico desde o Decreto 119-A de 07 de janeiro de 1890 de autoria de Ruy Barbosa. A partir desse decreto o Brasil deixou de ter uma religião oficial, separando o poder político do Estado do poder religioso.
Nossa atual Constituição cidadã, promulgada em 05 de outubro de 1988, em seu Artigo 5º, inciso VI dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença”.
Até mesmo o direito ao ateísmo está previsto e garantido constitucionalmente.
Já no seu artigo 19 a Constituição proíbe aos governantes estabelecer com os representantes de qualquer culto, relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público.
Por tudo isso, é extremamente preocupante a denúncia publicada pela presidente da APEOESP (Associação dos Professores do Estado de São Paulo), professora Maria Izabel Noronha, referente aos os avanços da chamada bancada religiosa, na verdade, um bloco formado por representantes e aliados das igrejas evangélicas pentecostais, na área da educação formal no Brasil.
Segundo a professora, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados está querendo incluir o criacionismo nos currículos escolares e ainda excluir todos os conteúdos relacionados às religiões de matriz africana e indígena da Base Nacional Comum Curricular.
Considerando que o criacionismo é dogma religioso judaico-cristão não havendo nele qualquer princípio científico e sim de fé, e ainda, em clara oposição aos estudos evolucionistas aceitos por todas as áreas do conhecimento científico e que, os conteúdos relacionados às religiões afro-brasileiras são de enorme importância cultural e histórica, as pretensões da citada bancada batem de frente com o laicismo e as garantias estabelecidas pela Constituição.
Voltando ao texto escrito pela professora Maria Izabel, temos que “a situação da educação brasileira se agrava a cada momento. Vivemos um quadro de retrocessos que não podemos tolerar e sobre os quais não podemos nos calar.
O governo interino e ilegítimo de Michel Temer, com Mendonça Filho (DEM) à frente do Ministério da Educação, não apenas quer asfixiar a educação pública cortando verbas com a volta da DRU, mudanças no regime de repartição dos royalties do petróleo e rendimentos do pré-sal (que deixariam de ir para educação e saúde), fim das vinculações constitucionais de recursos, fim da política de valorização do piso salarial profissional nacional e outras medidas investe contra a própria concepção de educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade para todos e todas”.
Segue a denúncia “Isto é gravíssimo! O que está ocorrendo na educação brasileira neste momento é uma intolerável demonstração de autoritarismo típico de ditaduras, buscando impor um pensamento único com base em princípios
religiosos incompatíveis com a natureza e função social da educação”.
Parece alarmismo, mas, infelizmente não é.
Em tempos de golpes midiáticos-jurídicos-parlamentares e de preconceitos que lembram os tempos de ascensão do totalitarismo, não é de duvidar que uma marcha fundamentalista queira mesmo convencer nossas crianças e nossos jovens de que Deus realmente fez o homem a sua imagem e semelhança há pouco mais de 3 mil anos, Eva de uma mísera costela do homem e que Darwin era um babaca.
Estado laico é o estado neutro no sentido religioso, ou seja, oposto ao estado eclesiástico e fundamentalista.
O Brasil se tornou um Estado laico desde o Decreto 119-A de 07 de janeiro de 1890 de autoria de Ruy Barbosa. A partir desse decreto o Brasil deixou de ter uma religião oficial, separando o poder político do Estado do poder religioso.
Nossa atual Constituição cidadã, promulgada em 05 de outubro de 1988, em seu Artigo 5º, inciso VI dispõe que “é inviolável a liberdade de consciência e de crença”.
Até mesmo o direito ao ateísmo está previsto e garantido constitucionalmente.
Já no seu artigo 19 a Constituição proíbe aos governantes estabelecer com os representantes de qualquer culto, relações de dependência ou aliança, ressalvada a colaboração de interesse público.
Por tudo isso, é extremamente preocupante a denúncia publicada pela presidente da APEOESP (Associação dos Professores do Estado de São Paulo), professora Maria Izabel Noronha, referente aos os avanços da chamada bancada religiosa, na verdade, um bloco formado por representantes e aliados das igrejas evangélicas pentecostais, na área da educação formal no Brasil.
Segundo a professora, a bancada evangélica da Câmara dos Deputados está querendo incluir o criacionismo nos currículos escolares e ainda excluir todos os conteúdos relacionados às religiões de matriz africana e indígena da Base Nacional Comum Curricular.
Considerando que o criacionismo é dogma religioso judaico-cristão não havendo nele qualquer princípio científico e sim de fé, e ainda, em clara oposição aos estudos evolucionistas aceitos por todas as áreas do conhecimento científico e que, os conteúdos relacionados às religiões afro-brasileiras são de enorme importância cultural e histórica, as pretensões da citada bancada batem de frente com o laicismo e as garantias estabelecidas pela Constituição.
Voltando ao texto escrito pela professora Maria Izabel, temos que “a situação da educação brasileira se agrava a cada momento. Vivemos um quadro de retrocessos que não podemos tolerar e sobre os quais não podemos nos calar.
O governo interino e ilegítimo de Michel Temer, com Mendonça Filho (DEM) à frente do Ministério da Educação, não apenas quer asfixiar a educação pública cortando verbas com a volta da DRU, mudanças no regime de repartição dos royalties do petróleo e rendimentos do pré-sal (que deixariam de ir para educação e saúde), fim das vinculações constitucionais de recursos, fim da política de valorização do piso salarial profissional nacional e outras medidas investe contra a própria concepção de educação pública, gratuita, laica, inclusiva e de qualidade para todos e todas”.
Segue a denúncia “Isto é gravíssimo! O que está ocorrendo na educação brasileira neste momento é uma intolerável demonstração de autoritarismo típico de ditaduras, buscando impor um pensamento único com base em princípios
religiosos incompatíveis com a natureza e função social da educação”.
Parece alarmismo, mas, infelizmente não é.
Em tempos de golpes midiáticos-jurídicos-parlamentares e de preconceitos que lembram os tempos de ascensão do totalitarismo, não é de duvidar que uma marcha fundamentalista queira mesmo convencer nossas crianças e nossos jovens de que Deus realmente fez o homem a sua imagem e semelhança há pouco mais de 3 mil anos, Eva de uma mísera costela do homem e que Darwin era um babaca.
Que o paraiso foi perdido por causa da tentação de Eva (sempre a mulher) e se não fosse por ela ainda estaríamos lá.
E da mesma forma que que os judeus foram utilizados para alimentar ódios, não sejam os negros, os umbandistas, seguidores de cultos afro e seus estudiosos, também utilizados como estopim para a discórdia.
Se não estivermos atentos o Talibã será aqui e Galileu finalmente será queimado na fogueira.
Prof. Péricles
E da mesma forma que que os judeus foram utilizados para alimentar ódios, não sejam os negros, os umbandistas, seguidores de cultos afro e seus estudiosos, também utilizados como estopim para a discórdia.
Se não estivermos atentos o Talibã será aqui e Galileu finalmente será queimado na fogueira.
Prof. Péricles
sábado, 25 de junho de 2016
OPERAÇÃO CONDOR, JUSTIÇA E INVEJA
A Operação condor foi uma aliança secreta feita entre as ditaduras do Chile, Brasil, Argentina, Uruguai, Bolívia e Paraguai.
A iniciativa da criação da aliança assassina foi da ditadura sangrenta de Augusto Pinochet, do Chile.
A partir de sua formalização, a Operação Condor permitiu a ação de agentes da repressão além de suas fronteiras. Dessa forma, exilados políticos distantes de seus países de origem foram atacados, presos e mortos.
Os atos ilegais e covardes praticados pelos agentes dessas ditaduras foram supervisionados e auxiliados pela CIA.
Durante as décadas de 70 e 80, a Operação Condor (condor é um abutre gigante dos Andes que se alimenta de carniça) sequestrou, torturou e matou, um número até hoje não determinado de opositores dessas ditaduras.
Entre nós, brasileiros, os casos mais citados são a prisão de um casal uruguaio no centro de Porto Alegre e que depois apareceram em prisões do Uruguai.
Os atos ilegais e covardes praticados pelos agentes dessas ditaduras foram supervisionados e auxiliados pela CIA.
Durante as décadas de 70 e 80, a Operação Condor (condor é um abutre gigante dos Andes que se alimenta de carniça) sequestrou, torturou e matou, um número até hoje não determinado de opositores dessas ditaduras.
Entre nós, brasileiros, os casos mais citados são a prisão de um casal uruguaio no centro de Porto Alegre e que depois apareceram em prisões do Uruguai.
A morte de João Goulart e o estranho acidente fatal de JK também são lembrados como prováveis ações da Operação Condor.
Poucas autoridades daqueles anos negros reconheceram a existência dessa trama maquiavélica, mas sua história sangrenta é de largo conhecimento público internacional e reconhecida pelos Estados Unidos.
O Brasil, infelizmente, preferiu esquecer suas mazelas e colocar esparadrapos por cima das feridas como se nada tivesse acontecido e, por isso, a Operação Condor entre tantos outros crimes praticados foram para a triste área do esquecimento.
Mas outros povos têm mais coragem e buscam recontar aqueles tempos, sem medo de enfrentar seu próprio passado e nisso, destacam-se os argentinos.
Recentemente a Argentina condenou 15 ex-militares a penas de prisão que variam de 8 a 25 anos por participarem da chamada Operação Condor, entre eles o último ditador do regime militar.
Os principais condenados foram o ex-presidente Reynaldo Bignone e o ex-comandante Santiago Omar Riveros, a 20 e 25 anos de prisão, respectivamente, pelo desaparecimento de 105 pessoas durante a sangrenta ditadura entre 1976 e 1983. O veredicto foi proferido depois de 16 anos de tramitação do processo.
Bignone foi o último dos chamados presidentes de facto do regime militar da Argentina, de julho de 1982 até dezembro de 1983, quando transferiu o poder para Raúl Alfonsín, que havia vencido eleições democráticas. Em 2011, ele foi condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.
O julgamento e a condenação dos réus não trarão de volta à vida os 150 desaparecidos diretamente por ações da Operação Condor, nem os mais de 30 mil torturados e mortos pela ditadura argentina. Mas, se a aplicação da justiça exigisse o milagre da ressurreição ela jamais seria feita.
Para os parentes é um alento saber que os responsáveis pelo martírio de seus amados estão sendo punidos, não importa o tempo que passou.
Justiça é o mínimo que as vítimas merecem, assim como a própria história do país.
Aos brasileiros vertebrados, sobra apenas a inveja pela coragem dos vizinhos e a indignação diante da covardia tupiniquim.
Prof. Péricles
Poucas autoridades daqueles anos negros reconheceram a existência dessa trama maquiavélica, mas sua história sangrenta é de largo conhecimento público internacional e reconhecida pelos Estados Unidos.
O Brasil, infelizmente, preferiu esquecer suas mazelas e colocar esparadrapos por cima das feridas como se nada tivesse acontecido e, por isso, a Operação Condor entre tantos outros crimes praticados foram para a triste área do esquecimento.
Mas outros povos têm mais coragem e buscam recontar aqueles tempos, sem medo de enfrentar seu próprio passado e nisso, destacam-se os argentinos.
Recentemente a Argentina condenou 15 ex-militares a penas de prisão que variam de 8 a 25 anos por participarem da chamada Operação Condor, entre eles o último ditador do regime militar.
Os principais condenados foram o ex-presidente Reynaldo Bignone e o ex-comandante Santiago Omar Riveros, a 20 e 25 anos de prisão, respectivamente, pelo desaparecimento de 105 pessoas durante a sangrenta ditadura entre 1976 e 1983. O veredicto foi proferido depois de 16 anos de tramitação do processo.
Bignone foi o último dos chamados presidentes de facto do regime militar da Argentina, de julho de 1982 até dezembro de 1983, quando transferiu o poder para Raúl Alfonsín, que havia vencido eleições democráticas. Em 2011, ele foi condenado à prisão perpétua por crimes contra a humanidade.
O julgamento e a condenação dos réus não trarão de volta à vida os 150 desaparecidos diretamente por ações da Operação Condor, nem os mais de 30 mil torturados e mortos pela ditadura argentina. Mas, se a aplicação da justiça exigisse o milagre da ressurreição ela jamais seria feita.
Para os parentes é um alento saber que os responsáveis pelo martírio de seus amados estão sendo punidos, não importa o tempo que passou.
Justiça é o mínimo que as vítimas merecem, assim como a própria história do país.
Aos brasileiros vertebrados, sobra apenas a inveja pela coragem dos vizinhos e a indignação diante da covardia tupiniquim.
Prof. Péricles
sexta-feira, 24 de junho de 2016
O DEDO DE LULA
Por EMIR SADER
Dois ídolos do ódio racista que a direita promoveu no Brasil, Bolsonaro e Moro, usaram o dedo do Lula para expressar seus valores.
Bolsonaro imprimiu e difundiu camisetas em que aparece a mão do Lula com quatro dedos, explorando o defeito físico do maior líder popular que o Brasil já teve. Moro, conversando com seus comparsas, se refere ao maior dirigente político que o país tem como "nine", uma forma depreciativa de mencionar Lula.
São duas formas de expressão em que se revelam personalidades desprezíveis, odiosas execráveis, de preconceito e de tentativa de desqualificação de um líder popular, de um operário, de um imigrante nordestino.
Expressam bem o que é a elite branca brasileira do centro sul, que se considera dona do país e sempre tratou de tratar aos outros – os de origem popular, os do nordeste, os trabalhadores – como bárbaros, selvagens, "mal informados", como disse o outrora líder dessa gente, o FHC.
A sociedade brasileira teve sempre a discriminação como um dos seus pilares. A escravidão, que desqualificava, ao mesmo tempo, os negros e o trabalho – atividade de uma raça considerada inferior – foi constitutiva do Brasil, como economia, como estratificação social e como ideologia.
Uma sociedade que nunca foi majoritariamente branca teve sempre como ideologia dominante a da elite branca. Sempre presidiram o país, ocuparam os cargos mais importantes nas FFAA, nos bancos, nos ministérios, na direção das grandes empresas, na mídia, na direção dos clubes, nas universidades, nos governos – em todos os lugares em que se concentra o poder na sociedade, estiveram sempre os brancos.
A elite paulista e do sul do país representa, melhor do que qualquer outro setor, esse ranço racista. Nunca assimilaram a Revolução de 30, menos ainda o governo de Getúlio.
A ideologia separatista de 1932 – que considerava São Paulo "a locomotiva da nação", o setor dinâmico e trabalhador, que arrastava os vagões preguiçosos e atrasados dos outros estados – nunca deixou de ser o sentimento dominante da elite paulista em relação ao resto do Brasil.
Os trabalhadores imigrantes, que construíram a riqueza de São Paulo, eram todos "baianos" ou "cabeças chatas", trabalhadores que sobreviviam morando nas construções – como o personagem que comia gilete, da música do Vinicius e do Carlos Lira, cantada pelo Ari Toledo, com o sugestivo nome de pau-de-arara, outra denominação para os imigrantes nordestinos em São Paulo.
A elite paulista foi protagonista essencial nas marchas das senhoras com a igreja e a mídia, que prepararam o clima para o golpe militar e o apoiaram, incluindo o mesmo tipo de campanha de 1932, com doações de joias e outros bens para a "salvação do Brasil"- de que os militares da ditadura eram os agentes salvadores.
Terminada a ditadura, tiveram que conviver com Lula como líder popular e o Partido dos Trabalhadores, para quem canalizaram seu ódio de classe e seu racismo. Lula é o personagem preferencial desses sentimentos, porque sintetiza os aspectos que a elite paulista mais detesta: nordestino, não branco, operário, esquerdista, líder popular.
Não bastasse sua imagem de nordestino, de trabalhador, sua linguagem, seu caráter, está sua mão: Lula perdeu um dedo não em um jet-sky, mas na máquina, como operário metalúrgico, em um dos tantos acidentes de trabalho cotidianos, produto da super exploração dos trabalhadores. Está inscrito no corpo do Lula, nos seus gestos, nas suas mãos, sua origem de classe. É insuportável para o racismo da elite branca brasileira.
Essa elite racista teve que conviver com o sucesso dos governos Lula, depois do fracasso do seu queridinho – FHC, que saiu enxotado da presidência – e da sua sucessora, a Dilma. Teve que conviver com a ascensão social dos trabalhadores, dos nordestinos, dos não brancos, da vitória da esquerda, do PT, do Lula, do povo.
O ódio a Lula é um ódio de classe, vem do profundo da burguesia paulista e do centro sul do país e de setores de classe média que assumem os valores dessa burguesia. O anti-petismo é expressão disso. Os tucanos foram sua representação política e a mídia privada, seu porta-voz.
Na crise atual, a burguesia e setores da classe média do centro sul protagonizaram algumas das cenas mais vergonhosas da história brasileira, nas manifestações contra a democracia, a favor do golpe e da ditadura militar, exibindo suas dimensões mais fascistas e discriminatórias.
Colocavam pra fora o ódio contra os que tinham regulamentado o trabalho das empregadas domésticas, que já não serviriam à opressão e à exploração indiscriminada das patroas. Contra os que tinham transformado o Nordeste, que tinham aberto as universidades para os jovens pobres, contra os que tinham permitido aos pobres de viajar para ver seus parentes ou para fazer turismo. Contra os que fizeram do Brasil um país menos injusto, menos desigual, contra os que tiraram o país do Mapa da Fome, a que as elites brancas tinham condenado o povo para sempre.
E Lula sempre foi e continua sendo a expressão mais alta desse movimento de democratização social do Brasil.
Gente como Bolsonaro e Moro ofendem a Lula porque sabem que assim ofendem ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos. Tentam desconhecer que a indústria brasileira foi construída com as mãos de operários como o Lula, que os carros em que eles passeiam foram construídos por trabalhadores como o Lula. Que o dedo que Lula perdeu são os muitos dedos que os acidentes diários de trabalho provocam nos trabalhadores, para sobreviver com baixos salários e produzir as riquezas do Brasil.
Bolsonaro e Moro são os herdeiros do político do sul que disse que "iam acabar com essa raça por décadas". Deveriam ser processados por racismo, ao exibir essas camisetas com Lula sem um dedo e ao falar de Lula como "nine". São seres desprezíveis, odiosos, execráveis, do pior que o Brasil tem, pelo ódio de classe ao povo, aos trabalhadores, aos nordestinos, pelo ódio ao Brasil.
Nós nos orgulhamos de Lula como eles não podem se orgulhar de seus ídolos, promotores do estupro de mulheres e agentes fascistas contra os partidos e líderes de esquerda, contra a própria democracia, que é e será fatal para eles.
Emir Sader é um dos principais sociólogos e cientistas políticos brasileiros
quarta-feira, 22 de junho de 2016
O RISCO É HILLARY PERDER
Por José Inácio Werneck
Há pouco mais de um ano era quase certo que a disputa pela presidência dos Estados Unidos seria entre membros de duas ilustres dinastias: Jeb Bush, pelos republicanos, e Hillary Clinton, pelos democratas.
Jeb Bush cedo sucumbiu, esmagado pelo terrível legado da Guerra do Iraque, deixado por seu irmão George, e pelo apelido de “Low Energy Jeb” que lhe foi dado por Donald Trump.
Hillary Clinton porém está próxima de conquistar a indicação pelo Partido Democrático.
Seu adversário será exatamente Donald Trump que, ao anunciar sua candidatura, era considerado pouco mais do que uma figura cômica, quase um palhaço, famoso por sua insaciável sede de publicidade, por seu programa The Apprentice e pela ridícula campanha em que insistia que o presidente Barack Obama tinha nascido no Quênia.
A escolha de Hillary Clinton era considerada quase uma “coroação”, pois não haveria entre os democratas um candidato que pudesse superá-la.
Mas o senador por Vermont, Bernie Sanders, que não pertence ao Partido Democrático, apresentou-se como independente em suas primárias e conseguiu o que parecia impossível, pois lutava contra a máquina do partido: endureceu a campanha contra Hillary Clinton.
Hillary ganhará a escolha na convenção, mas sua eleição à presidência, que parecia certa, é agora uma grande dúvida: as pesquisas de opinião apontam um empate virtual entre ela e Donald Trump e a tendência é para o crescimento deste.
A eleição de Trump, boquirroto, demagogo, irresponsável e fascitóide, seria ou será uma tragédia para os Estados Unidos e para o mundo: todas as suas promessas (ou ameaças), como uma guerra comercial contra a China, o muro na fronteira mexicana (com a conta enviada ao governo do país vizinho), a proibição da entrada de muçulmanos no país, a promessa de reativar as poluentes minas de carvão, a ameaça de usar bombas atômicas, são irresponsáveis – além de provavelmente irrealizáveis.
É difícil acreditar que um país adiantado como os Estados Unidos possa eleger uma pessoa como Trump, mas Hitler e Mussolini, em suas épocas, também conquistaram imensa popularidade na Alemanha e na Itália.
O problema de Hillary Clinton, porém não é Trump, é ela mesma, Hillary.
A cada dia que passa as pesquisas de opinião revelam que mais e mais eleitores desconfiam de seu caráter.
Hillary é cada vez mais uma pessoa vista como pouco confiável, capaz de mentiras e tergiversações que vão desde negócios duvidosos ao tempo em que seu marido Bill era governador de Arkansas e depois presidente dos Estados Unidos, até os tempos atuais, com suas palestras secretas para os banqueiros de Wall Street, em troca de 11 milhões de dólares, aos e-mails em seu provedor particular enquanto foi Secretária de Estado de Barack Obama.
Mesmo o eleitorado feminino confia pouco em Hillary Clinton, achando que ela sempre foi conivente, omissa e até cúmplice (pelo menos cúmplice a posteriori), encobrindo as conhecidas aventuras extraconjugais de seu marido e culpando as parceiras.
Em suma, como ela demonstrou ao apoiar George W. Bush em sua decisão de invadir o Iraque (enquanto Bernie Sanders e Barack Obama se opunham), a impressão geral é de que Hillary toma posições com base em um único critério: o que ela julga mais conveniente para sua carreira.
No caso da invasão do Iraque, ela não queria ficar fora do que achava seria uma “marcha triunfal” dos americanos no país.
A história provou que foi um erro colossal.
Por isto muita gente não votará em favor de Hillary Clinton no próximo mês de novembro: sufragará o nome de Hillary Clinton como único jeito de votar contra Donald Trump.
Assim está a eleição no país mais rico do mundo: entre um pilantra e uma oportunista.
Dos males, o menor.
Resta saber se será o suficiente para dar a vitória aos democratas.
José Inácio Werneck, jornalista e escritor é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.
sábado, 18 de junho de 2016
O ACABA BAILE
Uma das figuras mais conhecidas das histórias que se contam nos pagos do Rio Grande é do “Acaba Baile”.
O “Acaba Baile” era o índio guapo barbaridade, que se achegava nos bares para tomar uma canha, já olhando com o canto do olho para a assistência e, em dia de festa, já chegava no baile armado de facão.
Bastava um olhar atravessado que o cuera já se atacava e o buchichim estava feito.
Érico Veríssimo descreveu em “Um Certo Capitão Rodrigo” o seu personagem principal como um autêntico “Acaba Baile”.
Quando o Capitão Rodrigo chega em Santa Fé vai direto para o bolicho e ao entrar solta a pérola: “"Buenas e me espalho, nos pequenos dou de prancha e nos grandes dou de talho!".
Como todo bom fanfarrão o Capitão Rodrigo está se apresentando e dizendo que nos mais fracos bate pouco (nos pequenos dou de prancha, isso é, com o lado do facão) mas nos grandes bate muito (nos grandes dou de talho, ou, com o fio do facão).
Claro, criaturas assim fazem parte das lendas pampeanas e são assunto para causos e risos em roda de chimarrão.
Eles existem a séculos no imaginário que moldou a lenda do gaúcho corajoso e desafiador que não teme a nada sendo figuras queridas do folclore gaúcho.
Mas não é que pros lados dos esteites, um lugar exemplar para muitos, apareceu um acaba baile, pior, muito pior do que qualquer Capitão Rodrigo?
Trata-se de Omar Mateen, um jovem de 29 anos, homofóbico e simpatizante do radicalismo islâmico representado pelo Exército Islâmico (EI).
Armado com um rifle de repetição um revólver e um "aparelho suspeito", que teve uma explosão controlada, que não foi mais detalhado pela polícia, o rapaz conseguiu entrar numa boate de público majoritariamente gay e passou a disparar a torto e a direito, matando indiscriminadamente ao seu redor.
Foram 49 vítimas fatais e mais de 50 feridos.
Longe de ser fruto de uma lenda urbana ou alimentar causos e risos Omar é bem real.
Suas origens não estão no folclore, mas na intransigência do ocidente para com os de orientação sexual diferente da sua.
Estão na competição avassaladora dessa sociedade que rotula cada um como vencedor ou derrotado desde a mais jovem idade.
Estão na exclusão e na solidão que acompanha os que se sentem menores mesmo que cercado por milhões.
Na hipocrisia de uma sociedade que em nome dos lucros imensos da indústria da bala, permite que armas e munição sejam vendidos por atacado ou a varejo nos balaios de liquidação.
O Acaba Baile norte-americano não acabou apenas com o baile em que pessoas se divertiam e gastavam o seu dinheiro arduamente conquistado, mas com as vidas dessas pessoas que ele sequer conhecia.
O pior nem é a existência de um “Acaba Baile” que não conseguiu controlar suas próprias carências e instintos e num misto de moralismo e religiosidade extrapolou suas emoções e partiu para a ação enlouquecida.
O pior é que muitos outros “Omares” permanecem silenciosos nas mentes reacionárias de muitos homens de bem e de poder, capazes de esconder seu ódio.
São esses "Omares" que se divertem com as piadas racistas, o comportamento homofóbico e impedem que qualquer lei que dificulte o acesso às armas nos Estados Unidos seja aprovada.
O Capitão Rodrigo, se estivesse por aqui, bateria de prancha numa pessoa como Omar Mateen, psicótico e vítima de si mesmo, e de talho numa sociedade que discrimina, marginaliza e não suporta a felicidade de quem considera inferior.
O Capitão Rodrigo, se estivesse por aqui, bateria de prancha numa pessoa como Omar Mateen, psicótico e vítima de si mesmo, e de talho numa sociedade que discrimina, marginaliza e não suporta a felicidade de quem considera inferior.
Prof. Péricles
quinta-feira, 16 de junho de 2016
RUÍNA DE UMA TRAIÇÃO
Por Max Cavalera
Esfacela-se, miseravelmente, toda a rede conspiratória que culminou em uma das mais vergonhosas e indecentes traições da nossa breve e frágil história democrática.
Sob à luz dos fatos, desmantela-se uma quadrilha de hipócritas que se utilizou da intolerância e do preconceito de uma sociedade branca, elitista e machista para se locupletarem num ciclo de corrupção, impunidade, poder e dinheiro.
A sequência dos fatos é estarrecedora tanto do ponto de vista prático quanto simbólico.
Uma vez afastada a presidenta Dilma, vimos, num misto de espanto e horror, surgir um ministério de velhos burgueses onde a diversidade de gênero, de raça e de ideias se fez tão escasso quanto a dignidade dos que protagonizaram a verdadeira falência desse tão celebrado Estado Democrático de Direito.
A partir desse monstro criado da mentira e da desonra, pôs-se em prática a retomada de um Status Quo que em certo dia um metalúrgico ousou subverter.
Com o cínico discurso da moralidade, tudo a que se referia social foi revisto, diminuído ou simplesmente extinto. Assim manda o capital.
A questão é que não importa o quão dissimulado esse governo interino possa ser, a marca de sua ilegalidade é gritante. E logo fez suas primeiras vítimas.
Como num câncer que corrói de dentro pra fora, os primeiros sinais de podridão foram sentidos já nos primeiros dias. Temer se viu obrigado a cortar na carne para salvar as aparências.
Como a metástase de sua delinquência moral é incontornável, assumiu de vez o caráter puramente corruptor e corruptível de sua equipe e já não se constrange em manter ao seu lado a leva de denunciados que se somam a cada dia.
No caminho percorrido que levou à completa desmoralização de todos aqueles que apoiaram o golpe, chegamos ao dia em que é solicitada a prisão da nata dos golpistas. Jucá, Sarney, Renan e Cunha na cadeia criam um retrato fiel do que representa Michel Temer na presidência da República.
Que jamais esqueçam, cada lágrima derramada pela traição regará a força e a razão necessárias para impor a ruína dos traidores.
Max Cavalera, nome artístico de Massimiliano Antônio Cavalera, é um cantor e guitarrista brasileiro. Formou a banda de thrash metal Sepultura juntamente com seu irmão, Igor Cavalera.
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