quarta-feira, 9 de abril de 2014

FAÇA POR MIM PAPAI


Porto Alegre. Rua Riachuelo número 1355, mas o 1 e o 3 caíram, deixando os dois 5 sozinhos. Prédio velho de quatro andares contando com o térreo. Cada andar com 8 janelas cobertas por persianas de duas folhas que se abrem para fora. Prédio enrugado pelo tempo de onde se entra ou se saí através de uma porta de ferro trabalhada em detalhes como apenas as construções de sua época costumam ser. No centro da porta a frase “Casa do Estudante Universitário, Abrigando Estudantes de todo o mundo”.

Podemos conhecer uma cidade por suas histórias cujos segredos são guardados a sete chaves por prédios como esse da rua Riachuelo, antigamente chamada de rua da ponte.

Aparício Corá de Almeida nasceu em 1906, filho de família abastada, em quarai/RS. Sempre quis ser advogado, por isso, aos 17 anos veio completar seus estudos fundamentais no Colégio Militar de Porto Alegre.

Brilhante orador destacou-se na faculdade de Direito como um líder natural entre os estudantes.

Sempre foi muito preocupado com os outros rapazes de sua idade que, ao contrário dele, eram de famílias humildes e, por isso, vinham para a capital estudar sem as melhores condições financeiras.

Encabeçou inúmeras ações de assistência social e, finalmente, fundou, em 25 de agosto de 1930, a Casa do Estudante de Direito, que ficava na rua Duque de Caxias.

Engajado nas lutas populares daqueles tempos atribulados tornou-se socialista e participou com dinamismo, talento e coragem extraordinária dos movimentos da Revolução de 30 que prometiam novos tempos de liberdade.

Para sua decepção os ventos revolucionários inclinam-se para a direita, com Getúlio Vargas nomeando o General Flores da Cunha, homem reconhecidamente conservador, para governador do estado.

Não diminui sua determinação. Foi preso, apanhou muito, mas seguiu nas suas convicções socialistas e em sua luta.

Em 1935 a Esquerda tenta se opor ao crescente fascismo brasileiro dos integralistas, criando a Aliança Nacional Libertadora, cujo objetivo era impedir que o extremismo chegasse ao poder no Brasil na figura de Plínio Salgado, como chegara à Alemanha, em 1933, com Adolf Hitler.

Numa festa emocionante no Teatro São Pedro, milhares de pessoas aclamaram a Aliança e os aliancistas. Aparício Corá de Almeida foi aclamado primeiro secretário no estado, Dionélio Machado na presidência. Luis Carlos Prestes, o cavaleiro da Esperança seu presidente nacional.

No final daquele ano os comunistas acreditando que Vargas daria um golpe colocando os Integralistas no poder, tentaram dar um golpe primeiro, mas falharam completamente.
Prestes e as principais lideranças caem na clandestinidade. Centenas de comunistas são presos em todo Brasil, a ANL é extinta.

No Rio Grande do Sul ocorreram várias prisões. Dionélio foi preso e torturado.
Mas, o pior, perguntem ao prédio antigo, aconteceu com Aparício Corá.

Na manhã de 13 de outubro de 1935 seu corpo sem vida, foi encontrado numa rua transversal da Voluntários da Pátria, com um enorme ferimento de arma de fogo num dos ouvidos.

Nas investigações da polícia que incluiu testemunhas que posteriormente alegaram nada ter visto, e relatos de pessoas inexistentes, a versão final de que, brincando com o próprio revólver, a vítima disparara contra si mesmo, acidentalmente.

O costumeiro assassinato político acobertado por falso acidente ou falso suicídio.
Aparício Corá de Almeida morreu com 29 anos, no apogeu de seu talento e de sua juventude.

Seu pai, Israel Almeida e a mãe Maria Antônia Corá nunca aceitaram as explicações da polícia, nem se conformaram com a perda do filho amado.

Israel instalou a Casa do Estudante nesse prédio da Rua Riachuelo 1355 que o filho há tempos idealizara como suporte de seu sonho, e o doou inteiro, para a Faculdade do Rio Grande do Sul, com a condição que ele fosse mantido, para sempre como Casa do Estudante, abrigo de jovens que do interior deslocam-se para a capital em busca do sonho de fazer a faculdade.

Até sua morte em 25 de junho de 1961, quando seus amigos empresários lhe perguntavam como podia se desfazer de um bem tão valioso, Israel respondia ser essa a vontade de seu filho. Na última vez que nos vimos, explicava ele, com olhos marejados, sorria ao antever o que seria a Casa do Estudante, e suas últimas palavras, a porta de sua casa, foram, “faça por mim papai”.

Prof. Péricles

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