domingo, 20 de novembro de 2011

MÚSICA BRASILEIRA E A DITADURA MILITAR - 02

Os problemas de Chico Buarque com a censura começaram junto com a sua carreira. Em 1966, a música “Tamandaré”, incluída no repertório do show “Meu Refrão”, com Odete Lara e MPB-4, é proibida após seis meses em cartaz, por conter frases consideradas ofensivas ao patrono da marinha.

Exilado na Itália, de 1969 a 1970, Chico Buarque sofreria com a perseguição da censura após o retorno ao Brasil. Em 1970, recém chegado do exílio, o compositor enviou a música “Apesar de Você” para a aprovação da censura, tendo a certeza que a música seria vetada. Inesperadamente a canção foi aprovada, sendo gravada imediatamente em compacto, tornando-se um sucesso instantâneo. Já se tinha vendido mais de 100 mil cópias, quando um jornal comentou que a música referia-se ao presidente Médici. Revelado o ardil, o exército brasileiro invadiu a fábrica da Philips, apreendendo todos os discos, destruindo-os. Na confusão, esqueceram de destruir a matriz.

Em 1973 Chico Buarque sofreria todas as censuras possíveis. A peça “Calabar, ou o Elogio à Traição”, escrita em parceria com Ruy Guerra, foi vetada pela censura. As conseqüências da proibição viriam no seu álbum, “Calabar”, também daquele ano. A capa do disco trazia a palavra “Calabar” pichada num muro. Os censores concluíram que aquela palavra pichada tinha um significado subversivo, o que resultou na proibição da capa. A resposta de Chico Buarque foi lançar o álbum com uma capa totalmente branca e sem título.

O disco trazia o registro das canções da peça vetada, por isto teve várias músicas (todas elas em parceria com Ruy Guerra) censuradas:

- “Não Existe Pecado ao Sul do Equador”, que fazia parte deste disco, alcançaria grande sucesso quando gravada por Ney Matogrosso, em 1978, quando foi escolhida como tema de abertura da novela da tevê Globo “Pecado Rasgado”, na versão original da música o verso “Vamos fazer um pecado safado debaixo do meu cobertor“, foi substituído por “Vamos fazer um pecado rasgado, suado, a todo vapor“;

- “Fado Tropical” teve proibido parte de um texto declamado por Ruy Guerra, além da frase “além da sífilis, é claro”, herança portuguesa, segundo a personagem Mathias, no sangue brasileiro.

- “Bárbara”, um dueto entre as personagens Ana de Amsterdam e Bárbara, teve cortada a palavra “duas”, por sugerir um relacionamento homossexual entre elas. Tanto “Ana de Amsterdam” quanto “Bárbara”, já tinham sofrido os mesmos cortes no álbum “Caetano e Chico Juntos Ao Vivo”, ali substituídos por palmas.

Naquele ano de 1973, a música “Cálice” (Chico Buarque – Gilberto Gil), foi proibida de ser gravada e cantada. Gilberto Gil desafiou a censura e cantou a música em um show para os estudantes, na Politécnica, em homenagem ao estudante de geologia da USP Alexandre Vanucchi Leme (o Minhoca), morto pela ditadura.

Ainda naquele ano, no evento “Phono 73”, festival promovido pela Polygram, Chico Buarque e Gilberto Gil tiveram os microfones desligados quando iriam cantar “Cálice”, por decisão da própria produção do show, que não quis criar problemas com a ditadura.

Em 1974 a censura não dá tréguas ao artista. Impedido de gravar a si mesmo, Chico Buarque lança um disco, Sinal Fechado (1974), com composições de outros autores. Diante de tantas canções vetadas, a sofrer uma perseguição acirrada, Chico Buarque cria os pseudônimos de Julinho da Adelaide e Leonel Paiva. É sob o heterônimo do Julinho da Adelaide que a censura deixa passar canções de críticas inteligentes à ditadura, lidas nas entrelinhas: “Jorge Maravilha”, que trazia o verso “Você não gosta de mim mas sua filha gosta”, que era lida como uma referência ao então presidente Geisel, cuja filha Amália Lucy, teria dito em entrevista, que admirava as canções do Chico Buarque.

“Acorda Amor”, outra canção liberada do Julinho da Adelaide, era uma referência clara aos órgãos da repressão, que vinham buscar cidadãos suspeitos de subversivos em suas casas, levando-os em uma viatura, desaparecendo com eles. Diante da polícia repressiva, ele chamava pelo ladrão. “Milagre Brasileiro” também levou a assinatura de Julinho da Adelaide.

Outro clássico da MPB que sofreu uma censura moralista foi “Atrás da Porta” (Chico Buarque – Francis Hime), o verso original “E me agarrei nos teus cabelos, nos teus pêlos”, seria substituído por “E me agarrei nos teus cabelos, no teu peito”, a censura achava a palavra “pêlos” de caráter indecente.

Quando o AI-5 foi extinto, em 1978, Chico Buarque vingou-se dos anos de censura, gravou “Cálice”, regravou “Apesar de Você”, além de criar músicas provocantes, que afrontavam à moral da época, como “Folhetim“, que descrevia uma prostituta, ou “Geni e o Zepelim” e “Não Sonho Mais”, temas de dois travestis, Genivaldo da peça “A Ópera do Malandro” e Eloína, do filme “A República dos Assassinos”, respectivamente.

eltheatro11@eltheatro.com
Editor: Elpídio Navarro

Nenhum comentário: