domingo, 27 de outubro de 2013

HOJE NÃO HAVERÁ SESSÃO


Na minha cidade de Porto Alegre, havia um cinema chamado “Cine Astor”.

Levado pela onda dos shoppings, de exibições em salas menores, praticamente, todos os cinemas tradicionais da cidade fecharam.

No dia seguinte a seu fechamento, após o última filme, alguém colocou na frente do prédio, um cartaz, feito a mão, que quase passava despercebido. Nele se lia “Hoje não haverá sessão”.

Todos sabiam do fechamento definitivo da casa. Mas, alguém, acalentou a ilusão de que um dia o velho cinema voltaria a ser freqüentado, que um dia voltaria a ter platéia. A prova estava lá no teimoso “hoje” não haverá sessão.

Certas coisas nas nossas vidas são assim mesmo.

Gostaríamos de poder negar seu fim.

Gostaríamos de acreditar que tudo o que é bom dura para sempre.

Que o romantismo jamais será superado pelo mercado, que a modernidade nunca tornará obsoleto os nossos maiores prazeres.

Que bom seria poder dizer “hoje não seremos jovens” ou “apenas hoje estaremos morrendo”.

“Hoje não te amarei” na esperança pueril de que o amor retorne um dia, com seu antigo vigor, reconquistando seu lugar no coração vazio.

Enquanto queremos que as coisas boas sejam eternas, queremos provisórias as coisas que nos machucam.

Estamos doentes, mas somos saudáveis, estamos deprimidos, mas somos felizes.

O que é bom é definitivo, o que é ruim é temporário. Ou, pelo menos, deveria ser.

Foi sábio o autor do cartaz do cine Astor.

A teimosia em anunciar uma transitoriedade e não o final deveria inspirar todos os finais.

Hoje, somente hoje, e nada mais.

Quando estivermos com raiva, com desejos de vingança, nos sentindo menores do que somos. Quando o sentimento for de ser a última das opções, não esqueçamos, lá no fundo do coração, escrever “hoje”, mantendo aberta a porta para a ilusão benevolente.

E quando chegar nossa última sessão, que nosso cartaz seja rebelde, teimoso e repleto de confiança e coragem, mesmo que escrito numa simples folha de papel.

Prof. Péricles


Um comentário:

Anônimo disse...

Gostei muito caro professor!
É verdade, muitas vezes queremos negar determinados fins: amizades, amores e prazeres que, por muito tempo, foram tão especiais para cada um de nós.
Contudo, a dor que isso pode causar pode ser administrada, pois essas pertencem ao hoje, "hoje está doendo;amanhã pode não estar". Acreditar que o problema, a dor e o desamor poderão passar pode ser uma boa saída.