quinta-feira, 28 de julho de 2011

A TORTURA NO BANCO DOS RÉUS - COMEÇOU O JULGAMENTO

Nesta quarta (27), no Fórum da Praça João Mendes, em São Paulo, a juíza Claudia de Lima Menge ouviu testemunhas de acusação arroladas pelos advogados da família do jornalista Luiz Eduardo Merlino, torturado e morto em 1971, aos 23 anos. Ustra não compareceu à audiência.

Entre as testemunhas de defesa arroladas por Ustra estavam o atual presidente do Senado, José Sarney, o ex-ministro Jarbas Passarinho, um coronel e três generais da reserva do Exército brasileiro.

Essa segunda ação se refere a danos morais e foi movida pela irmã de Merlino, Regina Merlino Dias de Almeida, e pela ex-companheira do jornalista, Angela Mendes de Almeida. “É uma luta que estamos travando há muito tempo. Chegar até aqui é uma vitória”, disse Angela.

A imprensa não cobriu a sessão, ninguém, além de advogados e depoentes, foi autorizado a ouvir as declarações, nem a família Merlino. A pequena sala da audiência declarou-me depois uma fonte, mal comportava quatro pessoas.

Longe da sala de audiência, uma multidão tomou a praça e fez um ato contra a ditadura e suas mortes. Maria Amélia de Almeida Teles, uma militante que participou da guerrilha do Araguaia, durante o período da ditadura militar, estava ao lado dos manifestantes e do marido, César, com o filho, Edson.

Com a Lei de Anistia, de 1979, Amelinha, como é mais conhecida, conta que a pergunta de todos os que perderam parentes com a repressão ficou no ar: “Onde estão nossos desaparecidos?”

Deixei a praça e subi até o nono andar, voltei ao prédio e ao corredor da espera. Leane Almeida, testemunha, estava saindo. Calculei rapidamente a idade, 40 anos depois da prisão, aos 21, ela está com 61 anos. Não aparenta: “Eu fui presa no mesmo dia em que o Merlino, o Major comandou pessoalmente as torturas que eu sofri, ele dava ordens aos gritos, todo mundo escutava as sessões de tortura. Ele esteve presente em toda a Operação Bandeirantes, coordenando equipes e acompanhando interrogatórios”.

Pergunto sobre as torturas, ela conta que foi a primeira militante da ALN a ser presa e torturada. O coronel queria os nomes dos membros de seu grupo. Quando o Merlino chegou, Liane foi liberada da tortura e encaminhada para uma cela, onde ficou presa um ano e meio.
Ela diz que Merlino morreu porque não resistiu aos quatro dias de tortura ininterrupta. Viu, do primeiro andar onde estava presa, a retirada de Merlino do Doi-Codi: “O corpo dele estava inerte, acho que ainda não tinha morrido. O Ustra dava as ordens e a sua equipe jogou o corpo no porta-malas de um carro, que partiu”.

Liane para e se emociona, explica: “A memória é do corpo, não passa”.

Continuou: “Uma certeza tenho, no estado em que Merlino saiu da prisão ele não teria condições de correr para nenhum lugar, só para o paraíso”.

Liane se prepara para ir embora, finaliza: “Agora dependemos da Comissão Verdade e Justiça, como na Argentina e em outros países, ela tem mesmo que pactuar com a verdade e fazer justiça. Estamos escrevendo aqui, hoje, a história do Brasil, se haverá justiça ou não, dependerá de outros”.

A partir daqui, um funcionário do Fórum e um policial nos expulsam do andar, pedem que o grupo siga para o elevador. Daí um jovem que se declara "estudante" faz perguntas provocativas para um dos depoentes, o homem, já idoso e claramente sofrido, responde em voz grossa, alta, diz que a ditadura acabou e que não aceitará provocações.

Todos, no elevador, após a porta fechar e o silêncio voltar, afirmam que esses que se dizem "estudantes" são policiais disfarçados, querendo causar tumulto. Torço para que eles só tumultuem e não interfiram na briga pela punição dos torturadores, luta antiga e de todos, mas principalmente dos herdeiros da ditadura, futuros líderes desse país.

Por Christiane Marcondes

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