domingo, 19 de junho de 2011

O DISCURSO DE MÁRCIO MOREIRA ALVES

O ano de 1968 foi conturbado e decisivo para os destinos do Brasil sob o regime militar.

Enquanto a situação econômica assustava os generais, a reação contra o regime crescia nas ruas de todo o país.

Estudante morto durante protesto pacífico, passeata de cem mil pessoas, e um crescente desejo de retorno à normalidade política, colocava os senhores do sistema na parede.

Era preciso, segundo os mentores do golpe, promover um ato de extrema força para garantir mais tempo no poder.

Esse ato foi o AI-5. A “desculpa”? Bem, a “desculpa” para a publicação do AI-5 acabou sendo um discurso pronunciado no Congresso Nacional por um de seus deputados.

Márcio Moreira Alves nasceu no Rio de Janeiro, em 14 de julho de 1936. Era portanto um jovem político de 32 anos quando esses fatos aconteceram.

Iniciou trabalho como Jornalista aos 17 anos, sendo correspondente de guerra em 1956 na crise da nacionalização do Canal de Suez.

Em 1963 bacharelou-se em ciências jurídicas e sociais pela UERJ.

Em novembro de 1966, com 30 anos, foi eleito deputado federal pela Guanabara.
Tornou-se um dos maiores opositores da ditadura imposta em 1964.
No fim de agosto do fantástico ano de 1968, forças da repressão fecharam a universidade de Minas Gerais e invadiram a UNB (Universidade de Brasília) causando profunda revolta no jovem deputado.
Alinhado com a juventude estudantil, pronunciou, em 2 de setembro, o famoso discurso que entraria para a história.

Nele Márcio Moreira Alves conclama o povo brasileiro a boicotar as festividades de comemoração da independência de 7 de setembro. Segundo ele, essa era uma forma adequada, de mostrar aos militares ilegitimamente no poder, toda a indignação e revolta contra o autoritarismo.

“As cúpulas militaristas procuram explorar o sentimento profundo de patriotismo do povo e pedirão aos colégios que desfilem junto com os algozes dos estudantes. Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile”.

Em outro trecho, talvez o que mais enfureceu as “autoridades” Márcio lança um pedido às namoradas, noivas e esposas dos militares:
“Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. Seria preciso fazer hoje, no Brasil, que as mulheres de 1968... Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam. Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das forças armadas, falando e agindo em seu nome.”

O pronunciamento foi considerado pelos ministros militares como ofensivo ''aos brios e à dignidade das forças armadas''. Em 12 de outubro foi pedida sua cassação no Congresso Federal por “uso abusivo do direito de livre manifestação”.

No dia 11 de dezembro, talvez pela primeira vez desde 31 de março de 1964, o Congresso levantou a cabeça e agiu com coragem. Por 216 votos contra e 141 a favor, o plenário recusou pedido para processar o deputado do MDB. Quando da leitura do resultado, os deputados deram-se as mãos, e, alguns com lágrimas nos olhos, cantaram o hino Nacional.

No dia seguinte, sexta-feira 13 de dezembro de 1968, o Genral Costa e Silva editava o AI-5.

Em 30 de dezembro foi divulgada a primeira lista de cassações do AI-5 e por quem era encabeçada? Pelo deputado do discurso maldito. Antes do final daquele ano, Márcio deixou clandestinamente o país, rumo ao Chile (onde ficou até 1971) e vários outros países depois.

Com a Lei da Anistia, retornou ao Brasil em setembro de 1979. Apesar de candidatar-se duas vezes à Câmara dos Deputados, não conseguiu se eleger.

Em 3 de abril de 2009, dois dias depois dos 45 anos do Golpe Civil-Militar, Márcio Moreira Alves morreu após sofrer um AVC (acidente vascular cerebral).
Apesar disso, dizem que seu discurso ainda ecoa nas paredes do Congresso Nacional...ou pelo menos, nos corações dos que amam a liberdade.

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