segunda-feira, 27 de junho de 2011

CRISES DO SÉCULO XIV: AS DORES DO PARTO

O século XIV foi, sem dúvida, assustador para seus contemporâneos. Um século de dores profundas e de morte fácil.

As guerras feudais se multiplicaram como nunca, sendo a guerra dos Cem Anos (1337-1453), entre ingleses e franceses, apenas, a mais conhecida delas. Muitas outras se revezariam no cenário europeu apocalíptico, tão fartas que, em muitas delas não restava tempo para enterrar seus mortos.

Em meados desse século a peste iria compor o drama com cores pungentes. A mais célebre delas, a “Peste Negra” matou, segundo alguns historiadores europeus, 1/3 da população do continente. Era letal, dolorosa e inclemente. Espalhava-se como fogo em mata seca a partir do contágio da pulga dos ratos, numerosos e audaciosos, que disputavam espaços miseráveis com os seres humanos. Em seguida, o infectado tornava-se, sem saber, agente de propagação da doença através da respiração. A Peste Negra, portanto, era duplamente mortal: bubônica pelos ratos e pneumônica pela respiração.

Em poucos dias grossos bulbos purulentos apareciam inicialmente na virilha e nas axilas, espalhando-se em seguida, por todo o corpo. Esses bulbos com o tempo tornavam-se escurecidos, sugerindo o nome “Peste Negra”. A morte era dolorosa e profundamente solitária, pois, afastar os pestilentos era a única forma real de combate ao contágio.

Atrelada à religião, a medicina tinha parcos conhecimentos sobre epidemias na época, quase todos dominados pela superstição e crendices.

A partir da segunda metade do século, crises agudas de fome espalharam-se pelos quatro cantos do continente europeu. Sucessivas secas e inundações (será o “El Nino) arrasaram colheitas inteiras por inúmeras estações. Em alguns lugares, como na Escócia, foram encontradas, recentemente, provas de que o canibalismo tornou-se uma prática comum diante do desespero da morte lenta por inanição.

Mas por que tantas dores numa mesma época, relativamente curta?

Além das várias explicações científicas e antropológicas, uma coisa parece evidente.

Eram as dores do parto.

O mundo feudal e suas velhas relações econômicas e de vassalagem estava nos estertores de sua limitação, enquanto o capitalismo, impulsionado desde o início das Cruzadas, no século XII, buscava espaço. Estava nascendo um novo mundo.

Entretanto, o homem jamais deixa de acreditar. E ainda no século XIV, lentamente, nas dobras das ruínas do mundo antigo, um movimento começava a nascer.

Misturado com bulbos, canibalismos e guerras cruentas, o Renascimento surgiria trazendo consigo todo um conjunto de novos valores humanistas, antropocentristas e burgueses.

O homem sobreviveria às dores da morte do mundo velho e do parto do mundo novo, a partir da substituição do pensamento religioso predominante nas velhas relações, pelo pensamento do “homem no centro” nas buscas de explicações.

Na pintura, escultura, astronomia, medicina, enfim, em todas as áreas do conhecimento e das artes, as mudanças seriam irreversíveis.

A nova economia não poderia funcionar com a mentalidade tacanha das atividades meramente primárias e subordinadas à fé.

E o mundo mudou.

Não será que as crises de nosso tempo, que afligem economias, antes dominantes, que testemunham mudanças climáticas e planetárias, que atingem profundamente o comportamento humano, não seriam também, as dores de um novo parto?

Se assim for, cabe a nós, os que acreditam na liberdade, e na força revolucionária de cada ser humano, construir nosso novo Renascimento.

E que seja um renascimento de esperança, de igualdade, de solidariedade e de paz.

Prof. Péricles

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