domingo, 24 de agosto de 2014

ABDELMASSIH E MENGELE




Por Alex Antunes



Claro que o ex-médico Roger Abdelmassih é um monstro. Atacava mulheres sob seus cuidados ou chefia, sedadas ou não. Sua pena é de 278 anos de prisão, por cerca de 50 estupros (foram 90 acusações, várias prescritas ou consideradas carentes de provas). A pena traduz esse inconformismo da sociedade com “um homem que abusava de mulheres que deveria proteger”, ou que “abusava delas em seu momento de maior fragilidade”. Fato.

Acontece que o doutor, capturado nesta terça-feira em Assunção, no Paraguai, onde havia se instalado numa mansão num bairro fino (o mesmo do presidente), não é apenas um estuprador vulgar. Ele era também um médico de grande renome e sucesso, inclusive midiático. Chamava a si mesmo de “Dr. Vida”, em função do alto percentual de casos bem-sucedidos em sua clínica de reprodução assistida.

Sua notoriedade começou quando atendeu o “rei” Pelé e a então esposa, Assíria, que conseguiu engravidar de gêmeos. Seguiu-se uma lista de celebridades, incluindo as mulheres de Fernando Collor, Tom Cavalcante, Renan Calheiros e Gugu Liberato (Fátima Bernardes faz questão de negar que tenha sido atendida por ele). A caríssima clínica de Abdelmassih tinha um alto percentual de casos bem-sucedidos, por volta de 50%, contra a média usual dos 30% de referência internacional. Ele dizia que era por causa do alto investimento em pesquisas.

Hoje sabe-se que o Dr. Roger também estuprava a ética médica. À revelia das pacientes, usava óvulos ou espermatozóides não necessariamente colhidos dos casais que atendia, e inseminava óvulos em quantidade superior ao indicado, para melhorar a margem de sucesso. Fraudes e erros médicos eram o combustível real da sua taxa de acerto.

Dr. Roger está em boa companhia. Nos anos 1980, o médico american Cecil Jacobson também alucinava em sua clínica de reprodução humana: usou seu próprio esperma em fecundações, produzindo possíveis 75 filhos seus em clientes desavisadas. Não se sabe se o Dr. Abdelmassih usou seu próprio sêmen. O médico mais famoso do 3º Reich, Josef Mengele, que fugiu para a América do Sul e morreu incógnito, em 1979, em Bertioga, no Brasil, por afogamento, é outro que juntava medicina e fetiches pessoais.

Entre 1943 e 1944, no campo de concentração de Auschwitz, o "Anjo da Morte" torturou e mutilou prisioneiros em seus “experimentos científicos”, entre os quais se incluiam afogamentos, injeções nos olhos e até a tentativa de criar gêmeos siameses artificiais, juntando dois irmãos. Mengele ia ainda um pouco mais longe da casinha, com um empurrão conivente do nazismo. Mas, como Jacobson e o Dr. Roger, Mengele não tinha cara de maluco.

Tinha, isso sim, a mesma arrogância de praticamente toda a medicina branca e ocidental diante de seus pacientes – particularmente quando esses pacientes são mulheres. Saltam à vista casos recentes como o de Adelir Carmen Lemos de Góes, obrigada por decisão judicial e força policial a fazer uma cesariana indesejada em Torres (RS), e de uma paciente de Natal (RN), ridicularizada nas redes sociais por seu obstetra após discordâncias na condução do parto.

Com os seus respectivos graus de perversão, o tal obstetra de Natal, chamado Iaperi Araújo, mais Jacobson, Abdelmassih e Mengele são exemplares de um mesmo tipo de postura. A suposta autoridade da (assim chamada) ciência sobre a intuição. Do deslumbramento fetichista tecnológico sobre a magia natural. O jaleco faz o tarado.
Na ficção, as fantasias de Mengele ganharam uma dimensão mais megalomaníaca. No livro de Ira Levin, depois adaptado para o cinema, chamado Os Meninos do Brasil, o médico-carrasco alemão combina seu gosto real por gêmeos com a especialidade em fertilização, antecipando Jacobson e Abdelmassih. Ele cria clones de Hitler em casais que buscam a gravidez assistida.

Gregory Peck como Mengele em Meninos do BrasilMeu filho nasceu em casa, sob a orientação de uma parteira (ex-enfermeira obstétrica) e de uma xamã. Minha ex-mulher, que tinha um parto anterior em hospital, não tem a menor dúvida de que é melhor escolher seu canto para parir como uma gata, o mais confortável possível, se hidratando com pedaços de melancia, do que de pernas para cima, contra a lei da gravidade, em sofrimento, em jejum e sob a agressividade das luzes e do escrutínio dos médicos. Parir é saúde, não doença. E a cura de doenças, por sua vez, não é glamour. É saúde, psíquica inclusive.

No aniversário de 30 anos da primeira fertilização in vitro do mundo, em 2007, conforme o relatado no blog de Laura Capriglione, Abdelmassih fez uma festa opulenta, a Festa da Fertilidade, com a presença não só de vários de seus clientes famosos, como também de Luciana Gimenez e Hebe Camargo, que carregava animadamente um bebê de brinquedo como se fosse real. Mais um espetáculo midiático, mais uma exibição do “poder”, mais fetiche.

No entanto, nas rodas médicas, os abusos de Abdelmassih eram comentados há anos, e nada se fazia. Só com a explosão pública do escândalo a entidade de classe se mexeu para cassar seu registro. Ele era um “poderoso”, e amigo dos “poderosos”. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, mandou soltá-lo, para que ele respondesse o processo em liberdade – e ele fugiu para o exterior, desaparecendo por quase quatro anos.

Se entre Mengele e Abdelmassih é a mesma postura, só com diferenças de grau, fantasia e oportunidade, assim também é entre o nazismo e o mundo dos “famosos”. Onde Abdelmassih fez sua fama, criando os verdadeiros “meninos do Brasil”.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A GLOBO E OS IMPOSTOS



Por Paulo Nogueira.


Stellan Skarsgard é um ator sueco.

Aos 63 anos, um dos favoritos do cineasta Lars von Trier, tem uma carreira vitoriosa que lhe trouxe fama e dinheiro. Recentemente, ele concedeu uma entrevista na qual reafirmou seu amor pela Suécia.

“Vivo na Suécia porque o imposto é alto, e assim ninguém passa fome. A saúde é boa e gratuita, assim como as escolas e as universidades”, disse ele. “Você prefere pagar imposto alto?”, lhe perguntaram. “Claro. Se você ganha muito dinheiro, como eu, você tem que pagar taxas maiores. Assim, todo mundo tem a oportunidade de ir para a escola e para a universidade. Todos têm também acesso a uma saúde pública de qualidade.”

Skarsgard nasceu e cresceu numa cultura que valoriza o pagamento de impostos. Por isso a Suécia é tão avançada socialmente. Impostos, como lembrou ele, constroem hospitais, escolas, universidades. Pagam professores e médicos da rede pública, além de tantas outras coisas positivas para qualquer sociedade.

Essa cultura vigora também na Alemanha. Recentemente, o presidente do Bayern foi para a cadeia por sonegar imposto. Quando o caso eclodiu, as autoridades alemãs fizeram questão de puni-lo exemplarmente sob um argumento poderoso: nenhum país funciona quando as pessoas acreditam que podem sonegar impostos impunemente.

Agora, vejamos o Brasil. Há anos, décadas a mídia alimenta uma cultura visceralmente oposta. Imposto, você lê todo dia, é um horror. O Brasil tem uma das maiores cargas tributárias do mundo (o que é mentira). Imposto é uma coisa injusta. Bem, a mensagem é: sonegue, se puder. Parabéns, caso consiga.

Não poderia haver coisa mais danosa para os cidadãos do que esta pregação diuturna da mídia. Você os deforma moralmente. Tira-lhes o senso de solidariedade presente em pessoas como o ator sueco citado neste artigo.

Além de tudo, a cultura da sonegação acaba chancelando os truques praticados pelas grandes companhias de mídia para escapar dos impostos. Considere o caso célebre da sonegação da Globo na compra dos direitos de transmissão da Copa de 2002.

Nestes dias, vazou toda a documentação relativa ao caso. Uma amostra já tinha vindo à luz – na internet, naturalmente – algum tempo atrás, num furo do site Cafezinho. Só a cultura da sonegação pode explicar o silêncio sinistro que cerca este escândalo fiscal.

Até aqui, a Globo não deu uma única satisfação à sociedade. Não se desculpou, não se justificou. É como se nada houvesse ocorrido. Também a Receita Federal, até aqui, não disse nada. Mais uma vez, é como se nada houvesse ocorrido no âmbito da receita. Nenhuma autoridade econômica, igualmente, se pronunciou. De novo, é como se nada houvesse ocorrido numa área tão vital para a economia como a arrecadação de tributos.

E a mídia?

Bem, a mídia finge que não está acontecendo nada. Contei já: quando o Cafezinho publicou os documentos, falei com o editor executivo da Folha, Sérgio Dávila. Ponderei que era um caso importante, e ele aparentemente concordou porque logo a Folha fez uma reportagem sobre o assunto. Uma e apenas uma. Em seguida, a sonegação da Globo sumiu da Folha para nunca mais retornar.

Se conheço as coisas como funcionam nas redações, um telefonema de um Marinho para um Frias – as famílias são sócias no Valor — pôs fim à cobertura. Volto a Stellan Skarsgard. Em todo país socialmente desenvolvido, pagar impostos é uma coisa sagrada. E sonegá-los é um ato de lesa sociedade, passível de punição exemplar.

O Brasil sofreu uma lavagem cerebral da mídia. Uma das tarefas prementes de uma administração sábia é desfazer essa lavagem. Quando as palavras do ator sueco encontrarem eco no Brasil, seremos uma sociedade desenvolvida.


sábado, 16 de agosto de 2014

AMOR, DIVINO AMOR PROFANO



Eles se amavam profundamente. Talvez amor nenhum tenha sido maior, se pudéssemos hierarquizar esse sentimento extraordinário.
Entretanto, por uma imposição do pai, ela casara-se com um homem a quem não nutria nada além de simpatia.

Assim, seu amor era impossível, mas, irresistível, e mesmo sabendo estarem agindo de forma errada, encontravam-se e amavam-se até o limite que seus corpos permitiam.

Um amor alucinado, possuído, exasperado...

Um dia, porém, foram descobertos, e, pior, surpreendidos em pleno ato do mais profundo amor.

Vergonha. Completa vergonha.

Ela esperava que ele assumisse todas as conseqüências e ficasse com ela para sempre. Mas, ele, fraco ou covarde, não fez isso. Deu-lhe as costas e tratou de defender seus interesses.

Tornaram-se irreconciliáveis.

Ela era Afrodite (para os gregos) ou Vênus (para os latinos).

Ele era Ares (para os gregos) ou Marte (para os latinos).

Ela, deusa do amor e da beleza, era tão linda, supremamente linda e perfeita, que provocou a fúria de outras filhas de Zeus (Atena e Vesta) que exigiram que Afrodite tivesse alguma desgraça, e dessa forma, foi forçada pelo pai a casar com Hefesto (Vulcano), o coxo, o deus mais feio do Olimpo, com suas marcas e cicatrizes no rosto.

Marte era o deus da guerra. Originalmente um deus da terra. Posteriormente deus da morte, das batalhas sem fim.

A união do amor e da guerra insere-se perfeitamente na forma de ver a vida dos gregos e, por herança, dos latinos.

O drama eterno da vida. A união de duas tragédias, a morte e o amor, que não são opostos, mas, ao contrário, complementam-se.

Tiveram uma filha e quatro filhos, frutos do louco amor que os unia.

No período mais belo e pacífico tiveram Harmonia, Cupido e Eros. Nos momentos de crise tiveram Deimos (o Pânico) e Fobos (o medo).

Numa espécie de Romeu e Julieta da Antiguidade Clássica, Afrodite e Ares (ou Vênus e Marte), foram representados em estátuas e monumentos inúmeros.

O museu de Florença e o museu Capitolino, reproduzem essa ligação. Os romanos gostavam de fazer-se representar com as suas mulheres, e usando os atributos de Marte e Vênus; era uma alusão à coragem do homem e à beleza da mulher.

Vários arqueólogos pensam que a Vênus de Milo estava ao lado da estátua de Marte. A arte dos últimos séculos ligou igualmente as duas divindades e, num encantador quadro do Louvre, le Poussin mostra-nos o deus da guerra, esquecido dos seus atributos e do seu papel, sorrindo para a deusa, enquanto os cupidos brincam tranqüilamente com as armas, no meio de risonha paisagem.

Apesar de todas as tragédias, o amor sempre foi maior, mas nem por isso o final feliz está garantido.

Assim como nós, seres humanos, somos os responsáveis pelo nosso destino, a partir de nossas opções e responsabilidades, os deuses também são responsáveis pelo final de suas histórias.

E a história dos dois deuses mais apaixonados do Olimpo tem o final de suas escolhas.

Afrodite (Vênus), transformando o seu amor em ódio, rogou uma praga para que Marte se apaixonasse por todas as mulheres que visse, tornando-se assim um deus constantemente apaixonado, mas abandonado.

Por outro lado, ela permaneceu apaixonada apenas por um, mas sendo de todos e de ninguém.

Prof. Péricles

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

SEM RUMO



Por Mauricio Puls

O aspecto mais notável do presente cenário eleitoral não é a debilidade da presidente nas pesquisas, e sim a da oposição. Seria razoável esperar que, numa conjuntura difícil, seus adversários estivessem numa situação mais favorável.

Na última pesquisa Datafolha, os candidatos do PSDB, PSB e PSC tinham 31% das intenções de voto. É pouco. Nesta etapa da campanha, três opositores reuniam 48% das intenções de voto em 2010, 39% em 2006, 39% em 1998, 46% em 1994. Em todas essas eleições, a oposição estava melhor nesta altura da disputa. Em todas o Planalto venceu.

Em que ocasiões o governo perdeu? Em 1989, quando três antagonistas somavam 62% das intenções de voto; e em 2002, quando possuíam 72%.

A oposição nunca teve um desempenho tão ruim como agora, apesar das condições adversas a Dilma: três quartos dos eleitores desejam mudanças, mas a maioria não se anima com os nomes disponíveis.

Em sua obra "O Antigo Regime e a Revolução", Tocqueville ensina que "não é indo sempre de mal a pior que se cai numa revolução": a população suporta pacientemente todos os infortúnios quando não enxerga uma saída para superá-los. Para que sobrevenha uma mudança, acrescenta Jean Jaurès, é preciso que as classes majoritárias sintam um terrível mal-estar, mas é preciso também que elas "tenham um princípio de força e, por conseguinte, de esperança".

Que esperança ofereciam os oposicionistas vitoriosos? Em 1989, com uma inflação de 1.973% ao ano, venceu a alternativa de direita: o caçador de marajás prometia reduzir o papel do Estado na economia para conter os preços. Em 2002, com um desemprego de 10% ao ano, venceu a alternativa de esquerda: o líder operário prometia ampliar o papel do Estado na economia para criar 10 milhões de empregos. O que propõe a oposição em 2014?

Acena aos empresários com a retomada da política econômica de FHC para reduzir uma inflação de 6,5% ao ano. Mas essa promessa só terá êxito se houver uma recessão no meio do caminho. Por isso, quando se dirigem às massas, os candidatos não propõem nada.

Sem esperança, o eleitor que abandonou Dilma após os protestos de junho segue indeciso. Em março de 2013 a petista reunia 58% das intenções –hoje tem 36%. Em março de 2013, Aécio, Campos e Marina somavam 32%; agora os três, com o reforço do Pastor Everaldo, têm 31%. Dilma perdeu 31 milhões de votos; a oposição não ganhou nenhum.

Mas crê que herdará os desiludidos, porque estes não têm opção. Não é bem assim. FHC foi reeleito em 1998 com o país crescendo 0,04% ao ano, pagando juros de 49,75% e à beira do colapso cambial porque a população temia que uma mudança piorasse ainda mais as coisas. O eleitor prefere o conhecido ao desconhecido: mudar, só em último caso.

sábado, 9 de agosto de 2014

CREU




Queridos amigos, estamos aqui reunidos para mais uma sessão do CREU – Clube dos Reacionários Enrustidos Unidos.

Com vocês o depoimento de nosso novo membro, Sr. Olavo.

Oi enrustidos.

- Oi Olavo (todos).

Sim, eu assumo, sou um reacionário enrustido.

Depois de muito tempo tentando ter respostas politicamente corretas, buscar ter um comportamento moderno e progressista, quero me assumir e sair do armário.

Foi difícil reconhecer, mas, tenho me sentido muito melhor depois que resolvi enfrentar essa condição, sem disfarces.

Comecei a ser um reacionário enrustido, ainda muito jovem. Andava de jeans, mas curtia roupas de mauricinho até para ir ao cinema. Odiava chamar a Revolução de 64 de Golpe Militar.

Escondia de todos o quanto os discursos de Bush (o pai) me fascinavam.

Tentava resistir, mas tinha verdadeira adoração por tudo que fosse norte-americano.

Wel tentei afogar aquele sentimento reacionário usando camisetas estampadas do Tche e do Mao, embora preferisse do Homem Aranha. Arranjei uma namorada rebelde pra ver se conseguia mudar o meu destino. Muito louca e esquisita como todas essas esquerdinhas, ela me falava em sexo livre, quando eu só pensava em me casar e ser seu dono.

Meus pesadelos, entretanto, começaram mesmo na faculdade.

Aqueles jovens todos, falando em uma sociedade mais justa (choro)... Aquelas leituras do “Capital” Oh céus, até em passeata de protesto com camiseta da CUT eu participei. (silêncio impactante na platéia).

Aquilo me doía demais, sabe? Meu desejo era gritar que queria ter nascido nos Estados Unidos ou na França. Que amava ler as Seleções “Reader’s Digest” e que odiava pobre.

Não que eu seja uma pessoa má. Não. Adoro dar uma esmolinha aqui e outra ali, comprar rifa de chá beneficente, sempre tive bom coração. Mas odeio pobre metido a besta e eles sempre são bestas quando esquecem seu nível inferior!

Mas, não podia fazer isso. Perderia a namorada rebelde que apesar de maluquinha era muito gostosa e eu queria que fosse minha. Seria olhado com desprezo no centro acadêmico e seria chamado de reaça.

Por isso, lia a Veja todas as semanas, escondido na solidão do meu quarto.

Nunca perdi uma só “Manhatan Conection”.

Sempre busquei apoio nas palavras de meus ídolos: Paulo Francis, Bóris Casoi, Olavo de Carvalho, Jair Bolsonaro, e oh! Arnaldo Jabour...

Vibrei com a eleição de FHC e chorei de emoção quando foi reeleito.

Mas, eu disfarçava bem.

Dizia que já tinha votado no PT e agora estava decepcionado e isso me encorajava a criticar esse partido de pobre.

(longo silêncio)

Hoje faço parte do CREU, com muito orgulho.

O CREU tem me ajudado a sair do armário e isso me faz muito bem.

É maravilhoso poder ser um reacionário assumido, podendo falar que odeia o Bolsa Família e todas as bolsas que beneficiam a gentalha.

Que delícia poder fazer piada de pobre em aeroporto, pobre dirigindo carro, pobre falando errado.

Estou assumindo minha postura política e isso só me faz bem.

Mas... não posso me iludir.

Ainda tenho recaídas.

Dia desses, no grupinho de colegas de trabalho o assunto descambou para as relações homo afetivas.

Não tive coragem de assumir que odeio essas bichas todas e menti... Sim, eu menti, que respeito às opções de todos.

(choro compulsivo acompanhado pela plateia)


Prof. Péricles

sexta-feira, 8 de agosto de 2014

NA RÚSSIA, AMEAÇAS NÃO EXISTEM




O ocidente, apesar de tudo, parece que ainda não conhece a Rússia.

Na cultura russa as crianças aprendem que nunca se ameaça um adversário ou inimigo.

O menino é severamente advertido pelo pai se é visto ameaçando outros meninos naquelas brigas de rua ou na escola, com atitudes do tipo “vou isso ou vou aquilo”.

Não ameace, apenas faça se acha que deve e que pode, diz papai russo.

Pois os Estados Unidos e sua cachorrinha amestrada, a União Européia, parece que não sabem disso.

Por semanas anunciaram que iriam boicotar os negócios russos no ocidente, em retaliação ao apoio do Kremlin aos separatistas do leste da Ucrânia e por sua “interferência” na Criméia.

Vamos fazer e acontecer anunciaram Obama, presidentes e ministros das relações exteriores dos países satélites.

O governo da Rússia manteve silêncio, apenas informando que o país se sentiria no direito de responder a qualquer tipo de retaliação contra ela. E mais nada falou.

Pois no início da semana, primeiro a União Européia e posteriormente os Estados Unidos (sempre jogada ensaiada) anunciaram sanções fortes contra a Rússia por um período de de três meses. Essas sanções, basicamente, concentraram-se nos setores armamentistas (não importação de equipamentos russos) e suspensão da venda de alimentos e produtos agrícolas da União Europeia e dos EUA para aquele país, além de impedir bancos russos de uma série de transações financeiras.

Ontem, o governo de Vladimir Putin anunciou sua resposta, com medidas duríssimas que valerão não por 3, mas por 12 meses.

Entre essas medidas estão a proibição do uso do espaço aéreo da Rússia para aviões comerciais da Europa que fazem linhas para a Ásia (o que irá encarecer um bocado os transportes aéreos desses países) e a suspensão da venda de gás para antigos parceiros do ocidente. Além disso,o Ministro da Agricultura da Rússia, Nikolai Fyodorov, anunciou a suspensão da importação de matérias-primas de países que decidiram sancionar o país por causa do conflito no leste da Ucrânia e que está abrindo novas parcerias com os países que não votaram por sanções contra eles.

As medidas atingem Estados Unidos, União Européia, Canadá, Austrália e Noruega.

Entre os mais gravemente afetados estão a Espanha, a Grécia, a Itália e a França.

Entre os maiores beneficiados está, o Brasil. Para nossa economia os benefícios podem ser imensos.


O secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Seneri Paludo da Rússia disse à agência de notícias russa Interfax, que a situação pode representar uma “revolução” para a indústria brasileira, comparável à que a China provocou na última década.

Só na área da carne de frangos a estimativa gira num aumento em torno de 150 mil toneladas, o que acrescentaria US$ 300 milhões de receitas à balança comercial.

Silenciosamente, Putin está dizendo ao ocidente que os tempos são outros e que quem tem mais a perder agora é a economia dos Estados Unidos e aliados e não a dos BRICS. Lembra que, os governos da União Européia, ao persistirem numa política de vergonhosa adesão a tudo que é proposto pelos Estados Unidos, assumem riscos que podem ser fatais aos seus próprios interesses.

E, enquanto a mídia ocidental canta de galo, diz que faz e acontece, na Rússia, não se ameaça, simplesmente se faz.


Prof. Péricles


quarta-feira, 6 de agosto de 2014

DIÁLOGO EM SEGREDO




Cena urbana da pequena cidade gaúcha de Segredo.

Duas “segredinas” ou seria “segredenses” ou “secretas”? Bem, não importa, duas amigas moradoras de Segredo se encontram na fila do supermercado da cidade e estabelecem o seguinte diálogo:

- Menina, tu não imagina o que eu vi ontem, aqui mesmo nesse supermercado...
(silêncio estratégico). Sei que tu vai dizer que é invencionice minha, fofoca, mas juro que é verdade. (novo silêncio)

A “menina” não resiste por muito tempo à curiosidade.

- Conta logo Dalva, o que tu viste aqui mesmo nesse supermercado de tão extraordinário?

- Não sei se te conto Carmem. Lembro bem do dia que me chamou de fofoqueira... conto ou não conto?

- Grrrrr

- Ta bem vou contar, mas sei que não vai me acreditar...

- Pelo amor de Deus Dalva, desembucha. Viu o Leonardo di Caprio?

- Não.

- Viu um ET?

- Não.

- Então um fantasma?

- Também não.

- o Lelo, aquele desalmado que...
- Não, não.

- Então o que foi que tu viu mulher?

- Carmem (cara de grande revelação), eu vi, aqui mesmo, nesse supermercado, um... um médico!

Não só a Carmem mas as duas outras pessoas da fila fitaram Dalva com incredulidade.

- Um médico? (risos)

- Não disse que tu não irias acreditar. Francamente...

- Desculpa querida, é que foi muito engraçado, não sei como tens tanta imaginação pra...

-Não é imaginação, eu vi mesmo!! (aos gritos)

Silêncio.

- Amiga, queres que eu acredite que tinha aqui, nesse supermercado, na nossa Segredo, um médico? Médico, de verdade, médico?

- Sim... e falava espanhol e...

- Falava? Ele falava?

- Sim, Carmem, e falou comigo e...

- rsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrsrs

Se tu rir de mim de novo eu vou começar a gritar e dizer o que o Lelo fez e...

- Ok. Stop. Não vou rir. Mas não queira que eu acredite numa mentira dessas!

- Olha aqui sua descrente, não é mentira, nem fofoca. Ele faz parte daquele programa do governo, como é mesmo... “Mais Médicos”.

- Sério? Bem que me disseram que eles olham pra gente na consulta. Mas eu não acreditei...

- Mas, é verdade menina, pura verdade. Eu vi, ele estava aqui e... madre de dios!

- O que foi mulher?

- Ele esta vindo pra cá?

- Ele quem, o Lelo?

- Não, o médico que fala, e olha pra gente...

Onde... onde?

Até bem pouco tempo, a população brasileira nos rincões mais escondidos e distantes, conhecia bem pouco de atendimento médico.

Simplesmente, quase não havia médicos que aceitassem trabalhar em lugares tão distantes dos centros urbanos. Isso exigiria, entre outras coisas, exclusividade na atenção à população dos lugarejos e distanciamento de outras fontes de trabalho.

As políticas públicas de saúde resumiam-se ao atendimento das emergências nos centros regionais ou no encaminhamento a Porto Alegre através da ironicamente denominada “ambulanciaterapia”.

Ser atendida por um médico era coisa de cidade grande, tanto que uma simples consulta levava a uma preparação quase ritualística. Dias antes de um atendimento as pessoas já escolhiam a roupa com que deveriam comparecer aquele evento importante, e preocupavam-se que o que dizer ao médico na tão esperada oportunidade.

Geralmente, essa preparação meticulosa era dissolvida por um atendimento sumário e massificado onde se perdia a identidade e se tornava estatística.

Uma atenção maior do que um olhar profissional, era quase inimaginável.

Talvez, o maior mérito do “Mais Médicos” nem seja apenas o atendimento ambulatorial aos que dele precisam, mas, o atendimento da necessidade de se sentir cidadão pleno onde a saúde não é privilégio, nem favor, mas um direito da cidadania.

Podemos mensurar tudo isso na queda dos atendimentos nas emergências dos hospitais que atendem essas regiões.

Não apenas a emergência médica, mas, principalmente a urgência humana está sendo atendida.

Médicos compram em supermercados, lembram nomes e preocupam-se com pacientes... e falam.


Prof. Péricles
Agradecimento especial aos colegas Clarice e Eduardo, testemunhas oculares dessa história e inspiradores do diálogo fictício.



domingo, 3 de agosto de 2014

ANTROPOCENTRISMO


A maioria das coisas que sabemos sobre os deuses da mitologia grega, chegou até nós escritas pelo poeta Hesíodo, que viveu em algum momento entre 700 e 600 anos antes de Cristo.

Para Hesíodo em primeiro lugar houve o caos, que é o caos, mas é alguma coisa, ou seja, mais do que o nada.

Em seu livro, Hesíodo nos diz que no princípio havia Gaia (a Terra) e a noite (a escuridão). Noite, aliás, é uma palavra que em todos os idiomas começa com “N” que representa infinito, seguida da palavra “oito” que, deitado, também simboliza o infinito.

Havia também o Tártaro (inferno), Eros (o desejo) e Érebo (a escuridão do inferno).

Urano, filho de Gaia, reinava sobre o caos.

Durante seu reinado ante o infinito, surgem as montanhas, os mares, o éter e o dia.

Urano foi destronado por seu filho, Cronos, a divindade do tempo.

Cronos inaugura um novo tempo. Os titãs (que eram poucos e se dividiam entre entidades femininas e masculinas) e novos deuses iniciam o povoamento da Terra.

Foi uma espécie de vale tudo em que não havia a monogamia e a variação de parceiros era fundamental para a própria existência.
Cronos se casou com sua irmã Reia e deu origem à linhagem que mais tarde ocuparia o monte Olimpo. Hipérion, um dos titãs, foi pai de Hélio, deus do Sol, e Eros da aurora. A geração dos filhos dos titãs permeia toda a mitologia futura.

Zeus, filho de Cronos, tal como ele mesmo, Cronos, fizera a seu pai, destrona o progenitor e inaugura uma nova era divina.

O novo soberano, ao lado de seus irmãos Posêidon, Hera, Hades, Héstia e Deméter, teve seu poder desafiado pelos titãs, liderados por Cronos numa batalha que hoje se conhece como Guerra Cósmica ou Titanomaquia.

Para vencer os poderosos titãs e seu pai, Zeus libertou os ciclopes, que viviam no Submundo desde os tempos em que foram exilados por Urano. Eles eram excelentes ferreiros e criaram armas mágicas para os deuses. Zeus ganhou os raios do céu, Posêidon, um tridente com o qual podia provocar tempestades e terremotos e armas forjadas para cada deus.

Um dos líderes dos titãs era Atlas.

Nascido de um titã e uma ninfa, Atlas governava Atlântida. Os deuses decidiram puni-lo e acabar com toda sua raça. Enviaram uma inundação e a ilha foi varrida do mapa, mas ele continuou lutando. Quando afinal os titãs foram derrotados, os deuses fizeram Atlas carregar o céu para sempre.

Portanto, assim como outros povos, notadamente os autores do Antigo Testamento, os gregos definiam a criação a partir do caos, e o surgimento do homem muito posterior à definição da existência, traçada por forças inteligentes da natureza, indefiníveis.

Como o homem não suporta o indefinível e, como fazem as crianças, criam definições onde lhe falta a compreensão, os gregos explicaram a ordem possível do impossível, com a elaboração de divindades, que, apesar de indecifráveis mantém alguma aparência humana.

A grande contribuição da cultura helênica está no seu antropocentrismo.

Estando o homem no centro de todas as explicações, e sendo a medida para mensurar todas as coisas, ao contrário dos hebreus que teorizaram um Deus perfeito e uma raça humana eternamente pecadora, para os gregos os deuses são falhos, cometem erros, são orgulhosos e tudo aquilo que nos caracteriza como criaturas pensantes e falíveis.

Já, o homem, mesmo com todas as suas fraquezas, mantém as características dos deuses.

Ao contrário do divino explicar as emoções e os medos humanos, o humano, seus limites e emoções, explicam o divino.

De certa forma, deuses e heróis são o próprio homem imaginado na condição de criador, algo que o homem sempre quis ser, e jamais conseguiu, pois tudo o que faz é transformar o já existente.

Ódio, ciúmes, vingança, desejo, elevados a infinita potenciação.

A infidelidade compulsiva de Zeus, o orgulho de Apolo, a vaidade de Afrodite, os ciúmes de Hera, o rancor de Ares, toda a condição humana está exposta no panteão do Olimpo e nos seus heróis, semi-heróis e coadjuvantes.

Dessa forma, quando entramos no mundo dos mitos da Grécia, devemos ter em mente que estamos trilhando, não o caminho do macro cosmos que irá nos trazer as descobertas da vida, mas, no micro cosmos que nos trás a descoberta de nós mesmos.

Não estamos trilhando caminho nas estrelas, mas apenas caminhando em nossa própria condição humana.


Prof. Péricles

quarta-feira, 30 de julho de 2014

O ENCONTRO



Por Luiz Fernando Veríssimo

Os peixinhos nadavam por entre as nossas pernas. Estávamos no mar em frente à casa do José Paulo e da Maria Lecticia Cavalcanti, Praia do Toquinho, Lagoa Azul, Pernambuco, Brasil, América do Sul, Terra, Via Láctea, Universo, com água pela cintura.

Quem éramos nós? Millôr e Cora, Gravatá, Lucia, eu e peixinhos anônimos. Zé Paulinho e Maria Lecticia tinham providenciado tudo para que o prazer dos seus hóspedes fosse completo: sol decididamente pernambucano, céu e mar de um azul irretocável, uma mesa flutuante com guarda-sol em cima coberta de coisinhas para comer e bebidinhas para beber.

A um sinal do Zé Paulinho vinham mais camarão, mais marisco, mais caipirinha, mais pássaros, menos pássaros, mais brisa, menos brisa – e de repente, descendo na nossa direção pela praia como uma aparição, um convidado convocado pelos Cavalcanti para que o dia fosse mais que perfeito: o Ariano Suassuna. De calção de banho !

Ele entrou no mar, e os peixinhos continuaram nadando entre as nossas pernas, sem nenhuma curiosidade intelectual. Eles só estavam ali para pegar os restos da mesa flutuante, alheios ao grande momento, como se um encontro de Millôr Fernandes e Ariano Suassuna com água pela cintura acontecesse todos os dias.

Nós, ao contrário dos peixinhos, nos encharcávamos do momento. Eu, chupando um picolé de mangaba – eu mencionei que também havia picolés de mangaba? –, finalmente descobria o sentido da palavra “embasbacado”.

Depois do encontro no mar, um almoço magnífico –, não fosse comandado pela dona Maria Lecticia. E o dia mais que perfeito terminou com uma visita a um terreno próximo onde o Zé Paulinho criava bodes. Nosso anfitrião queria nos mostrar um animal que importara da África do Sul e que, de tão antipático e posudo, recebera do Suassuna o apelido de “Somebode”.

Uma aula do Suassuna era um show, um show do Suassuna era uma aula.

Além de produzir ele mesmo boa parte da cultura contemporânea da sua terra, Suassuna conhecia como ninguém a história (e as histórias), as artes e as tradições do Nordeste, esse outro mundo dentro do Brasil, e lutava para mantê-las vivas.

Tinha uma memória fantástica, poemas enormes decorados inteiros para qualquer ocasião, e era notável sua capacidade de, aparentemente, se perder em digressões quando falava sobre determinado assunto, a ponto de criar uma expectativa nervosa na plateia – será que ele volta para o assunto ou não volta? –, e retomar o que estava dizendo do ponto exato da digressão, para alívio geral.

O Brasil perdeu um tesouro.

segunda-feira, 28 de julho de 2014

APOLO E O GIRASSOL




O romance foi breve, mas para ela, profundo e único. Clítia, a ninfa das águas, uma das filhas do Oceano, apaixonou-se perdidamente por Apolo, o Deus das artes, da música, das profecias.

Clítia sonhava com aquele jovem Deus, atraente, dono de um rosto de menino e de uma voz encantadora. Por ele, ela seria capaz de qualquer coisa e entregou-se inteira, cega de amor.

Mas Apolo, divindade relacionada ao sol, que era seu carro dourado com o qual percorria o firmamento, tinha outras paixões e foi surdo aos seus clamores. Clítia mostrou que a única que o amava realmente era ela e que ela era a sua melhor escolha. Mas, tudo em vão.

Apolo continuou apaixonado por Castália, que, no entanto, corria dele e acabou preferindo se transformar numa fonte cristalina no Monte Parnaso, onde está correndo até hoje, ou Coronis que ofendeu o deus ao troca-lo por Isquis, um simples mortal. Ou ainda por Marpessa, disputada por Apolo e por Idas, príncipe da Messênia, que preferiu o mortal quando Zeus ordenou que fizesse uma opção: Apolo não me serve como parceiro, disse ela. "Para um deus, o tempo não passa; para os humanos, porém, cada hora deixa a vida mais curta".

Definitivamente Apolo, o mais belo dos deuses do Olimpo, não tinha sorte no amor, mas preferia sofrer por quem não o amava do que olhar para Clítia.

Então, a ninfa das águas com a alma despedaçada, afastou-se do convívio feliz das outras ninfas e foi sentar na terra, nua, no lugar mais solitário da campina. Ali, no raiar de cada manhã, ela esperava que Apolo apontasse no horizonte, dirigindo ocarro do Sol, e dali mesmo ela seguia sua luminosa trajetória no azul do firmamento, até que o manto da Noite viesse cobrir o Universo.

Segundo o poeta Ovidio, ela ficou assim imóvel, sem sentir fome nem sede, nutrida apenas pelo orvalho e pelas lágrimas que derramava, por nove dias e nove noites, quando então os deuses, por piedade, transformaram-na numa flor, o girassol, que até hoje acompanha nos céus a passagem de seu amado.

As mulheres mais práticas perceberam que, o deus da perfeição também era o deus da morte súbita, das pragas e doenças, e que, portanto, sua luz de beleza indescritível podia ser mortal como a luz que atrai e arrasta a mariposa para a morte.

Clítia, porém, foi ingênua ao acreditar no amor impossível entre ela, que vivia na planície e Apolo, que brilhava entre os astros do céu.

Amem, meninas e meninos, intensamente, mas cuidem-se do brilho falso e não permitam que seu amor se transforme num belo girassol, perdidamente solitário nas dobras do coração.


Prof. Péricles

domingo, 27 de julho de 2014

TROCO BEM DADO


Por Omar Catito Peres


Alguém no Brasil já ouviu falar que algum cambista tenha sido preso no Brasil? Eu nunca ouvi falar. Aliás, cambista, existe no mundo inteiro e nada acontece. Como a prostituição e droga, são grandes indústrias em todos os países do mundo, o câmbio negro, também sempre existiu.

Mas por que, então, um Delegado de policia, de Copacabana, do nada, começa a investigar a "máfia de Zurich", sobre a venda de ingressos no câmbio negro? A Policia civil do Estado do Rio tem condições materiais para se meter num barulho desses?

Encontrem a resposta na forma arrogante, prepotente e canalha que se comportaram os dirigentes da FIFA antes do evento. Refiro-me ao Sr. Jerome Volker que, claro, falava em nome do "capo" Blatter e dos mafiosos que compõem a diretoria da FIFA.

O governo brasileiro tinha que dar o "troco" a essa gente. Mas tinha de ser de forma inteligente, sem se expor. E assim foi feito.

Autoridade brasileira significava nada pra esse canalha. Eles se consideram "chefes de Estado". E, por favor, não me venham dizer que os ataques de Volcker eram pertinentes, dado a incompetência do governo e dos Ministros do PT e que, portanto, eles, Volcker e Cia. tinham razão em falar e criticar de forma covarde. Eu estou me referindo à falta de respeito com o meu país, independente de quem, esteja no poder.

O desrespeito foi ao Brasil! Isso não é correto, sobretudo, vindo de mafiosos, canalhas e, agora, comprovado, "cambistas".

A FIFA expôs internacionalmente o Brasil, de forma covarde, pois fazia conferências de imprensa lá fora, esculhambando o país pela "desorganização" do evento.

Vale relembrar as palavras e declarações desse bandido chamado Jerome Volker: 1) os estádios estão todos atrasados e estamos preocupados se realmente haverá copa no Brasil; 2) Sim, há possibilidade de transferirmos a estréia da Copa para o Maracanã, já que o estádio em São Paulo não deve ficar pronto; 3) já estamos com o plano B para retirar Curitiba da Copa, pois o estádio não deve ficar pronto; 4) Nos preocupa a estrutura dos aeroportos brasileiros. Estamos prevendo grandes problemas nessa área; 5) nos preocupa a falta de planejamento para a segurança; 6) não esperem uma copa no Brasil, como se fosse na Alemanha.

Sempre acompanhado de Ronaldo Nazário, agora "travestido" de jornalista, o ex jogador brasileiro sempre apoiou as "reclamações" da FIFA, culminando com a sua famosa declaração de que se "envergonhava do Brasil".

E, agora, Ronaldo, ainda continua com vergonha? Paulo Coelho é quem te definiu muito bem: um babaca!

Sempre dizendo que todo o planejamento e o cronograma das obras estavam em total desordem, o Sr. Volcker continuava humilhando o país nas conferências de imprensa, aqui e lá fora, ajudando a destruir a comprometida imagem do país, sugerindo e colocando em dúvida, até mesmo se o turista deveria vir ver a Copa no Brasil.

O Sr. Volcker não se cansava de humilhar o país, criando um clima de constrangimento a tal ponto, que se pensou em declará-lo "persona non grata".

O "Capo Blatter" teve de vir falar com a Dilma e "pedir" desculpas.

Silenciosamente, a Presidente não disse nada. Colocou-se "panos quentes" em cima do mafioso francês. Mas o troco teria de ser dado.

Foi então que o Serviço de Inteligência Brasileiro montou a maior operação para pegar membros dessa máfia chama FIFA.

O buraco que encontraram foi o envolvimento de toda a direção da FIFA na venda de ingressos no câmbio negro, que já acontecia desde que Blatter se apoderou da instituição.

E, aí montou-se a mais maldosa e inteligente estratégia de vingança contra a máfia de Zurich: pegar os representantes de Blatter e Volcker que dominam o mercado paralelo de ingressos durantes as Copas.

A empresa Match, a única credenciada para vender os ingressos do evento, tem sócios e parentes de Blatter. Os agentes que a representam no Brasil foram monitorados muito antes de começar o evento.

Mas para não deixar pista, a Policia Federal não podia estar envolvida, pois ficaria claro que seria um ato do governo federal. Colocaram, então, os melhores delegados do Rio para executar a ação.

Resultado: um sucesso! Pegaram todo o esquema e, simplesmente, sem coletiva de imprensa, deixaram que a mídia nacional e internacional desse "conta do recado".

O mundo inteiro tomou conhecimento que a FIFA é dirigida por bandidos, tendo essa noticia, o envolvimento da direção da instituição na venda de ingressos no mercado paralelo, sido destaque em todos os veículos importantes de imprensa do planeta.

E para fechar com "chave de ouro" e comprovar a existência da "máfia de Zurich", Franz Beckenbauer, o maior ídolo do futebol alemão se recusou a vir assistir a final da Copa, declarando: "não quero e me recuso a ficar ao lado daquela gente da FIFA.

Cereja no bolo!

A FIFA sai desmoralizada depois dessa Copa. O governo e o povo brasileiro se vingaram. Mesmo perdendo de 7 a 1, o Brasil deu um show de bola na organização e um pontapé na bunda desses bandidos.



quinta-feira, 24 de julho de 2014

DEMÔNIOS SÃO RISONHOS


Como dizia o poeta Castro Alves, Senhor Deus dos desgraçados! Dizei-vós, Senhor Deus! Se é loucura... se é verdade, Tanto horror perante os céus?

Mísseis de alta tecnologia, guiados por satélites e precisão absoluta, lançados sobre casas de civis, sobre hospitais, templos, escolas.

Se nas guerras mais antigas havia o alento de que bombas jogadas mecanicamente através uma abertura na aeronave, fossem imprecisas e atingissem alvos distantes, agora nem isso existe mais.

Como pode um exército extremamente bem equipado, marchar e matar indistintamente pessoas como se matasse insetos? E justamente o exército de um povo que já sentiu isso na própria carne em passado tão recente?

Filas imensas de corpos de crianças destroçadas, crianças que nem mesmo sabem por que tanto ódio e tanta morte. Crianças que até ontem assistiam os jogos da Copa do Mundo e sonhavam serem artilheiros e craques de futebol, como tantas crianças no mundo inteiro. Meninos e meninas que tiveram o ano escolar interrompido pela guerra.

Por onde se escondeu a dignidade nas terras de Moisés?

Terão virado pó como os monumentos de demônios que assustavam os caravaneiros dos tempos de Judá?

O inferno é aqui e os demônios ocupam gabinetes refrigerados, usam computadores e falam por celulares.

O cheiro do inferno não é de enxofre, mas de gasolina queimada, de butano, de lenha em chamas.

Enquanto tropas de um dos exércitos mais bem equipados e poderosos do mundo marcham eivando a terra de sangue, a ONU faz reuniões inócuas e declarações vazias.

O governo de Israel calcula quantos poderá ainda matar até ser forçado a parar já que os custos de uma missão militar são elevados, e convenhamos, como são caros os mísseis de hoje em dia.

Mil? Dois mil? Três mil?

Utiliza a contabilidade parecida com a utilizada pelos nazistas quando em Wassen optaram pela solução final, ou seja, pela extinção dos judeus. A diferença é que, enquanto os campos de extermínio de judeus eram escondidos nas terras em guerra, a solução final palestina se dá ao vivo e a cores em todos os canais de notícias.

Aposto que Benjamin Netanyahu sorri. Aposto que Obama já pensa nas férias de verão. Se bobear um general coça o saco e ri enquanto conta uma piada de algum palestino que ele pode eliminar, aproveitando a oportunidade.

Segundo Dante, os demônios são risonhos.

E os demônios gracejam sobre a morte nas terras de Canaã, enquanto a ONU, protesta.

Como pode, senhor Deus dos desgraçados, tanto horror perante os céus?

Prof. Péricles


quarta-feira, 23 de julho de 2014

BARBÁRIE EM GAZA



Por Noam Chomsky/Outras Palavras

Às três da madrugada (horário de Gaza), de 9 de julho, em meio ao último exercício de selvageria de Israel, recebi um telefonema de um jovem jornalista palestino em Gaza. Ao fundo, podia ouvir o lamúrio de seu filho pequeno, entre sons de explosões de jatos, atirando sobre qualquer civil que se mova e sobre casas.

Ele acabava de ver um amigo, num carro claramente identificado como “imprensa”, voar pelos ares. E ouvia gritos ao lado de sua casa, após uma explosão — mas não podia sair, ou seria um alvo provável. É um bairro calmo, sem alvos militares – exceto palestinos, que são presa fácil para a máquina militar de alta tecnologia de Israel, abastecida pelos Estados Unidos.

Ele contou que 70% das ambulâncias haviam sido destruídas e, até aquele momento, mais de 70 pessoas [o número subiu para 120 na sexta, 11/7, segundo o Guardian] haviam sido mortas e 300 feridas – cerca de 2/3, mulheres e crianças. Poucos ativistas do Hamas, ou instalações para lançamento de foguetes, haviam sido atingidas. Apenas as vítimas de sempre.

É importante entender como se vive em Gaza, mesmo quando o comportamento de Israel é “moderado”, no intervalo entre crises fabricadas, como esta. Um bom retrato está disponível num relatório da UNRWA (a agência da ONU para refugiados palestinos) preparado por Mads Gilbert, o corajoso médico norueguês.

Quando Israel está em fase de “bom comportamento”, mais de duas crianças palestinas são mortas por semana – um padrão que se repete há 14 anos. As causas de fundo são a ocupação criminosa e os programas para reduzir a vida palestina a mera sobrevivência em Gaza.

Enquanto isso, na Cisjordânia os palestinos são confinados em regiões inviáveis e Israel tomas as terras que quer, em completa violação do direito internacional e de resoluções explícitas do Conselho de Segurança da ONU – para não falar de decência.

“Tudo isso vai continuar, enquanto for apoiado por Washington e tolerado pelo Ocidente – para nossa vergonha infinita”

Tradução: Antonio Martins/Outras Palavras

sábado, 19 de julho de 2014

CEM ANOS DE TRINCHEIRAS


A Primeira Guerra Mundial, cuja data de início fez cem anos, recentemente, foi uma das maiores tragédias humanas da nossa história, e também, um dos fatos mais anunciados e previstos.

No século XIX ocorreu a segunda revolução industrial. Novas fontes de energia, máquinas cada vez mais rápidas e eficientes, provocaram uma superprodução de bens nunca antes vista na história do capitalismo.

Nunca se produziu tanto e a venda dessa produção prometia uma riqueza nunca antes imaginada.

Para isso, era fundamental vender. Ampliar o mercado consumidor virou obsessão de industriais, banqueiros, investidores e de seus representantes, os respectivos governos de seus países.

Junto a isso havia a “necessidade” de encontrar matéria-prima que fosse cada vez mais barata para serem transformadas no produto industrial.

O primeiro passo para o enriquecimento surreal que se previa fora os investimentos na criação de máquinas cada vez melhores. Ao mesmo tempo o pagamento de salários cada vez menores, a exploração da mão-de-obra infantil e do trabalho da mulher.

Num segundo momento ocorreu uma das mais indecentes e desumanas corridas que a história já assistiu. Uma corrida desenfreada de potências européias em direção aos territórios da África e da Ásia. Territórios ricos em matéria-prima e ocupados por povos divididos, governos regionalizados e defendidos por exércitos frágeis e mal equipados

Utilizando um pensamento asqueroso a quem alguém chamou de “Darwinismo social”, no qual os Europeus alegavam estarem levando o progresso aos povos primitivos do planeta, os países europeus empreenderam guerras de conquista que incluíram limpeza étnica e massacres incontáveis para dominar os territórios desses dois continentes. Esses crimes bárbaros, essa dominação violenta, são registrados na história como “neocolonização”.

Povos inteiros massacrados, espoliados, humilhados, expulsos de suas terras, em nome do progresso e do lucro do capital estrangeiro.

Do século XIX em diante as guerras não mais se dariam por fronteiras ou por direitos de coroa ou religião. Foram todas guerras por mercados.

Esse dinheiro sujo de sangue promoveu na Europa o luxo e o progresso que alguém denominou de “La Belle Époque”.

Agora, na virada do século XIX para o XX pairava um momento de grande expectativa.
A partilha pacífica tornava-se cada vez mais difícil diante de tantos interesses e de tanto dinheiro envolvido. Além disso, havia a Alemanha.

Esse país nasceu no final do século XIX a partir da concretização da idéia de criar “a pequena Alemanha” com a unificação dos estados germânicos, sem a Áustria. Oto Von Bismarck foi o artífice do sonho e idealizador da política que após três guerras bem planejadas, contra a Dinamarca, Áustria e frança, permitiram nascer uma nova nação no coração da Europa.

Mas, não era apenas uma nova nação, e sim, uma potência emergente que já surgiu com propostas bem concretas de ocupação de espaço e de conquistas de gordas fatias do já, disputadíssimo mercado.

O surgimento da Alemanha decretou um desequilíbrio definitivo entre as antigas potências.

Com os primeiros anos do século XX termina a Bela Época e se inicia um período tenebroso em que, apesar de não haver tiros, o cheiro da morte está no ar e era possível saber que a guerra estava próxima. A esse período denominamos “Paz Armada”.

Alianças secretas foram assinadas. Uma unia Inglaterra e França (arque inimigos, porém unidos pelo mesmo temor da Alemanha) e Rússia. Outra agrupava Alemanha e Itália (recém nascidos que se sentiam excluídos da partilha) e Áustria-Hungria.

O início da Grande Guerra foi antecedido por uma intensa campanha da mídia (sempre ela) que visava convencer os cidadãos de que a guerra era necessária. Não eram os interesses de industriais e banqueiros que estavam em jogo. Mas da pátria.

Na Inglaterra chegou-se a ouvir o discurso de que, não haveria um só inglês que não fosse beneficiado com a derrota da Alemanha numa guerra direta.

Na França o discurso nacionalista e revanchista contra uma guerra perdida em 1871 para essa mesma Alemanha, alimentava a imaginação de uma guerra inevitável.

Uma guerra que, diziam, seria rápida, quase a tempo de retornar para as aulas do colégio no ano seguinte.

Daí termos um acontecimento inédito na história das nações. A I Guerra Mundial não teve uma causa direta, específica. O assassinato do arquiduque da Áustria-Hungria em visita a Sarajevo, capital da Bósnia Herzegovina por estudantes sérvios, é apontado como causa. Mas, um assassinato político, seguido da prisão dos seus responsáveis jamais justificaria uma guerra mundial. A menos que, ela já estivesse preparada, apenas aguardando um sinal.

Na verdade a causa da Guerra que matou milhões foi a cobiça, a ambição e amor ao lucro e ao poder de gente que, não morreu na guerra, porque quem morre na guerra, não são os ricos e seus filhos, são os pobres, os trabalhadores, que, aliás, não tinham nada a ver com essa briga



Prof. Péricles

quinta-feira, 17 de julho de 2014

ADIVINHA O QUE NÃO ACONTECEU



Por Matthew Futterman, no Wall Street Journal


O sol apareceu. As pessoas foram para o trabalho. Elas dirigiram táxis, abriram supermercados, clicaram em seus computadores para tratar de assuntos jurídicos e financeiros. Médicos curaram os doentes. Assistentes sociais enfrentaram os problemas da grande pobreza neste país de cerca de 200 milhões. A vida continuou.

Adivinha o que não aconteceu? Cidades não queimaram. Rebeliões em massa não aconteceram. Tanto quanto sabemos, torcedores não se jogaram de edifícios porque sua amada Seleção foi destruída pela Alemanha, por 7-1, na semifinal da Copa.

À luz cruel do dia, ainda é estranho escrever “Alemanha 7, Brasil 1.” Esse tipo de resultado não acontece neste nível de futebol. O último jogo oficial que o Brasil perdeu em casa foi em 1975. Se eu fosse um nativo, estaria abalado, tentando descrever a debacle que aconteceu em Belo Horizonte.

Não se engane: a derrota para a Alemanha, para usar a frase favorita do técnico dos EUA, Jurgen Klinsmann, foi uma lástima. As pessoas aqui amam o futebol. O governo declara feriados nos dias de partidas da equipe nacional. Ruas vazias, e eu quero dizer vazias – como se você pudesse montar uma barraca no meio de uma delas e não acontecer nada.

Ainda assim, não compre a história de que esta perda vai deixar alguma cicatriz indelével em um país tentando desesperadamente prosperar em uma série de áreas que não têm nada a ver com futebol. Essa idéia é um pouco humilhante para os brasileiros, que são a coleção de almas mais acolhedoras com que eu me deparei.

Houve a mulher na loja de óculos aqui em São Paulo que se recusou a aceitar dinheiro pelo estojo de óculos que ela me deu depois que eu perdi o meu. Houve os estudantes universitários em Natal que me ofereceram um tour pela cidade e uma carona de volta para meu hotel no meio da noite, quando não havia transporte à vista após a vitória dos EUA sobre Gana.

Lá estava o rabino que, 30 segundos depois de me conhecer, insistiu para que eu fosse jantar no sábado em sua casa (eu fui, e a sopa de matzo ball estava incrível). Houve as inúmeras almas pacientes comigo na rua, esperando enquanto eu tateava meu dicionário de bolso de português, procurando a palavra certa para completar uma pergunta idiota, quando certamente eles tinham algo melhor para fazer.

Estive aqui por um mês. Isso dificilmente me qualifica como um especialista na cultura brasileira. Minha amostragem é pequena e limitada a hotéis, restaurantes, estádios de futebol e pistas de corrida ao lado de praias do Rio, Natal, Recife e algumas outras cidades-sedes. Eu sei do crime e da pobreza.

Mas eu também sei que este é um país incrível, diverso. Encare quatro horas de voo rumo à Amazônia a partir de São Paulo e as pessoas parecem completamente diferentes daquelas em qualquer centro comercial do país. Em Salvador, você pode muito bem achar que está na África Ocidental. Em cada cidade, pessoas de todos os tons de pele — preto, marrom e branco — preenchem áreas de ricos e pobres. É um país de beleza física impressionante e vastos recursos naturais. O tráfego da hora do rush faz as avenidas de Los Angeles parecerem estradas do interior, um sinal claro de que o lugar precisa de alguns melhoramentos de infra-estrutura, mas também que há um grande número pessoas trabalhadoras que querem tornar o amanhã melhor do que hoje.

Em outras palavras, o Brasil é muito mais do que uma camisa canarinho e uma obsessão com o futebol.

O colapso contra a Alemanha certamente vai despertar algum exame de consciência nacional sobre como o Brasil cultiva e desenvolve a sua próxima geração de estrelas do futebol. O país tem um enorme banco de talentos, mas acidentes não podem mais acontecer no esporte. Vencer nesse nível hoje significa não apenas talento, mas dinheiro, treinamento e uma estratégia coerente.

“Quando você pensa sobre isso”, disse uma brasileira de 20 e poucos em um bar na noite passada, “é meio engraçado. Quer dizer, sete gols. É engraçado, né?”

Eu vou apostar que o Brasil como um todo vai se sair muito bem depois disso. Chateado um pouco, claro, mas em última análise, tudo vai dar certo. De muitas maneiras, já deu.

quinta-feira, 10 de julho de 2014

O AMOR, A ALMA E O PRAZER


Filho de Vênus (deusa do amor) e de Marte (deus da guerra), Cupido era o deus do Amor e da paixão em Roma, equivalente a Eros, entre os gregos.

Júpiter (pai dos deuses), sabedor das perturbações que iria provocar, tentou obrigar Vênus a desfazer-se dele assim que nasceu. Para protegê-lo, a mãe escondeu-o num bosque, onde ele se alimentou com leite de animais selvagens.

Cupido encarnava a paixão e o amor em todas as suas manifestações. Era geralmente representado como um menino alado que carregava um arco e setas, sempre pronto para disparar sobre o coração de homens e deuses. Os ferimentos provocados pelas setas que atirava despertavam amor ou paixão nas suas vítimas.

Embora fosse algumas vezes apresentado como insensível e descuidado, Cupido, geralmente orientado por sua mãe Venus, muitas vezes provocava situações terríveis ao fazer despontar a paixão onde ela não poderia, ou deveria ocorrer.

Certo dia, Vênus estava admirando a terra quando avistou uma bela moça numa praia. Na verdade, mais que bela, era tão linda que abalava a própria hegemonia de Vênus entre as mais belas.

Essa moça se chamava Psiquê.

Contrariada, Vênus decidiu que ela, por castigo de tamanha beleza, iria se apaixonar e casar com o homem mais feio do mundo.

Chamou seu filho Cupido e pediu que este fosse, durante a noite, até a casa de Psiquê e lhe atingisse com sua flecha do amor.

Cupido obedeceu, mas ao ver Psiquê em sono profundo, bela, e totalmente nua, ficou perturbado, e se aproximou demais de sua “vítima”. Nesse instante a jovem se moveu no leito e acidentalmente bateu no braço de Cupido que disparando a flecha atingiu a si mesmo.

Cupido imediatamente sentiu um amor profundo por Psiquê.

Sem mais conseguir sossego, pois o amor desassossega, o jovem deus foi falar com Zéfiro, senhor do vento oeste e pediu para que transportasse Psique para os ares e a instalasse num palácio magnífico, onde era a casa de Cupido.

Quando a noite caiu, a moça ouviu uma voz misteriosa e doce: "Não se assuste, Psiquê, sou o dono desse palácio. Ofereço-lho como presente do nosso casamento, pois quero ser seu esposo. Tudo que está vendo lhe pertence. E tudo que deseja será concebido. Eu só lhe faço uma exigência: não tente ver-me. Só sob esta condição poderemos viver juntos e sermos felizes".

Todas as noites Cupido vinha ver Psiquê, mas numa forma invisível. A moça estava vivendo muito feliz naquele lindo palácio. Mas, sabemos como são as mulheres, a curiosidade cada vez mais tomava conta de sua vontade de conhecer o rosto do homem que a fazia tão feliz.

Certa noite, quando Cupido veio vê-la, eles encontraram-se e amaram-se profundamente, mas quando Cupido adormeceu Psiquê escondida e em silêncio pegou numa lamparina e acendeu-a, e quando ela viu o belo jovem de rosto corado e cabelos loiros, ficou encantada. Mas num pequeno descuido deixou cair uma gota de óleo no braço do rapaz, que acordou assustado e, ao ver Psiquê, Cupido grita que o amor não sobrevive sem confiança e em seguida desaparece.

O encanto todo acabou, o palácio os jardins e tudo que havia em volta desapareceu, como por magia. Psiquê ficou sozinha e perdida num lugar árido, pedregoso e deserto.

Infeliz, Cupido foi para o Olimpo e suplicou a Júpiter que lhe permitisse uma nova chance e devolvesse a esposa amada.
A princípio Júpiter quis argumentou que o deus do amor não podia se unir a uma mortal, mas Cupido, em lágrimas tornou a suplicar que então, o deus dos deuses a tornasse imortal.

Júpiter, um conquistador incorrigível que, várias vezes havia pedido ajuda a Cupido em suas aventuras, acabou cedendo.
Psiquê foi transformada em imortal por Júpiter, tornando-se a alma humana.

Cupido e Psiquê, amor e alma, casaram-se e ainda vivem em amor eterno.

Tiveram em consequência desse amor, um filho, o prazer.

Mais uma vez a mitologia nos lembra sobre o que realmente importa em nós. A nossa porção divina, a alma, única capaz de reter aquilo que nunca morre.

É na eternidade da alma que o amor é possível. Apenas cultivando a nossa própria vida somos capazes de confiar nos sentimentos reais como o amor e não nos falsos reflexos da paixão.

Nossos castelos estão além das futilidades da existência e, nosso inferno, árido e perdido reside na nossa impaciência.

Ressalta ainda que o prazer é filho e conseqüência do amor e não a sua gênese.

Prof. Péricles

terça-feira, 8 de julho de 2014

INCÊNDIO EM SARAJEVO


Era um domingo de muito sol. As ruas da bela cidade de Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, estavam enfeitadas com bandeirinhas e cartazes coloridos. Pessoas se espremiam nas calçadas para assistir a passagem do comboio composto por cinco carros, onde ao centro, em um carro aberto, acenava para a multidão o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro ao trono da Áustria-Hungria e sua esposa, a duquesa Sofia. Era o dia 28 de junho de 1914, cem anos atrás.

Após a cerimônia de recepção na câmara municipal, seguem a marginal junto ao rio Miljacka.

Na mesma manhã, seis jovens estudantes sérvios, componentes da organização ultranacionalista, clandestina, “Mão Negra”, tinham se espalhado pelo trajeto provável (o trajeto oficial não havia sido divulgado) que seria seguido pelo comboio. O plano é simples, matar o arquiduque e após cometer suicídio para não ser capturado com vida e delatar a organização sob tortura.

O primeiro dos seis, Muhamed Mehmedbasic acredita que foi descoberto e está sendo vigiado, entra em pânico e desaparece na multidão, mas o segundo, Nedeliko Cabrinovic lança uma bomba sobre o carro de Francisco Ferdinando, mas não atinge o alvo, acertando o terceiro carro da comitiva, ferindo alguns, mas sem causar mortes.

O terceiro, o mais jovem de todos, Vaso Cubrilovic acovarda-se ao perceber a presença não prevista da duquesa. Mas tarde, no seu julgamento dirá que não atirou pois seria incapaz de matar uma mulher.

O quarto, Cvijetko Popovic, era míope e não conseguiu distinguir a figura do arquiduque entre as outras personalidades.

Já Gavrilo Princip que ficara numa rua em que a comitiva acabou não passando, ouviu a explosão e acreditou no sucesso da operação. Mas, conseguiu ver Cabrinovic preso em meio à confusão após a bomba e percebeu que algo havia dado errado.

O atentado fracassara. Mas, uma séria de fatos aleatórios acabaria interferindo no desfecho do drama.

Furioso com a tentativa de assassinato e se dizendo indignado pelo risco que a esposa correra o
arquiduque decide abreviar os planos, mas, sem cancelá-los para não parecer covarde. Assim, decide ir ao hospital visitar feridos, conforme planejado. Já a reunião com mulheres bósnias de que participaria Sofia é cancelada e ela decide acompanhar o marido na visita ao hospital.

Desta vez vão à alta velocidade, mas o motorista engana-se no caminho,
mete-se num beco, pára o carro (sem marcha atrás) e este tem de ser
empurrado para a estrada.

Nesse momento Gavrilo Princip está descendo a rua, furioso pelo plano, meticulosamente preparado ter dado errado. É de se imaginar sua surpresa ao ver o carro do arquiduque completamente indefeso e à sua mercê.

São 11 horas da manhã quando Gravilo, sem pestanejar aperta o gatilho várias vezes.
Em instantes arquiduque e duquesa estão mortos.

O assassino tenta o suicídio atirando contra si mesmo, mas é agarrado por uma multidão atraída pelos tiros.

O que os desatinados jovens queriam era causar uma forte comoção que revertesse em favor da causa da criação de uma “Grande Sérvia”. Pensavam que, a presença da Áustria nos Bálcãs, em auxílio de sua aliada, a Bósnia-Herzegovina, impedia que seu povo alcançasse plenamente a nacionalidade e a independência.

Jamais poderiam imaginar que um mês depois do atentado, a Áustria usasse o atentado de Sarajevo para declarar guerra à Sérvia. Eu a Rússia aliada da Sérvia declarasse guerra à Áustria. Eu alemães, ingleses e franceses acabassem, por força de alianças secretas, também declarando guerra e que, assim, a Europa e o mundo entrassem no maior pesadelo de todos os tempos, até então, a Grande Guerra, mais tarde chamada de A Primeira Guerra Mundial.

No que será que pensaram os meninos de Sarajevo sobre uma guerra que matou mais de 10 milhões de pessoas. Eu pela primeira vez vitimou mais civis que militares, utilizou armas químicas, aviões e submarinos como armas letais?

Nunca saberemos se eles morreram se sentindo culpados da guerra ou se perceberam que todo o cenário já estava montado, aguardando apenas a ordem de ação.

Sabemos apenas que Gavrilo Princip, por ser menor, não pode ser condenado à morte e que acabou morrendo tuberculoso na prisão de Theresienstadt, em 1918, quatro anos depois do atentado de Sarajevo, e, curiosamente, poucos dias depois do fim da Grande Guerra.

Princip e seus amigos deveriam ouvir os conselhos dos mais velhos quando de que, criança que brinca com fogo, acaba se queimando. Nesse caso, o incêndio foi maior que toda a Europa.

Prof. Péricles

sábado, 5 de julho de 2014

O DONO DA VERDADE


Ser o dono geralmente representa, ter poder.

Alguns donos fazem parte inesquecível de nossas vidas... Por exemplo, o dono da bola no tempo em que, crianças, desejávamos passar o dia todo jogando futebol. Pois, o dono da bola era alguém poderoso. Às vezes sua chegada era precedida de uma espera torturante, quem sabe, deliberadamente provocada, pois não basta ter o poder, é necessário demonstrá-lo diante dos que não tem. A tortura podia ser longa até sua chegada, dele não, da bola que o trazia a reboque.

Não sei por que maldita tradição, geralmente o dono da bola era péssimo jogador, mas, sua titularidade no time era inquestionável. A bola, ou melhor, a posse dela, lhe conferia poder indiscutível. Isso, porém, não lhe assegurava popularidade, pois, apesar de garantir um lugar no time, não garantia, necessariamente, amigos.

O dono das mais difíceis figurinhas também.

Sempre havia aquele sortudo (aquele cujos pais podiam comprar quantidades maiores de envelopes) que tinha no bolso das calças as mais difíceis figuras para completar o álbum. O dono das figurinhas difíceis foi, para muitos, o primeiro exercício de diplomacia na vida, pois exigia negociação e alianças. Geralmente o dono das figurinhas difíceis compreendia que, o que para ele, era excedente, para outros era o essencial, e disso fazia um macabro jogo de poder. Talvez a maioria dos especuladores financeiros de hoje foram donos de figurinhas difíceis no passado.

E o dono do carro?

Quando jovens um carro e a maturidade era quase a mesma coisa. A turma ansiava sair à noite e mostrar sua incondicional rebeldia e independência, e nisso, nada mais decisivo e impactante na cabeça das meninas (ao menos no imaginário dos meninos) do que sair de carro. Disse sair e não exatamente ter um carro.

Quem tinha o carro, era quase uma lenda, por isso mesmo, tinha uma coleção de amigos que o capitalismo pode cooptar.

Mas, o mais indesejável dos donos, atravessa os tempos e pode estar ao seu lado a qualquer momento do dia. É o dono da verdade.

Sabe aquela pessoa que tem todas as respostas corretas? Que esteve em todos os lugares, falou com todas as pessoas e que nunca, jamais, de maneira alguma tem dúvidas? Aquela que não ouve sua argumentação, pois enquanto você fala está apenas pensando no que dirá em seguida para arrasar seja lá o que você estiver dizendo?

Pois é, o dono da verdade, sempre acompanhado de certezas inflexíveis.

Muitas vezes certezas nascidas no que disseram na televisão ou no “dizem por aí”.

O dono da verdade pode ser uma pessoa inteligente e articulada tornando às vezes incompreensível como possa ser tão obtuso.

A presunção, na maioria das vezes é a causa maior de suas convicções, mas, existem outras causas.

O fanatismo, por exemplo.

Quando em 1578 o rei português D. Sebastião, determinou a organização de uma expedição militar para invadir o norte da África e de lá expulsar os infiéis muçulmanos, não faltaram por parte de seus comandantes bons argumentos de que a missão estava condenada ao fracasso, visto ser o exército português inexperiente e frágil perante os exércitos inimigos.

Como D. Sebastião era o dono da verdade e de convicções nascidas do fanatismo religioso, mesmo sendo um homem culto e bem informado, empreendeu a fatídica expedição, totalmente destruída na batalha de Alcácer-quibir. Ele e todos os seus soldados perderam a vida e Portugal a independência.

Fanatismo produz arrogâncias, autoritarismos e donos da verdade, não necessariamente nessa ordem.

Destruidor de qualquer rodinha de amigos desconhece, o dono da verdade que, muitas vezes, é melhor estar com a paz do que estar com a razão, que, aliás, não precisa se impor pois a humildade da verdade se impõe por si.

E, como diria o sábio grego, melhor seria não esquecer que a gente só sabe, com relativa certeza, que nada sabe.


Prof. Péricles









sexta-feira, 4 de julho de 2014

DEMOCRACIA QUE SE VOLTA CONTRA O POVO


Por: Leonardo Boff


Uma grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais ligados ao status quo de viés conservador se levantou furiosamente contra o decreto presidencial que institui a Política Nacional de Participação Social. O decreto não inova em nada nem introduz novos itens de participação social.

Apenas procura ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 30 do século passado, mas que nos últimos anos se multiplicaram exponencialmente a ponto de Noam Chomsky e Vandana Shiva considerarem o Brasil o país no mundo com mais movimentos organizados e de todo tipo.

O Decreto reconhece esta realidade e a estimula para que enriqueça o tipo de democracia representativa vigente com um elemento novo que é a democracia participativa. Esta não tem poder de decisão apenas de consulta, de informação, de troca e de sugestão para os problemas locais e nacionais.

Portanto, aqueles analistas que afirmam, ao arrepio do texto do Decreto, que a presença dos movimentos sociais tiram o poder de decisão do governo, do parlamento e do poder público laboram em erro ou acusam de má fé. E o fazem não sem razão. Estão acostumados a se mover dentro de um tipo de democracia de baixíssima intensidade, de costas para a sociedade e livre de qualquer controle social.

Valho-me das palavras de um sociólogo e pedagogo da Universidade de Brasília, Pedro Demo, que considero uma das mentes mais brilhantes e menos aproveitadas de nosso país. Em sua Introdução à sociologia (2002) diz enfaticamente ”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Político (com raras exceções) é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaziguados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima… Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação “(p.330.333). Não faz uma caricatura de nossa democracia, mas, uma descrição real daquilo que ela sempre foi em nossa história. Em grande parte possui o caráter de uma farsa. Hoje chegou, em alguns aspectos, a níveis de escárnio.

Mas ela pode ser melhorada e enriquecida com a energia acumulada pelas centenas de movimentos sociais e pela sociedade organizada que estão revitalizando as bases do país e que não aceitam mais esse tipo de Brasil. Por força da verdade, importa reconhecer, que, entre acertos e erros, ele ganhou outra configuração a partir do momento em que outro sujeito histórico, vindo da grande tribulação, chegou à Presidência da República. Agora esses atores sociais querem completar esta obra de magnitude histórica com mais participação. E eles têm direito a isso, pois a democracia é um modo de viver e de organizar a vida social sempre em aberto – democracia sem fim – no dizer do sociólogo português Boaventura de Souza Santos.

Quem conhece a vasta obra de Norberto Bobbio um dos maiores teóricos da democracia no século XX, sabe das infindas discussões que cercam este tema, desde o tempo dos gregos que, por primeiro, a formularam. Mas deixando de lado este exitante debate, podemos afirmar que o ato de votar não é o ponto de chegada ou o ponto final da democracia como querem os liberais. É um patamar que permite outros níveis de realização do verdadeiro sentido de toda a política: realizar o bem comum através da vontade geral que se expressa por representantes eleitos e pela participação da sociedade organizada. Dito de outra forma: é criar as condições para o desenvolvimento integral das capacidades essenciais de todos os membros da sociedade.

Os movimentos sociais e a sociedade organizada podem contribuir poderosamente para essa democracia substancial. Especialmente agora que devido à gravidade da situação global do sistema-vida e do sistema-Terra se busca de um caminho melhor para o Brasil e para o mundo. Com sua ciência de experiências feita, com as formas de sobrevivência que desenvolveram em 500 anos de marginalização, com suas tecnologias sociais e com seus inventos, com suas formas próprias de produzir, distribuir e consumir, em fim, tudo aquilo que possa contribuir na invenção de outro tipo de Brasil no qual todos possam caber, a natureza inteira incluída.

Uma democracia que se nega a esta colaboração é uma democracia que se volta contra o povo e, no termo, contra a vida. Daí a importância de secundarmos o Decreto presidencial sobre a Política Nacional de Participação Social, tão irrefutavelmente explicada em entrevista na TV e em O Globo (16 de junho de 2014) pelo Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência Gilberto Carvalho.


Leonardo Boff é teólogo e escritor.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

CANDIDATO GUERRILHEIRO ALOYSIO


Por: Juremir Machado da Silva

Nas redes sociais, nas últimas eleições, apoiadores do tucano José Serra bombardeavam a candidata petista Dilma Rousseff por ela ter sido guerrilheira durante a ditadura militar brasileira que atolou o país no obscurantismo a partir de 1964. A escolha por Aécio Neves de Aloysio Nunes Ferreira para seu vice enterra um dos argumentos mais usados pela direita mais extrema em relação a quem participou da luta armada contra terrorismo de Estado.

Aloysio Nunes Ferreira é conhecido como o “motorista de Marighella”. O vice de Aécio participou com Carlos Marighella, executado pelos militares em 1969, da Ação Libertadora Nacional. Aloysio tem uma biografia de guerrilheiro de linha de frente. Não ficou nos bastidores. Fez bem.

Em “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, Mario Magalhães apresenta Aloysio portando uma carabina e dirigindo o carro usado por seus companheiros para fugir depois do assalto ao trem-pagador Santos-Jundiaí em agosto de 1968. Cena de filme. Coube a Aloysio a tarefa delicada de levar o dinheiro arrecadado.

Dois meses depois, em outubro de 1968, Aloysio participou de outro assalto, o ataque ao carro-forte da Massey Ferguson. Melhor não contar com ela para financiamento de campanha. Aloysio exilou-se em Paris. Na volta ao Brasil, passou pelo PCB e pelo PMDB até achar seu galho no PSDB.

Em 2003, quando Dilma assessorava Lula, a revista Veja disparou: “O cérebro do roubo ao cofre – com passado pouco conhecido, a ministra envolveu-se em ações espetaculares de guerrilha”. Dilma teria concebido o roubo do cofre do governador paulista Adhemar de Barros.

Como é sabido que Dilma não pegou em armas, Veja encontrou um jeito de comprometê-la um pouco mais, o depoimento do ex-sargento e ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, o “Leo”, “que ajudou o capitão Carlos Lamarca a roubar uma Kombi carregada de fuzis de dentro de um quartel do Exército, em Osasco”. Segundo Leo, “a Dilma era tão importante que não podia ir para a linha de frente. Ela tinha tanta informação que sua prisão colocaria em risco toda a organização. Era o cérebro da ação”. Será que Veja relembrará agora esse passado guerrilheiro de Aloysio?

Estou ansioso pelos textos dos lacerdinhas da mídia central Rodrigo Constantino, Lobão, Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli e Olavo de Carvalho sobre esse passado belicoso do candidato tucano. O PSDB deixou correr a baba contra a “terrorista” Dilma.

A guerra de guerrilhas está empatada. Não condeno Aloysio nem Dilma. Intuo que a ala udenista que apoia Aécio ficará constrangida e triste por não poder se deliciar com a baixaria que mais a satisfaz. O guerrilheiro Aloysio tinha por codinome Mateus. Fugiu para Paris com passaporte falso. Manteve estreita amizade com Fidel Castro, tendo sido levado pelo ditador, em 2001, até o avião no aeroporto de Havana. Arranjou campo de treinamento para guerrilheiros na Argélia. Fez o que considerava necessário para combater a ditadura. O que vão dizer agora? Mateus, primeiro os teus? Ou os dos outros?


A coordenação da campanha tucana será feita por José Agripino, do DEM, aquele mesmo que perguntou a Dilma se ela mentira sob tortura. O lacerdão Agripino coordenando a campanha do guerrilheiro terrorista Aloysio Nunes. Uau!

domingo, 29 de junho de 2014

ASSANGE, DOIS ANOS DE CONFINAMENTO



Por Mário Augusto Jakobskind


Quando o mundo inteiro reverencia o ex-agente de inteligência norte-americano Edward Snowden, muito justamente, por sinal, por se tratar de um herói da humanidade, outro herói da humanidade, Julian Assange, responsável pelo site WikiLeaks vem sendo esquecido. Praticamente saiu do foco midiático

Assange acabou de completar dois anos, na quinta–feira (19/06), de confinamento na representação diplomática do Equador em Londres, uma pequena sala. Está impedido de tomar sol e está sujeito a doenças a que ficam sujeitas pessoas nessa situação.

Na quinta-feira última mesmo, Assange assegurou que manterá a promessa de seguir divulgando ao mundo toda a informação em seu poder sobre a atuação e operação dos Estados Unidos e seus aliados.

Como se não bastasse todo esse infortúnio, por pressão do Departamento de Estado norte-americano, Assange está sendo impedido de receber doações através de cartões de crédito que o site WikiLeaks recebia de diversas partes do mundo. Ou seja, além de impedido de sair do local onde se encontra, porque se o fizer será preso pelas forças policiais britânicas acantonadas na saída da representação diplomática equatoriana em Londres, as pressões econômicas aumentam a cada dia.

A Grã Bretanha obedece fielmente, como um cão de guarda, os interesses norte-americanos e não dá tréguas na vigilância a Assange. Também não divulga o custo financeiro representado pela a prontidão policial.

E tudo isso acontece sob quase total silêncio dos grandes meios de comunicação ocidentais, que sempre se dizem não apenas interessados em oferecer informações aos seus leitores, telespectadores e ouvintes, como se apresentam como defensores incondicionais da liberdade de expressão e de imprensa.

A pressão, criminosa, dos Estados Unidos contra Assange, não resta dúvida, é atentatória à liberdade de expressão, e não pode continuar sendo silenciada. É preciso que os espaços midiáticos em todo mundo abandonem a desinformação sobre a real situação em que se encontra o herói da humanidade Julian Assange.

Louve-se o governo do Equador, que em nenhum momento deixou de oferecer ajuda a Assange. Claro que tudo isso tem um custo financeiro. O governo de Rafael Correa arca com esse custo e está mostrando ao mundo que acima de tudo leva em conta a questão humanitária.

Se algo de grave acontecer a Julian Assange, a responsabilidade é do Presidente Barack Obama e dos serviços de inteligência norte-americanos. Não se exclui também a responsabilidade do cão de guarda britânico, o Primeiro-Ministro David Cameron, que ordena o cerco policial à representação diplomática do Equador.

No Brasil, Assange recebeu homenagem do Grupo Tortura Nunca Mais-RJ, com a Medalha Chico Mendes de Direitos Humanos. No ano passado, a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) também homenageou o responsável pelo site WikiLeaks com a concessão de uma Medalha de Direitos Humanos. E todas essas homenagens foram omitidas pela grande mídia brasileira.

O GTNM-RJ e a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI somam-se a outras entidades de várias partes do mundo que exigem dos governos dos Estados Unidos e da Grã Bretanha que terminem com o cerco autoritário a que está sendo submetido o herói da humanidade Julian Assange e permitam que ele siga imediatamente rumo ao Equador.

As duas entidades também apelam aos meios de comunicação e agência internacionais de notícias a romperem o vergonhoso silêncio sobre o cerco criminoso a que está sendo submetido Julian Assange.

Além de Assange, outro herói da humanidade, Edward Snowden terá seu asilo na Rússia expirado em agosto. Em recente entrevista para a Globo News, o ex-agente da CIA manifestou o desejo de conseguir asilo político no Brasil. Disse que tinha feito um pedido nesse sentido quando ainda se encontrava no aeroporto de Moscou, O governo brasileiro negou ter recebido o pedido. Agora, para esclarecer em definitivo com quem está a verdade, Snowden deveria fazer um outro pedido formal ao governo brasileiro. Se não houver resposta e for dito que não houve nenhuma solicitação se saberá quem mente. Se o governo brasileiro conceder o visto, estará tudo esclarecido. Mas se negar estará na prática dando sinal de fraqueza, o que se espera não aconteça.

Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos não deixando que a questão seja esquecida, como tem sido em relação ao herói da humanidade Julian Assange.


Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha; membro do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (TvBrasil); preside a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI.



sexta-feira, 27 de junho de 2014

ABUTRES, COVEIROS E GOIABAS


Por Flávio Aguiar

A campanha nacional e internacional contra o Brasil e os brasileiros disseminou três tipos de detratores do nosso país: abutres, coveiros e goiabas.

1. Os abutres

São os mais ideológicos de todos. No plano internacional têm sido puxados por The Economist e Financial Times. Para eles o Brasil se assemelha a uma valiosa cariniça a ser saqueada. O valor da carniça aumentou muito desde as descobertas na camada atlântica do pré-sal. Muitos deles mantém uma pretensa elegância, muito própria para quem gosta de usar ternos de grife no trabalho. Seu estilo preferido é o prosaico analítico, com direito, vez por outra, a certos sarcasmos pesados, que eles vêem como mera ironia, como a de comparar a nossa presidenta a Groucho Marx. Adoram elogiar o México e a Aliança do Pacífico, como “respostas” ao Brasil e o Mercosul. Às vezes animam gente mais grosseira, como no caso das vaias VIP, no Itaquerão. Mas aí começamos a entrar no segundo grupo.

2. Os coveiros

De um modo geral, são aqueles detratores que, no fundo, bem no fundo, acham que nasceram no país, na latitude e na longitude erradas, além do fuso horário trocado. Latitude errada: nasceram no hemisfério sul. Longitude errada e fuso horário trocado: a hora da nossa capital não é a mesma de Washington, nem de Londres, nem de Paris. Grosso modo, dividem-se em dois grupos. O primeiro simplesmente detesta o país em que nasceu. Não suporta olhar pela janela e ver bananeiras ao invés de pine trees. Detesta até ver palmeiras ao invés de palm trees. São os detratores de sempre, os que se ufanam da Europa e dos Estados Unidos e que pensam que o nosso povo é desqualificado para ser um povo. Sua abrangência é nacional, mas também aparecem alguns no plano internacional. Ouvi durante seminário recente aqui em Berlim que o Brasil é um país que não tem cultura, só tem música e samba. Não sei exatamente o que a pessoa em questão, que não era brasileira, entendia por “cultura”, “música” e “samba”, mas sei muito bem o que ela entendia por ”Brasil”: um bando de gente nu por fora e por dentro, mais ou menos como os primeiros europeus viam os índios quando chegaram para conquistá-los e dizimá-los. São e serão os coveiros de sempre. O segundo grupo pegou carona na campanha dos abutres. Gosta de falar mal do Brasil de agora, este que aí está, com pleno emprego e melhora na repartição de renda. Quer dar a volta no relógio e no calendário, nos ajustar de novo ao tempo em que pobre era miserável e miserável não era nada. Acha que pode garantir de novo os aeroportos só para si. Mas é um grupo que gosta de falar também em generalidades. Se dentro do Brasil, usa o pronome nós (“nós somos corruptos”, “nós somos violentos”, “nós somos ineficientes”, etc.), mas é um “nós” que tem o valor de “eles”, pois só vale da boca para fora.

Os estilos preferidos variam: vão do insulto grosseiro à lamentação sutil. Os coveiros deste grupo costumam ter um alvo preciso, que copiam dos abutres: no momento atual, a eleição de outubro. Já os coveiros do primeiro grupo não têm alvo preciso, a não ser o de fazer compras em Miami (alguns) ou passear de bonde ou ônibus nas capitais europeias enquanto faz campanha contra corredores de ônibus nas cidades brasileiras.

3. Os goiabas

Este é um grupo mais variado. Seu estilo varia entre a euforia e a lamentação. Mas são plagiadores profissionais. Copiam sem restrição tudo o que lhes é servido pelos abutres e os coveiros. Repetem entusiasticamente: “o gigante acordou em junho do ano passado”. Ou chorosamente: “a Copa do Mundo no Brasil tirou dinheiro das escolas e dos hospitais”. E repetem firmes outras condenações peremptórias, como “a de que os estádios ficarão necessariamente ociosos depois da Copa”. São muito numerosos, barulhentos, tanto dentro como fora do país. Também repetem-se muito entre si mesmos, achando que estão sendo originais. Gostam de dizer que estão “mostrando o verdadeiro Brasil” ao nos detratar como um país imóvel, que não tem entrada nem saída.

Os grupos ficaram martelando – mais os coveiros, os goiabas e, mas com a reza em voz baixa a seu favor vinda dos abutres internacionais e também com as vezes a reza em voz alta dos abutres nacionais – que a Copa não ia dar certo, que seria um fracasso, que os aeroportos iam entrar em colapso, que as cidades (e o metrô de S. Paulo no dia da abertura) iriam parar, etc.

Deram com os burros n’água. Cavaram a própria cova e esqueceram de levar uma escada de saída. Ainda esperam que “algo”, alguma catástrofe, qualquer coisa, aconteça até o final da Copa. Depois deste final, vão tentar uma de duas: se o Brasil ganhar a Copa, vão dizer que o nosso povo é um bando de babacas que só sabem correr atrás da bola quando vêem uma. Se o Brasil perder, vão insistir na ideia de que o governo jogou dinheiro fora. Vamos ver o que vai acontecer.

Antes de encerrar, quero esclarecer que “abutres”, “coveiros”, “goiabas” e até “burros n’água” são apenas metáforas literárias, que não deve ser lidas literalmente. Nada tenho contra os abutres que, como os urubus, ajudam a manter a limpeza no seus espaços; nem contra a operosa classe dos coveiros, tão socialmente valiosos como qualquer outra profissão laboriosa; muito menos contra as goiabas, frutas deliciosas como tantas outras; e certamente na da contra os pacientes burros da vida real, que nada têm de burros. Burros, neste último sentido, apesar de alguns se acharem espertalhões, são os “abutres”, os “coveiros”, e os “goiabas”.