sábado, 5 de agosto de 2017

A VERDADE É DURA, A VOLKS APOIOU A DITADURA


Do site Nocaute


Uma força-tarefa investigativa formada pelo jornal Süddeutsche Zeitung e as emissoras estatais NDR e SWR obteve acesso exclusivo à investigação externa, ordenada pela própria Volkswagen, sobre o papel de sua filial brasileira na ditadura militar (1964-1985).


Segundo reportagens publicadas em 23/07 desse ano, a filial brasileira da montadora colaborou de forma mais ativa do que antes se imaginava com os militares na perseguição de opositores do regime.


Análise extensa de documentações mostrou quão participativo foi o papel da Volkswagen do Brasil e sugere que a sede em Wolfsburg tomou conhecimento disso – o mais tardar em 1979.


Os repórteres alemães analisaram documentos corporativos localizados na filial brasileira e na sede alemã, papéis classificados como secretos pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops) e relatórios confidenciais do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha.


“Operários eram presos na planta da fábrica e, em seguida, torturados: a colaboração da Volkswagen com a ditadura militar brasileira foi, aparentemente, mais ativa do que antes presumido”, escreveu o Süddeutsche Zeitung.


Os repórteres alemães também tiveram acesso às atas de investigação do Ministério Público de São Paulo. Além disso, eles realizaram entrevistas com alguns ex-funcionários da Volkswagen do Brasil – muitos confirmaram que foram detidos na fábrica em 1972. Eles faziam parte de um grupo oposicionista e distribuíram folhetos do Partido Comunista e organizavam reuniões sindicais.


Os veículos de comunicação alemães corroboraram que a filial brasileira espionou seus trabalhadores e suas ideias políticas, e os dados acabaram em “listas negras” em mãos do Dops. As vítimas lembraram como foram torturadas durante meses, após terem se unido a grupos opositores.


“A Volks roubou dois anos da minha vida”, disse Lúcio Bellentani, ex-operário da montadora e agora com 72 anos, que afirmou ter sofrido oito meses de tortura e ter passado outros 16 meses na prisão. “Indiretamente a Volkswagen foi responsável por numerosos casos de tortura e perseguição. A Volkswagen deve ter a dignidade de reconhecer sua responsabilidade por esses atos”.


Em 2016, a montadora alemã nomeou para uma investigação sobre seu passado o historiador Christopher Kopper, que confirmou a existência de “uma colaboração regular” entre o departamento de segurança da filial brasileira e o órgão policial do regime militar.


“O departamento de segurança atuou como um braço da polícia política dentro da fábrica da Volkswagen”, antecipou Kooper, pesquisador da Universidade de Bielefeld, à imprensa alemã. Segundo ele, a montadora “permitiu as detenções” e pode ser que, ao compartilhar informações com a polícia, “contribuísse para elas”. Ele sugeriu que a montadora alemã peça desculpas aos ex-funcionários afetados pela conduta.


De acordo com protocolos internos da Volkswagen, as chefias da montadora na Alemanha e em São Paulo trocaram memorandos referentes às detenções de funcionários. O conselho da multinacional tomou conhecimento da conduta em São Bernardo do Campo, cidade satélite de São Paulo, o mais tardar em 1979, quando funcionários brasileiros viajaram à Alemanha para confrontar o então presidente da companhia, Toni Schmücker.


A sede da montadora se negou a comentar o conteúdo das alegações e reiterou ter encarregado o historiador Kooper de investigar e apresentar um parecer sobre a questão. Kooper apresentará suas conclusões até o final do ano.


Há quase dois anos foi aberta em São Paulo uma investigação sobre a Volkswagen do Brasil para determinar a responsabilidade da empresa na violação dos direitos humanos durante a ditadura de 1964 a 1985.


Conforme estabeleceu a Comissão Nacional da Verdade (CNV), que examinou as violações dos direitos humanos cometidas pela ditadura militar, muitas empresas privadas, nacionais e estrangeiras, deram apoio tanto financeiro como operacional ao regime militar.

No caso da Volkswagen, a comissão constatou que alguns galpões que a empresa tinha numa fábrica de São Bernardo do Campo foram cedidos aos militares, que os usaram como centros de detenção e tortura. Além disso, a comissão sustentou que encontrou provas que a multinacional alemã doou ao regime militar cerca de 200 veículos, depois usados pelos serviços de repressão.

quinta-feira, 3 de agosto de 2017

A BANCADA EVANGÉLICA E OS EVANGÉLICOS




Por Marcelo Santos

Na última sexta-feira (21/07) foi realizado o debate “Evangélicos, Igrejas Evangélicas e Política”, que fez parte do ciclo de conversas Novos Fenômenos da Realidade Política, promovido pela Fundação Perseu Abramo (FPA), Friedrich Ebert Stiftung (FES) e Instituto Pólis.

Foram apresentados no evento alguns resultados da pesquisa sobre políticas elaborada durante a Marcha para Jesus, realizada em 15 de junho, em São Paulo. “A nossa hipótese de partida é de que existia um descolamento do campo evangélico religioso do campo evangélico político” explicou a pesquisadora Esther Solano, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Segundo ela, apesar de a bancada evangélica no Congresso Nacional ser expressivamente neoliberal e a favor do Estado Mínimo, a imensa maioria dos adeptos da linha religiosa é contra as reformas defendidas pelo atual governo.

Entre os 527 entrevistados que participaram da pesquisa, feita por meio de questionário com perguntas fechadas, a maior parte (66%) afirmou não ter preferência de linha política, seja de esquerda, centro ou direita. Sobre os partidos, 81,6 % afirmaram não possuir preferência partidária. Quando a pergunta foi se eram identificados como conservadores, 45% se identificaram como ‘muito conservadores’ e 34% como ‘pouco conservadores’.

Esther ainda destacou que quando questionados se confiavam nos partidos, apenas 7% disse confiar no PSDB, e 6% no PT. “Os partidos que teoricamente representam os evangélicos, como no caso do PSC, que tem o pastor e deputado federal Marco Feliciano, e o PRB, de Marcelo Crivella, tiveram 1,2% e 0,4% de confiança dos entrevistados. Ou seja, praticamente zero”, relatou.

Quando questionados se confiavam ou não em determinados políticos, 57% afirmaram não confiar em Bolsonaro, 53 % não confiam em Marcelo Crivella e 57% não demonstraram confiança em Marina Silva. “Baixíssima confiança nos partidos evangélicos e nos representantes evangélicos”, avaliou Esther.

O professor Marcio Moretto, da Universidade de São Paulo (USP), lembrou que alguns resultados coletados durante a Marcha para Jesus foram “surpreendentemente progressistas”. Questões como sobre se a escola deveria ensinar as pessoas a respeitar os gays teve o apoio de 77%. Já 70% entendem que ‘cantar uma mulher na rua é ofensivo’ e 64% dos que foram ouvidos durante o evento evangélico concordaram que ‘não se deve condenar uma mulher que transe com muitas pessoas’ e 90% discordam que o ‘lugar da mulher é em casa, cuidando da família’. “Principalmente nas pautas em relação ao direito das mulheres, com exceção do aborto, eles se mostraram mais progressistas do que se poderia imaginar.”

Moretto reforçou que mesmo em questões mostrando que 33% não concordam com a afirmação de que ‘pessoas do mesmo sexo não constituem família’ e apenas 35% entenderem que ‘dois homens devem poder se beijar na rua sem serem importunados', "é bom lembrar que se trata de pessoas que estão dentro do campo evangélico e que se definem como conservadores".

Já o pesquisador e professor Leandro Ortunes, do grupo de estudos de Mídia, Religião e Cultura (Mire), da Universidade Metodista de São Paulo, comparou dados levantados durante os eventos evangélicos de 2016 e 2017 e, com base neles, elencou algumas hipóteses para a vitória de João Doria (PSDB) nas eleições paulistanas do último ano. “Será que o discurso do ‘João Trabalhador’ não faz mais sentido para os evangélicos? Para os microempreendedores, por conta do ‘mérito’, do trabalho... Será que os discursos de luta de classes, de revolução, ecoam no mundo evangélico ou eles querem ser empreendedores?", questionou. "Isso porque existe uma teologia por trás. A ‘Teologia da Prosperidade’ ensina que você é capaz de conquistar bens materiais através do seu trabalho”.

Para a antropóloga Regina Novaes, pesquisadora do CNPq, é preciso ter em mente a pergunta sobre ‘a quem interessa generalizar sobre os evangélicos’. “Há interesses daqueles que falam em nome dos evangélicos e vimos como há diferenças entre eles. Há interesses também, numa conjuntura como a atual, de juntar conservadorismos que não atuam da mesma forma. Conservadorismo ‘político’ é uma coisa; de ‘costumes’ ou ‘econômico’ é outra”.

Para ela, a visibilidade exacerbada de alguns representantes evangélicos, como os pastores midiáticos e a bancada no Congresso, cria a invisibilidade de outros, como os evangélicos mais progressistas (caso da Frente Evangélica pelo Estado de Direito) ou mesmo os que não concordam com as reformas neoliberais e a ideia do Estado Mínimo, que são a maioria, de acordo com os levantamentos. “Precisamos desconstruir a ideia da polarização. Se há pontos que nos unem, esses pontos devem ser colocados acima da pauta.”

O evento foi mediado por Joaquim Soriano, da Fundação Perseu Abramo, e teve apresentação de Altair Moreira (Pólis) e Thomas Manz (FES). “Temos debatido sobre a base de um mapa político que parece ter origens nos anos 1990 e cujo data de validade já venceu. Isso parece mais verdade para a esquerda, deslocada de seu tempo. Então, precisamos fazer um esforço para nos reconectar com a realidade, reconstruir esse mapa político e abordar melhor as questões políticas e sociais”, avaliou Thomas.

quarta-feira, 2 de agosto de 2017

NOSSA GUERRA DO PELOPONESO


O povo grego se formou a partir de ondas sucessivas de invasões no sul da península Balcânica.


Não era um lugar deserto e sem vida, ao contrário. A região era habitada por grupos muito primitivos denominados de “pelasgos”, os ”pés descalços”.


Mas o povo helênico, como o conhecemos, surgiu mesmo dessas ondas invasoras.


Como o relevo da Grécia é extremamente acidentado, com montanhas, planaltos, planícies e depressões, esses grupos invasores acabaram acomodando-se em determinada parte e isolando-se do resto. Assim surgiram comunidades independentes, que denominamos de polis. Como pequenos países, autônomos uns dos outros, que mantinham identidade na língua, na religião e algumas tradições.


Foi, portanto, o relevo acidentado, a geografia, que fomentou a criação de núcleos independentes, porém, identificados e que até falavam do mesmo jeito.


No Brasil, não foi o relevo, mas a história acidentada, que criou bolsões identificados pela religião e pelo idioma, mas distantes entre si.


Aqui coexistem grupos que apesar de terem a mesma nacionalidade são tão diversos que mais parecem estrangeiros uns aos outros.


Temos, por exemplo, os preconceituosos se acotovelando todos os dias com a turma da inclusão.


Gente das extremas trabalhando junto e até suportando-se mutuamente, embora quase nada tenham em comum.


O fato de pagarem os mesmos impostos e, teoricamente, estarem expostos as mesmas leis, cria a falsa ideia de um mesmo povo, mas, é apenas uma ideia, não a realidade.


Os ricos brasileiros, que são muito ricos mesmo, tanto quanto outros ricos do mundo suportam conviver com a massa de pobres, aliás, muito pobres, tão pobres quanto os mais pobres do mundo.


Torcem pelo mesmo time de futebol, mas, de preferência, em arquibancadas, ou camarotes distantes.


Como a Grécia antiga o Brasil também tem seus pelasgos.


São os membros da classe média, média, tão média quanto em outros países, talvez apenas um pouco mais estúpidos, que acreditam viver na planície, quando na verdade habitam as depressões, na beirada do Hades.


Existem vários Brasis já se disse por aqui, e essa afirmação está coberta de razão.


Existe um Brasil, dessa gente varonil, que não vacila pegar a clava forte para defender os interesses da pátria mãe, nem tão gentil assim.


Mas também tem um Brasil de entreguistas que consciente, ou inconscientemente, negocia o tempo todo a sua honra verde amarela e seus bens, debaixo da terra ou do pré-sal.


Durante as Guerras do Peloponeso, no século V a.C. gregos enfrentaram gregos e a Grécia inteira definhou até perder de vez sua independência.


Tem gente que ainda não percebeu, mas a nossa guerra do Peloponeso já começou e tem sido cruel para a gente varonil massacrada em Canudos e no Contestado, suicidada na Rua Toneleros, massacrada nos porões da CIA/DOI/Codi e morta e desaparecida nas lutas contra os entreguistas.


Assim como Macedônia esperou pelo declínio grego para conquistar suas terras, “macedônios” do capital internacional aguardam nossa degradação.


O povo está perdendo o amor-próprio, o Brasil, sua tênue independência e todos nós, a guerra.



Prof. Péricles



segunda-feira, 31 de julho de 2017

A LIÇÃO DO GENERAL


Por Humberto Soares



As Forças Armadas, o Exército particularmente, parecem reativas ao uso dos quartéis para o costumeiro objetivo de botar a tropa nas ruas. Ao longo dos últimos 30 anos, essa saída, perigosa obediência militar à mentira política, tem conduzido os presidentes da República e os governadores, todos eles, para o caminho do fracasso. Botar as tropas na rua é uma expressão que, em passado não muito distante, amedrontava os civis. Mas a história agora é outra.


Apoiado na falência econômica do estado e no aumento da criminalidade, o governador Luiz Fernando Pezão seguiu a rotina. Buscou a ajuda do governo federal, que, mais uma vez, ofereceu o uso das tropas. Na sexta-feira 28, militares passaram a atuar no estado. Um contingente de 10 mil homens, sendo 8,5 mil das Forças Armadas, iniciou a patrulha na região metropolitana da cidade.


Em um primeiro momento, no entanto, não se falou do contingente a ser mobilizado nem quando o seria. Algo aconteceu. Para tapar o sol com a peneira foi preciso, então, usar a balela.


Os militares encarregaram como porta-voz o civil bom de papo Raul Jungmann, ministro da Defesa.


Ele inventou uma historinha. Tirou da manga a explicação de que as Forças Armadas agiriam a qualquer momento “de surpresa”.


Para sustentar a afirmação, Jungmann olhou pelo retrovisor. Segundo disse, as ações realizadas anteriormente “só baixavam a febre e não resolviam o problema”


Os militares têm sido usados, ilegalmente, pelo princípio constitucional de que são responsáveis pela garantia da lei e da ordem. Não cabe, entretanto, às Forças Armadas enfrentar problemas policiais. Quando isso ocorre, tornam-se força auxiliar das polícias militares. Uma inversão grotesca do preceito constitucional previsto no artigo 144.


Jungmann, espetado, tentou construir saída para um problema extremamente complicado. Disse ele: “Estamos mudando a cultura. As operações serão feitas sobre três pilares: inteligência, integração e surpresa. Surpresa, surpresa”. Diante dessa surpresa, é possível contrapor a mentira.


Pouco se vaza do que ocorre nos quartéis. Juntando, porém, uma coisa à outra é possível construir um vazamento. Durante audiência pública no Senado, o comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, afirmou que o uso de militares em atividades de segurança pública é “desgastante, perigoso, inócuo”.


A sagácia do general, cantada no Senado, favorece um episódio narrado por ele durante a ocupação da Favela da Maré, no Rio de Janeiro, em 2016: “Estamos aqui apontando arma para a população brasileira. Nós estamos numa sociedade doente”.


O general Villas Bôas travou a mentira, imaginada por Jungmann, ao se contrapor quanto ao uso das Forças Armadas como capitães-do-mato: “Nós não gostamos desse tipo de emprego. Não gostamos”.


Em sendo assim, viva o general!

sábado, 29 de julho de 2017

MEDÍOCRES E FEROZES MANDAM NO BRASIL



Por Mino Carta


Pobre país, entregue aos caprichos de Michel Temer e de Sergio Moro, mas a mediocridade e a ferocidade destas personagens não são delas somente, e sim de uma larga fatia da sociedade nativa.


Temer e Moro conseguem ser altamente representativos de milhões e milhões de péssimos intérpretes da cidadania, ignorantes e prepotentes, primários e primitivos, trogloditas intelectuais e morais. O Brasil é samba de uma nota só.


A situação em que precipitamos é a “consequência inevitável”, como diria a letra da canção de Jobim, de cinco séculos de história, o resultado da colonização predadora sem a mais pálida intenção de escapar à pauta da terra arrasada. Acrescente-se três séculos e meio de escravidão para manter de pé até hoje casa-grande e senzala.


Uma independência despercebida pela nação inexistente, toda uma tradição de golpes sem conflito, raros momentos de sensatez em busca de democracia, igualdade, justa distribuição de renda. Quantos, em determinadas passagens desta história, saíram da miséria original, transformaram-se em uma espécie de pequena burguesia, sequiosa de acesso à casa-grande, de sorte a assumir as benesses e os comportamentos dos donos da mansão senhorial, a começar pelo ódio de classe.


Se os governos de Dilma Rousseff foram em boa medida incompetentes, e se a presidenta reeleita cometeu estelionato eleitoral ao formar o novo gabinete, a crise econômica a enfraqueceu ainda mais. Pronta a pagar qualquer preço e a aceitar qualquer saída desde que a favorecesse, a casa-grande, titulares e aspirantes, autorizou e sustentou o golpe de 2016. Topou Temer na Presidência e Moro tornou-se seu herói. Inútil comentar o resultado, caos apocalíptico. Nítido o projeto dos golpistas: condenar Lula e devolver o País aos tempos da colônia.


Os Poderes da República estão envolvidos em uma guerra de máfias, vende-se o Brasil, a Globo governa.


Nunca foi tão claro que o Brasil carece, em primeiro lugar, de uma Corte Suprema guiada pelo dever de garantir o respeito da lei. A única em vigor é a do mais forte.


Insisto na ideia da “consequência inevitável”, a partir do momento em que a ditadura se vai de livre vontade pela porta dos fundos e a dita redemocratização de um país que nunca praticou a democracia cai nas mãos do oligarca maranhense, o mesmo que conseguira evitar as eleições Diretas Já em 1984.


O primeiro pleito direto elege Collor, que, pela mão de PC Farias, cobrava pedágios altos demais. Os achacados, que o tinham apoiado como caçador de marajás, acharam oportuno dar eco às denúncias da revista IstoÉ e se livrar do dono da Casa da Dinda. A cancela do poder escancarou-se para o tucanato, preparado, como se dizia de José Serra, a assumir o papel de bastião da pior reação.

A Globo, engrandecida durante a ditadura, continuou a mandar de forma cada vez mais ostensiva e foi decisiva na reeleição do príncipe dos sociólogos. O qual cuidou de quebrar o Brasil três vezes e comandar a bandalheira da privatização das comunicações. Só não conseguiu realizar o sonho de privatizar a Petrobras. Em compensação, deixou as burras do Estado vazias.


Os dois governos de Lula representam um parêntese feliz neste enredo lamentável. Encheu o cofre, pagou as dívidas, deu passos significativos no campo social, praticou uma exemplar política exterior independente, em proveito de um país que sempre preferira ser súdito, e volta agora a preferir. Infelizmente, a Globo ficou intocada na sua função determinante. No entrecho há uma lógica inexorável, a queda de Dilma precipita a retomada do caminho interrompido. Para pior, sempre para pior.


Ao cabo destes anos tormentosos, a solução inteligente estaria na convocação de eleições antecipadas, para entregar a última palavra ao próprio povo. Mas como apelar para a razão em meio a esse espetáculo de demência? As quadrilhas digladiam-se para impor a saída que mais lhes convém e desgovernar até 2018. Justifica- -se, porém, a dúvida: haverá eleições? Me vem à mente o verbo conscientizar.


Foi muito usado logo após a posse de João Goulart na acidentada substituição de Jânio Quadros, aquele que via na sua renúncia o estopim da revolta popular. Entendiam alguns autênticos esquerdistas que secundavam Jango a urgência de “conscientizar” o povo para tirá-lo do limbo da miséria e da ignorância. Passaram-se mais de 50 anos e a urgência foi esquecida. No entanto, só um forte abalo social muda os rumos. Mas isso hoje soa como quimera.



quinta-feira, 27 de julho de 2017

UM POVO QUE NÃO LUTA


Por Bepe Damasco


Desde que uma quadrilha assaltou o governo há pouco mais de um ano, a rapinagem das riquezas nacionais, a roubalheira mais escrachada, a destruição de direitos históricos do povo, o fim dos programas sociais, a volta da fome e dos sinais mais aviltantes da miséria, além da humilhação internacional do país, têm sido a tônica do nosso pesaroso dia a dia.


Motivos existem de sobra para que uma população revoltada ocupe permanentemente as ruas, elevando gradativamente os níveis de radicalização dos protestos até que seja posto abaixo o governo ilegítimo e usurpador. Mas, por que será que isso não acontece entre nós, se até a Organização das Nações Unidas reconhece o direito à rebelião popular diante de governos opressores?


Antes de entrar no exame propriamente dito dessa pasmaceira coletiva, é importante assinalar que tem havido resistência. Desde que o golpe se tornou uma ameaça concreta até hoje, centenas de milhares de pessoas atenderam aos chamados das centrais sindicais, movimentos sociais e partidos de esquerda e compareceram a manifestações marcantes em todos os estados do país.


Não custa lembrar que em 28 de abril passado registrou-se a maior greve da história e que, mesmo com o boicote e a sabotagem da mídia velhaca, multidões se moveram contra as contrarreformas do governo golpista, pelo Fora Temer e por Diretas Já. Contudo, o nó da questão é a presença insuficiente nos protestos de contingentes maiores da classe operária e de moradores de favelas e bairros periféricos. Em síntese, tem faltado povão.


Múltiplos fatores combinados vêm sendo levantados pelos que buscam entender a inação justamente dos mais atingidos pelas medidas antipovo do governo golpista, tais como: ceticismo com a política e os políticos; desânimo e fadiga em relação à eficácia dos protestos, já que o governo e o Congresso teimam em seguir na direção oposta; forte campanha do monopólio midiático em defesa das reformas, confundindo as pessoas; déficit de consciência política e cidadã do povo brasileiro; desgaste de entidades e partidos do campo progressista.


Na minha visão, em maior ou menor grau, esse elenco de causas joga luz na difícil missão de clarear esse intrincado fenômeno político e sociológico. No entanto, como não sou e jamais serei candidato a nada, acrescentaria outros. Começa pela constatação de que o mito do brasileiro cordial do gigante Sérgio Buarque de Holanda há muito fez água por todos os poros.


Hoje, expressiva parcela das classes média e alta cultiva valores racistas, homofóbicos, sexistas e xenófobos. Em geral iletrados e ignorantes até a medula, em que pese o acesso à educação formal, esses bem-nascidos detestam os pobres. Daí o ódio que sentem pelos que fazem da política uma trincheira de lutas para reduzir a nossa vergonhosa desigualdade social.


O problema é que o mau-caratismo dos privilegiados contaminou parte considerável da base da pirâmide social. Li em algum lugar, e lamento não lembrar o autor para citá-lo, uma frase genial segundo a qual a obra mais acabada do capitalismo é o pobre de direita. E, a julgar pelo que ouvimos nas ruas, botecos e transportes públicos, ele existe em profusão e não para de se multiplicar entre nós. Tristeza!