quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O VALE TUDO E A FALTA DE LIMITES







Por Clóvis Malta






Foi tudo num período tão curto desses tempos difíceis, que quase passou despercebido na fila dos acontecimentos.

Em protesto contra a corrupção, uma senhora com a expressão dessas tias compassivas que todo mundo tem ou teve escancarou num cartaz, em plena Avenida Paulista, seu desejo em relação a antagonistas políticos: "Porquê não mataram todos em 1964?".

Um dia depois, uma professora de Araçatuba, em São Paulo, passou pela humilhação de ficar grudada na cadeira em plena sala de aula. Mas não: o problema maior não está naquele "porquê" grafado junto e com acento na cartolina, num país de tão pouco apreço à educação, em todos os sentidos que o termo abarca. Nem no fato de os alunos terem passado uma supercola no assento. O que inquieta é a falta de limite na origem dos dois casos.


Se até a virtude precisa ser contida, como defendeu Montesquieu, fica mais fácil entender por que o cotidiano virou uma bagunça.

Crianças e adolescentes são incentivados, cada vez mais, a imaginar que podem tudo. Pais, que deveriam ajudá-los a discernir o que é certo, o que é errado, muitas vezes acabam confundindo-os ainda mais com seus exemplos. Ajudam então a perpetuar um círculo perverso.

Fica mais fácil assim entender, mas não aceitar, por que o sagrado direito de protestar contra o que quer que seja acaba dando abrigo à expressão do desejo do extermínio de oponentes — e não foi, não, um caso isolado, nem força de expressão.

Se o exemplo falha em casa e nas ruas, o que esperar de quem vai à escola sem qualquer noção de respeito a um educador e ao que deveria ser visto como um templo de aprendizagem?

Agora mesmo, estamos presenciando as ações contra a corrupção alcançarem, enfim, políticos poderosos que chegaram aonde estão com o nosso voto. São casos típicos de pessoas para as quais nem o céu é o limite. Acham que podem tudo, inclusive quando estão diante do nosso dinheiro.

Corrupção prospera a partir da ganância, do excesso de tolerância, da impunidade. Mas tem também a ver, nas banalidades do cotidiano, com a forma como exercitamos valores éticos com a nossa família, com funcionários, com amigos...

Desde cedo, os brasileiros vêm sendo obrigados a conviver nesse ambiente marcado pelo baixo-astral, mas também pela esperança.

Vamos, então, conferir mais atenção a nossas crianças — desde as pequenas que colocam cola em assentos, até as mais crescidas que usam o acento errado para conclamar morte aos inimigos, sem esquecer, obviamente, daquela que mora em nós.

terça-feira, 22 de setembro de 2015

PROFESSORES, ESPÉCIE EM EXTINÇÃO



O professor faz parte das mais intensas lembranças da maioria das pessoas.

Ser intermediário entre os pais e os estranhos que povoam os novos caminhos além de nossas casas, os professores marcaram os "melhores momentos" da vida de quase todos.

Atualmente se quedam diante da falta de valorização profissional, da humilhação de serem sinônimos de profissionais mal pagos e, mais recentemente, de saco de pancada de policiais militares a mando de governadores incompetentes, como aconteceu hoje pela manhã, em Porto Alegre e a pouco tempo, em Curitiba.

Talvez estejamos vendo o fim de uma era e de um profissional.

Nas faculdades os cursos de licenciatura já são oferecidos a preço muito abaixo dos demais.

Mesmo assim, falta quem queira segurar o giz que os mais antigos estão largando.

Talvez, nesse mundo informatizado e virtual, não haja mais espaço para os professores...

A seguir, uma texto de Moisés Mendes, cronista da "Zero Hora" onde ele faz um pedido que talvez esteja chegando tarde demais.

Prof. Péricles




Se acabarem com o Facebook, daqui a alguns anos, terá sido tão normal como quando acabaram com o fax e o Orkut.

Podem acabar com o Twitter como acabaram com o CD. E dar um fim à lâmpada de LED e ao smartphone, como descartaram o iPod.

Podem me dizer, sem que represente grande prejuízo, que vão acabar com o Instagram e suas assustadoras paisagens falsificadas. Podem terminar com o que ainda nem inventaram.

Se quiserem, podem extinguir os bancos, esses medievais que estão aí, e inventar os bancos do século 21.

Eu acredito mesmo que os bancos podem ser reinventados. Não me incomoda a ideia do fim de algo aparentemente insubstituível, até que um dia coisas, aparelhos e processos desaparecem e não fazem falta. Podem acabar até com o WhatsApp.

Só não terminem com os professores.

Não há como imaginar um mundo sem professores. Não há como uma criança virar adulto sem que carregue a certeza de que foi cuidada por um professor. É bobo isso? Então cresça e você saberá do que estou falando.

Ninguém será completo se não tiver na memória a imagem daquela professora. Pode ser um professor, mas de preferência que seja uma professora — elas é que são poderosas.

O professor de quem você guarda imagens de uma frase, um olhar, um pito, um silêncio, uma vacilação, uma cena banal.

Um dia você se verá tentando imitar sua fala e seus gestos. Um dia você aí saberá do que estou falando.

Bem, fiquei assim porque há alguns dias conversei por telefone, depois de mais de 50 anos, com a minha primeira professora.

Falei dela e sua neta Bruna leu e nos reaproximou. Vergília de Almeida Mongelôs, diretora, nos anos 60, do Grupo Escolar Alexandre Lisboa, de Alegrete.

Já contei que fui seu aluno do primeiro ano na sala dela, porque me negava a entrar em sala de aula. Tive agora, quando ouvi sua voz ao telefone, uma das sensações mais mágicas da minha vida.

Sim, eu me lembro da professora Vergília sentada à mesa ou circulando pela sala. Eu me vejo naquela sala. Eu sei o que a diretora do Alexandre representou para mim.

Escrevo agora para contar que daqui a alguns dias vamos nos ver.

Mas escrevo também para dizer que desejo que Martina tenha o que meus netos Joaquim e Murilo já têm. Que Martina tenha uma professora para não esquecer. Martina nasceu na terça-feira. É minha primeira neta.

Eu sei que a minha Martina terá a sua Vergília.


Por: Moisés Mendes

sábado, 19 de setembro de 2015

BOLO DE MILHO



Aqueça o forno em temperatura média. Bata o milho como o leite até ficar homogêneo. Em separado bata o açúcar com a manteiga até obter um creme claro. Junte os ovos e bata bem. Ponha o milho reservado, a farinha, o fermento e bata até obter uma mistura homogênea. Coloque na forma e leve ao forno por 30 minutos ou até que, ao enfiar um palito no centro, ele saia limpo. Deixe esfriar, desenforne e polvilhe o açúcar.

Está pronto o tradicional bolo de milho verde.

Por gerações a receita da vovó tem seguido com os mesmos ingredientes e a forma de fazer variado apenas com as melhorias tecnológicas como batedeira e liquidificador.

Receitas tradicionais são assim. As mesmas, através dos tempos.

O neoliberalismo, seja com Margareth Thatcher ou Ângela Merkel, Collor, FHC ou Aécio, mantém a mesma receita para enfrentar as crises econômicas.

Tudo parte dos mesmos ingredientes: o governo gasta mais do que arrecada; os benefícios sociais são insustentáveis; a previdência social é uma bomba silenciosa; as empresas públicas são onerosas e incompetentes, untados com os mesmos molhos, corrupção e inflação.

Leva-se essa mistura ao forno, ou seja, a mídia e todas as formas de comunicação que sirvam para formar uma opinião pré-aquecida.

Em pouco tempo, tudo fervilha e as vítimas se tornam algozes: os funcionários públicos, as empresas públicas, os aposentados e os que trabalham mas custam muito ao pobre empregador: o custo Brasil (fundo de garantia, 13º salário, etc.).

Misturados esses ingredientes e fervilhados na mentalidade nacional, a receita para enfrentar a situação, também é, como a receita do bolo de milho, sempre a mesma: privatizações de empresas públicas, demissões de servidores públicos, cortes de verbas nos programas sociais, aperto dos cintos com achatamento de salários e aposentadorias.

No Brasil, Fernando Collor de Mello deu início ao processo em 1990, mas foi FHC que assumiu a cozinha e apresentou o bolo final.

O patrimônio público foi delapidado com a venda de empresas como a Companhia Siderúrgica Nacional e a Vale do Rio Doce a preço de bananas.

Direitos dos servidores públicos foram estuprados da forma mais vil e vergonhosa.

O resultado: desemprego em massa, fome, exclusão e miséria, apontados por âncoras de telejornais como efeito amargo e necessário para salvar o país.

Mas não para empresários e banqueiros que receberam junto com o bolo de fel o doce suporte de um proer, perdoando todas as suas dívidas e falcatruas.

No bolo de milho podemos substituir o milho verde por uma xícara de milho em conserva escorrido, mas continuará sendo um bolo de milho.

No neoliberalismo cria-se uma reforma fiscal com cara de coisa nova, mas continuará sendo a receita neoliberal com os mesmos resultados conhecidos.

Certamente as reflexões são necessárias à cidadania antes de apoios tácitos a coisas velhas travestidas de novidades.

Se o bolo de milho se mostrar desconfortável ao paladar, inove-se na receita ou tente-se outro bolo.

Já o bolo neoliberal tendo se mostrado ineficaz e amargo, busque-se outras receitas, com outros ingredientes e que outros cintos sejam apertados. Que o "proer" seja ao povo e não aos ricos.

Aliás, essa receita do bolo de milho rende 10 porções e demora de 30 a 45 minutos para ficar pronta.

Quanto à receita neoliberal rende 200 milhões de porções e pode, trazendo de arrastro ditaduras que lhe são afins, demorar 20 anos para demonstrar sua inutilidade.



Prof. Péricles











quinta-feira, 17 de setembro de 2015

DILMA E DUNGA, SALVE-SE QUEM PUDER



Por Laerte Braga


Aumenta na esquerda o descontentamento com a presidente Dilma.

Um dos maiores jogadores de futebol em todos os tempos, o meia Gérson, campeão do mundo em 1970, cérebro de uma equipe magistral, já no final de sua carreira, jogando no clube do seu coração, o Fluminense Futebol Clube, no intervalo de uma partida contra o América, à época uma grande equipe, perdendo de dois a zero, depois de fumar seu cigarrinho no banheiro, foi ouvir as instruções do técnico Duque.

Duque explicou como “virar” o jogo, traçou as coordenadas para o primeiro gol, o gol de empate e o terceiro, que seria o da virada. Do seu canto e com seu jeito, Gérson disparou – “você já combinou com o técnico deles?” Risos disfarçados e a despeito de todo o empenho do time do Fluminense, o jogo foi ganho pelo América.

O time de Dilma Roussef não tem nenhum Gérson. Mas dois trombadores. Joaquim Levy e Nélson Barbosa, respectivamente na Fazenda e no Planejamento, o que no futebol seria equivalente ao meio de campo. Jânio de Freitas é um dos grandes jornalistas brasileiros. E independente. Chama a dupla de “criadores de problemas”.

Permito-me incluir entre eles, o arrogante e incompetente Aluísio Mercadante. Zagueiro que só dá de bico. Com licença de Pinheiro, que nunca perdeu um pênalti e só batia de bico. Jogava no Fluminense e foi titular da seleção na copa de 1954.

Quando tudo parecia marchar para um alívio nas pressões contra o gol do governo Dilma, o vice-presidente Michel Temer, sabotado por Mercadante (quer ser o candidato em 2018), se afasta da coordenação política, deixa um rombo sem tamanho no time e ainda ameaça levar boa parte dos jogadores, os do PMDB, para a oposição. Vai anunciar se sim ou se não em setembro.

E Eduardo Cunha, corrupto com assento na presidência da Câmara dos Deputados, denunciado pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot, por falcatruas no ofício que exerce, além do uso indevido do nome de Deus para receber propinas, dá uma suspirada, um gesto de alívio e a despeito de todo o bombardeio contra si, sobrevive. Aos trancos e barrancos, mas forte, no velho esquema de chantagens, extorsões, etc.

Aí vem Dilma e manda a bola nas arquibancadas. Anuncia a extinção de Ministérios e Secretarias. Jogada armada por Joaquim Levy. O pretexto de economizar recursos, reduzir cargos comissionados, a aparente moralidade do anúncio, é para inglês ver. No caso os brasileiros.. Deve achar, como no célebre Fla versus Flu, da Lagoa, que a bola demora a voltar. Hoje são várias as bolas disponíveis, o esquema não funciona.

No caso, perdendo de dez a zero, é mais prudente seguir o conselho daquele técnico aos seus jogadores – “arrecua os harfies que é pra evitar a tragédia”. A conta dessa confusão tática vem toda para os trabalhadores brasileiros. E até a primeira parcela do décimo terceiro de aposentados e pensionistas vai ser dividida em duas, fato inédito nos últimos nove anos. Decisão de Levy, que Dilma engoliu depois de ter anunciado que iria pagar em setembro.

Faz uma espécie de mea culpa ao dizer que demorou a perceber a crise. Mas percebeu, depois de reeleita.

Martin Francisco Lafaiete Andrada, advogado nas horas vagas e técnico de futebol, foi campeão com o Atlético de Madri, Espanha, inventando o 4-2-4 e evoluindo para o 4-4-2. Era descendente do “patriarca da independência”.

Zezé Moreira, técnico da seleção em 1954, com vários títulos e caráter acima de qualquer prova, como Martin Francisco, se contrapõe ao pesado sistema de marcação homem a homem e cria a marcação por zona.

Feola esboça o 4-3-3- e Zagalo, que o provara na prática nas copas de 1958 e 1962, o transforma em realidade na copa do tri, a de 1970.

Oto Glória levou Portugal a um terceiro lugar na copa de 1966 e até Iustrich inventou a tal “cavadinha”. Nem falo de Carlos Alberto Parreira, um fora de série nessas artes.

Há uma crise quase que absoluta no futebol brasileiro. O técnico é Dunga, um turrão que adora mediocridades. Mas Dilma criou uma nova tática, na política – o salve-se quem puder. Como nas melhores peladas de domingo.

Impedimento? Uma quebra da normalidade democrática e incompetência por si só não é justificativa. Mas Dilma está fazendo o possível e o impossível para ficar na banheira.

Ela própria anula seus gols. Seu assistente Mercadante? Busca a bola nas redes e coloca no meio do campo para reinicio do jogo. Está pior que o sete a um de Luís Felipe Scolari.



Laerte Braga, jornalista, trabalhou no Diário Mercantil e no Diário da Tarde de Juiz de Fora, para os Diários Associados e pela agência Meridional (primeira grande agência de notícias do Brasil) e também dos Diários e Emissoras Associadas. Escreve semanalmente para o Diário Liberdade.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

ÍNDIO NÃO É GENTE OU É INVISÍVEL?



Por José Ribamar Bessa Freire


“When a dog bites a man that is not news,
but when a man bites a dog that is news”.
(Charles A. Dana, jornalista americano)

Foi isso que aprendemos no Curso de Jornalismo da UFRJ, assim mesmo, em inglês.

Se um cachorro morde um homem, isso não é notícia, acontece sempre, mas se um homem morde um cachorro, aí sim, é notícia. Notícia é a novidade, o inusitado.

Tal lição importada dos Estados Unidos era ensinada, em 1966, pelo nosso professor Danton Jobim, autor do Espírito do Jornalismo, um espírito de porco que continua baixando ainda hoje nas redações, especialmente se o mordido for um índio e não o filho do dono do jornal.

No domingo vasculhei os dois jornais que assino – um do Rio, outro de São Paulo – para confirmar a notícia dos disparos feitos no sábado (29/8) por pistoleiros pagos que mataram o guarani-kaiowá Simeão Vilhalva, 24 anos, e feriram dez outros índios, incluindo crianças da Terra Indígena Ñande Ru Marangatu (MS).

Nada encontrei. “Não houve tempo hábil de noticiar” – pensei, já que a edição dominical dos jornais fecha cedo no sábado e o corpo de Semião foi encontrado por volta das 15h, no córrego Estrelinha, onde foi atingido na cabeça quando bebia água.

Esperei a segunda-feira e passei um pente fino nos dois jornais. Inútil. Sequer uma notinha. O velório com as rezas de despedida, o caixão sobre banco de madeira ao lado de um galpão, o choro dolorido do filho e da esposa Janaína só apareceram nas redes sociais. A mídia nacional ignorou olimpicamente as mordidas dos “cães raivosos” do agrobanditismo, considerando, afinal, que aquilo não era novidade. Novidade seria se um índio mordesse um desses “cachorros”.

Se índios são assassinados sistematicamente nos últimos cinco séculos, isso é tão corriqueiro que deixou de ser notícia, assim como não é notícia o motivo pelo qual se mata: disputa por terra. No caso, esta área indígena demarcada e homologada pelo presidente Lula, em 2005, teve a homologação suspensa pelo ministro do STF Gilmar Mendes a pedido dos fazendeiros que a ocuparam ilegalmente. Permanece engavetada até hoje, alimentando o conflito, que é silenciado pela grande mídia, mas que bombou nas redes sociais em compartilhamentos indignados.

Os dois jornais de circulação nacional não deram uma vírgula ao longo da semana sobre os desdobramentos do crime: velório, enterro, protestos, ação policial e ministerial. Na terça, negaram aos seus leitores a notícia sobre o enterro. Lá poderiam entrevistar a professora guarani-kaiowá Inaye Gomes Lopes, testemunha do crime: “Houve massacres em dois lugares. Um na fazenda de Roseli, presidente do Sindicato Rural e o outro na fazenda de Dácio Queiroz, onde ocorreu a morte. Os fazendeiros com os pistoleiros deles chegaram atirando”.

Quarta-feira, nas redes sociais circularam notas de protestos de várias entidades, entre outras a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), a Articulação de Povos Indígenas do Brasil (APIB), o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), além de uma Carta Aberta dos Servidores da Funai de Campo Grande/MS, mas os dois jornais de circulação nacional nem seu souza.

Se a morte de Semião não foi noticiada, como publicar notas exigindo a punição dos assassinos?

As notas lembraram outros líderes assassinados como Marçal de Souza e Dorvalino Rocha, condenaram a ação planejada dos ruralistas em ataque paramilitar premeditado, denunciaram o uso de munição própria das forças de segurança pública e exigiram o julgamento dos mandantes e dos executores, além da regularização da terra. O líder guarani Anastácio Peralta disse que Mato Grosso do Sul virou “o maior faroeste, o país perdeu a soberania, quem manda lá é pistoleiro e fazendeiro.

Um boi vale mais que uma criança. Eles matam nós como animais”.

Comparando as redes sociais com o silêncio da mídia, fica claro que noticia, na realidade, é aquilo que os jornais não publicam, o resto é propaganda, matéria paga.

Desconfio que não vou renovar minha assinatura dos dois jornais, transformados em panfletões dos donos da grana.

Eles contribuem para a invisibilidade dos índios no cenário nacional. A publicação dos fatos certamente evitaria outros crimes.

Diante do silêncio “se faz um nó na garganta e se espalha em vários nós por todo o corpo” – como sinaliza Graciela Chamorro, que conclama:

– Em nome de A Bondade de Nosso Pai, quem escreve, escreva; quem canta, cante; quem toca, toque; quem pinta, pinte; quem reza e ora, reze e ore; quem prega, pregue; que os operadores do direito operem com justiça para que a impunidade dos crimes cometidos contra indígenas tenha um ponto final.



José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio), onde orienta pesquisas de doutorado e mestrado e da Faculdade de Educação da UERJ, coordena o Programa de Estudos dos Povos Indigenas (UERJ), pesquisa no Programa de Pós-Graduação em Memória Social (UNIRIO) e edita o site-blog Taqui Pra Ti.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

NALEDI ENTERRAVA SUAS CRIANÇAS



Essa é para os meus alunos que dizem não gostar de história porque é um campo do conhecimento que apenas trabalha com velhas e enfadonhas certezas.

Uma equipe internacional de arqueólogos e paleontólogos trabalhavam despretensiosamente num sistema de cavernas na África do Sul que havia sido descoberto por dois espeleólogos (exploradores de cavernas) em 2013 a cerca de 50 quilômetros de Johanesburgo, capital da África do Sul.

Com certeza nenhum dos 60 membros da equipe estava preparado para as surpresas que viriam. Coisas tão inesperadas para o historiador como seria a descoberta de um novo planeta no sistema solar para o astrônomo.

Foram encontrados mais de 1500 ossos e fragmentos, além de 140 dentes de indivíduos diferentes que incluem homens, mulheres, crianças, adultos e jovens.

Tal quantidade de vestígios num mesmo sítio já seria de espantar, mas surpresas maiores ainda seriam reveladas.

A espécie encontrada é completamente nova, sem nenhum registro entre hominídeos já conhecidos.

Além disso, pode ser a mais primitiva do gênero humano, datando, presumivelmente de 3 milhões de anos.

Já batizado como “Momo Naledi” (pronuncia-se Nalédi), suas características físicas deixam os especialistas perplexos.

Enquanto o crânio, as mãos, os dentes não deixem dúvida sobre ser da espécie hominídeos, e os pés incrivelmente semelhantes aos do Homo Sapiens, sua pelve e ombros são, aparentemente igual de macacos que viveram a 4 milhões de anos atrás.

Aliás, os pés sugerem uma espécie que viviam no solo e percorria distâncias, mas mãos são mais apropriadas para viver nas árvores.

Essa mistura de características de hominídeos modernos e antigos é de deixar qualquer historiador sem saber direito o que dizer.
Mas as perplexidades são ainda maiores.

O grande número de ossos encontrados em um só local, não havendo evidências de que tenham sido depositados ali pelas chuvas, e ainda não existindo marcas que sugiram terem sido carregados por predadores, revelam ser possível que os corpos tenham sido deliberadamente deixados no sistema de cavernas, o que, por sua vez, indicaria terem sido enterrados numa espécie de ritual funerário.

Enterrar seus mortos é algo muito além do instintivo, tanto que nenhum animal além do homem tem essa prática.

Exige que se acredite haver uma necessidade para que isso seja feito, e ainda sentimentos de respeito pelo indivíduo morto, o que exige que haja algum tipo de raciocínio, crença e valor.

Historicamente se acredita que as primeiras espécies suficientemente evoluídas para tudo isso só haviam procedido com algum tipo de funeral a 136 mil anos atrás, aproximadamente.

Como entender que isso fosse feito por uma espécie tão mais antiga (3 milhões de anos) do que os primeiros cemitérios encontrados? E uma espécie cujo cérebro não deveria ser maior do que uma laranja?

Teria a natureza testado o surgimento do homem em épocas diferentes e por diferentes caminhos evolutivos?

De onde veio o Homo Naledi? O que ele ainda tem para nos revelar?

Por tudo isso, a descoberta nas cavernas da África do Sul, pode revolucionar todo o conhecimento que consideramos sólidos e definitivos sobre nós mesmos.

E, para aqueles alunos que limitam o conhecimento histórico como algo acabado e desinteressante sobra o velho refrão: “há mais mistérios entre o céu e a terra do que nossa vã filosofia possa imaginar”.


Prof. Péricles
Fonte: Hype Science