domingo, 25 de maio de 2014

SAÚDE, BRASIL - PARTE 2



Após a segunda Guerra Mundial o mundo do capital ficou preocupado com a melhoria de vida dos povos sob regime comunista e desenvolveram melhorias sociais com o objetivo de contrapor os avanços sociais “do inimigo”. Assim, ocorreu o que chamamos de “o estado de bem estar”.

Entre outras coisas, isso implicou na troca do seguro social pela seguridade social, que deixava de ter um caráter de individualidade para beneficiar um coletivo de pessoas, além de maiores investimentos com assistência médica. Essa mudança, claro, deveria ser patrocinada pelos respectivos governos.

No Brasil, em 1960 é proposta a Lei Orgânica da Previdência Social (LOPS), que propunha a unificação de todos os IAPs e estendia assistência médica a toda à população trabalhadora, mas isso não obteve grande aceitação, pois os IAPs mais fortes e que já tinham hospitais próprios, por exemplo, o IAPTEC, se sentiam prejudicados.

Cresce no Brasil os serviços médicos contratados por empresas insatisfeitas com o atendimento prestado pelos IAPs (ou não prestados). Além disso, a saúde é pensada unicamente em termos de assistência hospitalar, esquecendo-se da prevenção e da atenção primária. Crescem os convênios privados.

Entre as famosas Reformas de Base, propostas pelo presidente João Goulart defendia-se uma reforma sanitária consistente e inovadora, mas Jango e suas reformas foi violentamente derrubado do poder pelo golpe militar de 1964 que daria início a Ditadura Militar brasileira (1964-1985).

Durante os governos militares, cristalizaram-se relações autoritárias, mercantilizadas e tecnocratas na área da saúde. Foi o período áureo do complexo médico-hospitalar com lucros exorbitantes a partir de um sistema que pagava bem por procedimentos desordenados, que não resolviam os problemas de saúde das pessoas, mas enriqueceram interesses de multinacionais.

Foi também o período de criação da imagem de um médico que, consciente ou inconscientemente, reproduzia a imagem do ditador que tudo sabia, tudo podia e que não precisava dividir qualquer conhecimento.

Em 1966, ainda no governo do General Castelo Branco, todos os IAPs foram fundidos dando origem a um gigante, o INPS (Instituto Nacional da Previdência Social). Enquanto se alegava estar dando fim ao populismo getulista dos Institutos comandados pelos sindicatos, manteve-se o assistencialismo pois tudo vinha do governo “preocupado com a saúde e a previdência do cidadão”.

Enquanto se pagava caro pela saúde a laboratórios, fornecedores de equipamentos e hospitais que vendiam atendimento, novas epidemias vieram demonstrar a precariedade do sistema sanitário nacional. Uma delas, a Epidemia de meningite na década de 70, tentou ser escondida, tendo a censura impedido a divulgação, fundamental para os cuidados que requeria, para não demonstrar o fracasso no coração do “milagre brasileiro”.

Os aumentos dos gastos e das fraudes forçaram a extinção do INPS em 1978 e a criação do SINPAS (Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social), cujo filho pródigo seria o INAMPS (Instituto Nacional da Assistência Médica da Previdência Social). Julgavam que, com a criação de uma autarquia menor e mais ágil, seria possível diminuir custos e combater as fraudes na área da saúde.

O INAMPS jamais foi um sistema de saúde. Na verdade, era um sistema de doença, que atuava como repositório de gente doente e que não via a pessoa na sua integralidade, mas, por suas partes necessitadas de ação médica.

Centralizada na esfera federal surda e onipotente, a política do INAMPS se processava de acordo com os ventos políticos não sendo a assistência ao cidadão a sua prioridade.

O atendimento era restrito apenas a quem tivesse “carteirinha do INAMPS” e essa carteirinha só era confeccionada mediante análise da carteira profissional devidamente assinada e contribuição sindical em dia. A margem da assistência oficial o desempregado (e esses foram tempos de índices recordes de desemprego devido à recessão econômica) ficava sujeito apenas às ações de filantropia.

Mas a grande noite da Ditadura Militar, mesmo que lentamente, chegou ao fim em 1985, e a volta para a normalidade democrática, atingiu todos os setores do país com a elaboração de uma nova Constituição.

Como toda Constituição promulgada “democraticamente”, nossa atual se deu a partir de trabalhos e debates amplos realizados em Assembléia Nacional Constituinte. A luta por um sistema de saúde novo se transferiu para esse fórum.

Em 1986, na cidade de Brasília, realizou-se a 8ª Conferência Nacional da Saúde, culminância de outras conferências municipais e estaduais. Essa Conferência contou com a participação de trabalhadores, políticos de vários matizes, usuários e prestadores de serviços de saúde. Nessa Conferência nasceu a proposta da criação de um sistema de saúde único, descentralizado, democrático, participativo e de atendimento a todos os brasileiros.

Tal proposta foi levada para a Constituinte. Seus defensores tiveram que enfrentar outras vertentes, cujas propostas mais significativas eram, de um lado, manter o sistema existente, porém com reformas e melhorias para evitar fraudes e gastos exagerados e de outro, a proposta de adoção de um sistema parecido com o modelo norte-americano do seguro-saúde.

Depois de ampla discussão que contou com a participação de inúmeros grupos de interesses, concretizou-se a idéia da saúde no Brasil com uma visão totalmente nova.

O SUS (Sistema Único de Saúde) tem sua certidão de nascimento no Artigo 196 da Constituição Federal que dispõem “A Saúde é direito de todos e dever do estado”. Frase simples, mas preciosa, que em si mesma abarca mais de 100 anos de lutas, desde os tempos em que doente era confundido com bandido e atenção sanitária vista caso de polícia, contando com pé na porta do barraco e vacinação obrigatória.

Os princípios do SUS são hoje, inspiração para a maior parte dos povos do planeta pois defende a Universalidade do atendimento (para todos), a equidade (igualdade na assistência, sem privilégios), Integralidade (considera o todo, a inserção da saúde ou falta dela em contexto amplo de existência), a hierarquização (atenção à saúde conforme quadro específico de gravidade, sem massificação), a descentralização (trazendo o gerenciamento para perto do cidadão) e a participação social.

Países como a África do Sul e o próprio Estados Unidos (pelo menos o Partido Democrata), entre muitos outros, consideram o SUS o melhor modelo de saúde pública do mundo e ambicionam criação similar.

Num país de 190 milhões de pessoas que vivem em fronteiras imensas de mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, sua implantação, execução e controle é um enorme desafio, que, só terá sucesso com a participação popular cúmplice e totalmente interessada em que o sistema dê certo.

Os desafios são imensos.

Grupos que com o modelo antigo lucravam de forma exacerbada ainda estão atuantes em busca de um retorno ao passado.

O desconhecimento da própria população brasileira do que seja o SUS potencializam os problemas existentes e criam outros imaginários.

Ao pensar saúde lembrando INAMPS as pessoas não se desfazem do passado, identificam qualidade a partir de critérios ultrapassados desconhecendo novos conceitos como prevenção e insistem com a idéia paternalista de um estado que deve fazer tudo, prover tudo, enquanto vê a si mesmo apenas como objeto da atenção e não como veículo de ação.

Para isso a mídia, dirigida por pessoas que definitivamente não precisam dos serviços do SUS, mas que, ao contrário, identificam no fracasso da saúde pública, o fracasso de um governo a que fazem oposição, contribui com a exposição apenas do que está errado, difícil ou incompleto, não divulgando os acertos e os avanços.

Coisas de uma sociedade ainda convalescendo da grave doença do autoritarismo que por 20 anos relegou o cidadão a um papel de mero espectador da sua própria vida.

O SUS não é de um governo, de uma mente, de um pensador. O SUS é o ápice de uma longa estrada, doloroso e difícil caminho, mas alimentado por sonhos e utopias de uma sociedade igualitária.

Saúde, Brasil.

Prof. Péricles

sábado, 24 de maio de 2014

SAÚDE, BRASIL - PARTE 1



A história da saúde pública no Brasil é dolorosa, e coerente com uma história escrita pelas elites no exercício do poder.

Sua evolução sempre obedeceu à ótica do avanço do capitalismo internacional.

A saúde, ao menos a pública, nunca ocupou o lugar central das políticas oficiais.

Nossos governantes, se preocupavam com as epidemias pelo potencial prejuízo a seus governos e à política externa do país, mas deixavam de se preocupar quando as epidemias tornavam-se endemias, pois, os males crônicos, vistos como doenças de pobre não tinham o mesmo potencial de desgaste de suas administrações.

Em 1789, ano da implosão da inconfidência mineira em março e da queda da Bastilha na França, em julho, havia, no Rio de Janeiro, capital da colônia, apenas quatro médicos.

As primeiras duas escolas de medicina só foram construídas quando a família real portuguesa veio para cá, o Colégio Médico-Cirúrgico no Hospital Militar de Salvador e a Escola de Cirurgia no Rio de Janeiro.

Até 1850 as atividades de saúde pública se limitavam as atividades sanitárias das juntas municipais e ao controle de navios e saúde dos portos.

Já na República Velha, o Presidente Rodrigues Alves (1902 a 1906), preocupado com a péssima imagem do Brasil na Europa, que retratavam o país como um gigantesco foco de doenças, que, entre outros prejuízos dificultava sua política de atrair imigrantes europeus para trabalhar aqui, resolveu combater as epidemias, e para isso designou o sanitarista Oswaldo Cruz como comandante em chefe de uma verdadeira campanha militar – combater os vírus que infestavam as zonas mais pobres do Rio de Janeiro, especialmente as favelas.

Os comandados de Oswaldo Cruz invadiam as “regiões inimigas” e usavam de enorme virulência para vacinar as pessoas mesmo sem seu consentimento e queimar colchões e trastes que pudessem servir de incubadora dos insetos transmissores.

A esse sistema violento e autoritário de intervenção sanitária chamamos de “Modelo Campanhista” e uma de suas conseqüências mais graves foi a “Revolta da Vacina”, quando o cidadão se armou do que pode e passou a se defender dos homens do “papa-rato” que era como chamavam Oswaldo Cruz.

Por três dias a capital do Brasil ardeu numa febre de guerra, caótica e insana.

A ordem pública foi recuperada e os bons resultados da vacinação se fizeram sentir, mas o povo não esqueceria facilmente o fato de não ser visto como vítima, e sim, como um inimigo, o causador da péssima imagem do Brasil lá fora.

Em 1920 Oswaldo Cruz foi substituído por Carlos Chagas que reestruturou o Departamento Nacional de Saúde, então ligado ao Ministério da Justiça e introduziu a propaganda e a educação sanitária, inovando a forma de ver saúde.

Criaram-se órgãos especializados na luta contra algumas moléstias como as doenças venéreas. Expandiram-se as atividades de saneamento para outros estados, além do Rio de Janeiro e criou-se a Escola de Enfermagem Anna Nery.

Isso em se tratando de saúde pública, pois, no campo da assistência individual, os filhos das classes dominantes continuavam assistidos pelos “médicos de família”, enquanto o povo era atendido pela filantropia de hospitais mantidos pela Igreja.

Com as mudanças trazidas pelo pós-I Guerra Mundial (1914-1918) e ao crescimento do sindicalismo, foi promulgada em 1923 a Lei Eloy Chaves. A partir de então nasce a Previdência Social no Brasil e, a saúde, permanecerá desde então atrelada à previdência.

Nesse primeiro momento, advindo da Lei Eloy Chaves, serão criadas as CAPs (Caixas de Aposentadorias e Pensões). O governo não participa do rateio que é gerado pela contribuição vinculada ao faturamento das empresas, num acordo entre empregadores e empregados.

O tempo de existência do modelo CAPs foi relativamente curto para uma análise mais abrangente, pois, as mudanças que ocorreram em todos os setores da vida pública, trazidas pela revolução de 30, também ocorreram na área da previdência, e, a reboque, na atenção à saúde pública.

Coerente com suas características centralizadoras que sempre buscavam o controle do processo político, o Getulismo daria origem aos IAPs (Institutos de Aposentadorias e Pensões, sistema totalmente submetido ao controle dos sindicatos e dependente do Imposto Sindical. Desde seu nascimento os IAPs significaram o apoio tácito dos sindicatos a Getúlio Vargas e seu governo. Com uma mão o presidente fortalecia essas organizações, mas exigia que a outra fosse beijada, configurando a imagem amplamente difundida na história do Brasil dos “sindicatos pelegos”.

Para ratificar essa submissão, os IAPs eram dirigidos por um presidente indicado pelo chefe do executivo, no caso, Getúlio Vargas.

A quarta letra, posterior aos IAP designava o setor econômico-sindical que representava. Um dos mais famosos, o IAPI, por exemplo, era o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários. O IAPM era o Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Marítimos, IAPTEC Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Estivadores e Transportes de carga, e assim por diante.

Em 1953, depois de derrubado como ditador, mas ressurgir das urnas como presidente eleito, o gaúcho de São Borja criou o Ministério da Saúde, desmembrando-o do Ministério da Educação.


Prof. Péricles

sábado, 17 de maio de 2014

MEDO, AMOR E DOR DE CABEÇA


Certa vez Zeus estava com enorme dor de cabeça.

Sua dor era tamanha que ele perdeu a vontade de fazer qualquer coisa, até transar (coisa que todos achavam impossível em se tratando de Zeus).

A dor de cabeça continuou aumentando e não havia analgésico que a pobre divindade já não tivesse experimentado, sem sucesso.

Em um dado momento, o Deus dos deuses não agüentou mais. Chamou Hefesto, deus do fogo e seu filho com Hera (segundo alguns, apenas de Hera com o auxílio do vento... bem, mas isso é outra história) e pediu para que esse utilizasse sua bigorna divina, para, com uma só pancada abrisse sua cabeça para ver o que provocava tamanha dor (procedimento cirúrgico exclusivo de imortais, infelizmente).

Hefesto, que já não curtia muito o velho, cumpriu com bom gosto a ordem e deu uma porrada titânica que, de fato, abriu o crânio do seu pai.

Para surpresa de todos que assistiam a cena, de dentro da cabeça de Zeus saiu um feto que, enquanto caía em direção ao oceano se transformava numa mulher. E das espumas das ondas, nas praias da ilha de Chipre (segundo Homero), surgiu Afrodite, a deusa da beleza, da forma feminina perfeita, a deusa do amor, do sexo e de todas as transas desde a mais rapidinha até a divinal.

Dessa forma, os gregos explicavam que, a mulher perfeita só existe mesmo na cabeça dos homens, especialmente dos homens que só pensam em sexo, como nosso insaciável Zeus.

Talvez tentassem nos dizer, ainda, que o mal da sedução não está na beleza feminina, mas na idéia que o homem faz diante da sedução que pode até, atormentá-lo com a mais viva das dores.

Seria interessante essa leitura pelos muçulmanos ortodoxos que proíbem as mulheres de mostrar até o rosto, com medo da sedução que os leva ao pecado.

Afrodite, por sua vez foi uma deusa agitada que aprontou todas e mais algumas.

Sua beleza era inebriante, irresistível e representou de várias formas, o direito a plenitude do prazer sexual que foi negada às mulheres reais durante séculos, na história humana.

Teve uma rivalidade imensa com as deusas e suas manas, Hera e Atena. Uma rivalidade tão grande que deu origem à Guerra de Tróia (mas essa, também é outra história).

Seu marido titular era seu irmão Hefesto (aquele mesmo da bigornada), mas teve vários filhos, com inúmeros deuses e até mortais. Deusas, definitivamente, não tinham estrias por causa da gravidez.

Com Ares, deus da guerra, teve vários filhos como Eros, Harmonia e Pothos, mas dois deles chamam a atenção – Fobos e Deimos.

Eram gêmeos.

Fobos era o Deus do medo. Temido pelos soldados, sua presença no campo de batalha, despertava a vontade de fugir do perigo iminente que viria. Seu irmão, Deimos, era o Deus do pânico.

Os guerreiros rezavam para que Deimos não aparecesse na guerra, pois o pânico trazia a fuga, a derrota e a morte diante do inimigo.

Ao que tudo indica, Deimos e Fobos andavam sempre juntos e divertiam-se que os estragos que causavam nos corações mais corajosos que encontravam.

Não resta dúvida que a mensagem mitológica nesse caso é uma das mais intrigantes pois coloca o medo e o pânico como filhos do amor (Afrodite).

Queriam nos dizer que o amor enfraquece e deixa escapar a coragem? Será que após encontrar a pessoa amada e formar família o homem pensa melhor sobre as conseqüência de seus atos e, torna-se mais prudente?

Os gregos nos dizem que o que mais desejamos quando encontrado, nos traz o pior dos medos, que é perdê-lo.

Talvez isso explique porque a oposição brasileira, mesmo com o apoio extraordinário da mídia não consiga convencer o brasileiro que ele vive mal e precisa mudar seu voto nas próximas eleições.

É que quem nunca teve, quando tem sofre um enorme medo de perder.

Boa parte desse povo nunca teve acesso a tratamento médico. Casa própria. Bens de consumo como automóvel ou mesmo, convênio privado de saúde.

Muitos nunca tiveram luz elétrica em seus lares, nem água tratada.

Para uma grande parcela de nosso povo, submerso abaixo da linha da miséria uma volta ao passado representa o retorno ao inferno.

E todos lembram do tamanho das filas por emprego.

Fobos e Deimos visitam as casas mais humildes do Brasil e o poder de suas presenças é muito mais verdadeiro do que as falácias disseminadas pela mídia. Entender isso faria bem à oposição estimulando uma mudança de discurso e de postura.

Na astrologia Deimos e Fobos são as duas luas de Marte (Ares para os romanos), e, assim como pai e filhos, vagueiam juntos, eternamente, no espaço.

Na Terra, mamãe Afrodite ainda nos desafia a não temer o amor.


Prof. Péricles

TORCIDA DE TIME PEQUENO


Por Ricardo Kotscho

O que aconteceu? Anunciadas pomposamente como o "Dia Internacional de Lutas Contra a Copa" por líderes sem cara e sem nome, as manifestações de protesto programadas nesta quinta-feira em todo o País e até no exterior, terminaram num retumbante fracasso e, mais uma vez, em atos de vandalismo. Luta mesmo se deu apenas entre black blocs e policiais, um vexame.

Aconteceu que este foi apenas mais um factoide midiático. Não apareceram mais do que 1.500 combatentes no Rio e em São Paulo; outros 2.000, em Belo Horizonte, 100, em Curitiba, 200, em Porto Alegre, 300, em Fortaleza, 100, em Salvador, e por aí foi. Ou seja, somando tudo, tinha menos gente do que num jogo da Portuguesa e mais policiais e jornalistas do que manifestantes.

Estão desmoralizando até os protestos. Agora, qualquer um, por qualquer motivo, pode fechar a avenida Paulista, região onde fica o maior complexo hospitalar do País. Logo de manhã, um grupo de ex-funcionários do Idort, que cuida dos telecentros da prefeitura paulistana, achou-se no direito de desfilar pela avenida, no horário de maior movimento, para cobrar salários atrasados. E o que nós temos a ver com isso?

Claro que, criado o clima e montado o cenário, movimentos de sem-teto e diversas categorias profissionais em campanha salarial, de policiais a professores, passando por metalúrgicos arrebanhados pelo impagável Paulinho da Força, principal aliado do candidato Aécio Neves, aproveitaram-se da ampla cobertura da imprensa para fechar ruas e avenidas em mais um dia de baderna e caos nas principais cidades do País.

Em Recife, foi pior. A exemplo do que já havia acontecido na Semana Santa em Salvador, durante a greve da Polícia Militar, em poucas horas, sete pessoas foram assassinadas, começaram os saques e o pânico tomou conta das ruas, com comércio e escolas fechando as portas. Foram convocadas tropas da Força Nacional e, mais uma vez, o Exército, enquanto o candidato Eduardo Campos, ex-governador de Pernambuco, postava na rede social uma foto da família viajando de jatinho a caminho de São Paulo.

Vamos ter Copa, mas não vamos ter mais nenhum dia de paz até as eleições. São tantos interesses em jogo nesta antevéspera da Copa, juntando os político-eleitorais com os daqueles que querem apenas azucrinar a vida dos outros e aos que se aproveitam do momento para chantagear os governos, que o direito de ir e vir está provisoriamente suspenso. Nada indica que, apesar do fracasso de ontem, as manifestações possam parar por aí.

Policiais de todo o País, civis, militares, federais e rodoviários, já estão ameaçando fazer uma greve conjunta na próxima quarta-feira, dia 21. Em Pernambuco, os PMs pedem módicos 50% de aumento, ao passo que no Rio motoristas e cobradores se contentam com 40%. Num país em que a inflação está abaixo do teto de 6,5%, caso as reivindicações de todas as categorias em greve sejam atendidas, o que é inviável, os aumentos provocariam uma disparada nos preços para a alegria da turma que joga no quanto pior, melhor, que sabemos bem maior do que a torcida da Portuguesa. Aí certamente serão programadas novas manifestações, agora contra a inflação.

Aonde querem chegar? Só espero que outubro chegue logo.

terça-feira, 13 de maio de 2014

INSEGURA SEGURANÇA


As primitivas coletividades do período pré-histórico surgiram pela necessidade dos homens de se sentirem seguros. Sozinhos percebiam-se frágeis diante das ameaças do ambiente e as possibilidades de sobrevivência eram escassas.

As primeiras civilizações tiveram a questão da segurança no núcleo original de sua formação. O rei teocrático era a expressão da união que gerava o estado e o estado, a repressão e a força que dele emanava, proporcionava a sensação de segurança pessoal e de sua prole.

Roma que teve um período mais ou menos longo de decadência, teve na insegurança e na incapacidade do estado de manter a ordem, um dos mais dramáticos dos motivos de sua queda, e quando os primeiros bárbaros invadiram suas fronteiras os romanos já haviam iniciado a fuga, abandonando o estado e buscando proteção em áreas menores, mas de poderosos proprietários rurais, trocando salário por trabalho gratuito, na instituição denominada de colonato. Ou seja, já haviam abandonado o estado.

No longo período feudal, os servos submetiam-se a uma vida miserável de exorbitante exploração de seu trabalho pelos donos de terra, simplesmente porque o feudo e a ordem feudal mantinham uma segurança vital para a vida de seus pobres. Quando, exauridos daquela vida infeliz, o servo pensava e ir embora, olhava para as grossas paredes e muralhas dos castelos, pensava no mundo inseguro que lhe aguardava lá fora e mudava de idéia. E assim, gerações ficaram, por 10 séculos, trocando trabalho sem salário, mas com segurança.

A partir do século XIV, quando os senhores da nobreza e da riqueza foram incapazes de impedir as mortes crescentes devido às pestes, e as guerras entre eles tornou seu mundo inseguro, os nobres perderam seus servos, e o feudalismo ruiu.

As unificações nacionais trouxeram a figura onipotente do estado, e velhos valores apenas trocaram de roupagem. O nobre foi substituído pelo rei centralizador e o exército local substituído por um grande exército nacional. Mas alguns valores não se alteraram, como a necessidade do povo de se sentir seguro, e, então, o estado nacional se consolidou, como patrocinador da ordem e da manutenção da nacionalidade.

Hoje, vivemos numa sociedade onde o medo se destaca.

Nunca fomos tantos e isso também explica porque nunca tivemos tantos crimes e atos violentos, que são, pelo poder da proliferação quase instantânea da notícia, amplamente divulgados.

A violência invade nossas casas pela Televisão, pela internet, por todos os meios e lados. Nos oprime, nos amassa e pesa mais nossos corações a cada crime hediondo, a cada crueldade aparentemente inexplicável que de tão detalhado, fotografado, filmado, acaba se tornando um pouco nosso também.

Somos todos vítimas e todos nós nos sentimos cúmplices.

O maior perigo, que não pode, de forma alguma, passar despercebido, é o fato que tudo isso abre frestas nas estruturas do nosso jeito de viver e na funcionalidade do próprio estado.

Quando permitimos que veículos concessionários do poder público divulguem idéias de vingança, disfarçadas ou não, arriscamos repetir a nobreza que não percebeu que a peste vinha de dentro de seu mundo e não de qualquer poder externo.

Quando achamos que é válido fazer justiça com as próprias mãos nos aproximamos, perigosamente, dos bárbaros que entendiam o saque como direito de vingança pelos muitos séculos submetidos à Roma.

Seria muito bom que houvesse o entendimento que a questão da violência que aflige a população brasileira é muito mais grave do que fatos episódicos e transitórios.

Historicamente foi a necessidade de segurança que uniu e a falta dela que aniquilou com sociedades e modos de vida.

Prof. Péricles

sábado, 10 de maio de 2014

ATIRE A PRIMEIRA PEDRA


“Disseram a Jesus: Mestre, esta mulher foi apanhada em flagrante adultério. E na lei nos mandou Moisés que tais mulheres sejam apedrejadas; tu, pois, que dizes?

Jesus, inclinando-se, escrevia na terra com o dedo.

Como insistissem na pergunta, Jesus se levantou e lhes disse: Aquele que dentre vós estiver sem pecado seja o primeiro que lhe atire pedra.

E, tornando a inclinar-se, continuou a escrever no chão.

Mas, ouvindo eles esta resposta e acusados pela própria consciência, foram-se retirando um por um, a começar pelos mais velhos até aos últimos, ficando só Jesus e a mulher no meio onde estava.

Erguendo-se Jesus e não vendo a ninguém mais além da mulher, perguntou-lhe: Mulher, onde estão aqueles teus acusadores? Ninguém te condenou?

Respondeu ela: Ninguém, Senhor! Então, lhe disse Jesus: Nem eu tampouco te condeno; vai e não peques mais”.

Lembrei imediatamente dessa narrativa do evangelista João (VIII, 3-11) quando vi a foto de Fabiane.

Uma mulher apedrejada, caída ao chão. Na foto dá pra ver os pés dos que a cercam sob pequeno círculo. Os apedrejadores.

É uma imagem que a gente logo percebe que é daquelas que jamais se conseguirá esquecer.
Fabiane Maria de Jesus, mãe de dois filhos, está sentada com a face direita coberta de sangue que parece ter origem num enorme ferimento na boca.

Blusinha branca, estampada com detalhes laranja, bermuda azul, certamente quando a colocou pela manhã não pensava que seria fotografada e que sua imagem se espalharia por todo o Brasil.

Sentada no chão, Fabiane chora.

Não sei se chora pela dor dos ferimentos no corpo. Se chora de medo que lhe machuquem ainda mais, ou se chora de indignação.

Seu olhar é de uma criança assustada que teme a surra prometida pelos pais.

Olhos grandes e apavorados. Parecem procurar algo que lhe salve a vida.

Ela havia sido atingida por incontáveis socos e ponta-pés disparados por centenas de bons cidadãos da “Pérola do Atlântico” como gosta de ser chamada a cidade paulista de Guarujá.

Pouco antes, uma multidão estimada em mais de mil pessoas havia invadido a comunidade de Morrinhos, para fazer justiça. Uma notícia plantada na internet identificava Fabiane como a perigosa seqüestradora de crianças que apavora a região de Morrinhos, naquele município.

A multidão inflamada pelas notícias da internet da página “Guarujá Alerta” encurralou Fabiane.

Ali mesmo, sob a terra vermelha e sem formalidades, ela foi julgada e condenada.
Mas, o pior viria depois da foto. Após novas agressões que não se intimidaram com suas lágrimas, nem com seu olhar de criança assustada, foram marretadas que lhe atingiram o crânio e provocariam a morte imediata, calando seu choro e fechando seus olhos assustados para sempre.

O corpo seria jogado numa vala fétida sujando de barro a blusinha branca de detalhes laranja e a bermuda azul já empapadas de sangue.

Segundo testemunhas anônimas, foram duas horas de execução, desde o primeiro soco na cara até o corpo fazer splash na água apodrecida da vala.

Fabiane chorou muito. Nas duas horas de execução esteve consciente em praticamente todos os momentos, até que a marretada final, disparada de cima para baixo provocou a hemorragia fatal.

Segundo a prefeita de Guarujá, Maria Antonieta de Brito que conhecia Fabiane da Igreja que ambas freqüentavam, ela sofria de depressão pós-parto. Tinha problemas psiquiátricos, mas era mãe extremada, participava sempre da Igreja São João Batista do bairro, sendo do grupo de jovens católicos daquela Igreja.

Segundo a prefeita qualquer um que a conhecia saberia que ela jamais faria mal a uma planta, imagina, a uma criança.

E a polícia concorda com a prefeita. Não só concorda como demonstrou com fatos que Fabiane era completamente inocente das acusações de ser a temida seqüestradora.
Sim, Fabiane era absoluta, concreta, completamente, inocente.

Não deixa de ser curioso que nossa civilização, a civilização ocidental se denomine de “cristã” sendo Cristo aquele moço que desenhando na areia exortou ao perdão.

Mas, se somos a civilização cristã, quando foi que endurecemos mais do que a própria pedra arremessada e deixamos de exercer a empatia para ouvir as vozes sensacionalistas do ódio?

Fabiane, vítima de linchamento cruel, foi apedrejada até a morte e era inocente.

Segundo seu marido há 15 dias não tomava os remédios e estava mergulhada em profunda tristeza. Passava a maior parte do dia circulando pela cidade e pela praia, a pé ou de bicicleta, em profunda solidão.

Ficou assim desde a depressão pós-parto.

Agora, Fabiane não chora mais. Mas, bem que poderíamos chorar por nós e pela civilização que construímos, onde, surda aos conselhos do mestre, ousamos, todos os dias, contra muitas outras Fabianes, lançar da primeira a última pedra.

que falta nos faz aquele moço desenhando na areia.

Prof. Péricles

quarta-feira, 7 de maio de 2014

CONTABILIDADE TÉTRICA


Por Luis Fernando Veríssimo


Quem defende as barbaridades cometidas pelo o regime militar no Brasil costuma invocar os mortos pela ação dos que contestavam o regime. Assim, reduz-se tudo a uma contabilidade tétrica: meus mortos contra os seus. Pode-se discutir se a luta armada contra o poder ilegítimo foi uma opção correta ou não, mas não há equivalência possível entre os mortos de um lado e de outro. Não apenas porque houve mais mortes de um só lado, mas por uma diferença essencial entre o que se pode chamar, com alguma literatice, de os arcos de cumplicidade.

O arco de cumplicidade dos atentados contra o regime era limitado à iniciativa, errada ou não, de grupos ou indivíduos clandestinos. Já o arco de cumplicidade na morte de contestadores do regime era enorme, era o Estado brasileiro. Quando falamos nos "porões da ditadura" em que pessoas eram seviciadas e mortas, nem sempre nos lembramos que as salas de tortura eram em prédios públicos, ou pagas pelo poder público - quer dizer, por todos nós.

A cumplicidade com o que acontecia nos "porões", em muitos casos, foi consentida, mesmo que disfarçada. Ainda está para ser investigada a participação de empresários e outros civis na chamada Operação Bandeirantes durante o pior período da repressão, por exemplo. Mas a cumplicidade da maioria com um estado assassino só existiu porque o cidadão comum pouco sabia do que estava acontecendo.

A contabilidade tétrica visa a nivelar o campo dessa batalha retroativa pela memória do País e igualar os dois arcos de cumplicidade. Não distingue os mortos nem como morreram. Todas as mortes foram lamentáveis, mas os mortos nas salas de martírio do estado ou num confronto com as forças do estado na selva em que ninguém sobreviveu ou teve direito a uma sepultura significam mais, para qualquer consciência civilizada, do que os outros. O que se quer saber, hoje, é exatamente do que fomos cúmplices involuntários.



domingo, 4 de maio de 2014

UM PAÍS DE DOIS CORAÇÕES


O grupo que tomou o poder à força na Ucrânia foi saldado no Ocidente como legítimos representantes dos desejos democráticos de seu povo.
Consta que, revoltados com as decisões do governo de fortalecer os laços com Moscou e se afastar da EU (União Européia), saíram às ruas em protestos, enfrentaram a repressão, e, finalmente, derrubaram os dirigentes e tomaram o poder.
Além dessa história não parecer nada democrática, o que mais assusta é a análise que se pode fazer dos elementos que compõem esse “grupo democrático”.
Trata-se de grupos políticos como o grupo Pravy Sektor (Setor da Direita), que curte a cartilha nazista e é bastante chegado em conceitos e preconceitos que já deveriam estar enterrados nos escombros da II Guerra Mundial.
Galera que adora por a culpa de suas dificuldades nos outros, especialmente se esses outros forem judeus, negros, eslavo, latinos, etc.
Além da natural intolerância que caracteriza o pensamento radical da extrema direita, causa temor pensar na segurança (ou insegurança) das minorias envolvidas nessa crise, que ameaça aumentar e ganhar contornos de guerra separatista.
Nos últimos dias, vários folhetos foram distribuídos por homens mascarados nas saídas das sinagogas de Donetsk, cidade localizada no coração do conflito, meio do caminho entre o leste e o oeste. A mensagem dizia para os judeus se registrarem e pagarem um imposto exclusivo por sua segurança, ou então, deixar o país.
São 15 ml judeus que agora se sentem ameaçados e temerosos. Geralmente, os piores efeitos do ódio são contra eles.
A Ucrânia é um país de coração dividido.

Sua porção leste (incluindo a Criméia) é povoada majoritariamente por russos ou descendentes de russos. Pra esse lado do país a Europa significa muito pouco, até porque, os europeus através da UE pouco, ou nada fizeram desde a crise da União Soviética, para se aproximar da Ucrânia. Para o pessoal do leste, também geograficamente mais distante da Europa, a Rússia é seu porto seguro, a pátria mãe, e o aliado econômico que jamais negou auxílio em sua crescente crise financeira.

Já sua metade oeste sonha fazer parte da União Européia, e, de um jeito disfarçado aspira um dia, separar-se dos “irmãos do leste” e manter uma boa distância da Rússia, que por eles é vista como o antigo império opressor dos tempos comunistas.

Nesse mal estar crescente, de um país dividido e sem governo legítimo, a maior ameaça é que o leste queira seguir a Criméia e, separar-se da Ucrânia. Uma guerra de secessão seria inevitável e as conseqüências poderiam extrapolar fronteiras e esfacelar as relações entre Estados Unidos e a Rússia.

Aliás, parece que só agora o governo de Washington está percebendo a real importância de um país e uma população que sempre desprezou.

O cenário é sombrio, e os tambores que se ouve, não são de paz.

Prof. Péricles

segunda-feira, 28 de abril de 2014

JANGO, NOSSO PRESIDENTE


Por Rodrigo Vianna

Quando comecei a frequentar assembleias estudantis, ali pelos anos 80, ainda era comum escutar que havia policiais infiltrados anotando tudo, fazendo a “ficha” de quem se manifestava. A turma mais “pós-moderna” achava que era tudo “paranóia”. Do mesmo jeito, muita gente dizia que atribuir aos EUA participação decisiva no golpe de 64 era pura “invenção”, ou “paranóia” esquerdista. E não era. Nunca foi…

Telegramas dos EUA avisavam: navios de guerra apóiam golpe.

Já se sabe, há alguns anos, que os Estados Unidos - com John Kennedy e depois Lyndon Johnson – conspiraram contra o Brasil em 1964. A Operação “Brother Sam” garantia o envio de aviões, de navios de guerra e até a entrada de tropas dos Estados Unidos para dar apoio aos golpistas - se assim fosse necessário.

Reportagem de Luiz Carlos Azenha, apresentou novas evidências de que o comandante do II Exército (São Paulo), Amaury Kruel, recebeu malas de dólares para trair Jango e aderir ao golpe.

O presidente deposto João Goulart, durante muito tempo foi criticado pela esquerda e a direita. Os conservadores diziam que ele era um “comunista” propenso a transformar o Brasil “numa nova Cuba”. Besteira grossa, sem fundamento. Jango era um líder trabalhista, queria reformas – mas dentro da ordem democrática.

Já a esquerda acusava Jango de fraqueza, por não ter resistido ao golpe. Hoje se sabe que ele tinha conhecimento das movimentações das tropas dos EUA. Jango temia que, se resistisse de armas na mão, daria aos gringos a desculpa para entrarem no Brasil – dividindo nosso território. Aliás, preocupação semelhante à de Getúlio Vargas – que em 1954 também chegou a falar que temia ver o Brasil dividido (como acontecera com a Coréia).

Para os Estados Unidos, seria ótimo dividir o Brasil – literalmente. Apesar de todos nossos problemas, somos um incômodo – um país grande, bem relacionado com nossos vizinhos, pronto a desafiar (ainda que de forma discreta e pontual) o domínio dos EUA na América do Sul.

A queda de Jango foi (também) um capítulo dessa disputa, dessa longa batalha da América Latina por independência e autonomia.

De forma brilhante, o professor Moniz Bandeira mostra como se deu esse longo embate: os detalhes estão em seu “De Marti a Fidel” – livro sobre a Revolução Cubana. Vargas cercado pela direita (e levado ao suicídio) em 1954, Arbenz derrubado na Guatemala no mesmo ano, tentativa norte-americana de invadir Cuba (Baía dos Porcos) e derrubar Fidel. São todos capítulos da mesma guerra. Em 1964, Jango e a Democracia brasileira foram golpeados em meio a essa conjuntura. Que depois vitimaria Argentina, Uruguai e o Chile de Allende.

Jango – assim como Vargas dos anos 50 – simboliza a defesa do interesse nacional. Estou entre aqueles que não aceitam o termo “populismo” como forma de definir a linha política que unia Vargas-Jango-Brizola, e que de alguma forma chegou até Lula-Dilma. Não. Nada de “populismo”. Trata-se do trabalhismo brasileiro. Com seus defeitos e imperfeições.

Não aceito também a tese do “colapso do populismo” – expressão utilizada em certos circuitos universitários paulistas, para definir o que houve em 1964. Prédios entram em colapso. Falar em “colapso do populismo” é desconhecer (ou minimizar) o golpismo que uniu conservadores brasileiros a interesses dos Estados Unidos, em meio à Guerra Fria.

Jango foi derrubado. O golpismo derrubou um governo legítimo e popular. Foi necessário um golpe para derrubar um presidente que – se pudesse ser candidato em 1965 – seria reeleito (como indicavam pesquisas do IBOPE feitas na época, e só agora divulgadas).

Não aceitemos a mentira dos revisionistas, nem o cinismo de editoriais/artigos da imprensa velhaca, que falam do golpe como algo “inevitável” ou como uma “porrada necessária” (na expressão infeliz de um ex-cineasta que aderiu ao revisionismo da Globo). Não!

Precisamos esculhambar revisionistas e escrachar torturadores – como a rapaziada fez com Brilhante Ustra em Brasília. Precisamos, sim, homenagear os mortos na luta contra a ditadura (muitos deles, sob tortura) e cobrar informações sobre os desaparecidos!

Mas devemos lembrar também o que veio antes, lembrar o ato fundador da barbárie: em primeiro de abril de 1964, Jango foi derrubado pela direita lacerdista, com apoio de amplos setores da Igreja Católica e da mídia velhaca (Marinhos, Mesquitas, Frias, entre outros), e sob ameaça concreta de invasão de nosso território pelas tropas dos Estados Unidos.

1964 foi (também) um golpe dos Estados Unidos contra o Brasil. Lembrar Jango é dizer não à ditadura, não à intervenção estrangeira. Sim à Democracia, sim à luta pela independência nacional.

Viva Jango, nosso presidente!

sábado, 26 de abril de 2014

CANUDOS E SEUS HERÓIS


Havia também seu Tenório. Seu Tenório era um homem forte, apesar da idade. Mantinha nos músculos a mesma bravura dos tempos em que atacava os canaviais com o facão na mão, como os turcos devem ter atacado Constantinopla. Seu Tenório não falava, nunca falava nada, mas cortava cana como ninguém, um dos melhores cortadores do sertão. Mas era coxo, porque, certa vez caiu do caminhão quando ia pra outra fazenda cortar mais cana, pois essa era sua vida, e nunca mais voltou a andar direito. Às vezes as partes se consertam errado e o corpo fica assim, virado, no caso de seu Tenório, coxo.

O menino Zeca pensava nas histórias de seu Tenório olhando seu corpo sem vida, com um rombo na cabeça capaz de caber uma mão fechada com punho e tudo.

Menino Zeca, de apenas 13 anos, seu Tenório e Zé Rufino eram os últimos defensores de Belo Monte.

Morria o sol no seu poente por trás das costas do menino Zeca, e ele, o corpo de seu Tenório e mais a direita Zé Rufino, era o que sobrara de Canudos naquele 05 de outubro de 1897.

Depois de três campanhas derrotadas e muitas baixas de homens e mais ainda no moral, as tropas da Capital finalmente rompiam as últimas fileiras de defesa entre os inimigos.
Não havia sobreviventes. Todo mundo que ficou morreu e quase todo mundo ficou naquele pedaço de chão maldito que Deus fez questão de passar olhando para o outro lado. Todo mundo do lado do santo, claro, do lado do Arraial, os homens do Conselheiro. Homens, e meninos, pensou o menino Zeca carregando o bacamarte.

Os homens fardados do exército e até mesmo os não fardados, mas que ganhavam dinheiro pra lutar estavam agora a descoberto e se aproximavam de Canudos, ou melhor, de Zé Rufino e do menino Zeca.

Tem coisa que criança não entende. Como pode alguém ganhar dinheiro pra lutar? Se pudesse, estaria longe. Se não tivesse que ficar mais velho bem ligeiro pra lutar pela vida, estaria distante dois poentes de onde estava agora. Estaria nas águas frias do açude que conheceu uma vez quando o pai mostrou.

Menino Zeca lembrou das marchas fúnebres de gente carregando o caixão, mas agora não tinha caixão e a marcha não era pro enterro, era pra matar os mortos. Pra matar de novo seu Tenório, ele e a Zé Rufino.

Eles foram os últimos.

E quando o sol redondo, imenso e vermelho se escondeu de vez, nas costas do menino Zeca, só havia fumaça e silencio.

... e nenhum sobrevivente.

Mas não foi a última vez que o Menino Zeca morreu.

No país em que meninos e cortadores de cana são bandidos e coronéis e mercenários são heróis, menino Zeca morre todos os dias, porque toda favela é um pouco Canudos e todo trabalhador é um pouco Seu Tenório, só não é coxo talvez, mas então será manco de outra coisa.

No pais de tantos Belo Montes e poucos conselheiros, poucos conselhos falam mais do que a marcha fúnebre em seu silencio de fim detarde, de sol forte e vermelho, vermelho como o sangue derramado de inocentes.

Busca-se o refrigério como sedentos buscam a água fria do açude, mas não há refrigério quando o que queima é aquela dor que não se sabe onde dói, porque fome dói no corpo todo e solidão é como febre, só que febre a gente vê no fiozinho do termômetro e solidão não aparece pois se confunde com outras dores.

Solidão se confunde com má cachaça, aquela que faz mal porque desce a garganta e liberta o mostro que a gente esconde no estômago.

Solidão se mistura com dor no peito, dor nas costas, dor nas pernas, dor em tudo até mesmo o sonho que se quebra e dói em nós, às vezes mais do que braço quebrado.

Sossega Menino Zeca, pega o caminho que vai pro oeste, atrás do sol que te aquece.

Deixa a guerra para os que ainda resistem aos generais, turcos, mercenários e coronéis.

São tantos Canudos, Menino Zeca, descansa com Seu Tenório, Zé Rufino e os outros 20 mil.

Observações

1. Canudos foi tomado pelo exército ao entardecer do dia 5 de outubro de 1897.
2. Não houve prisioneiros entre os resistentes e segundo Euclides da Cunha, os últimos defensores mortos foram uma criança, um velho e um coxo.
3. O comandante das forças oficiais era Antônio Moreira Cesar, de quem Antônio Conselheiro tinha sonhos desde a adolescência sem saber por que.
4. O nome “Canudos” veio de uma planta bem comum na região chamada “canudo-de-pito” muito utilizada como fumo.
5. Estima-se que cerca de 20 mil sertanejos morreram na Guerra de Canudos.
6. Canudos deveria ser destruído porque esse era o desejo dos coronéis locais irritados com a mão de obra cada vez mais cara nos canaviais, já que milhares abandonavam tudo para viver no Arraial.
7. A Igreja também exigia o fim de Canudos pois temia a perda crescente de fiéis.
8. Canudos era uma Sociedade Alternativa e sua história ainda não foi completamente contada.

Prof. Péricles



sábado, 19 de abril de 2014

MORFEU



MORFEU

Hipnos era um dos deuses capazes de interferir no espírito dos mortais. Filho de Nix, a deusa da noite, Hipnos era deus do sono e irmão de Tânato ou Thanatos, o deus da morte.

Os romanos o chamavam de Somnus, de onde vem o nosso vocábulo, sono.

Hipnos tinha os cabelos dourados, e, principalmente em Esparta, era sempre representado ao lado de seu irmão, Thanatos, que tinha os cabelos cor de prata.

Vivia num palácio, num mundo muito distante e dormia muito, sendo nisso auxiliado pelo murmúrio do rio Lete, o rio do esquecimento.

Teve muitos filhos que eram chamados de Onírios, personificações do estado profundo de letargia (estado onírico). Entre eles, Icelos, Forberto, Morfeu e apenas uma filha, Fantasia.

Antes de ser amada, Fantasia era temida, pois podia simbolizar o devaneio e a morte.

Mas, um filho extremamente popular de Hipnos, era Morfeu, o deus dos sonhos, especialmente dos sonhos eróticos.

Segundo a mitologia, ele tinha a propriedade de assumir qualquer forma humana (no grego a palavra Morfeu vinha de moldar a formar), penetrar na mente dos mortais e conduzir seus sonhos.

Morfeu era descrito por Ovídio como um homem de forma jovem, de roupas escuras (geralmente apenas uma peça enrolada ao corpo), que dormia numa cama feita de ébano numa escura caverna decorada com flores. Seus olhos eram negros como a noite “pontilhada por estrelas brilhantes”. Morfeu era bajulado pelos outros deuses pois, conhecendo seus sonhos, conhecia todas as fraquezas, erros e desejos mais secretos de seus espíritos.

Certa vez, perambulando pelos sonhos de Zeus, descobriu que o “deus dos deuses” não sonhava com a esposa Hera, e sim, com outras mulheres. Consta que foi a partir daí que Zeus passou a adula-lo como um de seus mais importantes conselheiros em assuntos complicados.

Já Homero dizia que ele vivia em Lemmos, era representado como um jovem de asas e que tocava uma flauta na frente dos homens para fazê-los dormir.

Ao pesquisar uma droga que aliviasse a dor dos ferimentos de guerra, cientistas do século XX denominaram de Morfina (em homenagem a Morfeu) uma substância que, se não curava, ao menos fazia relaxar, dormir e sonhar, as vítimas de ferimentos fatais.

Certa vez, Venus perguntou por que as pessoas sonham tanto, ao que o deus dos sonhos respondeu que são os sonhos que nos fazem vivos e, os que não sonham, na verdade, já morreram.

Para viver, sonhar é preciso.

Bons sonhos, e durmam, nos braços de Morfeu.

Prof. Péricles

terça-feira, 15 de abril de 2014

O VENENO DA INVEJA


Ser pobre no período colonial, e posteriormente, na Monarquia brasileira, não era tão terrível assim, já que havia os escravos. Sim, mesquinhamente pensavam, somos pobres mais não somos escravos. Esses desgraçados sim é que vivem uma vida insuportável. Talvez isso explique porque o Brasil foi o último país a acabar com a escravidão, já que, o apoio à causa abolicionista era muito pequeno, quase nenhum, restringindo-se na maioria das vezes, aos intelectuais e abastados.

A inveja no Brasil não é por alguém que tenha mais, e sim por alguém que possa vir a ter mais do que ele mesmo tem.

É uma inveja, uma mesquinharia antropológica, que atualmente se vê, sem embustes, na parcela mais conservadora de nossa sociedade que lamenta que pobre já possa ter plano privado de saúde, escolher o melhor emprego, e, oh céus, ter carro e andar de avião.

Sobre isso o grande Ovídio, da sábia Grécia, nos deixou um relato primoroso. A história de Aglaura.

Dizia Ovídio que, certa vez o mensageiro dos deuses, Hermes, voava sobre Atenas quando viu três beldades desfilando graciosamente sobre as ruas da cidade. Eram as três filhas do rei Cécrops – Aglaura, Pandrosa e Herse.

As três eram lindas, mas Herse... Herse era simplesmente demais. A mais bela das três, com um rosto de anjo e um corpo de ninfa. A beleza magnífica de suas duas irmãs eram obscurecidas pela beleza de Herse.

A paixão foi fulminante, como costumava ser com os deuses e Hermes esqueceu de sua missão, coisa que jamais lhe acontecia, descendo até a Terra com aquela cara de bobalhão que nós homens mortais ou imortais ficamos nessas horas.

Ao se aproximar da casa, Aglaura foi a única que o percebeu e veio até a porta recebê-lo.

Hermes foi gentil pois esperava estar falando com a futura cunhada, e contou pra ela da intensidade da paixão e divina excitação que o atingira ao ver sua irmã Herse.

Aglaura se mortificou de raiva, disse que talvez em outra ocasião, se rolasse algum suborno, mas que agora não e que ele tinha mais é que ir embora.

Hermes era um Deus brando, nada irado como alguns de seus irmãos e por isso, foi embora, desapontado e se sentindo infeliz.

Sua tristeza foi percebida pela deusa Atena que procurou saber dele o que estava acontecendo e ele relatou os fatos, da paixão, da grosseria de Aglaura e de seu desapontamento.

Atena ficou fula da vida, até porque já não ia mesmo com a cara de Aglaura e resolveu agir, com aquela delicadeza das deusas gregas. Chamou a Inveja e mandou visitar a desafeta e caprichar no serviço.

A Inveja foi ao Palácio quando Aglaura dormia e soprou o seu hálito peçonhento em suas narinas, espalhando seu veneno pelo sangue, pelos ossos, pela alma da coitada.
Para maltratar um pouco mais, insuflou na mente de Aglaura as imagens, detalhadas de uma união feliz entre Herse e o deus. Beijos, sexo, sorriso, filhos, quadro a quadro na memória da mortal.

Desde o despertar daquela noite, Aglaura nunca mais teve sossego. Via a irmã e a imaginava voando nos braços de Hermes, ganhando presentes dos outros deuses, que seriam seus cunhados, sendo linda eternamente, sendo feliz e feliz e feliz...

Ela não sentia qualquer atração por Hermes, até não simpatizava com a cara dele, mas a felicidade de Herse que ele poderia proporcionar... ah, isso doía até em suas entranhas.

No dia que Hermes se encheu de coragem e voltou ao Palácio, Aglaura estava tão desesperada que simplesmente se deitou diante da porta para impedir sua passagem. O deus tentou afastá-la, com palavras doces, mas ela declarou que iria ficar ali para sempre; Hermes, impaciente (até ele podia perder a paciência) respondeu que concordava - e tocou-a com seu bastão mágico. Imediatamente, Aglaura percebeu que estava perdendo os movimentos. Um frio mortal foi tomando todo o seu corpo; ela sentiu o peito virar pedra, e suas feições também se enrijeceram e ela ficou ali, como uma estátua inútil, que nem ao menos era de pedra branca, mas de uma pedra escurecida pela chama negra da inveja.

A classe média brasileira, nesses tempos de ódio mal dissimulada à Bolsa Família, e aos programas sociais do governo que ao começar combatendo a fome acabou por tirar milhões da linha da miséria, não se felicita pela alegria de seus irmãos brasileiros, e nega-se a participa do que seria uma festa de inclusão. Temem a perda de uma camada "inferior" que lhe tire o equilíbrio.

As mentes reacionárias preferem se deitar diante da marcha dos acontecimentos, criando obstáculos, sem perceber que, como Aglaura, podem se tornar pedra, como pedra ameaça ficar seu coração

Prof. Péricles

domingo, 13 de abril de 2014

HERÓIS ?


Por Emilio Ivo Ulrich

Eu era um garoto nascido em São Valério do Sul, no Rio Grande do Sul. Com 11 anos fui morar em Porto Alegre com a família. Presenciei toda a movimentação, desde quando Jânio Quadros renunciou ao governo federal, e a resistência que Leonel Brizola organizou no Brasil, com base no Rio Grande do Sul. Meu pai era brizolista e acabei entrando no movimento estudantil. Me tornei presidente de grêmio, essas coisas. Estava sempre na rua, porque trabalhava na rua como jornaleiro, mas não desses de banca de jornal, desses de vender jornal na rua. Então eu acompanhava tudo, naturalmente, os fatos estavam sempre na primeira página do jornal, mas eu estava vendo, estavam na minha frente: as mobilizações, as manifestações, a pancadaria, a movimentação de tropas.

Ainda em Porto Alegre, ingressei em um movimento vinculado inicialmente a uma dissidência do Marighella, mas não participava diretamente. Mesmo assim, fui perseguido e tive de sair de Porto Alegre. A casa da minha mãe foi invadida várias vezes e tive umas três ou quatro prisões, meus irmãos também. Conheci um pessoal que tinha vindo a São Paulo para entrar na Vanguarda Popular Revolucionária (VPR). Eles tinham feito treinamento para entrar na guerrilha com o capitão Lamarca, mas, como foi a ALN (Ação Libertadora Nacional) que fez o contato comigo, por algum tempo fiquei circulando com eles. Depois, aconteceram várias quedas e perdi o contato com a ALN. Encontrei o pessoal da VPR que me conhecia. Então, passei a dar apoio, alguma infraestrutura a eles. Me vinculei ao Yoshitami Fujimori, comandante da VPR em São Paulo e fiz panfletagem, campanha pelo voto nulo nas eleições de 1970, guardei arma. Tudo o que eu falo aqui está nos autos.

Em 20 de novembro de 70, depois de uma sucessão de quedas, fui preso. Companheiros meus que foram presos disseram sob tortura que uma das maneiras de conectar a VPR era por meio do "gaúcho", "alemão", ou seja, eu. Acabei indo preso, na baixada do Glicério. Ai começou a outra história.

Não fui surpreendido. Sabia que um dia poderia ser preso, porque todo dia ocorriam quedas e mortes. No momento em que fui preso, na rua Tutóia, no DOI-Codi, às 5h30 da manhã, passei a ser torturado, porque eles queriam que eu dissesse onde estava o Fujimori. Por conta dele, foram 15 dias de tortura. Todos os tipos de tortura descritos, pau de arara, choque elétrico, cadeira do dragão, além do espancamento.
Em 5 de dezembro, o Fujimori foi encontrado, entregue pelo famoso Cabo Anselmo. Ele foi metralhado. Quando ele chegou, 5 de dezembro à tarde, no porta-malas de uma caminhonete Veraneio, estava vivo. Metralhado, mas vivo. Dois companheiros foram lá reconhecer. Depois, foi dado como desaparecido, até que ele ‘“apareceu” clandestinamente, no cemitério da Vila Formosa.

Aquele dia, a noite inteira, houve festa no DOI-Codi. Vários companheiros dizem que todo o DOI-Codi eram financiados pelos empresários. Eu sou testemunha disso, porque no dia seguinte, às 6 horas, tomei café e o carcereiro me chamou para subir. Subir era sair da cela, atravessar o DOI-Codi e ir pra sala de tortura. No pátio, percebi o que ele queria. Havia umas tendas e estava tudo sujo. Tinha guardanapo, bandeja, papel, copo, garrafa de bebidas, cachaça, champanhe. O carcereiro me mandou limpar tudo, mas eu estava com as mãos machucadas, então fui lavar um tanque, que estava entupido por causa de vômito. Aproveitei e puxei uma conversa: “Houve uma festa aqui?” Ele: “É”. Eu: “Foi por causa do Fujimori?” Ele: “É. Acabamos com ele”. Eu: “Quem é que teve ai nessa festa?” Ai ele usou uma expressão: “Só gente graúda.”

Após a morte do Fujimori, as torturas tinham intuito de me fazer passar os contatos de outro gaúcho, chamado Laertes Dorneles Méliga. A tortura piorou ainda mais. Levei um “pau” de 15 dias pra dizer aonde estava o Laerte. Fui torturado no DOI-Codi de 20 de novembro a 20 de dezembro. Não tinha mais informações. Depois de 30 dias de tortura, fui retirado do DOI-Codi e levado por 60 dias pro DOPS do delegado Fleury. Ai foi outro tipo de tortura, ameaças, interrogatórios duas ou três vezes por semana. Cheguei bem machucado e por três vezes fui ao Hospital das Clínicas. Depois, fiquei mais seis meses no presídio de Tiradentes, já processado, já denunciado.

É difícil me recuperar depois desse fatos. Levei muito choque no ânus, no pênis, na orelha, na língua. Por conta disso, saí muito traumatizado. Levei dois, três anos para me recuperar e arrumar trabalhos. Eu até tinha condições físicas, mas me tornei um alcoólatra. Bebia principalmente à tarde e à noite. E comecei a escrever, tenho mais ou menos mil e quinhentas páginas contando o que é a tortura e como é o comportamento do torturador.

Ninguém foi punido, nem com a morte. Escrevi a poesia para que de alguma forma fique conhecido. No meu caso é uma sequela, mas é uma sequela relatada. Eu chorei muito. Primeiro, só falava chorando, hoje falo sem chorar. Já estive no Memorial da Resistência, prestei depoimento, nas comissões, sem chorar. Por meio da Comissão da Anistia fiquei sabendo da Clínica do Testemunho. Agora, sinto muito ódio dos meus torturadores, e transfiro meu ódio para o Exército brasileiro e os civis que ajudaram a bancá-los.

Sempre gostei do Exército, tinha admiração pela figura do Duque de Caxias, admirava muito os militares. Depois da 2ª guerra, havia aqueles documentários dos heróis da FEB e eu adorava ver os pracinhas desembarcando do navio depois de ter derrubado Hitler e Mussolini. Eu ficava encantando. Mas um belo dia, aqui no Brasil, os caras põem tanques na rua e começam a dar pau no povo. Ai eu falei: “sabe de uma coisa? A gurizada tem razão, vamos enfrentar esses caras.”

As pessoas, nos depoimentos para a Comissão, estão dizendo tudo o que o coronel Ustra e os outros militares fizeram, mas os militares negam, na maior cara-de-pau. Eles são tratados como heróis pelo Exército brasileiro. Heróis! Vou te falar uma coisa: o Exército brasileiro está mal de herói. Os militares da FEB são heróis. Agora, o Ustra e todos os outros que pegavam pessoas amarradas, mulheres amarradas, estupravam, espancavam crianças, esses são os heróis brasileiros?

*Emílio Ivo Ulrich tem 66 anos, é publicitário e sociólogo.

sábado, 12 de abril de 2014

MACACO CHAPADO


Existem mais mistérios sobre a humanidade do que nossa vil hipocrisia pode supor.

Veja o caso das teorias sobre nossa ancestralidade e o que nos fez ser como somos.

Ha milhares e milhares de anos atrás, nossos ancestrais eram tão inseguros diante das ameaças que, simplesmente, viviam em cima das árvores.

O australoptecos áureos simplesmente abominava a presença de predadores naturais, e diante de insípida capacidade de pensar, preferia a segurança de fortes galhos acima do solo.

Claro, isso trazia problemas pontuais.

Fazer xixi não era muito difícil para as classes dominantes, que desde aqueles tempos viviam em patamares mais altos. Difícil era para os mais pobres, muitos galhos abaixo.

Sonambulismo era doença fatal, e o marido, simplesmente não tinha como dormir no outro galho.

Um dia, porém, se achando grandinho, nossos tataratatara ancestrais arriscaram uma decidinha no chão. Tipo assim, num momento em que o macharedo achou que era hora de mostrar coragem para justificar a subjugação das fêmeas.

O grande lance, o real maior segredo da humanidade foi justamente, segundo o filósofo norte-americano Terence McKenna, nesse supremo momento de chegada ao solo.

Segundo ele, nossos meninos esfomeados e cansados do mesmo menu de frutinhas e folhas verdes das copas, passaram a comer tudo que estivesse em volta, e um coisa que estava em volta em profusão era um cogumelo tenro e macio, ensopado de psilocibina, uma substância altamente alucinógena.

Para nosso autor filósofo, o caráter alucinógeno influiu de forma decisiva na evolução humana.

De carrapato das árvores, criatura trêmula e medrosa, o homem se tornou o o maior predador da Terra.

Acredita ele que, a substância psicoativa tenha aprimorado as habilidades cognitivas de nossos antepassados e os ajudado a falar, a pensar e a desenvolver habilidades de lógica.

Em seguida, ele controlaria e diversificaria sua dieta, abandonando os cogumelos, que, entretanto, foram fundamentais para seguir em frente.

O australoptecos, segundo essa teoria, chamada nos meios acadêmicos de “Teoria do Macaco Chapado”, desenvolveu-se em tamanha velocidade que pulamos alguns degraus da escala evolutiva, deixando um mistério a ser desvendado.

Talvez isso explique por que o homem teime em construir sociedades distorcidas e irreais, onde a maioria é excluída da riqueza produzida.

Construindo e destruindo na mesma proporção. Sonhando e perdendo sonhos, o homem segue sua estrada de incoerências e contradições, ameaçando destruir a própria terra, algo como derrubar aquela árvore protetora.

Muito distante do Deus que ele mesmo tanto gosta de se imaginar e muito mais próximo de um macaco chapado a civilização humana cada vez mais se parece com um sonho colorido, mas, de despertar muito louco.

Prof. Péricles






quarta-feira, 9 de abril de 2014

FAÇA POR MIM PAPAI


Porto Alegre. Rua Riachuelo número 1355, mas o 1 e o 3 caíram, deixando os dois 5 sozinhos. Prédio velho de quatro andares contando com o térreo. Cada andar com 8 janelas cobertas por persianas de duas folhas que se abrem para fora. Prédio enrugado pelo tempo de onde se entra ou se saí através de uma porta de ferro trabalhada em detalhes como apenas as construções de sua época costumam ser. No centro da porta a frase “Casa do Estudante Universitário, Abrigando Estudantes de todo o mundo”.

Podemos conhecer uma cidade por suas histórias cujos segredos são guardados a sete chaves por prédios como esse da rua Riachuelo, antigamente chamada de rua da ponte.

Aparício Corá de Almeida nasceu em 1906, filho de família abastada, em quarai/RS. Sempre quis ser advogado, por isso, aos 17 anos veio completar seus estudos fundamentais no Colégio Militar de Porto Alegre.

Brilhante orador destacou-se na faculdade de Direito como um líder natural entre os estudantes.

Sempre foi muito preocupado com os outros rapazes de sua idade que, ao contrário dele, eram de famílias humildes e, por isso, vinham para a capital estudar sem as melhores condições financeiras.

Encabeçou inúmeras ações de assistência social e, finalmente, fundou, em 25 de agosto de 1930, a Casa do Estudante de Direito, que ficava na rua Duque de Caxias.

Engajado nas lutas populares daqueles tempos atribulados tornou-se socialista e participou com dinamismo, talento e coragem extraordinária dos movimentos da Revolução de 30 que prometiam novos tempos de liberdade.

Para sua decepção os ventos revolucionários inclinam-se para a direita, com Getúlio Vargas nomeando o General Flores da Cunha, homem reconhecidamente conservador, para governador do estado.

Não diminui sua determinação. Foi preso, apanhou muito, mas seguiu nas suas convicções socialistas e em sua luta.

Em 1935 a Esquerda tenta se opor ao crescente fascismo brasileiro dos integralistas, criando a Aliança Nacional Libertadora, cujo objetivo era impedir que o extremismo chegasse ao poder no Brasil na figura de Plínio Salgado, como chegara à Alemanha, em 1933, com Adolf Hitler.

Numa festa emocionante no Teatro São Pedro, milhares de pessoas aclamaram a Aliança e os aliancistas. Aparício Corá de Almeida foi aclamado primeiro secretário no estado, Dionélio Machado na presidência. Luis Carlos Prestes, o cavaleiro da Esperança seu presidente nacional.

No final daquele ano os comunistas acreditando que Vargas daria um golpe colocando os Integralistas no poder, tentaram dar um golpe primeiro, mas falharam completamente.
Prestes e as principais lideranças caem na clandestinidade. Centenas de comunistas são presos em todo Brasil, a ANL é extinta.

No Rio Grande do Sul ocorreram várias prisões. Dionélio foi preso e torturado.
Mas, o pior, perguntem ao prédio antigo, aconteceu com Aparício Corá.

Na manhã de 13 de outubro de 1935 seu corpo sem vida, foi encontrado numa rua transversal da Voluntários da Pátria, com um enorme ferimento de arma de fogo num dos ouvidos.

Nas investigações da polícia que incluiu testemunhas que posteriormente alegaram nada ter visto, e relatos de pessoas inexistentes, a versão final de que, brincando com o próprio revólver, a vítima disparara contra si mesmo, acidentalmente.

O costumeiro assassinato político acobertado por falso acidente ou falso suicídio.
Aparício Corá de Almeida morreu com 29 anos, no apogeu de seu talento e de sua juventude.

Seu pai, Israel Almeida e a mãe Maria Antônia Corá nunca aceitaram as explicações da polícia, nem se conformaram com a perda do filho amado.

Israel instalou a Casa do Estudante nesse prédio da Rua Riachuelo 1355 que o filho há tempos idealizara como suporte de seu sonho, e o doou inteiro, para a Faculdade do Rio Grande do Sul, com a condição que ele fosse mantido, para sempre como Casa do Estudante, abrigo de jovens que do interior deslocam-se para a capital em busca do sonho de fazer a faculdade.

Até sua morte em 25 de junho de 1961, quando seus amigos empresários lhe perguntavam como podia se desfazer de um bem tão valioso, Israel respondia ser essa a vontade de seu filho. Na última vez que nos vimos, explicava ele, com olhos marejados, sorria ao antever o que seria a Casa do Estudante, e suas últimas palavras, a porta de sua casa, foram, “faça por mim papai”.

Prof. Péricles

sábado, 5 de abril de 2014

145 ANOS DE SAUDADES


Ele nasceu em 3 de outubro de 1804 e morreu (desencarnou, como ensinou) há 145 anos, em 31 de março de 1869.

Professor, pedagogo, tradutor, cientista e pensador em vários ramos do conhecimento, Hippolyte Léon Denizard Rivail, nosso querido Allan Kardec, deixou um rastro de luz a partir da codificação brilhante que fez dos ensinamentos dos espíritos.

Em homenagem aos 145 anos de saudades, entrevistamos o sábio de Lyon, com perguntas que receberam respostas dadas a mais de um século e permanecem extraordinariamente atualizadas.

Confiram...


Blog) Depois de tanto tempo de mutismo, de repente, no século XIX, os espíritos entregaram todos os segredos ao senhor. Por quê?

AK - Os Espíritos disseram que era chegada à hora dos tempos marcados pela Providência para uma manifestação universal e que, sendo eles os ministros de Deus e os agentes de sua vontade, tinham por missão instruir e esclarecer os homens, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade.

Blog) Em poucas palavras, o professor Poderia nos dizer por que devemos acreditar em Deus e nos espíritos?

AK - Simples. Todo efeito tem uma causa. Todo efeito inteligente tem uma causa inteligente. O poder da causa inteligente está na razão da grandeza do efeito.

Blog) Mas existem tantas pessoas diferentes na Terra. Gente boa misturada com gente perversa, inclusive de boa condição social e intelectual. Temos visto muita crueldade no mundo. O que o senhor pensa disso?

AK - Para mim, um homem é um homem, isto apenas! Meço seu valor por seus atos, por seus sentimentos, nunca por sua posição social. Pertença ele às mais altas camadas da sociedade, se age mal, se é egoísta e negligente de sua dignidade, é, a meus olhos, inferior ao trabalhador que procede corretamente, e eu aperto mais cordialmente a mão de um homem humilde, cujo coração estou a ouvir, do que a de um potentado cujo peito emudeceu.

Blog) Assistimos atualmente, a proliferação de religiões. Muita fé fervorosa e...

AK - (interrompe com um sorriso)Fé inabalável só o é a que pode encarar frente a frente à razão, em todas as épocas da Humanidade.

Blog) Sim, mas todas essas religiões defendem sua fé e dizem que podem levar os fiéis a salvação e felicidade e...

AK) Fora da caridade não há salvação, além do mais, a felicidade depende das qualidades próprias do indivíduo e não do agrupamento religioso.

Blog) Desculpe-me querido professor, mas por que essa exploração sobre a credulidade das pessoas acontece? Por que os bons espíritos não os ajudam?

AK) Os espíritos protetores nos ajudam sim, com os seus conselhos, através da voz da consciência, que fazem falar em nosso íntimo - mas como nem sempre lhes damos a necessária importância...

Blog) Existe alguma maneira segura de se dar bem depois da morte?

AK (risos, de certo pela ingenuidade da minha pergunta) O homem é o árbitro constante de sua própria sorte. Ele pode aliviar o seu suplício ou prolongá-lo indefinidamente. Sua felicidade ou sua desgraça dependem da sua vontade de fazer o bem.

Blog) quer dizer que...

AK - quer dizer que a nossa felicidade será naturalmente proporcional em relação à felicidade que fizermos para os outros.

Blog) Mas, vamos combinar que nos dias atuais está cada vez mais difícil não partir pro tudo ou nada, o Senhor não acha?

AK - O fardo é proporcional às forças, como a recompensa será proporcional à resignação e à coragem. Tudo é um efeito de causa e conseqüência.

Blog) Muita gente ainda tem muito medo de fantasmas. O senhor que conheceu tantos médiuns e assistiu tantas sessões, pode nos dizer se existem fantasmas?

AK - Existem muitos. Por exemplo, a inveja e o ciúme.
Com a inveja e o ciúme, não há calma nem repouso para aquele que está atacado desse mal: os objetos de sua cobiça, de seu ódio, de seu despeito, se levantam diante dele como fantasmas que não lhe dão nenhuma trégua e o perseguem até no sono.

Blog) O professor Rivail, curte algum tipo de entretenimento quando não está envolvido em seus trabalhos intelectuais?

AK - Gosto de música. A Música exerce salutar influência sobre a alma e a alma que a concebe também exerce influência sobre a Música.

Blog) qual, entre tantas frases imortalizadas na obra espírita, é a sua frase preferida?

AK - Nascer, morrer, renascer ainda e progredir sempre, tal é a lei.

Blog) Só aqui, entre nós, como podemos fazer para atrair amigos espirituais, espíritos de luz, enfim, boas companhias do lado de lá e nos afastar dos barra pesada?

AK - Os bons espíritos simpatizam com os homens de bem, ou suscetíveis de se melhorar. Os espíritos inferiores, com os homens viciosos ou que podem viciar-se. Os afins se atraem. Então, a escolha é nossa.

Blog) Para encerrar, o professor poderia nos deixar sua mensagem final?

AK - Nunca, nunca mesmo, façam aos outros o que não quereríeis que vos fosse feito, mas fazei-lhe, ao contrário, todo o bem que está em vosso poder fazer-lhe.

Obs. Todas as respostas foram montadas a partir de frases reais proferidas e/ou escritas por Allan Kardec.


Prof. Péricles

quinta-feira, 3 de abril de 2014

CAMPANHA GOVERNABILIDADE SEGURA



Chega de tantas doenças políticas proliferando em nosso país!

O contágio promovido pela mediocridade é intenso, e atinge principalmente, os mais jovens, que não viveram os dias cinza da Ditadura Militar.

A virulência do conservadorismo é altíssima, sendo disseminado pelas mídias diariamente. O preconceito entra nas casas brasileiras através de vozes suaves de âncoras televisivos, comediantes e especialistas avulsos encomendados e se instala no coração dos desavisados.

Basta de contaminação das novas idéias pelas coisas mais antigas e doentes de nossa política.

Partidos de esquerda, digam não às alianças espúrias.

Não se aliem a velhos coronéis travestidos de um idealismo que jamais tiveram.

Use preservativo contra a corrupção velhaca que nunca saiu do poder.
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Presidenta, não aceite falsificações.

Exija o selo de qualidade de verdadeiras utopias forjadas nos mais caros sonhos da juventude do mundo.

Não distribua seus ministérios a qualquer parceiro. A promiscuidade política de aliados descomprometidos com qualquer projeto popular pode levar à contaminação através da corrupção mais dolorosa.

Verifique antes se ele é confiável, se defende idéias ou apenas nomes.

Desconfie de quem só quer cargos e verifique se sua agenda é de inclusão ou se social, pra ele, significa apenas, eleitor.

Diga não se seu aliado não demonstrar ser ético.

Não faça política sem memória.

Prefira parceiros confiáveis, daqueles que estiveram no mesmo lado da trincheira.

Basta de falsificações.

Basta de aliados oportunistas que votam contra, diante de qualquer carguinho de segundo escalão perdido.

Verifique se eles não trazem o vírus do autoritarismo.

Não aceite gato por lebre, presidenta, nem ande de braço com quem apoiou a Ditadura.

Base de governo não pode se tornar algemas.


Prof. Péricles

segunda-feira, 31 de março de 2014

MODA REAÇA


Por Gregorio Duvivier

Aproveitando essa onda reaça que tá super-mega tendência, a gente está lançando toda uma coleção pra você, jovem reacionário, que quer gastar o dinheiro que herdou honestamente na sociedade meritocrática --apesar dos impostos, é claro.

Pode guardar a camiseta fedida do Che Guevara e raspar essa barba de Fidel. A moda guerrilheira é muito 2002. Quem tá com tudo neste outono é o jovem reaça. A moda é cíclica, gatinhos! Nesta estação, vamos aproveitar o aniversário da revolução democrática e tirar do armário a fardinha verde-oliva do vovô. E o melhor: não precisa nem limpar as manchas de sangue. Superona.

O último grito do outono fascistão é defender os valores tradicionais e ressuscitar velhos chavões: direitos humanos para humanos direitos, bandido bom é bandido morto, Deus não fez Adão e Ivo.

Nossa coleção --que será lançada amanhã, no prédio do DOI-Codi-- foi feita pensando em você, cidadão de bem, branco, católico, heterossexual, rico, com as pernas no lugar, funcionando direitinho. Você é o homem da minha coleção. Olha só esse soco inglês: é a sua cara. Vestiu bem, homem da minha coleção. Combina com sua correntinha.

O homem da minha coleção anda armado e se algum viado der em cima dele ele diz que atira na testa. O homem da minha coleção transa com travesti mas se arrepende logo em seguida e enche a bicha de porrada. O homem da minha coleção casou na igreja com a mulher da minha coleção num casamento celebrado pelo padre da minha coleção, homofóbico, racista e com um sotaque ininteligível apesar de nunca ter saído do Brasil.

A mulher da minha coleção critica periguetes porque elas não se dão valor --chama isso de feminismo. Saia curta, nem pensar. "Depois reclama quando é estuprada..." A mulher da minha coleção acha que mulher gorda devia evitar sair de casa. "Ninguém é obrigado a ver gente obesa."

A mulher da minha coleção finge que não sabe que é traída pelo homem da minha coleção e se vinga estourando o limite do cartão de crédito do homem da minha coleção que por sua vez finge que não sabe e se vinga saindo com outras mulheres da minha coleção.

Nosso it boy, claro, é o coronel Paulo Malhães, torturador chiquerésimo que deu depoimento à Comissão da Verdade usando um puta óculos escuros Prada de aro dourado, onde assumiu ter perdido a conta de quantos cadáveres ocultou. Divo.

Viva a revolução --democrática.

sábado, 29 de março de 2014

CRONOLOGIA DE UM PESADÊLO



Agosto de 1954. Depois de uma crise política fulminante, na madrugada do dia 24, o Presidente Getúlio Vargas, em pleno exercício do poder, se suicida com um tiro no coração. O tiro que matou Getúlio trouxe o povo emocionado às ruas das cidades brasileiras e matou a pretensão já bem articulada de um golpe militar. Frustrados, os golpistas tiveram que baixar as armas e voltar para os quartéis.

Março de 1964, sexta-feira 13. O presidente João Goulart avisado de articulações golpistas tenta, numa manobra desesperada, trazer o povo para as ruas com um comício emocionante e um discurso inflamado e decisivo. Jango anuncia que fará a reforma agrária, nacionalizará as refinarias estrangeiras de petróleo e tronará ainda mais difícil a remessa de lucros das multinacionais para suas sedes, fora do país. O discurso da central do Brasil, para muitos, foi um erro, pois provocou a adesão ao golpe de alguns militares indecisos, o pânico entre os norte-americanos e o ódio entre a classe média conservadora e amiga dos gringos. Outros entendem que o discurso foi um recurso político válido, mas que não deu os resultados esperados.

Março de 1964, quinta-feira 19. Numa demonstração de força virulenta contra o “presidente comunista” a “Marcha da Família Com Deus Pela Liberdade” em São Paulo, reúnem 500 mil pessoas que bradam por valores conservadores e pela defesa dos interesses das elites daqui e dos poderosos de lá.

Nessa época, a CIA e outros órgãos de espionagem que trabalhavam livremente no Brasil, como se esse fosse seu quintal (e era), disfarçada em entidades fantasmas como o IPE e o IBAD, já haviam reunidos dossiês e “provas” de que o governo João Goulart marchava para o comunismo, que era como eles chamavam qualquer política que dificultasse seus interesses e seus lucros.

Governadores como Ademar de Barros, de São Paulo e Carlos Lacerda “o corvo”, da Guanabara, preparavam o palco para a o golpe militar, que deveriam ser os personagens principais do teatro armado.

Considerando que as marchas davam um recado inequívoco de apoio ao golpe, o comando militar golpista marca a data de 4 de abril para iniciar o movimento, mas o general Carlos Guedes, da Infantaria, afirma que não se faz nada direito em lua de quarto minguante, e a data é remarcada para o dia 8 de abril.

Março de 1964, madrugada do dia 31, terça-feira. Um general golpista que mais tarde se definiria como “uma vaca num salão de cristais”, Olimpio Mourão, num momento de euforia ou de depressão, não se sabe, resolve dar início ao movimento e parte com suas tropas de Minas Gerais em direção ao Rio de Janeiro. Castello Branco, marechal respeitadíssimo entre os militares tenta, por telefone, barrar a marcha de Olimpio Mourão, mas, por telefone, é informado pelo governador e conspirador de Minas Gerais, Magalhães Pinto, que agora, posto na estrada, recuar seria impossível.

Abril de 1964, quinta-feira, dia 2. Reunidos do aeroporto Salgado filho, em Porto Alegre, o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, o presidente João Goulart e o General Ladário Lopes, discutem a situação. Enquanto Brizola demonstra uma enorme agitação, “Jango” está perfeitamente calmo. Ouvem os relatos de um golpe militar praticamente sem reação, irritam-se ao saber que o Congresso Nacional numa vil traição à democracia considera o cargo de presidente vago e da aceitação do STF da posse temporário no cargo presidencial de Ranieri Mazilli, presidente do Congresso e estão cientes do apoio ao movimento de tropas e armas dos Estados Unidos escondidos em algum lugar do litoral nordestino. Podem resistir. O general Lopes afirma que há condições de resistência dura, embora não garanta a vitória final.

Brizola e Lopes querem organizar a luta, mas João Goulart termina com a discussão ao afirmar que não irá lutar. Está cansado. Está abatido e decepcionado. Friamente informa aos dois que está indo embora no Brasil e que seu exílio será no Uruguai. Brizola percebe que sem o presidente a luta é impossível.

Abril de 1964, dia 9, quinta-feira. O golpe militar é um êxito completo. Não houve a reação esperada. É editado o AI-1 (Ato Institucional número 1) dando início às cassações de mandatos políticos. Castello Branco é empossado presidente com mandato até 24 de janeiro de 1967. Depois disso, segundo o porta-voz do novo presidente, haverá eleições livres para um novo mandatário e a “revolução” chegará ao fim, já que seu objetivo era apenas derrubar o perigoso comunista João Goulart e seu bando.

1967 chegou e não houve eleições, a ditadura continuou.

Dezembro de 1968, outra vez uma sexta-feira 13, caí a máscara. A farsa de um movimento bonzinho acabou com a edição de um dos mais macabros instrumentos já utilizados como expediente de Lei, o AI-5. Seu teor detinha tamanha repressão e violência aos direitos humanos e ao reconhecimento da cidadania que, na prática, instala o terror de estado no Brasil.

João Goulart morreu no exílio, “o corvo” Carlos Lacerda também. Ladário Lopes e mais de mil militares foram colocados na reserva, presos ou expulsos do exército. Olímpio Mourão continuou uma vaca, Carlos Guedes nunca fez nada de importante em lua de quarto minguante.

O povo brasileiro mingou, gerações inteiras foram amordaçadas e estupradas.
O Brasil passou por uma noite que duraria 20 anos e só começaria a terminar em 1985 com fim do governo do último general-presidente João Batista Figueiredo.

Nessa longa noite o Brasil conheceu a sua pior ditadura.

Mais de 50 mil presos só entre março e agosto de 1964; Aproximadamente dez mil torturados; cerca de 500 mortos por órgãos da repressão e um número incalculável de sequelas como loucura, depressão, suicídios, males físicos que perseguiram suas vítimas até a morte e, a alguns, ainda perseguem.

Março de 2014. O passado está presente em nossa história e precisamos entendê-lo melhor.

Já que não podemos mudar essa história, que não permitamos que ela se repita.

Se não podemos ressuscitar os mortos, devolver a vida e a juventude perdidas por tantos, que se respeite a sua dor.

Prof. Péricles

quarta-feira, 26 de março de 2014

NUM RABO DE FOGUETE


Dando continuidade à série de textos sobre o golpe que completará 50 em no próximo 31 de março, e que impôs ao Brasil a mais longa ditadura do cone sul, postamos abaixo novo texto.

POR RODRIGO RODRIGUES

Compositor e escritor, Aldir Blanc Mendes é um nome que se confunde com a luta pela Anistia aos exilados e presos políticos brasileiros, vítimas das perseguições dos militares.

Sem pegar em armas nem fazer parte de nenhum grupo armado, empunhando apenas violão e voz, esse médico psiquiatra carioca inspirou a luta por Democracia no Brasil com versos.

Ao lado do amigo João Bosco, compôs aquela que vai ser para sempre lembrada como a canção da liberdade, o hino da Anistia: “O Bêbado e o Equilibrista”.

É a canção que narra o desejo de uma nação de tantas “Marias e Clarisses”, que naquela época tiveram seus companheiros assassinados pela repressão. (Maria, viúva de Manoel Fiel Filho, e Clarisse Herzog, viúva de Vladimir Herzog).

36 anos depois de suplicar em poesia corajosa pela “volta do irmão do Henfil" e de "tanta gente que partiu num rabo de foguete”, Aldir Blanc assiste o retorno dos arroubos autoritários com a reedição da “Marcha da Família com Deus, pela Liberdade” sem perplexidade e nem surpresa:

"Não estamos 'revivendo' nada, porque o fantasma de todo aquele horror nunca se foi. Ninguém foi julgado ou condenado por tortura e assassinato político. Um palhaço apareceu, durante a construção do estátua de João Cândido, na Praça XV (Rio de Janeiro), e ameaçou: 'Se essa merda apontar para o Colégio Naval, a gente volta aqui e explode tudo'. Esses criminosos estão por aí, foram promovidos”, pontua.

Irreverente, direto nas palavras e sem economizar adjetivos e bom humor, Aldir Blanc lembra que, muito antes de provocação pública da reedição da “Marcha…”, o Brasil já vinha assistindo diariamente o despertar do ódio e das forças obscuras da repressão. Até dentro do próprio Congresso, que deveria ser símbolo da liberdade pública:
"O deputado Rosconaro (Jair Bolsonaro – sic) declarou que 'nosso mal foi torturar demais e matar de menos'. É nesse pântano que vivemos. Gorilas com próstatas do tamanho de melões se reúnem no Clube do Bolinha para comemorar o golpe. Hoje mesmo, um ex-coronel admitiu que os presos da Casa da Morte, em Petrópolis, eram mortos, despedaçados e davam sumiço nos restos em um rio da região serrana…”, lembra o compositor.

Aos 67 anos, o médico psiquiatra que tratou diversos presos e familiares de desaparecidos diz que a fórmula para se livrar do que ele chama de “fantasmas” está na revisão da Lei da Anistia e na retomada da agenda inclusiva.

"O Brasil precisa punir ou pelo menos desacreditar assassinos e torturadores. Fazer reforma agrária, melhorar a renda dos pobres, dinamizar Educação, Saúde e Transportes. Acabar com a apodrecida 'base de sustentação'”, diz o compositor, em referência ao PMDB e os demais partidos fisiológicos que estão com os governos, seja ele qual for, desde a retomada do direito ao voto.

Sobram críticas indiretas de Aldir Blanc até para o PT e a presidente Dilma Rousseff, por manterem o que se chama de "governabilidade a qualquer custo", prática inventada por Sarney ao chegar ao poder, e repetida por FHC e Lula: "(O Brasil) precisa parar de aparelhar ministérios com idiotas burro-cratas do PCdoB – enfim, cumprir minimamente a agenda inicial dos partidos de esquerda que parecem perdidos e aceitando essas merdas de Bumbum Garoto ou Rosinha Escrota que apareçam para vencer a qualquer preço”, analisa Blanc.

O fato de estar eternizado com “O Bêbado e o Equilibrista” na história do País não muda nada na vida dele, de acordo com o próprio Blanc.

A vontade de um Brasil melhor e justo, segundo o compositor, vale mais que qualquer lugar na memória de um povo.