sábado, 30 de janeiro de 2016

A CORRUPÇÃO CONTRA-ATACA


Falar sobre corrupção é fácil.

Explorar o tema em proveito próprio assumindo uma postura moralista, então, é típico da direita tupiniquim, desde os tempos de Getúlio, passando por JK e eleição de Jânio Quadros e golpe contra Jango.

Mas, mostrar ação contra a corrupção, isso, poucos mostram.

Os governos do PT tem suas mazelas a pagar, com certeza, mas é inegável que mais do que qualquer outro governo, tratou de combater a corrupção. Senão, vejamos:

Em 2003, ano que Lula tomou posse, foi sancionada a lei que criou a Controladoria Geral da União (CGU). Órgão que coordena o sistema de fiscalização e controle da República.

No mesmo ano, o Ministro Marcos Thomaz Bastos reestruturou a Polícia Federal.

Em 2004, foi criado o Portal Transparência que exige que as instituições informem a cidadania, por meio virtual sobre seus procedimentos, de forma que todos possam, facilmente, se informar sobre licitações, adimplência, inadimplências, etc.

Também em 2004, Lula criou o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que fiscaliza o Judiciário. Foi ideia de José Dirceu que, ao que parece, jamais será perdoado por isso.

Também foi ideia de José Dirceu criar o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), que fiscaliza os procuradores do Ministério Público Federal e estaduais.

Em 2005, foi regulamentado o pregão eletrônico que, gradualmente se tornou obrigatório. Em teoria, o Pregão Eletrônico substituindo as outras formas licitatórias e estando integrado à plataforma virtual de informação torna mais difícil a maracutaia dos corredores e conversas ao pé do ouvido, estando sujeito ao acompanhamento por parte da cidadania.

Em 2008, foi criado o cadastro de empresas inidôneas, (CEIS).

Em 2009, foi sancionada a lei da Transparência, que determina a disponibilização em tempo real de todas as informações sobre a execução orçamentária e financeira da União, Estados, Distrito federal e Municípios. Antes era uma caixa preta.

Em 2012, foi aprovada a lei de Acesso à Informação.

Todas essas normas jurídicas consolidam a transparência do exercício da função pública e controle social da gestão e dos recursos públicos e atos do governo. Todos os órgãos de fiscalização e controle, tiveram seu corpo funcional ampliado e qualificado.

Em 2013, a Presidente Dilma sancionou a lei que define a figura do corruptor e responsabiliza pessoas jurídicas, por atos contra a administração pública. Essa lei é que está possibilitando o Ministério público, a Polícia Federal, e o Judiciário, irem fundo nas investigações contra a corrupção. Com base nela que estão sendo presos banqueiros, empresários, etc.

Já em 2015, após vergonhosas manobras do Presidente do Congresso Nacional que permitia o financiamento privado de campanha eleitoral (é nesse momento, quando o capital privado financia a eleição de alguém que a maior parte da corrupção começa), a Presidente Dilma, vetou a manobra e, em parceria com o STF que anteriormente já havia se pronunciado contra o financiamento privado, fechou a torneira inesgotável dos apoios corruptos, ao menos, dessa forma.

Importante lembrar ainda que, em 1994, no primeiro governo de FHC, foi extinto a Comissão Especial de investigação (CEI) criada no governo Itamar Franco. Logo depois FHC, alterou a lei de licitação da Petrobrás, abrindo caminho para a corrupção.

O Procurador Geral da República na administração do FHC, não Investigava nada e não abria processo contra ninguém, sendo por isso apelidado de “engavetador geral da república”.

Talvez tudo isso esclareça porque grupos unidos ao fascismo estejam, de forma tão desesperada, tentando derrubar um governo legitimamente eleito e que apresenta, continuamente,  ações concretas contra a corrupção.



Prof. Péricles



quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

HOMENAGEM MAIS QUE JUSTA


Por Mário Augusto Jakobskind

Hoje há quase unanimidade quanto à ausência de líderes do porte de Leonel Brizola, governador do Rio de Janeiro por duas vezes e uma no Rio Grande do Sul.


Polêmico, Brizola foi sempre combatido pela mídia conservadora, em particular pelo jornal O Globo.


Tanto assim que uma semana antes da morte do líder trabalhista, o diretor executivo da Rede Globo, Ali Kamel divulgava artigo no jornal mais vendido do Rio de Janeiro culpando Brizola pela onda de violência na cidade do Rio de Janeiro.

Kamel, por sinal, é uma das carreiras mais ascendentes e rápidas do jornalismo brasileiro. Pode-se imaginar o motivo. Em 1982, por ocasião da primeira eleição de Brizola como governador do Estado Rio de Janeiro, Kamel era estagiário na rádio Jornal do Brasil e participou da cobertura da emissora da eleição, tendo comprovado a tentativa de fraude eleitoral no episódio conhecido como Proconsult,

Com o tempo, Kamel deixou para trás essa participação e foi galgando postos até chegar ao cargo atual.

Mas voltando a Brizola, o governador do Estado do Rio de Janeiro foi responsável, junto com Darci Ribeiro, pelo projeto dos CIEPS, combatido por setores da direita e mesmo da esquerda que a direita gosta.

Se o projeto fosse levado adiante, possivelmente nos dias atuais boa parte dos jovens da época poderia ter a oportunidade de encontrar caminhos que possivelmente o levariam a ter um destino diferente da marginalidade.

Mas o tempo passou e logo em seguida ao governo Brizola, Moreira Franco assumiu o Palácio da Guanabara e sepultou o projeto educacional dos CIEPS, contando nesse sentido com o apoio de O Globo e particularmente de Roberto Marinho.

É conhecido por inúmeros jornalistas as pautas de O Globo para combater Brizola.

O próprio Marinho cobrava diariamente dos editores fatos negativos contra o Governador. Chegou ao ponto de um dia o próprio Roberto Marinho ter exigido que o jornal pautasse dessa forma, mesmo que nada houvesse para criticar o Governador.

Brizola ficou em terceiro lugar na primeira eleição presidencial depois do fim da ditadura civil militar que assolou o país durante 21 anos. Brizola colocava sempre em pauta a questão das perdas internacionais, deixando furiosos não apenas o empresário Roberto Marinho, como economistas que posteriormente se tornaram apologistas do modelo neoliberal fortalecido a partir do governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso.

Brizola, sem dúvida, marcou época na política brasileira, antes e depois de 1964, mesmo tendo sido na prática linchado pelas Organizações Globo, tendo à frente figuras como Ali Kamel e outros do gênero.

Onze anos e meio depois de sua morte, a Presidente Dilma Rousseff com muita razão o colocou na lista dos Heróis da Pátria, o que tem provocado irritação de alguns setores, que não se conformam com o fato.

Muitos não têm coragem de aparecer como opositores da medida, preferindo apenas destilar a contrariedade dando continuidade ao sectarismo contra Dilma Rousseff.

Chegou ao ponto de opositores preverem o fim do governo que venceu a eleição presidencial em outubro de 2014.

Nesse sentido surgiram defensores radicais do impeachment, jogando do mesmo lado que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que poderá, por decisão do Supremo Tribunal Federal, perder o cargo que exerce envergonhando o Brasil.

O que Dilma Rousseff enfrenta hoje em termos de oposição sectária, guardando-se as devidas proporções, de alguma forma remete ao que Brizola enfrentou quando exercia cargos públicos depois de eleito pelo povo.

Por estas e muitas outras fez muito bem Dilma Rousseff em colocar Brizola no rol dos Heróis da Pátria.


Mário Augusto Jakobskindjornalista e escritor, correspondente do jornal uruguaio Brecha.


segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

ERA UMA VEZ EM COXILÂNDIA



Era uma vez um país chamado Coxilândia.

Seus habitantes eram chamados de coxinhas.

O símbolo Nacional de Coxilândia era um cachorro vira-lata.

Na verdade, os coxinhas preferiam o tucano, mas por serem muito complexados se identificavam mais com os vira-latas.

Achavam que nada em seu país prestava e sonhavam viver nos Estados Unidos.

A moeda nacional de Coxilândia era o dólar, muito usada nas férias em Miami, Las Vegas ou nas viagens para Disneylândia.

Em Coxilândia havia muita e muita terra agriculturável que não produzia nada útil, mas a posse dessas terras era de poucas pessoas.

Havia também muita e muita gente sem terra para plantar, a quem era oferecido trabalho semiescravo nas terras que já tinham dono.

O uso coletivo da terra, também chamado de Reforma Agrária, faria bem para todos os habitantes de Coxilândia. A comida seria mais barata, haveria menos gente em situação de miséria, diminuiria a violência do campo. Mas, os coxinhas, principalmente aqueles que não tinham terra nenhuma, eram contra a Reforma Agrária.

Existia liberdade religiosa, mas predominavam os católicos que nunca iam nas Igrejas.

Tinha samba, carnaval e futebol, festas populares, porém controladas por contraventores e corruptos que realmente se divertiam.

Muitas outras forças e energias eram adoradas pelos coxinhas.

A imprensa, por exemplo estava num patamar de divindade. Tudo o que era dito na mídia, imediatamente virava dogma.

As novelas televisivas criavam moda, mitos e alienados.

Liam a Revista “Óia” e se achavam bem informados.

Os coxinhas formavam uma sociedade estratificada, dividida oficialmente em: doutores (aquém o coxinha adorava beijar a mão), a classe média, por sua vez subdividida em: os que achavam que um dia seriam doutores e os que desconfiavam que jamais seriam doutores, mas, adoravam puxar o saco deles.

E tinha milhões de outras pessoas que não se enquadravam nesses grupos e eram denominados pelos coxinhas de comunistas, pobres e vagabundos.

Os coxinhas odiavam ver pobre de carro, adquirindo bens, viajando de avião e ver filhos de pobres estudando nos mesmos colégios que os coxinhazinhas estudavam.

Adotavam rótulos onde os pobres, comunistas e vagabundos falavam errado e eram ignorantes sem perceber que era a sua a maior ignorância.

Havia eleições em três turnos em Coxilândia.

No primeiro turno e segundo turnos deviam ser eleitos os candidatos dos doutores e seus amigos. O terceiro turno era para derrubar os candidatos dos comunistas, pobres e vagabundos que ousassem ser eleitos.

A culinária do país era riquíssima.

Além da comida nacional, a coxinha, também eram muito apreciadas as comidas finas, pelos doutores que as comiam e pelos puxa sacos que não comiam, mas, sentiam prazer em saber que os doutores comiam.

O governo era uma república que os coxinhas definiam como “republiqueta”, quando perdiam. Entretanto, a ditadura era um ideal dos que não tinham ideais.

Em Coxilândia 70% dos presos eram negros, menos de 20% dos estudantes nas faculdades eram negros, mas não havia racismo.

Mulheres recebiam salários menores que os homens, eram violentadas e agredidas na proporção de uma a cada 20 minutos, mas não existia machismo.

Homossexuais era agredidos e assassinados nas ruas e na saída de espetáculos, demitidos de seus empregos e não aceitos em certas igrejas, mas não havia homofobia.

Fascista se autodenominava intervencionista.

9% da população concentrava 55% da riqueza, mas se dizia que o país era de absoluta igualdade social e econômica.

Ricos e filhos de ricos que roubavam, violentavam e dirigiam bêbados ou drogados, não iam para a cadeia, mas se dizia que todos eram iguais perante a Lei.

Professores ganhavam uma miséria e eram agredidos pela polícia quando reclamavam enquanto os juízes recebiam até auxílio moradia.

Diziam que Deus era Coxinha e que povo que elegia candidato da mídia era o mais politizado do país.

No próximo texto vamos falar do folclore de Coxilândia. 



Prof. Péricles


sábado, 23 de janeiro de 2016

HORIZONTE CONFUSO


A geopolítica internacional frequentemente é comparada a uma partida de xadrez, onde as nações buscam a melhor posição no complexo cenário das relações internacionais.

E o tabuleiro atual nos mostra um quadro de forte tensão.

Os principais movimentos que levaram ao quadro atual foram:

01. Crise econômica atinge a China, e a china, hoje, é um gigantesco elefante que tentamos guardar dentro de casa. É incompreensível, toma todos os espaços, mas gostamos de pensar que a entendemos. O ano de 2015 apresentou a menor taxa de crescimento desse país em muitos anos seguidos de aceleração.

02. A entrada da Rússia de forma direta no conflito da Síria: as ações de um exército poderoso na região, uma espécie de estranho no ninho, ameaça diretamente os interesses dos Estados Unidos e Israel que sempre apostaram na queda de Bashar AL-Assad e na posse de um governo fantoche, ou, pelo menos, amigo.

03. Aos planos prejudicados no Oriente Médio por Putin, acrescente-se a insatisfação em Israel com a assinatura de um acordo entre Irã e Estados Unidos que reabilita o governo de Teerã e permite que esse país cresça substancialmente de importância na região que, normalmente, Israel considera seu quintal.

04. A decisão da Arábia Saudita de atingir diretamente a economia de seu arqui-inimigo, o Irã, produzindo petróleo em uma quantidade acima do consumo e dessa forma, força a queda do produto. Além do seu alvo, o Irã, essa política da Arábia Saudita provoca instabilidade e desconforto no mundo inteiro.

05. A intenção de Vladimir Putin de negociar o petróleo que vende, aceitando como pagamento ouro em vez do petrodólar ameaça jogar os Estados Unidos numa crise inimaginável, que certamente, puxará junto a Europa. Se a Duma (Parlamento Soviético) autorizar Putin a seguir em frente, estaremos diante de uma situação que transformar dramaticamente toda a “cara” do mundo moderno, pois é com o petrodólar que os Estados Unidos têm mantido sua hegemonia apesar de todas as crises políticas e econômicas recentes..

Quais serão os próximos movimentos no tabuleiro?

O melhor de todos os caminhos, sem dúvida, seria uma tentativa séria e global para a solução do problema da Síria, organizada pela ONU. Apertando Bashar AL-Assad e os grupos rebeldes, é possível isolar o EI, reconciliar o país e afastar Estados Unidos, Israel e OEA. . A pacificação da Síria é hoje o caminho mais seguro para a manutenção da paz internacional.

Mas, infelizmente o caminho da retaliação não está descartado.

É provável uma intervenção militar de Israel no oriente Médio. Seria uma tentativa de criar constrangimento à presença da Rússia. Os efeitos colaterais é que são imprevisíveis.

Mas, talvez o que mais deva nos preocupar é que, em ano eleitoral, os estados Unidos podem tentar uma jogada de mestre para escapar do cheque mate russo e, como sabemos, estratégias arriscadas trazem os riscos de consequências inesperadas.


Prof. Péricles



quinta-feira, 21 de janeiro de 2016

O ASSASSINATO DE DONA CREMILDA


Por Laerte Braga


Cremilda Fernandes, 72 anos, professora no Espírito Santo, morreu ao término de uma manifestação contra toda a sorte de trapaças de governantes. Era, como muitos brasileiros, a imensa maioria, uma das vítimas da insensibilidade de monstros que governam na nossa democracia. Um infarto fulminante.

Momentos antes de sua morte havia dito a vários dos presentes à manifestação que queria participar do ato, panfletar e ouvira do motorista de táxi que a levara até o local que, finalmente, ele havia entendido que o ex-governador Paulo Hartung é apenas um chefe de quadrilha de assaltantes de cofres públicos.

Cremilda Fernandes aos 72 anos estava buscando, indignada e corajosa, os seus direitos. Receber um precatório que lhe era devido e a professores no Espírito Santo.

Precatórios existem em todos os estados e não são pagos a despeito de ações judiciais com trânsito em julgado, enquanto atitudes não são tomadas e atitudes nunca são tomadas.

Bandidos ficam impunes com a cumplicidade de um Judiciário corrupto e/ou leniente.

Professores são sempre o bode expiatório de governos insensíveis e governantes sem qualquer respeito pelo ser humano, como pela classe trabalhadora no seu todo.

Governantes são construídos a partir de interesses das elites, da classe dominante, num espetáculo gerado por especialistas e pela mídia de mercado, na crença que eleições de tempos em tempos significam democracia.

A professora Cremilda Fernandes, pouco antes de morrer, havia declarado que “espero há anos por manifestações assim”.

Um país com Roberto (Gaveta) Gurgel como Procurador Geral da República e Gilmar (Dantas) Mendes no Supremo Tribunal Federal não pode esperar seriedade ou avanços democráticos. No máximo novos escaninhos para esconder os mal feitos ou tapetes para varrê-los para baixo e fazer parecer que a sala está limpa.

“Informado” pela imprensa-de-mercado-de-repeticão (Grupo GAFE, Globo, Abril, Folha, Estadão), as mídias regionais como RBS, ou estaduais como Estado de Minas (MG), Rede Gazeta (ES), etc., um povo não pode adquirir consciência da realidade e se permite massacrar pelos que, de fato, governam – banqueiros, latifundiários e o capital internacional.

Não cumprir o tal preceito que todo cidadão é igual perante a lei, ou transformá-lo em ficção jurídica/constitucional, negar direitos básicos, tem sido uma constante de governos. 

Avanços paliativos não levam às mudanças estruturais que o Brasil necessita e pouco a pouco vamos nos transformando num entreposto do capital internacional, vamos virando parte do plano “Grande Colômbia” concebido pelos senhores do mundo, EUA e Israel.

A morte da professora Cremilda Fernandes tem essa dimensão; causa esse impacto vivo na lição de luta que deixa. Uma brasileira do Espírito Santo, 72 anos, indo às ruas por direitos que a tal lei lhe assegura.

A professora Cremilda é, ela sim, um símbolo, como todos os trabalhadores, que indignar-se é ir à luta e a luta é nas ruas, é o caminho. Fora dos clubes fechados dos amigos e inimigos cordiais que dominam o Estado-instituição.

É necessário entender também que a corrupção é inerente, parte inseparável do capitalismo, aqui ou em qualquer lugar do mundo.




Laerte Braga é jornalista de Juiz de Fora/MG

terça-feira, 19 de janeiro de 2016

PODE SIM, DONA DESIDÉRIA!


Por José Ribamar Bessa Freire


Ninguém o chamava pelo seu sonoro nome de batismo: Rodolfo Dias. Para todos os efeitos era o Dasaguão, apelido proveniente do Departamento Das Águas, onde labutava como encanador na Estação do Bombeamento, lá na Ponta do Ismael.

Morava em Aparecida, bairro de Manaus no qual se vive um tempo mítico.

Já disse, mas como ninguém me escuta, repito: tudo o que acontece e ainda vai acontecer no planeta já ocorreu nas quinze ruas ou nos treze becos do bairro, como o que agora te conto, que pode ajudar a entender a atual violência nos Estados Unidos.

O filho primogênito do encanador – o Dasaguinha – era menino problemático, encrenqueiro, brigava diariamente, vivia todo esfulepado, cheio de cicatrizes adquiridas nas guerras travadas nas trincheiras dos becos.

Foi expulso em 1955 do Grupo Escolar Cônego Azevedo porque aos oito anos, com uma baladeira, atirou um arrebite quebrando a cabeça do Geraldo Pimbinha, que desmaiou, mas foi socorrido a tempo no SAMDU que ficava ali na Joaquim Nabuco.

Dona Desidéria, sua mãe, magérrima e anoréxica, ficou horrorizada:

– Não sei de onde esse menino tirou tanta agressividade – disse a mãe em depoimento à Polícia, no velho Casarão da Mal. Deodoro.

Ela não sabia? Santa Desidéria! Não relacionou o comportamento do filho com o do pai, que dias antes, com uma chave inglesa, causara lesão grave no Fernando Gogó.

Desaguão era devoto da cachacinha produzida no Beco da Bosta (o que motivou a mudança do nome daquela artéria – artéria é ótimo – para Beco da Indústria). Quando ficava de porre – e ficava um dia sim e o outro também – virava uma fera. Deixava de ser o cidadão cordial e prestativo que consertava torneiras dos vizinhos. Cheio do chá, esquecia canos, tubos, redes hidráulicas e saía pra porrada com Deus e o mundo.

Eis o que eu queria dizer. O Bairro de Aparecida é um retrato da sociedade americana, com uma diferença. Seus 6.996 moradores vivem em 2.222 casas, mas nenhum deles pode comprar armas legalmente, ao contrário da pacata cidadezinha de White Pine, no Tennessee, cujos 2.196 habitantes guardam armas nos 828 domicílios aonde residem.

No sábado (3/10), a população diminuiu. Um menino de 11 anos matou a tiros a vizinha de 8 anos, McKayla Dyer porque ela não o deixou brincar com seu cachorro de estimação. Alienado e perplexo, o xerife W. McCoig declarou:

– O menino é normal, não tem qualquer problema mental. Espero que nunca mais ocorra esse tipo de violência.

Espera sentado, porque vai ocorrer. Está ocorrendo. Todos os dias. O menino é normal, a sociedade onde ele vive é que não é.

O assassinato de uma criança por outra chocou o mundo, mas não é fato isolado. Recentemente foram vários massacres.

Christopher, 26 anos, matou nove pessoas numa escola de Oregon. Dylann Roof, 21 anos, assassinou outras nove numa igreja na Carolina do Sul. Adam Lanza, 20 anos, invadiu uma escola primária em Sandy Hook, disparou mais de 100 tiros e matou 28 pessoas, entre as quais 20 crianças entre seis e sete anos de idade.

Nos últimos mil dias, nos Estados Unidos, foram 994 ataques como esses, que mataram 1.260 pessoas e feriram mais de três mil, numa assustadora banalização da morte.

Na Nothern Arizona University, Steven Jones, 18 anos, matou um colega e feriu três; em Houston, o campus da Texas Southern University foi interditado, após tiroteio que deixou um morto e um ferido. Tiroteios em Denver, no Colorado e em Gret Falls, Montana. Tudo isso nessa sexta.

– É uma situação muito triste que ninguém pode explicar – disse o xerife do Tennessee.

Pode sim, dona Desidéria! Basta relacionar o fato de Tennessee com outro ocorrido no próprio sábado (3/10), na mesma hora, na cidade de Kunduz, no Afeganistão, quando ataque aéreo americano bombardeou um hospital mantido pela ONG humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), matou 22 pessoas e feriu 37: médicos, enfermeiras e pacientes, entre os quais três crianças.

– A decisão do ataque aéreo foi nossa, da cadeia de comando americano, mas atingiu o hospital por um erro. Lamento profundamente a perda de vidas inocentes. Nunca atacaríamos intencionalmente uma instalação médica protegida – declarou o general John F. Campbell, comandante das tropas da OTAN no Afeganistão.

O fipilhopó - Traduzindo na língua do “p”, o general é um fipilhopó da putapá. Premeditou o ataque. Achava que havia talibãs malocados no hospital e decidiu demoli-lo com bombas, “o que é um crime de guerra e exige investigação independente”, declarou a médica Joanne Liu, presidente da MSF.

O general Campbell, que pratica terrorismo de Estado, é um Desaguão? A Pátria dá mau exemplo ao Desaguinha do Tennessee? Parece que o cidadão comum acaba se espelhando na máquina de matar montada pelo complexo industrial-militar.

O presidente Obama confessou sua impotência diante da Associação Nacional de Rifles (NRA), que controla a bancada da bala no Congresso, tem quase 5 milhões de membros pagantes e impede qualquer regulamento de posse e uso de armas nos Estados Unidos.

Se o Geraldo Pimbinha fosse Gerald Little Cock, em vez de um arrebite de baladeira, teria pegado um tiro nos cornos. Welcome to city of White Pine.



José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio).