domingo, 12 de março de 2017

DECEPÇÕES A GRANEL


Em períodos de exceção como na década de 30 com o crescimento nazista, ou no período militar no Brasil, é muito fácil quebrar a cara quando se deposita esperanças de resistência em individualidades.



Os processos revolucionários são sempre coletivos, jamais individuais.



O autoritarismo não procura apenas eliminar os opositores, busca também coopta-los.



Como o regime detém as formas mais fáceis de promoção pessoal e abre portas com as chaves da truculência, torna-se sedutor apoia-lo tendo em mente o que pode se reverter em benesses pessoais, e não se trata aqui, uma questão de dinheiro, mas de estima.



O nazismo perseguiu intelectuais que o combatiam, mas antes, tentava traze-los para o seu lado, seduzindo-os de todas as formas além do econômico. Com alguns obteve exito, com outros não.



A mesma coisa foi feita pelo franquismo, salazarismo, etc.



Médice tornava-se muito mais simpático fazendo embaixadas depois de garantir prêmios vultosos aos atletas campeões da Copa de 70.



Por isso, é saudável que aqueles que contestam a dominação pela força não se entusiasmem em demasia pelos lampejos da intelectualidade. O desencanto mora ao lado enquanto os autoritários e todo seu poder de criar carismas tiverem como comprar simpatias.



É claro que dói profundamente ver um intelectual até então identificado como opositor de tudo de errado que está acontecendo na vida política brasileira, na mesa em alegre confraternização com um juiz identificado com essa situação.



É duro e desagradável, mas não pode ser considerado uma surpresa.



Bom mesmo é evitar julgamentos definitivos e acreditar que as luzes individuais podem ser maiores que as trevas de nossas pequenezas. Cada um sabe onde lhe aperta o sapato e onde seus interesses individuais podem se tornar maiores que os coletivos.



Melhor a brandura de aceitar que essa lógica do opositor que se torna simpatizante como sendo um fenômeno universal no mundo das lutas pela democracia e pela justiça que invade a vida privada dos que se destacam e se tornam ícones de alguma forma de resistência.



Todo aquele que embasa sua opinião sobre ideias verdadeiros de igualdade jamais aceitará mudar de time.



Quem não tem esses ideais terá outras prioridades.



Aos que lutam pela verdade as compensações as vezes chegam em conta-gotas e as decepções à granel.



Prof. Péricles

sábado, 11 de março de 2017

AS UTOPIAS NOS FAZEM CAMINHAR


Quando escala uma montanha, sempre tem aquele momento em que, cansado, o alpinista senta numa pedra e ofegante olha para o caminho já percorrido. Aparentemente já foram tantos desafios superados, pensa ele, muitos metros vencidos, caminho feito.

Mas, em seguida seu olhar recai sobre o caminho que ainda falta e, é quando ele percebe que por mais que tenha subido, muito ainda falta para subir. O caminho pedregoso e íngreme que se apresenta parece sempre ser maior do que aquele que já foi superado.

É nesse momento que acontece uma espécie de decisão interior.

Prosseguir, pelo que parece ser o insuportável caminho que ainda falta, ou descer, retornando ao ponto de partida, para finalmente poder repousar e encerrar o sacrifício.

A busca por nossas utopias, muitas vezes aparece assim, diante de nossos olhos, não os físicos, mas, sensoriais.

Quanto já percorremos? Rememorando todas as dificuldades parece que muito foi vencido, mas, ao perceber a luta que ainda tem pelo caminho o desânimo é quase automático.

Vale a pena continuar?

Não seria mais fácil descansar, retornar às origens, subir as arquibancadas e apenas torcer pela escalada alheia?

Afinal, para que servem as utopias se estamos sempre em busca sem alcança-las plenamente, perguntaram a Eduardo Galeano, que, de forma serena respondeu que, as utopias servem para nos fazer caminhar.

Se as utopias não são sonhos, mas ideais que se busca transformar em realidade, então, buscamos o cume, a amplitude de nossos ideais com a possibilidade de que jamais sejam atingidos? Vale à pena todo esse longo caminhar?

De certa forma as respostas podem ser muito diferentes umas das outras.

O que moveu jovens de uma geração inteira a lutar contra um exército bem equipado e bem treinado, além de seus mecanismos de repressão repleto de torturas e torturadores apoiados até pelos Estados Unidos?

Sem dúvida era uma luta desigual e impossível de ser vencida, então, o que moveu seus corpos e mentes na ânsia desesperada por uma vitória impossível?

Consta que na Guerrilha do Araguaia, em certo momento, no coração da floresta, um oficial do exército colocou seus homens diante dos corpos de meia dúzia de guerrilheiros mortos e disse que sonhava que, um dia, eles tivessem a metade da coragem e da dignidade daqueles mortos.

O que fez de jovens estudantes universitários que mal conheciam arma de fogo, lutadores tão renhidos a ponto de serem elogiados post mortem por um comandante militar profissional?

Provavelmente a mesma coisa que faz hoje milhões de pessoas se organizarem de alguma maneira para lutar contra o despotismo do congresso/mídia/sistema jurídico... a indignação diante da injustiça.

A vergonha na cara pode mover mundos e empilhar estrelas num cantinho de um universo paralelo e nem todo o poder da máquina de construir mentiras é capaz de ser mais lúcido do que o olhar de um inocente que pede justiça.

Sigamos então, enquanto o tempo não fecha derradeiramente nossos olhos ou curvarem as pernas que movem montanhas.

Lutar é preciso, não para ir para outro ponto, mas para permanecer seguindo em frente.

É a dignidade das utopias que exige mais até do que pensamos ser capazes de fazer.



Prof. Péricles

quinta-feira, 9 de março de 2017

O HOMEM ESCOLHEU O PESADÊLO


Por Maria Lúcia Dahl



Estive pensando muito na minha geração, da qual fui fã e tiete. Admirei e defendi ardorosamente toda a sua virada de mesa dentro de um contexto geral: político, social, sexual, bissexual, feminista, libertário e até na revolução da moda, das saias, dos cabelos, reflexo imediato do pensamento revolucionário.

Mas agora, depois de essa mesma geração estar no poder comecei a repensar nossas atitudes.

Para mim, 68 não tinha erro, embora fosse uma geração experimental e nem toda experiência seja fadada ao sucesso, mesmo que eu continue achando muito melhor tentar do que ficar parado, até prova em contrário.

Quando o pai da minha filha, líder estudantil e exilado político, discursava na Cinelândia, ao lado de Vladimir Palmeira, dizendo: “ Nós vamos tomar o poder”, eu me preocupava, porque os achava jovens demais, sem experiência nem prática, apenas terminando a faculdade.

Então, trinta anos depois, quando finalmente tomamos o poder, pensei: “ agora tudo vai dar certo. Está todo mundo mais velho, mais sábio, mais experiente e amadurecido em suas ideias. O que eu não podia imaginar era que, pelo menos a maioria não pensava mais daquele jeito.

Como posso admitir que alguém vá preso e torturado por um ideal se realmente não acredita nele acima de tudo?

Ninguém é crucificado pra ficar rico, privando o povo de escolas, hospitais, aposentadoria, dignidade. Isso pra mim não bate. Ou se está de um lado ou de outro.

Será que, diferentemente do que eu achava, se tivessem tomado o poder quando jovens, teria sido diferente? Que só jovem tem ideologia? Que com a idade troca-se a ideologia pelo poder? Que a força da grana, como diz Caetano, ergue e destrói coisas belas?

Que éramos apenas sonhadores, como dizia Bertolucci? Libertários na ficção, na imaginação e que a teoria, na prática era outra?

Por um momento fiquei confusa, até constatar que continuo acreditando nos mesmos valores: democráticos, políticos, sociais, bissexuais, feministas, libertários. Continuo acreditando em “liberdade sem medo”, que era o lema de Summerhill, o que havia de mais amoroso e avançado em matéria de educação, continuo acreditando no amor e na paz como condições definitivas para o progresso, continuo apoiando a verdade contra os fingimentos da década de 50, cheios de garçonnières, esconderijos, traições, mentiras.

Mas infelizmente, não acredito mais no ser humano. Não era o pensamento nem o ideal da minha geração que estavam errados, ambos estavam certíssimos, e não tenho dúvidas de que pertencia a uma juventude que queria mudar o mundo de verdade.

Não acho que tenhamos sido apenas sonhadores. Nossa teoria estava certa e o sonho só acabou, como disse Lênin e depois Lennon, porque o homem continua bárbaro e não evolui um segundo da Idade da Pedra, até agora, em matéria de consciência. Prefere a guerra, o desamor e o sofrimento em nome do dinheiro e do conforto.

Mas que conforto, se o feitiço virou contra o feiticeiro?

Quem espalha miséria, sofrimento, escravidão, receberá tudo isso de volta. É a lei do retorno, da consciência, dos atos. Para que vivêssemos em paz, bastaria amar o próximo como a nós mesmos. Por isso acho que não foi Summerhill que errou em dar liberdade sem medo às crianças não é a opção sexual que nos faz melhores ou piores, mas o fingimento, a mentira.

Tudo o que não for verdadeiro sairá do fundo do poço, felizmente sobrando a esperança, como na caixa de Pandora. Basta saber o que fazer com ela.

Porque não foi o sonho que acabou, mas o homem que escolheu o pesadelo.



Maria Lúcia Dahl , atriz, escritora e roteirista.

terça-feira, 7 de março de 2017

DO QUE SÃO FEITOS OS SONHOS?


Talvez seja difícil para alguns comentar sobre seus sonhos.

Para outros pode até parecer os sonhos desapareceram com a idade ou diante das preocupações de cada dia.

Alguns, até mesmo, evitam assumi-los ou reconhecê-los.

Difícil é acreditar em alguém que não os tenha.

Do que afinal são feitos os sonhos? Ou melhor, de que matéria são feitos?

O extraordinário William Shakespeare escreveu em 1611, na sua última peça, injustamente menos conhecida, “A Tempestade”, que “somos feitos da matéria dos sonhos”.

Foi assim...

Um poderoso duque de Milão, chamado Próspero, é derrubado do poder num golpe sórdido e covarde liderado por seu irmão Antônio e outros traidores.

Ele e sua pequena filha, chamada Miranda, são colocados num barco sem remos e abandonados à deriva, numa triste noite sem luar.

Mas, pai e filha sobrevivem e chegam a uma ilha completamente desabitada, onde vivem apenas espíritos, isso é, individualidades desencarnadas.

Próspero conhece, entre outros, o espírito Ariel, bom e pacífico, e também Caliban, uma entidade rebelde, vingativa e inquieta. Descobre que tem habilidade para compreender os espíritos e passa a se dedicar a mantê-los sobre suas ordens e influência.

Muitos anos depois ele acredita que chegou a hora da vingança. Provoca, com a interferência dos espíritos, um naufrágio, fazendo com que Antônio, o irmão traidor, Ferdinando, filho do Rei de Nápoles, um dos golpistas que lhe derrubaram, e alguns outros amigos e inimigos chegassem à sua ilha, fragilizados, na condição de náufragos.

Só que as coisas começam a mudar quando Miranda, a filha de Próspero, que desconhecia completamente o passado de seu pai, encontra Ferdinando, e ambos se apaixonam perdidamente.

Entre a vingança e a felicidade da filha, Próspero abandona seus planos, liberta os espíritos e retorna ao convívio dos homens.

No Ato IV, cena I, Shakespeare escreve:

“Criai ânimo, senhor; nossos festejos terminaram. Como vos preveni, eram espíritos todos esses atores; dissiparam-se no ar, sim, no ar impalpável. E tal como o grosseiro substrato desta vista, as torres que se elevam para as nuvens, os palácios altivos, as igrejas majestosas, o próprio globo imenso, com tudo o que contém, hão de sumir-se, como se deu com essa visão tênue, sem deixarem vestígio. Somos feitos da matéria dos sonhos; nossa vida pequenina é cercada pelo sono”.

Se nós somos feitos da matéria dos sonhos e somos nós aqueles que sonham estes sonhos, tão importante quanto o que eles nos dizem é saber de que parte de nós eles são feitos.

De que parte de Próspero eram feitos seus sonhos? Cravejados de vingança, não sobreviveram ao amor da própria filha. De ódio, certamente, não era.

E você, que lê esse texto? Quais são seus sonhos?

Onde eles sintonizam e qual seu verdadeiro lugar?

Do que afinal, são feitos seus sonhos?



Prof. Péricles



Fonte:

Cadernos de Psicanálise (Rio de Janeiro)
Neyza Prochet

A Tempestade
Willian Shakespeare
L&PM, 2002
Tradução Beatriz Viégas Faria

domingo, 5 de março de 2017

UM NOVO 1968 NOS ESTADOS UNIDOS



Trecho de um ótimo artigo da revista Cult, assinado por Sean Purdy (professor do departamento de História da USP), para nos fazer refletir: .



“A primeira grande mobilização do movimento estudantil nos Estados Unidos aconteceu na Universidade da Califórnia em Berkeley em 1964-1965 sobre o direito dos estudantes de organizar atividades políticas no campus, já que, nos anos 1950, os administradores dessa renomada universidade pública haviam banido tais atividades.



No outono de 1964, estudantes abertamente organizaram atos no campus em solidariedade ao movimento negro para desafiar as proibições. O aluno Jack Weinberg foi preso pela polícia e uma manifestação espontânea de 3 mil estudantes cercou o carro da polícia, proibindo-o de partir por 32 horas.



Por dois meses, estudantes continuaram organizando grandes atos e manifestações sob a bandeira do Movimento pela Livre Expressão. Em dezembro, alunos ocuparam o principal prédio da administração da universidade. A polícia entrou e mais de 700 alunos foram presos. Em janeiro, a universidade suspendeu os líderes da ocupação, provocando uma greve estudantil e manifestações amplas que efetivamente fecharam a universidade. Logo depois, a administração da universidade cedeu e atividades políticas foram permitidas no campus”.



Estamos passando por momento semelhante, com uma difusa insatisfação entre os jovens dos EUA e Europa, cientes de que a crise econômica colocará enormes obstáculos no seu caminho para a inserção profissional e sucesso nas futuras carreiras.



Os avanços autoritários pipocam em várias nações e a recém-iniciada presidência de Donald Trump vai na contramão de quase tudo que é belo, digno e justo na face da Terra, ameaçando tanger a humanidade para uma nova Idade Média ou mesmo para o extermínio (em função de seus desvarios ambientais).



Não é utópico trabalharmos com a hipótese de que os EUA novamente se dividirão entre uma embotada e intolerante parcela reacionária e uma ampla frente comum de pessoas esclarecidas e idealistas, dispostas a deter a marcha para a insensatez trumpiana. Sendo que, desta vez, a correlação de forças não será maioria silenciosa x minoria estridente, mas, provavelmente, meio a meio (não esqueçamos que a o apresentador de reality show só ganhou permissão para tocar o terror graças ao estapafúrdio sistema eleitoral estadunidense, pois foi sua hilária adversária quem obteve maior quantidade de votos).



E, com os rigores que se abatem sobre a Europa, tudo leva a crer que uma escalada de protestos estudantis e outras manifestações de inconformismo contra as políticas de Trump repercutirá instantaneamente no velho continente, alavancando o ressurgimento, em larga escala, da contestação jovem.



Um novo 1968 não só é possível, como pode já estar começando.








sábado, 4 de março de 2017

A FRANÇA SEM REVOLUÇÃO


A maior revolução popular de todos os tempos a Revolução Francesa, teve início após uma série de abusos insuportáveis sobre a população mais humilde e sobre a burguesia que na época, estava no mesmo barco que o povão.

Para se ter uma ideia do nível dos abusos, os nobres e o clero não pagavam impostos. Bem assim. Eram isentos, enquanto o terceiro estado formado pela tigrada e pela burguesia pagava todo tipo da tarifação que se possa imaginar.

Em 1788 o inverno foi inclemente e a safra insipiente até para o consumo interno. Por causa disso, a fome se tornou um flagelo entre os miseráveis e o número de idosos e crianças que morreram por inanição, impressionante.

No ano seguinte a revolução explodiu nas ruas.

Não foram os teóricos iluministas que botaram o povão nas ruas para enfrentar uma Guarda Nacional bem armada. Eles apenas deram um empurrãozinho. Foi a fome, o desespero e a vergonha na cara.

Não foi meramente a cobrança de impostos que transtornou até o mais pacato cidadão francês, foi o abuso, foi saber que perto dali as famílias aristocráticas viviam bem e seus filhos e seus idosos, se alimentavam do bom e do melhor.

Alguém já disse que, o Brasil é a França sem revolução.

Temos os absurdos, mas não temos povo nas ruas.

Não temos os iluministas dando empurrões, mas temos uma mídia canhestra empurrando para trás.

Temos um projeto, uma PEC que é abominada por bem mais da metade da população e ao mesmo tempo um Congresso que aprova a mesma PEC como se o povo não existisse. Como se o Parlamento não devesse representar maioria.

Um pastor ordena que seus fiéis ao descobrirem falcatruas da Igreja, troquem de igreja mas não denuncie a falcatrua pois “não é problema seu” e continua livre lépido, solto e ainda ganhando dinheiro.

Um processo de impeachment abandona qualquer tipo de análise sobre a existência ou não de ilícito e, simplesmente matematicamente somando votos de partidos contra o governo derrubam uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos e tudo continua na boa.

Um juiz abandona qualquer imparcialidade a ponto de ser fotografado ganhando prêmio e trocando sorrisos e confidências com um político rei de delações sobre corrupção. E nada acontece.

Outro, candidato ao Supremo Tribunal, antes de ser sabatinado, promove uma festa particular num barco, com aqueles que julgaram sua admissão ou não, e tudo bem...

Nem mesmo a mortandade infantil absurda nos falta. Nem a violência contra os humildes e as ditas, minorias.

Temos o palco e os atores, mas não temos a revolução da vergonha na cara.

Mas, temos carnaval.

Temos carnaval e a Portela, finalmente campeã outra vez.

Claro, nossa alegria dá um porre na tristeza por quatro dias.

O circo de Otávio no reinado de momo.

O Brasil é a França sem a Revolução, ao que parece.

Muito confete e serpentina





Prof. Péricles