quarta-feira, 7 de setembro de 2016

DO LUTO À LUTA


Por Maria Fernanda Arruda

Inevitável a tristeza e a dor pela traição cometida, pela certeza de que as instituições políticas e os políticos apodreceram e exalam o odor de catacumbas.

Que sejam sete dias de luto fechado, ou o tempo que o ânimo de cada um solicite. Mas, passemos do luto para dias de luta.

Em 1964 as elites brasileiras foram orientadas a caricaturar um golpe de força, fantasiando-o de “revolução”, de tal sorte que as instituições políticas usassem a máscara que cobriria as feições medonhas da ditadura.

Hoje, atoladas no formalismo jurídico, que precisa o quanto antes ser substituído pela verdade, as mesmas elites, já senhoras do Congresso Nacional, assumem a mentira militante, senhoras dos meios de comunicação há muito tempo.

Em 2018 teremos eleições, e a vontade do povo terá que ser lavrada em ata e cumprida; ou então os canalhas, canalhas, canalhas farão cair as suas máscaras.

Não há tempo a perder: à luta, camaradas! Formemos os nossos batalhões. E que se ponha em primeiro lugar a palavra da presidenta, pois ela será a Estrela Guia.

O Brasil paga o preço de 20 anos de Ditadura, de aviltamento do ensino, de despolitização de gerações. Uma tarefa miserável, que os meios de comunicação aprofundaram. O Brasil paga ainda o preço das terríveis injustiças sociais, que os governos trabalhistas de Lula e Dilma atenuaram muito, mas que não puderam solucionar em tão pouco tempo enfrentando toda a oposição das elites.

O resultado está agora exposto aos olhos de todos nós: o Congresso Nacional, fazendo-se o abrigo da canalhice, foi eleito por nós. Esse o problema que nos desafiará a analisar, a encontrar a sua solução. 

O que deve ser a Democracia no Brasil? Ela deve e precisa seguir os cânones construídos séculos atrás? A nossa Democracia deve necessariamente repousar no Estado composto de três poderes independentes? Como compatibilizar o Capital e a Liberdade dos Povos?

O novo mundo político precisa nascer democrático, isso é, precisa ser construído pelo povo. E a nós, o que competirá fazer? Dar-lhe condições para sua conscientização, uma tarefa imensa e um desafio estarrecedor. Não com heroísmos quixotescos, mas a modéstia que nossas competências permitam. Primeira proposta para um ponto de partida: a reforma política.

Todos precisamos ser apóstolos competentes e eficientes, anunciando uma boa-nova, descoberta com e por todos. A perseguição patológica dos canalhas se faz a grande força que colocará Dilma como líder condutora.

Temos necessidade de governantes, não de negociadores de “governabilidade”. E ai fica muito claro que a responsabilidade por erros passados e pela sua correção, com a eliminação das causas, não seja atribuída a Lula, a Dilma, ao PT, a alguns outros partidos políticos, mas seja assumida por nós.

Ensinar ao povo que todo poder vem de sua vontade e que só poderá ser exercido em seu nome é desafio imenso, a ser assumido humildemente, dia após dia, de mãos dadas por todos os que foram privilegiados pela possibilidade de ter consciência e agir guiados por ela.

Precisamos ser milhões e milhões, o mais rapidamente possível.



Maria Fernanda Arruda é escritora, midiativista e colunista do Correio do Brasil.



segunda-feira, 5 de setembro de 2016

TEMER E A VINGANÇA DE HEFESTO



Hefesto era filho de Zeus e de Hera.


Nasceu muito feio, com problemas nas pernas e aparência de anão.


Hera, sua mãe, ficou muito envergonhada de ter um filho deficiente e o jogou no mar, recém-nascido.


Mas foi recolhido e salvo pela dôce ninfa do mar Tétis, mãe do herói Aquiles, que o criou com todo amor.


Hefesto se tornaria deus do fogo, da metalurgia e dos vulcões (Vulcano, em latim).


Tempos mais tarde foi reconhecido como filho de Hera, e a deusa, arrependida, fez de tudo para que o filho feioso voltasse para o Olimpo, seu verdadeiro lar.


Ele não quis voltar imediatamente, mas sabia que seria impossível resistir à pressão dos deuses (inclusive de Dionísio que o embebedou de vinho para convencê-lo).


Mas, antes de dar o braço a torcer resolveu fazer uma pequena vingança contra sua mãe.


Construiu, então, um lindo trono de ouro e mandou entregá-lo à mamãe. Hera, exultante de felicidade, sentou no trono, mas nele, havia milhares de fios transparentes que a seguraram de uma forma que nenhum deus conseguiu soltar.


Chamado com urgência, Hefesto foi ao Olimpo e, antes de libertar sua mãe, aproveitando sua imobilização, usou todo o tempo do mundo para dizer tudo o que tinha trancado na garganta, assim, magoando e humilhando a deusa desnaturada.


O vice-presidente que traiu a parceira política que deveria proteger dentro do correto numa aliança política, finalmente está sentado no trono que, agora sabemos, sempre desejou.


Mas, já deve ter descoberto que milhares de fios invisíveis o prenderão à sua culpa e que, muitos, irão querer amassa-lo com verdades que talvez, ele preferisse não ouvir.


Ele já disse que não aceitaria ser chamado de golpista, mas, já está tendo que ouvir os gritos das ruas que, aos milhares, e de forma crescente, assim o definem.


Já retumbam em seus ouvidos críticas de parceiros de traição, como no PSDB, onde Aécio Neves já reclama de maior diálogo para as reformas que pretende impor ao país.


Estarrecido, já ouve a reação dos trabalhadores e suas centrais sindicais contra a terceirização do trabalho que prometeu fazer aos empresários, cúmplices do golpe.


Terá que ver escrito com tintas cada vez mais fortes o jargão que já toma o país de norte a sul “Fora Temer”.


Michel Temer descobrirá que está preso a fios invisíveis de forma que não poderá, nem mesmo, tapar os ouvidos ou fechar os olhos com as mãos, como aconteceu com Hera, que teve que ouvir todas as verdades que seu filho tinha a dizer.


E esse será apenas um dos castigos reservado aos traidores que terá que provar.



Prof. Péricles

sábado, 3 de setembro de 2016

VITÓRIA DE PIRRO


Quando a direção do PC do B escolheu a região do Araguaia para implantar a guerrilha rural como forma de luta contra a Ditadura Militar, o fez por questões estratégicas, evidentemente. Além de possuir uma geografia onde predominava a selva, cenário ideal para uma guerrilha, também contava o fato de ser uma das regiões mais pobres do Brasil e onde os habitantes eram terrivelmente explorados, sendo expulsos de suas terras por grileiros e capangas.

Além da revolta a Guerrilha levou a politização.

Por isso, depois que o movimento foi definitivamente vencido e extirpado pela força das baionetas (entre 1972 e 1973) um fenômeno aconteceu.

Primeiro se abateu sobre a região e as pessoas um silêncio de pavor. As forças militares e paramilitares implantaram tamanho medo entre os caboclos que ninguém, por um bom tempo, ousava falar na guerrilha e nos guerrilheiros mortos.

Depois, com o passar do tempo, o pavor foi dando lugar a uma enorme revolta. Uma revolta diferente, esquematizada e consolidada pela luta e pela derrota, que serviu como mestra.

Como consequência, formou-se no Araguaia um bolsão de lutas e e revindicações sociais que fazem da região um dos focos de maior resistência à exploração em nosso país.

Lá surgiram sindicatos e organizações como a dos presos e torturados pelo exército durante a guerrilha (uma das táticas dos militares foi prender as pessoas em quantidades e tortura-las para não ajudar a guerrilha). Também se criaram instrumentos de resistência e estruturação do MST.

Isso parece indicar que o povo marginalizado e explorado, quando aprende coisas participação e resistência, nunca mais aceita a exploração anterior.

A vitória dos militares, teve um alto custo e se revelou uma vitória de Pirro.

O rei Pirro, do Épiro, obteve uma vitória militar sobre os romanos na Batalha de Heracleia, em 280 a.C. Ao receber as notícias da batalha e perceber o grande número de perdas humanas teria dito que "outra vitória como esta e estaremos perdidos".

Os golpistas de hoje acreditam que, depondo Dilma e fabricando fatos contra a pessoa de Lula através de casuísmos jurídicos apagarão da memória do país os feitos sociais positivos dos governos de ambos.

Pensam eles que será possível retornar ao patamar anterior em que o povo elegia presidentes em cima de planos falaciosos e enganadores.

Acreditam que nosso povo mais humilde esquecerá os benefícios de programas sociais como o “Bolsa Família” ou “Mais Médicos”, mas estão enganados.

Nossa gente mais distante da educação formal, mas formado na educação da vida não tardará a perceber a diferença entre um governo nacionalista e social de um governo supra nacionalista, privatista e neoliberal.

Por isso, embora aparentemente estejam hoje ganhando, o tempo mostrará que uma coisa é conquistar o poder com o apoio das forças mais poderosas do país, outra é manter esse poder e que algumas vitórias trazem amarguras maiores do que as derrotas.

Mostrará também que nosso povo mudou, e nunca mais será o mesmo.

Quanto a Dilma, sugere-se frase de Fidel Castro diante do tribunal que o julgou após o atentado ao Quartel de Moncada em 1953: “não me importo com seus juízos, a história me julgará”.



Prof. Péricles

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

CARTA DE LULA PARA O MUNDO


São Paulo, 25 de agosto de 2016.

Caro Presidente,

Dirijo-me ao senhor para informá-lo da gravíssima situação política e institucional que vive o Brasil, país que tive a honra de presidir de 2003 a 2010.

Tomo a liberdade de escrever-lhe em nome do respeito e da amizade que existe entre nós, pelos quais sou muito grato.

Orgulho-me de ter conseguido, apesar da complexidade inerente às grandes democracias e dos problemas crônicos do Brasil, unir o meu país em torno de um projeto de desenvolvimento econômico com inclusão social, que nos fez dar um verdadeiro salto histórico em termos de crescimento produtivo, geração de empregos, distribuição de renda, combate à pobreza e ampliação das oportunidades educacionais.

Por meios pacíficos e democráticos, fomos capazes de tirar o Brasil do mapa da fome no mundo elaborado pela ONU, libertamos da miséria mais de 35 milhões de pessoas, que viviam em condições desumanas, e elevamos outras 40 milhões a patamares médios de renda e consumo, no maior processo de mobilidade social da nossa história.

Em 2010, como se sabe, fui sucedido pela Presidenta Dilma Rousseff, também do Partido dos Trabalhadores, que havia dedicado sua vida à luta contra a ditadura militar, pela democracia e pelos direitos da população pobre do nosso país.

Mesmo enfrentando um cenário econômico internacional adverso, a Presidenta Dilma conseguiu manter o país no rumo do desenvolvimento e consolidar os programas sociais emancipadores, prosseguindo na redução das enormes desigualdades materiais e culturais ainda existentes na sociedade brasileira.

Em 2014, a Presidenta Dilma foi reeleita com 54 milhões de votos, derrotando uma poderosa coalizão de partidos, empresas e meios de comunicação que pregava o retrocesso histórico do país, com a redução de importantes programas de inclusão social, a supressão de direitos básicos das classes populares e a alienação do patrimônio público construído com o sacrifício de inúmeras gerações de brasileiros.

A coalizão adversária, vencida nas urnas em 2002, 2006, 2010 e 2014, não se conformou com a derrota e desde a proclamação do resultado procurou impugná-lo por todos os meios legais, sem alcançar nenhum êxito.

Esgotados os recursos legais, no entanto, em vez de acatar a decisão soberana do eleitorado, retomando o seu legítimo trabalho de oposição e preparando-se para disputar o próximo pleito presidencial – como o PT sempre fez nas eleições que perdeu –, os partidos derrotados e os grandes grupos de mídia insurgiram-se contra as próprias regras do regime democrático, passando a sabotar o governo e a conspirar para apossar-se do poder por meios ilegítimos.

Ao longo de todo o ano de 2015, torpedearam de modo sistemático os esforços do governo para redefinir a política econômica no sentido de resistir ao crescente impacto da crise internacional e recuperar o crescimento sustentável. Criaram um clima artificial de impasse político e institucional, com efeitos profundamente danosos sobre a vida do país, contaminando o ambiente de negócios, deixando inseguros produtores e consumidores, constrangendo as decisões de investimento. No afã de inviabilizar o governo, apostaram contra o país, chegando até mesmo a aprovar no parlamento um conjunto de medidas perdulárias e irresponsáveis destinadas a comprometer a estabilidade fiscal.

E, finalmente, não hesitaram em deflagrar um processo de impeachment inconstitucional e completamente arbitrário contra a Presidenta da República.

Dilma Rousseff é uma mulher íntegra, cuja honestidade pessoal e pública é reconhecida até pelos seus adversários mais ferrenhos. Nunca foi nem está sendo acusada de nenhum ato de corrupção. Nada em sua ação governamental pode justificar, sequer remotamente, um processo de cassação do mandato que o povo brasileiro livremente lhe conferiu.

A Constituição brasileira é categórica a esse respeito: sem a existência de crime de responsabilidade, não pode haver impeachment. E não há nenhum – absolutamente nenhum – ato da Presidenta Dilma que possa ser caracterizado como crime de responsabilidade. Os procedimentos contábeis utilizados como pretexto para a destituição da Presidenta são idênticos aos adotados por todos os governos anteriores e pelo próprio vice-presidente Michel Temer nas ocasiões em que este substituiu a Presidenta por razão de viagem. E nunca foram motivo de punição aos governantes, muito menos justificativa para derrubá-los. Trata-se, portanto, de um processo estritamente político, o que fere frontalmente a Constituição e as regras do sistema presidencialista, no qual é o povo que escolhe diretamente o Chefe de Estado e de Governo a cada quatro anos.

As forças conservadoras querem obter por meios escusos aquilo que não conseguiram democraticamente: impedir a continuidade e o avanço do projeto de desenvolvimento e inclusão social liderado pelo PT, impondo ao país o programa político e econômico derrotado nas urnas. Querem a todo custo comandar o Estado para apossar-se do patrimônio nacional – como já começa a acontecer com as reservas petrolíferas em águas profundas – e desmontar a rede de proteção aos trabalhadores e aos pobres que foi ampliada e consolidada nos últimos treze anos.

As mesmas forças que tentam arbitrariamente derrubar a Presidenta Dilma, e implantar a sua agenda antipopular, querem também criminalizar os movimentos sociais e, sobretudo, um dos maiores partidos de esquerda democrática da América Latina, que é o PT. E não se trata de mera retórica autoritária: o PSDB, principal partido de oposição, já apresentou formalmente uma proposta de cancelamento do registro do PT, com vistas a proibi-lo de existir. Temem que, em 2018, em eleições livres, o povo brasileiro volte a me eleger Presidente da República, para resgatar o projeto democrático e popular.

A luta contra a corrupção, que é uma mazela secular do Brasil e de tantos outros países, e deve ser combatida de modo permanente por todos os governos, foi distorcida e transformada em uma implacável perseguição midiática e política ao PT. Denuncias contra líderes de partidos conservadores são sistematicamente abafadas e arquivadas enquanto acusações semelhantes a qualquer personalidade do PT tornam-se de imediato, à revelia do devido processo legal, condenação irrevogável na maior parte dos meios de comunicação.

A verdade é que o combate à corrupção no Brasil passou a ser muito mais vigoroso e eficaz a partir dos governos do PT, com o respeito, que antes não existia, à plena autonomia do Ministério Público e da Polícia Federal no exercício de suas atribuições; a ampliação do orçamento, do quadro de funcionários e a modernização tecnológica dessas instituições e dos demais órgãos de controle; a nova lei de acesso à informação e a divulgação das contas públicas na internet; os acordos de cooperação internacional no enfrentamento da corrupção; e o estabelecimento de punições muito mais rigorosas para corruptos e membros de organizações criminosas.

Eu, pessoalmente, não temo nenhuma investigação. Desde que iniciei a minha trajetória política e, particularmente nos últimos dois anos, tive toda a minha vida pública e familiar devassada – viagens, telefonemas, sigilo fiscal e bancário –, fui alvo de todo o tipo de insinuações, mentiras e ataques publicados como verdade absoluta pela grande mídia, sem que tenha sido encontrado qualquer desvio na minha conduta ou prova de envolvimento em qualquer ato irregular. Se a justiça for imparcial, as acusações contra mim jamais prosperarão. O que não posso aceitar são os atos de flagrante ilegalidade e parcialidade praticados contra mim e meus familiares por autoridades policiais e judiciárias. É inadmissível a divulgação na tv de conversas telefônicas sem nenhum conteúdo político, a coação de presos para fazerem denúncias mentirosas contra mim em troca da liberdade, ou a condução forçada, completamente ilegal, ocorrida em março último, para prestar depoimento do qual eu sequer tinha sido notificado.

Por isso, meus advogados entraram com uma representação no Comitê de Direitos Humanos das Nações Unidas, relatando os abusos cometidos por algumas autoridades judiciais que querem a todo custo me eliminar da vida política do país.

A minha trajetória de mais de 40 anos de militância democrática, que começou na resistência sindical durante os anos sombrios da ditadura, prosseguiu no esforço cotidiano de conscientizar e organizar a sociedade brasileira pela base, até ser eleito como o primeiro Presidente da República de origem operária, é o meu maior patrimônio e a ele ninguém me fará renunciar. Os vínculos de fraternidade que construí com os brasileiros e brasileiras na cidade e no campo, nas favelas e nas fábricas, nas igrejas, nas escolas e universidades, e que levaram a maioria do nosso povo a apoiar o vitorioso projeto de inclusão social e promoção da dignidade humana, não serão cancelados por nenhum tipo de arbitrariedade. Da mesma forma, nada me fará abrir mão, como sabem as lideranças de todo o mundo com as quais trabalhei em harmonia e estreita cooperação -- antes, durante e depois dos meus mandatos presidenciais – do compromisso de vida com a construção de um mundo sem guerras, sem fome, com mais prosperidade e justiça para todos.

Agradeço desde já a generosa atenção que o senhor dedicou a esta mensagem e coloco-me à disposição, como sempre estive, para qualquer esclarecimento ou reflexão de interesse comum.

Reiterando o meu respeito e amizade, despeço-me fraternalmente.



Luiz Inácio Lula da Silva

quarta-feira, 31 de agosto de 2016

DILMA E O OLHAR QUE ATRAVESSOU O TEMPO


Por Iana Soares


Em 2011, a revista Época publicou uma foto inédita da presidente Dilma Rousseff aos 22 anos, durante interrogatório em um tribunal da Justiça Militar, em novembro de 1970. Ao fundo da cena, dois militares tapavam o rosto para a História.

A menina tinha sido torturada durante 22 dias e estava lá: olhar altivo, pescoço erguido, mãos apertadas.

O drama alcança o ápice e, na polissemia da imagem, faz caber a leveza de quem fez, do corpo violentado, um lugar forte. O punctum de Barthes está nos olhos e afeta quem permanece diante da fotografia.

Nestes dias, o fotógrafo Lula Marques postou uma imagem das duas Dilmas.

O ângulo escolhido aproximou quase cinco décadas. A guerrilheira e a presidente habitam a mesma sala, nessa magia esquisita que nos faz passear pelo tempo, meio zonzos e sem entender o que nos trouxe até aqui.

Na pausa de um discurso, observamos, em 2016, os olhos daquela menina.

O corpo da presidente atravessou os anos para encontrar-se agora com o avesso da História, que talvez seja a mesma. Eterno retorno.

Ontem ela discursou para 81 senadores e milhões ao redor do mundo.

Os rostos já não estão escondidos: muitos dos que a julgam são alvo de denúncias e processos de corrupção. O silêncio conivente parece maior que os gritos de quem brada contra o absurdo.

Eduardo Cunha, disparador do processo de impeachment, foi cenicamente afastado da Câmara, mas segue impune. Cínicos, soltarão fogos, beberão champagne, falarão de vitória.

O dia amanhece estranho.

Há quem sinta a profunda tristeza da farsa. É golpe.

No entanto, há quem amanheça em festa. Perdemos todos e ainda existe quem queira celebrar.

É preciso retomar as esperanças e reinventar a luta por dias melhores.

Apesar de tudo, amanhã há de ser outro dia, insiste a canção.

O que permanece quando parece que muito foi arrancado de nós?

É preciso seguir, atentos. Pode haver alguma pista naquele olhar que atravessou o tempo.



segunda-feira, 29 de agosto de 2016

RI, PALHAÇO!


Por Luis Fernando Verissimo


Depois da provável cassação da Dilma pelo Senado, ainda falta um ato para que se possa dizer que la commedia è finita: a absolvição do Eduardo Cunha.


Nossa situação é como a ópera “Pagliacci”, uma tragicomédia, burlesca e triste ao mesmo tempo. E acaba mal.


Há dias li numa pagina interna de um grande jornal de São Paulo que o Temer está recorrendo às mesmas ginásticas fiscais que podem condenar a Dilma. O fato mereceria um destaque maior, nem que fosse só pela ironia, mas não mereceu nem uma chamada na primeira página do próprio jornal e não foi mais mencionado em lugar algum.


A gente admira o justiceiro Sérgio Moro, mas acha perigoso alguém ter tanto poder assim, ainda mais depois da sua espantosa declaração de que provas ilícitas são admissíveis se colhidas de boa-fé, inaugurando uma novidade na nossa jurisprudência, a boa-fé presumida.


Mas é brabo ter que ouvir denúncias contra o risco de prepotência dos investigadores da Lava-Jato da boca do ministro do Supremo Gilmar Mendes, o mesmo que ameaçou chamar o então presidente Lula “às falas” por um grampo no seu escritório que nunca existiu, e ficou quase um ano com um importante processo na sua gaveta sem dar satisfação a ninguém. As óperas também costumam ter figuras sombrias que se esgueiram (grande palavra) em cena.


O Eduardo Cunha pode ganhar mais tempo antes de ser julgado, tempo para o corporativismo aflorar, e os parlamentares se darem conta do que estão fazendo, punindo o homem que, afinal, é o herói do impeachment. Foi dele que partiu o processo que está chegando ao seu fim previsível agora.


Pela lógica destes dias, depois da cassação da Dilma, o passo seguinte óbvio seria condecorarem o Eduardo Cunha. Manifestantes: às ruas para pedir justiça para Eduardo Cunha!


Contam que um pai levou um filho para ver uma ópera. O garoto não estava entendendo nada, se chateou e perguntou ao pai quando a ópera acabaria. E ouviu do pai uma lição que lhe serviria por toda a vida:


– Só termina quando a gorda cantar.


Nas óperas sempre há uma cantora gorda que só canta uma ária. Enquanto ela não cantar, a ópera não termina.


Não há nenhuma cantora gorda no nosso futuro, leitor. Enquanto ela não chegar, evite olhar-se no espelho e descobrir que, nesta ópera, o palhaço somos nós.




Luis Fernando Veríssimo, escritor gaúcho.