domingo, 19 de fevereiro de 2017

MUITOS AJUDARAM TRUMP A VENCER



Por Antonio Tozzi


A eleição presidencial americana teve interferência externa, segundo fontes da CIA – a principal agência de espionagem dos EUA. De acordo com as informações recolhidas pelo órgão do governo federal, hackers baseados na Rússia entraram no website do DNC (Comitê Nacional Democrata) e pegaram emails do partido para detonar a candidatura de Hillary Clinton denunciando esquemas internos, dedurando doadores, enfim, produzindo todo tipo de informações negativas para prejudicar a ex-secretária de Estado do governo Barack Obama.

A tática funcionou. Para surpresa da maioria dos especialistas e institutos de pesquisas, Donald Trump acabou prevalecendo no Colégio Eleitoral, apesar de Hillary Clinton ter recebido mais votos. Ou seja, fosse eleição direta, ela teria vencido a eleição.

A reação do presidente Barack Obama à interferência indevida dos russos foi a expulsão de alguns diplomatas e espiãos russos durante as festas de final de ano. O presidente russo Valdimir Putin demonstrou seu desagrado, porém preferiu não exercer o direito de reciprocidade e manteve o pessoal do corpo diplomático dos EUA na Rússia.

Putin, que vem se transformando em um dos homens fortes do planeta, prefere apostar no bom relacionamento entre ele e Trump. Os dois governantes não escondem a admiração mútua. Na verdade, mais do que admiração, há vários interesses em jogo. E isto pode ser bom ou ruim para o mundo, dependendo do ponto de vista.

Um exemplo claro é a nomeacão de Rex Tillerson, ex CEO da Exxon Mobil, para o importante cargo de secretário Estado. Todos sabem que a Exxon teve os bens congelados por causa da invasão da Crimeia por parte das tropas russas, em consequências de embargos. O atual governo americano manifestou estar alinhado à Ucrânia – região onde está localizada a Crimeia – e consequentemente gerou descontentamento de Putin e dos membros de seu gabinete.

A guerra na Síria também colocou EUA e Rússia em lados antagônicos. Enquanto o governo americano passou a fornecer armamentos para os rebeldes sírios que lutam pela deposição de Bashar Al Assad, o governo russo decidiu apoiar integralmente o ditador sírio e suas forças armadas entraram com tudo no conflito para dizimar os guerrilheiros rebeldes e, de quebra, destruíram completamente a cidade de Aleppo.

Para o mundo, ter Putin e Trump à frente das duas potências não é bom presságio. Putin é frio, calculista e não mede esforços para conseguir seus objetivos. E ele não esconde de ninguém que pretende fazer da Rússia novamente uma potência temida, após o desmantelamento da antiga União Soviética. Se necessário for, ele colocará tropas para reconquistar territórios que julga pertencerem à Rússia como Ucrânia, Letônia, Lituânia e outros vizinhos que hoje constituíram-se em países independentes. Além disto, aliar-se à Síria e ao Irã garante o acesso a países fornecedores de petróleo.

Trump, por sua vez, aliou-se à alt right (direita alternativa) que repudia todo esforço empreendido por Obama em busca de energias alternativas baseadas em fontes renováveis. Tanto que seu governo está recheado de simpatizantes de fontes poluidoras como petróleo e carvão mineral.

Além disso, Trump prefere manter com Putin um relacionamento de respeito mútuo, ou seja, não quer interferir nos planos expansionistas do governante russo e pretende concentrar seus esforços no plano doméstico. Entretanto, este tipo de atitude não funciona para os EUA, pois a condição de maior potência do mundo exige sua presença em locais onde as pessoas estão sendo dominadas e, claro, os interesses americanos estejam ameaçados.

Portanto, por enquanto, Putin e Trump estão afinados no discurso de que Obama, Clinton e os democratas estão apenas buscando um bode expiatório pela derrota. Todavia, não se pode esquecer os papéis criticáveis desempenhados por Edward Snowden, Glenn Greenwald e sobretudo Julian Assange neste tabuleiro.

Eles que são – ou eram – exaltados por representantes da esquerda norte-americana contribuíram decisivamente para a derrota de Hillary Clinton e para a vitória de Donald Trump, que reúne o que há de mais abjeto em termos de direita raivosa.

Só nos resta aguardar como será o mundo sob controle de uma pessoa que não parece cultivar a temperança.




Antonio Tozzi revisor, repórter e redator do extinto Jornal da Tarde. Free lancers para diversas publicações. Nos Estados Unidos, foi editor chefe de publicações como Florida Review e AcheiUSA,.

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

LÁGRIMAS E SORRISOS DE DEMÉTER



Deméter, deusa da agricultura e da fertilidade que os latinos chamavam de Ceres, teve uma filha com o poderoso Zeus.

A filha de Deméter e Zeus chamava-se Perséfone, uma jovem linda como uma aurora ensolarada, tornou-se deusa das ervas e frutos.

Sua beleza provocou a paixão ardente de Hades, irmão de Zeus e senhor do mundo inferior e dos mortos.

Hades era um deus que sofria enorme complexo de rejeição, pois, ao contrário dos irmãos Zeus e Posseidon, que eram amados pelo povo, ele se sentia esquecido e muito mais temido do que venerado.

Loucamente apaixonado e achando que não suportaria um “não” da linda Perséfone, deixou a conquista de lado e partiu para o sequestro mesmo, levando a amada para o seu reino das sombras, onde seria, por toda eternidade, sua rainha.

Deméter e Perséfone, mãe e filha, eram extremamente ligadas e a deusa da agricultura, não podendo desafiar o poder de Hades, entrou em profunda depressão, motivada pelas saudades.

Triste, chorava incontrolavelmente. Lentamente, o mundo ficou frio e sombrio. Suas lágrimas provocam enchentes. Era o outono e o inverno aos olhos dos gregos.

Os homens passaram a fazer oferendas e a orar para Deméter e para o próprio Zeus, rogando por melhoras no tempo, por mais calor e chuvas regulares.

Preocupado, Zeus buscou ser diplomático, intermediando a inconformidade de Deméter e os interesses de seu irmão sequestrador, com quem não queria briga, de jeito nenhum.

Hades concedeu que sua amada esposa voltasse ao mundo exterior para ver a mãe, mas, apenas por um tempo determinado, ou seja, Perséfone passaria seis meses com a mãe e os outros seis meses com ele, o marido.

Feliz com a presença da filha amada, Deméter voltou a sorrir, o sol a brilhar mais intensamente, e a terra a dar flores e frutos. Era a primavera e o verão, segundo os gregos.

Assim, era a tristeza da separação e a alegria do reencontro da deusa com sua filha que explicava as estações do ano, para esse povo extraordinário.

Penso nisso quando vejo tantas pessoas reclamando que as estações do ano estão confusas, que os invernos estão mais curtos e amenos, o calor mais intenso, etc.

Fala-se em enchentes na América do Sul e Ásia, Tsunamis no Japão, nevascas recordes na América do Norte e desgelo do Ártico e Antártida.

Parece que o acordo entre os deuses foi rompido e Perséfone fugindo dos infernos convive mais com a mãe do que com o marido, fato que deve estar enfurecendo o poderoso senhor das sombras.

Não podemos confirmar se rolou esse barraco entre as divindades, mas que as coisas nos parecem, estranhamente diferentes, parecem.

Roguemos todos nós, pela paz entre todas as criaturas e que as colheitas não sejam as mais sacrificadas castigando justamente os despossuídos, nem as águas cada vez mais raras, nos tornando a vida um intenso inverno.

Ah... pelo menos de minha parte, obrigado poderosa Deméter por teu bom humor. O verão de 2017 está dos deuses!



Prof. Péricles

quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

REFORMA TRABALHISTA RIDÍCULA


Por Tarcísio Lage.


12 horas é pouco quando se nada contra a corrente. 24 horas, quem sabe, avança-se meio metro. O mais provável, quase certo, no entanto, é que se morra de cansaço na jornada.

A reforma trabalhista de Temer vai nesse sentido. É incrível que não se possa enxergar o que está acontecendo nas últimas décadas, não só no Brasil, mas no mundo inteiro. E, infelizmente, medidas esdrúxulas como essa reforma trabalhista do governo são aplicas Planeta afora.

Na Europa, por exemplo, muitos países estão modificando as leis de aposentadoria aumentando a idade para 70 ou mais anos, quando não há trabalho, sequer, para os jovens recém lançados no mercado.

Também não é à toa que a maior parte dos empresários e dos sindicatos picaretas esteja batendo palmas para a reforma. Afinal, eles andam há muito tempo de mãos dadas para atingir seus objetivos: lucro máximo para os primeiros, não importa o que aconteça com o conjunto da sociedade, e privilégios para uma parte da categoria que representam, para os segundos.

A verdade é essa: a civilização do trabalho está morrendo. As tarefas manuais estão ficando restritas a um pequeno número de pessoas, umas especializadas, pequena minoria, e as outras classificas de pau para toda obra com salários de merda.

Engels, o amigo capitalista de Marx, já dizia que a mão humanizou o macaco. A mão, com os cinco dedos, um deles o polegar, o diferencial humano, é o melhor instrumento de trabalho que se conhece na natureza. Pelo menos na porção do Universo conhecido.

O engenho humano, nascido das mãos, desembocou no correr dos séculos em avanços extraordinários. No século passado, o avanço foi extraordinário, época do automóvel, do avião, da cadeia de montagem e, se quiserem dar um grau de patético nesse avanço, da bomba atômica. Mas é no correr deste século que as transformações entraram numa espiral potencializada e que tende a abolir definitivamente o trabalho manual que ficará, quem sabe, reservado a artistas que possam conceber formas fora do alcance das máquinas. Quem sabe?

Quando cheguei pela primeira vez a Europa, no final de 1970, era incrível a força dos sindicatos. Na Grã-Bretanha, onde morei quatro anos, por qualquer reivindicação se paralisavam trens, interrompiam-se serviços públicos e os operários cruzavam os braços nas fábricas. Mais do que isso, pela força dos sindicatos desenvolveram-se partidos sociais democratas fortes como os trabalhistas na Grã-Bretanha, na Alemanha, França (no caso o Partido Socialista), na Holanda, na Bélgica e, não vamos esquecer, o Partido Comunista Italiano. Ainda se acreditava que a classe operária ia ao Paraíso e quem já pensava que seu caminho era a extinção calava o bico.

Na Holanda, onde resido, ainda nos anos 80, falava-se continente afora de uma doença que os conservadores deram o nome de holanditis. A holanditis era a febre de protestos que grassava pelo país. Por qualquer coisa as ruas se enchiam de manifestações embandeiradas com a aderência de sindicatos e organizações sociais diversas.

De repente, no decorrer da última década do século passado, a Holanditis desapareceu, foi extinta, ao mesmo tempo que os sindicatos iam perdendo força. Foi por essa época que teve início, não só na Holanda, mas em quase toda a Comunidade Europeia, a liquidação de grandes conquistas dos trabalhadores, entre elas – talvez a mais importante – a estabilidade no emprego. Criou-se a ideia da flexibilização do trabalho com as reorganizações das empresas.

Segundo a legislação em vigor na época, na Holanda, por exemplo, o trabalhador depois do período de experiência, só podia ser demitido por justa causa. Com as reorganizações, as funções de muita gente foram extintas e, aí, as novas leis flexibilizaram as demissões. Em escala europeia, as dispensas foram de milhões com indenizações precárias e a imensa maioria não conseguiu novos empregos e ficou na rua da amargura na dependência de salários desempregos que tendem a diminuir.

Para o mau dos pecados, a sociedade do bem-estar social – bandeira dos partidos trabalhistas e socialistas – foi para o brejo. Ainda que a ultraconservadora Margareth Thatcher tenha contribuído muito para isso, foram os novos partidos trabalhistas, notadamente com o britânico com Tony Blair, que enterraram definitivamente o sistema. A nova social democracia entrou nos eixos capitalistas talvez porque não tenha mais de contrapor com medidas sociais a propaganda da extinta União Soviética.

A perversidade de tudo isso, a criação de batalhões de desempregados vivendo de migalhas, a produção de riqueza, de bens de consumo, não diminuiu. Pelo contrário, aumentou tanto ao ponto de produzir a crise de 2008, uma crise de superprodução e não de escassez. Nos Estados Unidos vimos o espetáculo surrealista de milhões de casas vazias sem ter a quem alugar ou vender ao lado de milhões atirados nas ruas.

Ora, pois, a reforma trabalhista do governo Temer segue quase ao pé da letra a receita europeia. A flexibilização das horas de trabalho, permitindo que uma pessoa possa ir até 12 horas diárias, é um contrassenso numa sociedade de desemprego crescente. E desumano do ponto de vista pessoal. 12 horas diárias só, e olhe lá, só em tempo de guerra. Ah, mas o trabalhador pode decidir. Mentira. Em caso de necessidade e conveniência a empresa vai exigir e, certamente, conseguirá. Os pelegos, atrás do projeto, estão aí para garantir isso.

Essa reforma das leis trabalhistas é tão ou mais ridícula que a pretensão de congelar, via constitucional, as despesas governamentais por 20 anos.



Tarcísio Lage, jornalista e escritor.

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

DELENDA ESPHAERA EST


No século III a.C. Roma, que surgira como um simples agrupamento de camponeses já dominava toda a península itálica. Chegara então, o grande momento que deveria definir o seu futuro como um grande Império: a conquista das rotas comerciais do mar Mediterrâneo.

Acontece que essas rotas já eram dominadas por outro povo em crescimento, os cartagineses, habitantes do norte da África.

Seguiram-se então as chamadas “Guerras Púnicas” assim chamadas porque os habitantes de Roma, os latinos, chamavam os cartagineses de púnicos, ou seja, fenícios já que a cidade de Cartago havia sido fundada pelos fenícios.

Essas guerras (foram três ao longo dos séculos III e II a.C.) definiram não só o destino dos povos diretamente envolvidos como da própria civilização ocidental, pois, o vencedor iria pintar com suas cores culturais o futuro do mundo.

Roma venceu as primeiras duas guerras, e depois de sua vitória na batalha decisiva de Zama, em 202 a.C., impôs duras condições aos Cartagineses que, dessa forma, perderam muito de sua importância política e econômica, embora mantivessem a independência.

Lenta e silenciosamente, porém, começou a se reerguer dos escombros e, utilizando-se de sua experiência recente de grande potência local passou a cicatrizar suas feridas.

Tornou-se um inimigo em crescimento, silencioso e astuto, na espera do momento da revanche.

Aparentemente, apenas um homem percebeu esse reerguimento e o perigo que Cartago poderia representar no futuro ao poder de Roma: Catão, também chamado de Catão, o Velho.

Esse político foi embaixador romano em Cartago no ano de 153 a.C. e se impressionou pelo renascimento econômico cartaginês. De volta a Roma passou a denunciar obsessivamente esse renascimento que considerava ser o maior perigo para o seu país.

Ficou tão obcecado em fazer seus conterrâneos entenderem o perigo representado por Cartago que, acabava todos os seus discursos, independente do assunto tratado, com a expressão “centerum censeo Carthaginem esse delendam” que significa “quanto ao resto, penso que Cartago deve ser destruída”.

Além disso, era comum iniciar qualquer conversa com “delenda Carthago est”, ou, “é preciso destruir Cartago”.

O Brasil precisa urgentemente de um Catão.

Alguém que de forma obcecada lembre às forças progressistas o tamanho do poder, não de um inimigo externo, mas de um império que reside em suas próprias entranhas.

Alguém que inicie e termine todo o discurso lembrando da necessidade de destruir a Rede Globo.

Não... nada de destruição material, de não ficar pedra sobre pedra como dizia o embaixador romano sobre Cartago, e sim, destruir a imagem de imparcialidade, de instituição interessada no jogo mas que apenas o transmite e não joga.

A Globo joga sim, e joga sujo, sem respeito às regras que, no entanto, utiliza para se defender.

O nosso Catão é necessário diante da enorme dificuldade que ainda temos de superar traumas criados no período militar quando a defesa do direito à informação e a luta contra a censura originaram tabus.

O militante da esquerda se inibe quando pensa em lutar contra uma organização cuja finalidade teórica é a informação independente. É como se lutasse contra algo que defendeu a vida inteira.

Além disso, quase todos alimentam no seu inconsciente uma imagem que mistura lembranças de infância. Pensar na Globo muitas vezes é lembrar as mais doces recordações de tempos antigos, e por isso, muitos recusam-se, consciente ou inconscientemente acreditar em tudo de mal que essa marca representa.

O nosso Catão deve lembrar a todos que essa organização é muito mais do que apenas uma rede de televisão.

É uma rede autoritária de múltiplos tentáculos que vai do jornal impresso ao rádio, da televisão ao mundo da informática. Que seu poder econômico originário de parcerias com os poderosos lhe permitiu a virtual monopolização de um setor tão crucial que já foi denominado de quarto poder, a imprensa.

A maior sabedoria do inimigo é se parecer amigo para confundir e dividir seus adversários.

Essa rede imensamente poderosa foi gestada pela própria Ditadura Militar e apoiou o autoritarismo, elegeu um político até então desconhecido em 1989, presidente da república, interfere diretamente em todas as eleições em todos os níveis desde 1985, e foi fundamental na criação de fraudes como a manutenção do Plano Cruzado para vencer a eleição constituinte de 1986 e, agora, é a maior responsável pelo golpe que derrubou da presidência uma mulher inocente e eleita por mais de 54 milhões de votos.

O que falta para entendermos o que realmente representa a Rede Globo?

É uma missão árdua e espinhosa, mas que alguém da esquerda brasileira terá que assumir.

Uma missão já desempenhada por Leonel Brizola num passado recente e que precisa ter continuidade. Algo que esteja claramente presente em seu discurso político, sem concessões, sem acordos, sem tolerância, como nos discursos de Catão, o Velho.

Para quem acha a missão impossível é importante lembrar que em 146 a.C., na terceira Guerra Púnica, Cartago foi totalmente destruída, deixando de ser a maior ameaça à expansão romana.

Catão tinha razão.







Prof. Péricles

sábado, 11 de fevereiro de 2017

A BESTEIRA É UMA DEFESA


Se nossas vidas fossem movidas apenas por coisas sérias e assuntos úteis, seria uma aflição maior do que já é.

Deveria constar lá na Declaração dos Direitos Humanos – Todo homem tem direito de gastar seu tempo com bobagem quando assim o quiser.

A bobagem, o trivial, a famosa “conversa fora” é o que mantém saúde mental, aliás, tão ameaçada nos últimos tempos.

Sabe aquele momento em que você simplesmente não quer falar nada de assunto sério?

E é bem por isso que, envergonhados, fugimos daquele amigo que, sabemos, irá nos trazer informações úteis, porém preocupantes, no ambiente de trabalho.

Alguns personagens históricos tornaram-se conhecidos por não utilizarem o expediente do “assunto sem importância”.

Napoleão Bonaparte, por exemplo. Dizem que o grande general jamais foi visto fazendo qualquer comentário menos sério, ou numa roda de amigos de como aquela guria era gostosa.

Mas isso foi bom pra ele?

Napoleão era um obstinado em seus objetivos de conquistar a Europa e unifica-la sob seu reinado.

Como o restante da Europa não concordava com ele, sofria de uma gastrite que jamais o deixou em paz, nem nas grandes batalhas, nem quando morreu vítima de câncer (adivinha) no estômago, esse órgão que sofre mais do que os outros com o mau humor.

É linda a imagem que se faz dele contemplando as distâncias sob as pirâmides de um Egito conquistado, mas, confesso que preferia vê-lo falando que “o calor nesse verão egípcio é um saco!”.

Hitler também, nunca foi visto numa postura menor do que a que julgava própria a um Fuhrer, mas esse, todos nós sabemos como terminou.

Hoje em dia, falar bobagens e rir de piadas sem graça não só é aconselhável como uma boa estratégia para suportar a avalanche de besteiras que se pretendem sérias que temos que ouvir, ou ler.

Tipo assim, falar mal do treinador do nosso time ou do juiz, mesmo sabendo que ele tinha razão ao não marcar pênalti a nosso favor, ou por ter marcado, contra.

Salve as besteiras e os assuntos amenos! São eles que impedem a superlotação dos hospícios.

É uma espécie de defesa contra os absurdos a que estamos sujeitos.

Bom fim de semana a todos. Que possamos jogar bastante conversa fora para voltar afiados e dispostos à guerra, na segunda-feira.


Prof. Péricles

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

QUERO SABER


Por Maria Fernanda Arruda


Não estou interessada na peruca do Eike ou no rivotril do Cabral ou na depressão da mulher dele.

Quero saber da morte do Teori.

Da delação da Odebrecht (950 depoimentos de 77 executivos - pronta há meses).

Da delação do Cunha (rasparam a cabeça dele?) e daqueles 200 milhões que disseram ser dele.

Da liberdade de Cláudia Cunha e filhos.

Dos 23 milhões do Serra depositados no exterior.

Do enriquecimento meteórico da filha de Serra.

Das 43 menções ao golpista Temer nas delações e seu cheque propina nominal.

Do terço de Aécio em Furnas - e tudo mais.

Do suicido do policial Lucas Arcanjo em BH.

Da prisão do jornalista Marco Aurélio Carone por 9 meses em BH.

Da liberdade da irmã de Aécio.

Da propriedade de quase meia tonelada de pasta de cocaina voando num helicóptero da família Parrella.

Da propriedade do jatinho que vitimou Eduardo Campos.

Da propina do filho legítimo de FHC.

Do sustento da amante de FHC com dinheiro público.

Dos milhões recebidos por Alckmin.

Das provas contra Lula.

Das provas contra o filho de Lula.

Dos bens bloqueados do Eliseu Padilha.

Das propinas do Moreira Franco.

Das menções do nome Dilma nas delações.

Do roubo da merenda de SP.

Dos desvios no metro de SP.

Do terreno roubado por Doria em Campos do Jordão.

Da sonegação fiscal do vice prefeito do Rio.

Da sonegação milionária das Organizações Globo.

Da propriedade daquela mansão de praia que os Marinhos negam ser os donos.

Da sonegação dos membros da FIESP.

Do bloqueio dos bens de Eduardo Paes.

Do empresariado carioca que chupou mais de 180 bilhões do RJ em isenções fiscais duvidosas em 9 anos.

Dos privilégios absurdos do nosso judiciário.

Etc... e põe etc nisso. E só pra ficarmos nos últimos anos.

Faço questão de não fazer coro com a pauta ditada e imposta por esta mídia canalha por pura conveniência.



quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

O GALO DESAFINADO



Um amigo, nos tenebrosos anos da ditadura militar, passou por momentos terríveis.

Logo após a decretação do “Pacote de Abril”, em 1977, no governo pendular do General Geisel (pendular porque oscilava entre medidas de abertura política e retrocessos) ele foi, literalmente sequestrado, quando saía do colégio onde fazia o segundo grau e era líder do grêmio estudantil, lá pelas 23 hs de uma quarta-feira.

Jogado ao solo de um carro, foi imobilizado sob a mira de um trezoitão, como se dizia naquela época, sendo levado para algum ponto da periferia de Porto Alegre. Durante o trajeto não pode levantar a cabeça e foi ameaçado de morte o tempo todo.

Quando o carro finalmente parou, foi jogado para dentro de uma pequena casa de material, com telhadinho clássico, onde passou imediatamente a ser brutalmente agredido por três e às vezes quatro agressores simultaneamente, enquanto outros dois apenas assistiam. Quando as agressões paravam, um dos “assistentes” fazia perguntas que ele não sabia e outras que ele não queria responder.

Sofreu uns cem números de socos, tapas e telefones, que eram golpes dados com as mãos espalmadas ao mesmo tempo em ambos os ouvidos que davam uma sensação difícil de definir de tão angustiantes (às vezes com saco na cabeça que não lhe permitia ver nada, nem se “encolher” ante o golpe iminente).

A boca ficou tão inchada que adormeceu de forma que ele achava que estava com todos os dentes quebrados, mas não conseguia verificar se era verdade.

Os rins foram tão atingidos por chutes e pisões com o salto de botas que até hoje carregam sequelas.

Seu padecimento durou dias. As pancadarias eram realizadas a qualquer hora e quando ele não estava apanhando era trancado num cubículo totalmente vazio e sem luz onde ficava por um tempo indefinido, imaginando quando seria a próxima sessão de torturas.

Certa feita, lá pela terceira madrugada, sua atenção foi despertada pelo cantar de um galo. Ele lembrou do galo vermelho cantador de sua vó e riu por entender que esse, cantava algo que desafinado. Ficou pensando quem era ela para ser crítico do canto dos galos.

Estabeleceu-se, então, uma estranha relação entre ele e aquele galo desafinado de quem só ouvia o canto. De certa forma, tornou-se seu amigo invisível, como definem as crianças os seus amigos imaginários.

Aquele cantador da madrugada era o único elo de sua razão que ameaçava abandona-lo com o mundo além daquelas paredes lúgubres que, naquele momento, pareciam ser seu túmulo.

A partir de então, até mesmo quando estava apanhando pensava no “seu amigo” e que, mais tarde, ouviria o seu canto novamente e então poderia julgar se estava afinado ou não.

Foi a forma que encontrou para distrair a mente, manter-se calado e não enlouquecer.

Finalmente, sem aviso, foi carregado, já que não conseguia caminhar, até o mesmo veículo que o trouxera, e novamente circulou sem que soubesse para onde iria. Imaginou que seria fuzilado em algum lugar ermo.

Mas, não foi isso que aconteceu. O carro freou em determinado ponto de uma Porto Alegre adormecida na madrugada, e foi jogado na calçada, onde permaneceu semiconsciente, sonhando embolado com a mãe, com o galo, com a avó, a namorada, o mar e outras coisas confusas, sentindo gosto de sangue na boca, até o sol despontar, quando foi visto por transeuntes e alguma alma piedosa pediu socorro, sendo, então, levado para o hospital.

Hoje ele já esqueceu a cara dos agressores e até mesmo o tom maligno de suas vozes, mas não esqueceu o cantar do galo amigo.

Diz que foi sua âncora que o prendeu a realidade e salvou sua lucidez.

Atualmente, predomina uma ciranda de cretinices espalhadas pelos meios reais e virtuais que transformou-se em uma inédita tortura aos que acreditam na justiça social, na solidariedade e no respeito às dores alheias.

São tantos os cânticos de ódio, os hinos ao preconceito, tão absurdas as agressões aos valores mais fraternos e democráticos que necessita-se, urgentemente, de elos e âncoras que finquem as relações saudáveis ao terreno da lucidez política.

Num mundo em que a morte de alguém é comemorada com escárnio é vital renovar a interação com o que é certo e errado e lembrar que o ódio pode enlouquecer.

A fé de que o homem seja majoritariamente bom e que os imbecis são minoria, deve ser a âncora que assegure a sobrevivência da razão sobre o sentimento de vingança.

Todos, os que acreditam no poder do bem, estão precisando de um galo desafinado, para suportar os golpes da prepotência e da covardia e para não esquecer que os que agridem hoje são, os mesmos que agrediram ontem.

Quanto ao galo desafinado, ainda aparece nos sonhos do meu amigo e seu canto enternece como fonte de coragem e esperança.

Muito obrigado, galo desafinado.





Prof. Péricles

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

PRECISAMOS FALAR SOBRE A MISS CANADÁ




Por Nathali Macedo


No século da diversidade, há alguma coisa mais antiquada do que concursos de beleza? Pior: Há algo que faça menos sentido do que eleger apenas uma mulher que represente uma “beleza universal” que simplesmente não existe?

O Miss Universo, maior deles, é mais obsoleto que aparelho de fax. Mais cafona que os quadros de Romero Britto. Mais desnecessário que os tweets de Janaína Paschoal.

Mas a indústria da moda insiste, e esses concursos atravessam os anos, invictos, e se mantêm como um pedaço horrendo de tempos que já deveriam estar superados: Os tempos em que promover a futilidade, a competição feminina e a ditadura da beleza não é só aceito – é lucrativo.

Este ano, o vexame não poderia ter sido maior: A Miss Canadá Siera Bearchell foi duramente criticada nas redes – e pelos apresentadores da Band, Cássio Reis e Renata Fan, é bom ressaltar – por estar supostamente acima do peso. “Ela não tem corpo de miss”, repetiam insistentemente.

Que os concursos de beleza não dão visibilidade a mulheres gordas de verdade nós já sabemos, mas dizer, em pleno século XXI, que uma mulher indiscutivelmente magra está acima do peso é um golpe na jugular. Beira o insano. (Um parêntese: meu manequim é 44 e eu me sinto maravilhosa).

Ter “corpo de miss”, lamento, está fora de moda. A ressignificação da beleza é um sintoma do empoderamento feminino, quer queira a indústria da moda, quer não.

A indústria da moda e a indústria da beleza são, aliás, unha e carne, são quase uma coisa só. Uma colabora com a outra e ninguém sai perdendo – ninguém além de todas nós, é claro.

Quanto, em números, vale a nossa autoestima para a indústria da beleza?

Quantos bilhões ela deixaria de lucrar se todas as mulheres acordassem amanhã se sentindo fabulosas? Quantos shakes milagrosos seriam jogados no lixo, quantas cintas modeladoras teriam de ser incineradas, quantos centros de estética iriam à falência?

Penso, não sem algum pesar, que é esta a lógica cruel da indústria da beleza: Quanto mais nos sentirmos gordas, feias e insuficientes, mais seremos lucrativas. Não importa se isso custa vidas de mulheres anoréxicas/bulímicas, ou das que morrem em procedimentos estéticos mal feitos. Não importa se isso custa a felicidade de quem vive todos os seus anos buscando uma beleza fictícia.

Permitam-me repetir o óbvio: O padrão de beleza não existe na realidade – é criado na mídia, retocado no photoshop e endossado pelos concursos de beleza e blogueiras fitness.

A beleza plástica reverenciada por estes concursos é uma fraude: As mulheres reais – que pagam contas, vão ao supermercado, buscam o filho na creche – nunca chegarão lá, não importa o quanto se esforcem, e não importa o quanto a indústria da beleza procure convencê-las de quem basta que se esforcem. Não basta.

Não basta ser linda, tem que ter barriga de tanquinho e espaço entre as pernas. Concursos de beleza são cruéis demais para aceitarem menos que a perfeição. São verdadeiras máquinas de opressões – que o digam Melissa Gurgel, Miss Brasil 2014, linchada nas redes por ser nordestina, ou Lupita Nyong, vítima de ataques racistas ao ser eleita a mulher mais bonita do mundo pela Revista People no mesmo ano, e, agora, Siera Bearchell.

Quando acordarmos para o fato de que podemos simplesmente recusar este lugar de bibelôs que desde sempre nos impuseram, quando nos convencermos de que beleza não se resume a barrigas chapadas e rostos perfeitos, talvez a “indústria da beleza” compreenda finalmente que somos mais que uma casca.

Comece uma revolução: Ame o seu corpo.

sábado, 4 de fevereiro de 2017

O ESCÂNDALO DO MASSACRE DOS PRESOS


Por José Ribamar Bessa Freire


Mais uma “pérola” acaba de ser atirada aos “porcos”, após o massacre de 56 presos, mortos durante a rebelião que eclodiu no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus, 1º de janeiro, Dia da Fraternidade Universal. 

O escândalo comoveu o mundo inteiro, até o papa Francisco, em Roma, manifestou sua dor. Mas o governador do Amazonas José Mello Merenda achou a preocupação exagerada, afinal entre os mortos “não tinha nenhum santo. Eram estupradores, matadores”, minimizou o governador em declaração à mídia.

Essa justificativa implícita do massacre foi suficiente para empoderar os “porcos”, que começaram a chafurdar sobre a “pérola” em chiqueiros das redes sociais. Um deles aplaudiu o governador Melo-Merenda, acrescentando que “são 60 bandidos a menos, fora de circulação, o que com certeza, traz mais segurança para a cidade“. Uma jovem “porca”, embora dizendo ser contrária às mortes, curtiu e compartilhou, confessando que “cada criminoso preso ou morto diminui os riscos que correm nossos filhos, porque são menos marginais soltos nas ruas”. Será?

A retórica nauseabunda do melo-merendismo joga todo seu peso epistemológico na aparência das coisas. O raciocínio – digamos assim – pretende ser convincente, mas é bem simplório: se não houvesse nenhum assassino, ninguém seria assassinado. Numa sociedade que tem cem assassinos, se sessenta deles morrem, reduz em 60% a possibilidade de homicídios. Os bandidos mortos, afinal, colheram o que plantaram. “É melhor que morram eles, que têm culpa no cartório, do que os nossos filhos, que são inocentes” – postou uma auxiliar de enfermagem.

O Secretário Nacional da Juventude, um tal de Bruno Júlio (PMDB) escolhido para o cargo por Michel Temer, escancarou, aloprou e declarou em sua página pessoal do Facebook aquilo que Temer, Melo Merenda e Alexandre Moraes pensam, mas por enquanto ainda têm vergonha de assumir publicamente: “Tinham que ter matado mais presos, deveria haver uma chacina por semana”. Menos bandidos, mais segurança.

É terrível ser desgovernado nacionalmente e estadualmente por duas figuras execráveis, que investem na aparência das coisas quando garantem que construir mais penitenciárias aumentará a segurança do “cidadão de bem”, que – coitadinho! – acredita naquilo que vê: o sol dando volta em redor da terra. 

Não divulgam as estatísticas que os presídios abrigam cerca de 10% de homicidas e que o restante é formado por ladrão de galinha, vendedores de maconha e outros delitos equivalentes. Só ficam de fora os que desviam recursos da merenda escolar e da saúde.

Por isso, é conveniente destacar a conclusão do desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, Sérgio Verani. Numa postagem, escreveu:

“Por uma Sociedade Sem Prisões! O massacre no presídio de Manaus não será o último. Outras mortes virão, pois a finalidade da pena privativa de liberdade é exatamente a produção da degradação humana, até o aniquilamento da pessoa. A prisão é irreformável e inumanizável, é uma instituição incompatível com a condição humana. Enquanto não ocorrer a sua abolição, o Poder Judiciário e o Ministério Público poderiam contribuir para reduzir esse grande encarceramento”.

“A maior parte das condenações à pena privativa de liberdade poderia ser evitada, sem mencionar as prisões preventivas decretadas sem qualquer fundamentação jurídica. Os juízes e promotores poderiam despojar-se da sua ideologia punitivista, além de garantir os direitos dos presos. Se a prisão não cumpre as garantias da Constituição Federal, do Código Penal, do Código de Processo Penal, da Lei de Execução Penal, torna-se ilegal a prisão, e o preso deve ser solto. Abaixo a ideologia da repressão! Por uma sociedade sem prisões!”.

Dois dias após a postagem do desembargador Sergio Verani e horas após Michel Fora Temer declarar que “não há chances de novas rebeliões em presídios”, ocorreu dia 6, Dia dos Reis Magos, outro “acidente”, outra chacina na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Roraima, com 31 mortos, entre os quais presos provisórios que não haviam sido condenados em instância final de julgamento.

Tal como desejado pelo Secretário Nacional da Juventude, o tal do Bruno Júlio, investigado por agredir a mulher em Belo Horizonte. 

O país pode, no entanto, ficar tranquilo, porque o ministro Alexandre de Moraes jura que “a situação nos presídios não saiu do controle”. Não explicou do controle de quem. 

É esse lixo que governa hoje o país.



José Ribamar Bessa Freire, professor da Pós-Graduação em Memória Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNI-Rio).

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

IRREVERSÍVEL



Sinto uma profunda tristeza ao ler que o estado de D. Marisa é gravíssimo e irreversível.

Irreversível.

Isso quer dizer, sem volta, sem retorno. Não é possível reverter.

Ou, sem esperança de voltar.

Lembro de sua história humilde e de seu sorriso simples nas poucas vezes que apareceu publicamente como primeira-dama, até porque, a mídia detestava divulgar a sua imagem.

Uma mulher do povo que como o seu povo não se sentia inteiramente à vontade circulando nos palácios do poder, nas luzes da ribalta.

Lembro da frase de Lula quando do episódio da sua quase prisão ao dizer inconformado “um pedalinho que ela comprou porque queria dar para os netos”.

Um pedalinho para os netos, no centro do poder, com seu próprio dinheiro. Coisas típicas do nosso povo.

Irreversível. Não volta. Como os pingos da chuva que já caiu. Chuva já chovida.

É tão doloroso quando nos tiram a esperança.

Eu me pego pensando quantas coisas são irreversíveis nesse país.

Por exemplo, o ódio fruto da intolerância, pois, toma conta de todo o ser e se reflete de múltiplas formas em todas as ações do sujeito, sempre criando justificativas para o injustificável. Será irreversível?

Talvez irreversível seja a consciência adquirida pelo povo depois desses 14 anos. Nenhum golpe conseguirá apagar da memória das pessoas que elas possuem direito à felicidade, à educação, à vida digna. Essa consciência tal qual aconteceu no Araguaia depois da guerrilha, jamais poderá ser extirpada por decreto.

E será irreversível o preconceito estampado no olhar daquele deputado racista e homofóbico e de seus seguidores que acham engraçado perseguir pessoas por suas escolhas e origens?

Ou a hipocrisia dos que dizem seguir a doutrina de um homem que foi perseguido e condenado sem provas em Jerusalém e hoje repetem seus carrascos.

Prefiro acreditar que o quadro de D. Marisa não é irreversível e sim, irretocável.

Poucas coisas são realmente irreversíveis...

Humanamente tudo o que acontece agora se reverterá sim, um dia, em poesia, flores e cantos em nome daqueles que dedicaram à vida pela causa dos mais frágeis.

Até mesmo os pingos da chuva evaporam e sobem aos céus para se tornarem chuva novamente. Chuva que será chovida.

A memória de D. Marisa, um dia, quando o golpismo for apenas páginas nos livros de história, se reverterá sim, em canções de luta e na multiplicação de lendas populares.

Se reverterá em gotas de luz na passagem dos espíritos que se preocupam com a dor alheia, para a outra dimensão da existência.

Irreversível, mesmo, só o sentimento de perda e de injustiça que deve preencher os corações de todas as pessoas de bem desse país, com a perda de uma grande mulher do povo.



Prof. Péricles

terça-feira, 31 de janeiro de 2017

O SEGREDO DE LULA



O segredo da força de Sansão, conforme as antigas escrituras, estava em seus cabelos. Num belo dia, sua guria, Dalila, indignada zaaap... cortou seus cabelos e o pobre Sansão virou Sansinho.

A força do deus nórdico Thor estava em seu martelo, do Popeye no espinafre e do He-Man na sua espada mágica.

Parece que todos os fortes possuem um ponto específio, algo mágico em que resida sua força. Pelo menos é assim que se costuma pensar quando não se entende a força alheia.

Lula é um forte. Mas que isso, Luis Inácio é um campeão de carisma e votos, e parece que a turma da "Ponte para o Futuro", por não entender sua força, se pergunta onde afinal está o seu segredo.

Como entender que depois do maior massacre público já organizado contra a figura política de alguém, após centenas e centenas e centenas de capas de revistas e reportagens "bombásticas" dirigidas e francamente contrárias e milhares de horas televisivas, além de  incontáveis boatos e acusações sem provas, Lula ainda apareça na liderança da intenção de votos em todas as pesquisas eleitorais?

Isso supera qualquer lógica. Onde está afinal  força desse homem que já deveria estar execrado e coma prisão pedida pelo próprio povo, que, ao contrário, impede sua prisão?

Parece que não é nos cabelos, nem no espinafre ou em qualquer espada mágica.

Uma boa dica para o entendimento desse mistério pela turma da "Ponte do Futuro" é a origem do objeto.

Martelo, espinafre, espada, são, digamos assim, objetos exteriores ao indivíduo. Despojado o indivíduo dessas exterioridades ele enfraquece.

Mas, a força do sindicalista pernambucano que se tornou presidente não está na exteriorização, e se assim o fosse já estaria despojado pelo STF.

A força de Lula está em algo além dele mesmo, anterior e interior à sua personagem.

Vem dos ideais de fraternidade e na crença da construção de uma sociedade mais justa e esses ideais não são propriedade ou exclusividade dele, ao contrário, são utopias acalentadas por milhões.

Quando algo reside no exterior é mais fácil, afasta-se o indivíduo desse algo e acabou, mas, como afastar Lula do imaginário de igualdade de milhões de miseráveis que com ele descobriram que também são cidadãos e que seus filhos também merecem e podem estudar?

Era nisso que residia a força de Getúlio Vargas, de Jango, de Brizola, de Fidel Castro, de Hugo Chaves, de Mandela.

O segredo de Lula está no povo, e, infelizmente para os autoritários que precisam manter as aparências de uma democracia, é o povo que decide uma eleição presidencial.

Parece que depois de tantas esforços a galera golpista começa a entender isso e é justamente isso que faz que aumente sensivelmente o perigo em torno de Lula, pois, geralmente os donos do poder se equivocam achando que eliminando a pessoa conseguirão eliminar as idéias.


Prof. Péricles

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

O MINISTRO MORTO E O AVISO


Assassinatos políticos são muito complicados, e perigosos.

O atentado que não dá certo pode denunciar seus autores e não apenas destrui quem o organizou mas afetar diretamente os interesses políticos e econômicos que lhe deram causa.

Por isso, apesar das teorias da conspiração, o assassinato político, é um recurso extremo, usado apenas por grupos que têm tanto a perder com a atuação de seus alvo que até vale à pena arriscar e isso, em política, onde inúmeros são os corredores que podem ligar amanhã os que hoje são rivais, é relativamente raro.

O suicídio de Vargas até hoje tem crentes em um assassinato.

Mas, politicamente isso seria totalmente improvável.

Vargas estava isolado, sem apoios significativos, sofrendo até ultimato dos militares para renunciar. Matar Vargas seria como gastar pólvora em caça morta. Arriscar tudo num jogo que já estava ganho.

Já o assassinato por briga na prisão de seu secretário e amigo particular, Gregório Fortunato, alguns anos depois, sim, tem as cores fortes de uma queima de arquivo, já que sua delação poderia arruinar muita gente que havia participado da farsa da Rua Toneleros e não tinha outra maneira de impedir o “Anjo Negro” de falar.

O assassinato político não é um assassinato de bandidos que brigam no botequim. Não é um ato impulsivo.

Interessante mesmo é a morte de João Goulart no exterior.

Jango estava numa situação complexo que justificaria um assassinato assim como não justificaria o risco.

Os donos do Brasil preparavam-se para escancarar o projeto inevitável de abertura política pondo fim à execrável ditadura militar. Jango, voltando, seria uma pedra no sapato dos que buscavam controlar essa abertura, mas, na ocasião não se poderia arriscar até onde essa pedra no sapato poderia ferir ou ser insignificante.

Mistério.

Agora, com a morte do ministro do STF novamente se discute se o acidente fatal foi mesmo um acidente ou se foi um atentado premeditado.

Além de fazer força para levar a sério as investigações que virão as perguntas que se devem formular é: havia algo que o ministro pudesse fazer que atingisse o interesse direto de grupos e que esses grupos não pudessem evitar de outra maneira?

Quem, no meio político poderia se sentir ameaçado pelo ministro? Havia nos processos de que era relator potencial para atingir interesses maiores, digamos mesmo, internacionais? Quais? Ele poderia levar adiante esse potencial ou era “negociável”?

No caso da morte do Ministro, a sociedade deve exigir uma investigação rigorosa, pois há elementos de potência para um crime político.

E se toda a aparência for de um acidente comum é bom lembrar Marx quando dizia “Se a aparência e a essência das coisas coincidissem, a ciência seria desnecessária”.

Para inviabilizar um governo e derrubar uma presidenta eleita, forças poderosas usaram de recursos imensos que prejudicaram até aliados, arruinaram grupos econômicos poderosos como o das construtoras e fabricaram uma crise econômica que teve a colaboração de muita gente.

Talvez o acidente seja apenas e tão somente, um aviso.

Correntes silenciosas movem-se no mar de lama que a política brasileira tem se transformado e vozes silenciosas as vezes gritam, mas é preciso ouvidos apurados para ouvi-las.

Ressentidas por 14 anos sem o poder, que consideraam uma propriedade sua, elas nos avisam: Não esqueçam de quem manda nessa maloca.





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sábado, 28 de janeiro de 2017

A PIOR DAS DROGAS


O primeiro sintoma foi quase imperceptível... uma risadinha, meio de lado e escondida. Mas, ele percebeu e se preocupou. Fora uma piada infame e racista, porque aquela risadinha?

Mas, no segundo sinal ele se assustou de verdade. Foi quando numa noite qualquer ele se percebeu assistindo uma partida de basquete da NBA. Ele nunca gostou de basquete... o que estaria acontecendo?

Depois disso ele teve a primeira crise. Foi num domingo que ele jamais esquecerá.

Assistiu à partida de futebol e mergulhou direto no programa do âncora gordo e sem graça. Até hoje se arrepia ao lembrar sua passividade em permanecer sentado na poltrona enquanto seus olhos, e, pior, sua audição, eram agredidas de maneira tão desumana.

Teve que se arrastar para chegar até o controle remoto em cima da estante para impedir que o programa do final de domingo concluísse a tragédia.

Passou a sentir um misto de vergonha e de medo.

Pensou em pedir ajuda, mas temia os olhares de compaixão que poderia receber.

Um médico, talvez um médico pudesse auxilia-lo. Ele não sabia.

Enquanto temia ser descoberto, uma segunda crise quase acabou com sua sanidade. Num dia da semana que sua memória se recusa a detalhar ele assistiu todo o jornal noturno, que ele lembra bem, ficava entre novelas... oh Deus!.

Tentando evitar o pânico, encheu-se de coragem e, num rompante que lhe custou toneladas de suor, contou tudo para a namorada, uma estudante de psicologia da PUC.

A moça ouviu tudo de boca aberta, nem Freud, nem Jung a prepararam para aquele relato, mas, quando ele terminou, tentou mostrar calma e lucidez. Disse que deveria existir alguma terapia, uma simpatia ou uma boa mãe de santo que pudesse ajudar. O importante era ele assumir que precisava de ajuda e ela, sua namorada, não iria lhe faltar.

Ele nunca mais a viu.

Mas não a culpa, não é qualquer amor que sobrevive às expiações desse tipo.

Porém, ele lutaria, e muito, por sua vida.

Buscou grupos de autoajuda. Confessou entre lágrimas que fazia duas semanas que começara a acreditar no que aquele canal televiso dizia. Foi abraçado pelos companheiros emocionados e voltou pra casa se sentindo melhor.

Hoje ele já está há dois meses “limpo”. Não assistiu mais, nesse período, aquele canal, nem mesmo uma espiadinha. Mas teme as sequelas. As vezes se surpreende chamando alguém de viadinho e sabe que isso talvez nunca saia de sua mente.

Voltou a ler bons livros, discutir sobre política, voltou a conversar com amigos de esquerda e até a namorada tentou voltar, mas ele, achou melhor deixar assim, pois time que está ganhando não se mexe.

Ele sabe que não está curado. A midiotia não tem cura. Mas tem controle, ô se tem.

Toda vez que lembra da intolerância que repetiu sem perceber, dos preconceitos e da homofobia subliminares que disseminou, sente-se infeliz. Mas, já fez uma listinha de todos com quem conversou naquela fase e prejudicou com as besteiras que disse e prometeu pra si mesmo procurar um a um para pedir perdão.

Para os mais jovens que o procuram para saber de sua experiência, ele não nega que foi e está sendo difícil retornar ao mundo dos que pensam por si mesmos e geralmente termina suas horripilantes narrativas com uma frase que se tornou seu mantra:

A alienação enferruja o coração, meninos, enferruja sim, e concluiu com um olhar de que muito sofreu: não experimentem... evitem as olhadinhas ligeiras quando atravessa a sala. A midioia é a pior das drogas, ela mata os neurônios, polui os ideais e atinge nosso sistema imunológico contra a estupidez.


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quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

O AVC MAIS LETAL

Nunca na história desse país, um ex-presidente foi tão perseguido, como se governar o país tivesse sido um ato criminoso, imperdoável.

Nunca, na história desse país, um ex-presidente foi tão odiado e tratado como nem mesmo bandidos o são nas esferas do poder.

Houve um presidente, Prudente de Moraes, que ordenou uma ação militar que matou 25 mil brasileiros no Arraial de Canudos, mas esse presidente, era advogado, doutor, jamais foi tão odiado.

Teve um outro que prometeu no exterior pagar a dívida externa, criou um plano econômico chamado “funding Loan” (língua da metrópole, claro) e promoveu um arrocho insuportável aos brasileiros mais pobres, mas esse, Campos Sales, também era advogado, representante da elite cafeeira e, claro, nunca foi odiado além de um apelido irritadiço, Campos Selos.

Depois dele teve mais um advogado, Nilo Peçanha, que criou um órgão de terror chamado SPI (Serviço de Proteção ao Índio) que exterminou quem deveria proteger além de roubar suas terras, mas Nilo, oras, jamais foi odiado por ninguém além dos mortos.

Já seu sucessor, Hermes da Fonseca, perseguiu os sertanejos do Padre “santo” Cícero Romão Batista, criou uma estrada de ferro às custas da morte de dezenas de trabalhadores que ligava o nada para lugar nenhum, mas, era marechal, e ninguém odeia um militar no Brasil.

No nosso país, teve um governador da elite paulista cujo slogan era “esse rouba mas faz”, um ministro da ditadura militar famoso no exterior por contrabandear pedras preciosas nativas para lá, um outro governador da elite paulista cuja fortuna em seu nome ele apenas dizia não lhe pertencer, um presidente eleito pela mídia que pagava até gastos domésticos com “sobras de campanha”, mas nunca se percebeu a existência da corrupção como agora, simplesmente para perseguir pessoas.

O uso da corrupção como arma política é abjeto na medida em que quem a usa posa de moralista impoluto, no meio do pântano da corrupção.

Um dos grandes enigmas da humanidade é entender esse ódio.

Por que tanto ódio contra alguém que mesmo depois de dois mandatos não tem apartamento em Paris, Iate, ou qualquer ato corrupto comprovado?

Será que é por que é nordestino? Por que não é doutor? Ou por que é tão parecido com aqueles que o odeiam e se sentem covardes diante de sua coragem diante dos poderosos?

Ironia ainda maior é saber que apenas aqui, na terra brasilis esse homem é tão odiado.

Vejam, por exemplo, a notícia de rodapé do “Estadão On-line” de 20/01/2017, que com certeza não se ouvirá na mídia que manda no Brasil:

“O presidente Luiz Inácio Lula da Silva receberá o prêmio de Estadista Global do Fórum Econômico Mundial, em Davos (Suíça), no dia 29 desse mês de janeiro). Esta é a primeira edição da homenagem, criada para marcar o aniversário de 40 anos do Fórum.

Conforme a organização do evento, o prêmio tem o objetivo de destacar um líder político que tenha usado o mandato para melhorar a situação do mundo.

“O presidente do Brasil tem demonstrado verdadeiro compromisso com todas as áreas da sociedade”, disse o fundador e presidente do Fórum Econômico Mundial, Klaus Schwab, em nota à Agência Estado.

Segundo ele, esse compromisso tem seguido de mãos dadas com o objetivo de integrar crescimento econômico e justiça social. “O presidente Lula é um exemplo a ser seguido para a liderança global. ”

A entrega do prêmio será feita pelo ex-secretário-geral da ONU, Kofi Annan, e está prevista para às 11h30 [horário local; 8h30 de Brasília] do dia 29, quando o presidente brasileiro fará um discurso. Em seguida, terá início um painel de discussão sobre o Brasil. O objetivo é debater os atuais condutores do crescimento do País e os desafios à frente”.

Esse tipo de acontecimento deveria ser aplaudido, reconhecido e comemorado como um fato histórico de relevância num país tão carente de reconhecimento internacional, como o nosso. Mas é escondido como se fosse algo degradante.

Nunca na história desse país, alguém foi tão invejado e odiado assim.

Que mal fez esse homem para o brasileiro médio, trabalhador assalariado, despossuído de latifúndios e de interesses coorporativos?

Esse ódio é de difícil explicação epistemológica, sociológica, racional.

Sua esposa, Marisa Letícia, ex-primeira dama (a mídia costuma não citar essa expressão dedicada às esposas dos doutores) provavelmente desgastada por tanta sordidez, agora padece vítima de um AVC.

A mulher que um dia ganhou a vida fazendo faxina e combatendo a sujeira, não está mais resistindo à sujeira que não pode ser extirpada por uma boa faxina... a sujeira moral.

Provavelmente o homem mais odiado do Brasil esteja para se tornar também, o mais solitário.

Talvez faça bem a esquerda brasileira em geral e o PT em particular, em se preparar para viver sem a presença física desse grande líder agonizante, vítima de um ódio patológico crônico e inexplicável.

O AVC da mágoa costuma ser mais letal que o AVC hemorrágico.




Prof. Péricles

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

FIDEL VIVE NA REVOLUÇÃO VITORIOSA



Por Sergio Nogueira Lopes

A morte do comandante Fidel Castro, líder de uma revolução heroica e vitoriosa, simboliza o desaparecimento de parcela da Humanidade. Morrem com ele, símbolo de luta sem trégua contra o fascismo e o imperialismo que ora se impõem, no Ocidente, os sonhos de todos aqueles que, até o último suspiro, lançaram-se no enfrentamento à miséria e à exploração do homem pelo homem.

Nesse ciclo da vida, não há outro de sua estatura.

Fidel mostrou ao mundo que a arma mais quente dos idealistas não é aquela carregada de pólvora e chumbo. Mas com o respeito à fragilidade humana.

O líder de uma Nação tratada como quintal, bordel, pocilga de corruptos e entreguistas, pegou em armas. Sua coragem e a de tantos companheiros, a exemplo de Camilo Cienfuegos e Ernesto Che Guevara, expulsaram das fronteiras cubanas a potência imperialista da vez.

A vitória no campo militar, por mais relevante e significativa, no entanto, equilibra-se com as conquistas sociais. Ao longo de quase um século, Cuba tornou-se exemplo de solidariedade e humanismo.

Os vizinhos do Norte exportam armas e guerras. Mas os cubanos enviam os médicos e o modelo de Educação que curam do analfabetismo e do descaso os pobres, os desvalidos.

“Milhares de crianças estão passando fome no mundo hoje. Nenhuma delas é cubana” disse Fidel, em pronunciamento histórico. Enquanto os poderosos tentavam assassiná-lo — e falharam por mais de uma centena de vezes — Fidel devotava sua vida à resistência. Enfrentou o pior embargo já imposto a um país, desde a existência das Nações Unidas.

Como nenhum outro líder político, na face da Terra, Fidel elegeu a Saúde e a Educação como forma de consolidar uma nova realidade.

Cuba, hoje, é um exemplo para as futuras gerações de que um outro mundo é possível. Uma aliada de todas as outras nações que lutam contra o imperialismo e a opressão. Perdeu, com a morte de Fidel, o seu filho mais querido. Ainda assim, o legado que fica de uma vida exemplar será a inspiração para que nenhum povo se submeta ao egoísmo.

Que jamais um país seja anexado aos interesses de qualquer outro, por mais poderoso que possa parecer. Que não ceda um milímetro sequer na autodeterminação de se manter digna e honrada.

Quando tudo parecia dominado pela potência distante 140 quilômetros de Havana, que submetia seus desafetos aos desígnios do capitalismo mais selvagem, Fidel lidera a revolução que liberta a Ilha das garras da miséria. Promove o fim da exploração pelos Estados Unidos, sob a gerência de mafiosos, traficantes e bandidos de toda ordem. Mesmo sob a mais intensa pressão internacional, cria um Estado igualitário. Resgata da fome e da corrupção um contingente humano que, hoje, alcança Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) semelhante ao dos países nórdicos.

Cercada por todos os lados pela mediocridade que se alastra, nesses tempos perigosos, a Ilha de Fidel é um ponto de referência. Em pleno Caribe, estende-se um farol para aqueles que vivem os mesmos ideais um dia defendidos por um jovem judeu. Ele que, hoje, é representado na Terra por um homem bom, chamado Francisco. Talvez seja este a derradeira voz das pessoas bem que vagam por essa existência.

Desde que visitei Cuba pela primeira vez, ainda na década de 90, guardo comigo a leveza dos passos da minha filha. A luminosidade nas aulas de balé da professora Alícia Alonso, uma referência mundial que somente a Revolução Cubana poderia gerar.

Preferimos a aconchegante habanera e os seus tons calientes, às frias, comportadas e entediantes classes estabelecidas em Londres, Nova York e Paris.

Hasta Siempre, comandante!





Sergio Nogueira Lopes é sociólogo e embaixador da SPB/Brasil.

sábado, 21 de janeiro de 2017

DE QUASE NÃO SE VIVE



Existem países que quase chegaram lá. Alguns chutaram no gol, a bola bateu nas duas traves e saiu. Não entrou. Não foi gol, mas foi quase.


O Paraguai, por exemplo.


Seu modelo de país independente após deixar a condição de colônia, foi inédito.


Sem grande dívida externa e em marcha acelerada visando à industrialização, o Paraguai, no século XIX foi o sonho da América Latina. Governado por ditadores populares, aboliu o analfabetismo, promoveu uma reforma agrária corajosa e tinha índices de mortalidade infantis menores do que a maioria dos países europeus.


Quase. Mas não concretizou seu modelo, já que foi destruído, num genocídio sem precedentes praticado pelo Brasil, que alguns chamam de ‘Guerra do Paraguai”.


Tornou-se um pária, um molambento país claudicante e condenado.


O Haiti também.


Primeiro país latino-americano a se tornar independente após um processo único em que a metrópole (França) se despiu de qualquer intenção de manter a colonização já que estava envolvida em sua própria revolução, o Haiti teve a chance única de fazer suas opções sem interferência externa e sem uma elite pra atrapalhar e manter a desigualdade como norma, já que essa elite composta por brancos livres e mulatos (10% da população) foi perseguida e massacrada pelos 90% de escravos que compunham o povão.


Mas, a própria violência do massacre isolou o país diante do resto do mundo e isolado, o Haiti sucumbiu.


Na Europa também teve país que quase.


Portugal, por exemplo.


Grande líder das grandes navegações Portugal alcançou de forma pioneira o “novo mundo” e o rico comércio do oriente que poderia fazer dele, Portugal, a maior potência do mundo. Era só questão de detalhes diplomáticos e comerciais para coroar seus esforços exploratórios com a dominação econômica indiscutível de seu tempo.


Mas, Portugal teve um rei que se meteu numa guerra religiosa estúpida, morreu sem deixar herdeiros  e o trono de Portugal foi ocupado por um rei espanhol. Para recuperar a independência o país teve que vender a alma para a Inglaterra a quem perdeu quase toda sua vantagem como país metropolitano.


A História relata esses e outros exemplos de quase lá.


O Brasil  teve momentos em que poderia ter alçado voos mais altos.


Quando proclamou a independência e a República os brasileiros tiveram a folha em branco nas mãos para escrever que país queriam. Em ambas as oportunidades a escolha se fez por sua elite que assim, manteve o país que já existia, que pelo menos para eles, estava bom. Uma economia primário-exportadora que enriquecia poucos e empobrecia o resto.


Quando optou pela busca da industrialização de fato, com Getúlio Vargas, novamente tivemos a chance de reescrever nossa história, e mais uma vez, as elites fizeram dessa experiência apenas um rascunho, não um trabalho final, fazendo morrer a esperança e o próprio presidente


Atualmente, após três mandatos da esquerda, o Brasil ameaçou caminhar na direção de ser um país de todos, uma pátria educadora e menos desigual.


Pagou suas dívidas, fez crescer o PIB e pela primeira vez o crescimento foi acompanhado pela diminuição das misérias e desigualdades.


Parecia, mas não foi... O lado oculto da força se organizou dirigido e patrocinado por interesses outros e a presidente que não cometeu nem um crime caiu, a dívida voltou, a esperança sumiu.


A bola bateu nas duas traves, correu pela linha do gol, e saiu para fora.


Dá até pra desconfiar que o problema, então, não seja o time, mas a torcida.


Quem sabe, para essa torcida que apenas torce e xinga o juiz, já não tenha chegado a hora de uma boa invasão de campo para mostrar que cansou de esperar pelo cumprimento do tal destino de gigante, prometido, mas sempre amordaçado, pelos que sempre ganham com a miséria alheia?


Ou então, sejamos sempre, apenas um, quase.



Prof. Péricles





quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

CRISE ENTRE OS PODERES


Por Luciano Martins Costa



O Brasil corre o risco de acordar com as instituições irremediavelmente fragmentadas.

Esse é o resultado da operação que rompeu a ordem democrática ao desfazer a decisão tomada nas urnas em 2014 pela maioria dos brasileiros.

Os últimos dias registraram um embate inglório entre o Congresso Nacional e os integrantes da força-tarefa que tocam a Operação Lava-Jato.

Inglório, porque ambos os lados têm razão ao acusar os desafetos de desonestidade – e neste caso nenhum deles está com a verdade.

Embora a causa matriz da desavença seja absolutamente defensável, por se tratar de uma necessária atualização da lei de 1965 que coíbe o abuso de autoridade, há nessa iniciativa apressada um indisfarçado objetivo de blindar certas autoridades que estão na mira das investigações.

As mais reluzentes delas são o presidente do Senado e o presidente transitório da República.

Por outro lado, não se justifica que também sejam blindados os operadores da Justiça: nenhum juiz, procurador ou integrante da Polícia Federal pode se colocar acima das demais instituições em sua missão de apurar crimes de corrupção.

Acontece que os abusos nunca foram denunciados ou sequer considerados como tais enquanto a ousadia dos agentes públicos ajudava a derrubar o governo eleito nas urnas.

Apenas quatro meses depois de tomar posse, com a promessa de “resgatar a força da economia e recolocar o Brasil nos trilhos”, o inquilino do Planalto se vê sitiado pelos antigos aliados e vai sendo arrastado pela sucessão de escândalos rumo ao seu lugar na História: a “cesta” seção.

A mídia tradicional lança combustível na fogueira das vaidades, de olho na chance de trocar Michel Temer por alguém mais palatável e mais confiável: um prócer do PSDB paulista, por exemplo, ou, num caso extremo, o senador cearense Tasso Ribeiro Jereissati.

Pode-se afirmar que grande parte das opiniões divulgadas nasce enviesada pelo processo de criminalização da política, que cresce como um tsunami no rastro das denúncias de corrupção.

A leitura do projeto recomenda cautela: não há sinais de incoerência no texto que prevê punições para magistrados e integrantes do Ministério Público quando suas condutas forem incompatíveis com o cargo.

Porém, pode-se interpretar a letra da proposta como uma ameaça a juízes e procuradores que extrapolam de suas funções e usam dois pesos e duas medidas conforme a ideologia ou a posição político-partidária do acusado.

Pode-se apostar que 9 entre dez leitores de jornais e telespectadores dos noticiários da TV opinam sem ter lido o texto, mas é certo que muitos deles sairão às ruas de verde e amarelo.

Até mesmo advogados, que sofrem o risco de se tornarem irrelevantes diante das alianças entre promotoria e magistratura, têm aderido aos protestos.

O caos está instalado.

À sombra do edifício da Fiesp, na Avenida Paulista, os defensores da volta da ditadura tomam carona outra vez no carro de som dos indignados.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A CONSTRUÇÃO DA INTOLERÂNCIA


A intolerância não se adquire pronta e acabada.

Na verdade, a melhor imagem que se faz não é a de um produto que já vem pronto e embalado, mas uma pequena planta irrigada desde os tempos de semente até tornar-se frondosa árvore.

O intolerante não nasce intolerante, é feito, embora depois trate de se aprimorar.

Quando os pais ensinam seus filhos que o coleguinha negro do colégio é diferente e que, em certas ocasiões, como o aniversário em casa com os amiguinhos, deve ser evitado, se está regrando a plantinha.

Quando o professor permite o bulling ao menino com trejeitos que segundo a regra da maioria da turma, e dele mesmo, são efeminados, está também, dando sua contribuição.

Além dos pais e mestres existem ainda os plantadores oficiais de intolerância.

A mídia, por exemplo, ao apresentar programações que separam e rivalizam meninas e meninos ou quando desfilam filmes e programas que cultuam a violência e o machismo, faz a sua parte com maestria.

Em geral, o preconceito se enraiza junto com convicções precipitadas mas póstas como verdades incontenstáveis.

Nesse processo de construção de ódios algumas nuances são tão sutis que nem os agentes diretos no processo o percebe.

Exemplo são as muitas mães que cultuam um machismo desacerbado e imprudente cujas origens estão na própria educação que recebeu e que que transmite sem parar para pensar. 

O pessoal que coleciona piadas homofóbicas, também participam e até mesmo o culto à mulher virgem e frágil cujo valor está na beleza e que muitos acham ser elegante tem sua dose forte na desigualdade nos tratamentos.

Depois da cobra criada falta apenas o aprimoramento e aí, a personalidade de cada um faz o resto, mas o caminho foi previamente construído.

Então a barra pesa, pois, a intolerância nunca anda sozinha e tem uma família unida. Ela é filha do ódio, irmã do orgulho e do preconceito, mãe da hipocrisia.

Dificilmente alguém anda acompanhado de apenas um desses pares.

Quem caminha com essa turma carrega o ódio escondido no bolso já que a hipocrisia exige um comportamento dissimulado, mas que sempre se trai quando algum tipo de valor está em julgamento.

Os que andam com essas companhias participam da violência da qual se julgam vítimas, defendendo a violência do estado e bradando que bandido bom é bandido morto.

Com a visão tapada por tanta coisa ruim são instrumentos úteis para aqueles que buscam manter a sociedade desigual e excludente como a conhecemos. É a maneira de fazer crer que a exclusão é natural e, de certa forma, uma opção do excluído.

Assim, a desconstrução dessas anomalias passa, não apenas pela necessária transformação social, mas antes de tudo, na transformação da própria cidadania.

Não será por decreto nem por atos revolucionários, pois a Lei sem a vivência nas criaturas é efêmera, como o demonstra a Lei Maria da penha.

É dever de todos lutar pela desmistificação da intolerância como coisa natural entre as pessoas.

Enquanto isso, jovens pais, procurem saber exatamente, que tipo de semente está sendo plantada no terreno fértil da personalidade de seus filhos.




Prof. Péricles

sábado, 14 de janeiro de 2017

A ERA DO PÓS-RIDÍCULO


Por Kiko Nogueira


Eu vi a formulação na conta dos Fatos Nacionais no Twitter. A foto de João Dória e Regina Duarte fingindo que varriam ruas em São Paulo tinha a seguinte legenda: o “ano do pós-ridículo”.

É uma definição feliz.

Dória, Regina e Janaína Paschoal são luminares da era do pós-ridículo. Seguidos de perto por Crivella, Alexandre de Moraes, Michel Temer e a mulher Marcela.

O pós-ridículo é uma ampliação do conceito que foi eleito palavra do ano em 2016 pela Universidade de Oxford. “Pós-verdade” (post-truth) foi devidamente dicionarizada.

É um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.

Dois acontecimentos políticos foram citados como exemplares no emprego dessa prática: a campanha de Trump e o Brexit. As mentiras tiveram papel crucial em ambos os casos. Ainda que desmascaradas, isso não mudou o voto da maioria.

Nada seria possível sem as redes sociais. O Facebook, atualmente, tenta se livrar das notícias falsas fazendo com que sites que as compartilhem não usem sua rede de anúncios e não ganhem dinheiro com isso.

O pós-ridículo também deve muito de sua ascensão a essas mídias.

Nelson Rodrigues, gênio absoluto, já tinha avisado que os cretinos perderam a modéstia. O que ocorre é que, hoje, eles publicam suas cretinices e são seguidos por outros cretinos, formando um bolo que adquire um tamanho impressionante.

O superego foi eliminado. A tibieza intelectual de Janaína Paschoal não era novidade e ficou conhecida com o processo do impeachment. Seu vexame nos arcos do Largo de São Francisco, quando encarnou uma pomba gira gritando sobre uma tal república da cobra, deveria ser suficiente para sua aposentadoria precoce ou seu retorno ao anonimato.

Não. No pós-ridículo, ela ganha empuxo.

Sua conta no Twitter é uma calamidade intelectual e, de quebra, uma mancha na reputação da faculdade em que leciona. A vírgula, usada ao bel prazer, enfeita estupidezes como a invasão do Brasil.

“Com uma base militar na Venezuela, Putin estará a um passo de atacar o Brasil. Estão rindo? Pois eu estou falando sério”, escreveu na primeira sentença de uma série.

Recentemente, prontificou-se a atuar como “inspetora de banheiro” do Ibirapuera. Virou piada, novamente.

Menos para os demais surfistas do pós-ridículo, como João Dória, que lhe telefonou porque viu nela uma igual. Janaína contou que o prefeito “falou brincando sobre fazer uma nomeação, eu agradeci, mas eu não gosto dessas formalidades e o meu trabalho será de cidadã para mostrar que os cargos não são tão essenciais assim”.

As aparições de Dória como gari são triunfos do pós-ridículo. Na primeira, mandou atirar moradores de rua para debaixo de um viaduto, cobriu com tela, e fingiu que limpava o chão que já tinha sido limpado. Tudo diante das câmeras.

Na segunda incursão, Dória contou com a mão de outra musa do pós-ridículo, Regina Duarte. A atriz inventou que integrava uma “associação que batalha por uma cidade mais digna, mais humana” e por isso estava no local. Totalmente por acaso.

“É nois! O importante é lutar por uma São Paulo mais limpa, por dentro, na alma”, afirmou. “Não quero ser política, mas acho que todos os moradores de São Paulo devem se engajar”. (Onde estão os filhos ou familiares responsáveis por esse pessoal??)

Napoleão um dia observou, após uma derrota no Egito, que do sublime ao ridículo é apenas um passo. Nós demos esse passo coletivamente e estamos enterrados até o pescoço numa indigência mental que parece ser a regra.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

COLAVAM NAS PROVAS E SE JULGAM PROFESSORES



Havia um personagem num programa humorístico, se não me engano, no “Viva o Gordo” que, diante de um questionamento sobre qualquer bobagem que dizem, repetia o refrão “não discuto com leigos, não discuto com leigos”.

Quando se é leigo sobre determinado assunto e saímos por aí a falar francamente sobre o que não entendemos bem, facilmente cometemos erros bizarros, e, até mesmo, ridículos.

Claro que ter opinião é um direito de todos nós, mas, o perigo é, precipitadamente, se formar convicção sobre qualquer coisa sem ter uma gama mínima de informação de quem entende melhor do assunto, para balizar nossa opinião.

Se mesmo assim, insistimos em expor o que pensamos, ao mesmo tempo em que exercemos um direito assumimos riscos e por isso, é necessário estarmos abastecidos de humildade para reconhecer que sabíamos pouco daquilo que ora expúnhamos e que, falamos bobagem.

Por isso é tão superficial analisar o procedimento alheio, já que, geralmente, ao fazer isso, estamos trazendo os nossos valores, as nossas impressões sobre algo e não as impressões e vivências do alheio.

Certa vez, em 2003, um político nordestino, num evento festivo de recepção ao recém-empossado presidente Lula, fez um inflamado discurso contra os paulistas e sua pretensa arrogância em relação ao restante do Brasil, em especial, ao nordeste. Pobre homem imprudente. Ao responder ao discurso Lula não só discordou dos termos agressivos utilizados com ainda defendeu o povo paulistano que o recebeu quando migrou de Pernambuco para a Paulicéia desvairada, enquanto o político nordestino, no outro lado do palanque não sabia onde se enfiar.

Isso que dá, geralmente, quando se mete a impor os seus valores a outro sem conhecer o que lhe vai no íntimo.

Isso é particularmente conflitante quando pessoas defendem suas simpatias ou antipatias políticas pessoais usando argumentos pretensamente históricos.

É muito importante ressaltar que história é ciência, não é opinião.

A história possuí método científico e exige provas para suas conclusões, mesmo não sendo essas provas empíricas que alguns julgam serem as únicas provas válidas.

Os diferentes narradores dos fatos históricos, não devem, mas podem enfatizar, conforme suas paixões determinados aspectos dos fatos narrados, mas jamais deturpa-los conforme suas próprias ideias, isso porque, história não é estória, é ciência.

Por exemplo, quando alguém antipetista, tenta esconder seus preconceitos contra esse partido, afirma categoricamente que nunca se viu corrupção igual aos dos tempos do PT, ou que na Ditadura Militar não havia corrupção, esse alguém comete um patético erro de julgamento histórico.

Um indignado leitor do Blog, dia desses, para contrariar a opinião exposta em alguns artigos afirmou que não se rotula algo de direita e esquerda pelos princípios ideológicos ou de práxis, mas pelo “tamanho e poder” do governo, sendo esquerda quem defende o estado interventor na economia e direita o governante que é contra (?).

Disse mais, o leitor indignado. Disse que o golpe de 1964 não foi um golpe já que a Constituição permitia a “intervenção militar” (??) e, na sequência de seu surto, que já havia grupos de guerrilha no Brasil, antes mesmo de 1964 (certamente referia-se aos grupos de defesa organizados pelas ligas camponesas de Francisco Julião, desconhecendo completamente as enormes diferenças entre esses grupos de defesa e seus objetivos com os objetivos de grupos de guerrilha).

As redes sociais tornaram-se, nesse aspecto, armas de tortura ao professor de história e a todo aquele que a estuda e quer bem à veracidade dos fatos.

Expandem-se convicções aos borbotões sem a menor preocupação com a honestidade.

Defendem-se pontos de vistas a partir de citações que jamais foram citadas, estatísticas que jamais foram realizadas ou conceitos que nunca foram emitidos, com o propósito de fazer valer o seu ponto de vista.

E isso, não é apenas errado, é capcioso.

Parafraseando Churchil, nunca tantos que odiavam tanto estudar história opinaram tanto sobre algo que não estudaram direito, mas tornaram-se doutores.

Faríamos bem, todos nós, se respeitássemos um pouco mais a ciência dos fatos e a veracidade das conclusões históricas.

Quanto ao indignado leitor do Blog lhe foi dado uma visão mais coerente daquilo que ele defendia e, certamente ainda defende porque, quem quer se recusar a entender, simplesmente, não entende.

E por aí ficamos, sem impor nada, já que, como dizia o grande Jô Soares, “não se discute com leigos”, e, embora jamais nos furtemos de colaborar com os que querem saber mais, nos incomodam os que sabem menos, colavem nas provas, e hoje se julgam professores.



Prof. Péricles

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

EM MEMÓRIA DE PAULO EVARISTO ARNS


Por Celso Lungaretti


Quando o entrevistei longamente em 2003, dom Paulo já era um homem combalido, que caminhava com dificuldade e tinha problemas de audição — decorrentes, esclareceu-me, de ferimentos sofridos quando de uma tentativa de sequestro num país latino-americano (pretendiam obter, em troca, a liberdade de um chefão do narcotráfico).

Tal entrevista permanece bem atual, daí eu estar reproduzindo aqui seus principais trechos, sem alterações na forma como então a redigi.

No final, apesar de sua dificuldade de locomoção, fez questão de percorrer comigo o longo caminho até a saída. E se despediu com uma frase marcante: “Precisamos contar essas histórias [do que aconteceu neste país durante a ditadura militar] às novas gerações. É importante que elas saibam de tudo isso!”

Muitos programas pioneiros, na linha da inserção social, foram introduzidos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo entre novembro/1970 e maio/1998, período em que, como arcebispo metropolitano de São Paulo, dom Paulo foi Grão Chanceler da instituição.

Logo que se tornou o principal responsável pelos rumos desta universidade, dom Paulo fez a primeira visita ao Conselho da PUC. E disse: “Não quero uma escola de 2º grau melhorada. O que me interessa é que vocês façam uma pós que dê bons professores para todos os lugares do Brasil; e que todas as teses e tudo o que vocês discutirem além da escola se refira ao povo e ajude o povo. Que isso seja a norma daqui para a frente”.

Os resultados não tardaram, diz dom Paulo. “A Arquidiocese se organizou em pastorais diferentes – p. ex., a Operária, a da Terra, a do Trabalhador –, então eu consegui que a Faculdade de Direito se interessasse em ir, durante a semana ou no sábado, à periferia e ver como se poderia ajudar essa população e quais os problemas reais da periferia. A mesma coisa aconteceu com a assistência social, que, aliás, está trabalhando nessa linha até hoje, com métodos sempre novos e recebendo apoio da Europa e de outros lugares, com uma eficiência muito grande.”

Hoje, essas iniciativas pioneiras da PUC/SP encontraram muitos seguidores e há um sem-número de empresas e instituições esforçando-se para dar uma contribuição positiva à sociedade.

“Os estudantes da USP me procuraram em 1973 quando um colega [Alexandre Vannucchi Leme] foi assassinado pelos órgãos de segurança. Os estudantes se reuniram, uns 10 mil, e mandaram representantes à minha casa, à noite, para que eu fosse lá falar aos alunos.

“Eu disse que era melhor reunir os estudantes, mas não dava para fazer no campus da universidade, porque ele estava cercado por policiais e oficiais do Exército.

“Então, decidi fazer na catedral. Eu disse: ‘Na catedral, nós falamos o que queremos, e nós falaremos aos estudantes. Encham a catedral de estudantes e de povo, que nós diremos a verdade’. E foi o que eles fizeram. Às 15h, eu fui lá, fiz aquele ato solene em favor do estudante e celebrei a missa para o falecido. Fiz o sermão sobre o não matarás!, o mandamento central dos 10 mandamentos. Foi sobre isso que eu falei para eles, e eles participaram, vivamente, da missa e de toda manifestação religiosa posterior.

“Depois, em 75, foi a vez do Herzog; em 76, a do Manuel Fiel Filho; e em 79, a do Santo Dias, quando recebemos de 150 mil a 200 mil pessoas, que andaram desde a igreja de Nossa Sra. da Consolação. A multidão foi engrossando. Ao chegar na Catedral da Sé, não cabia nem na igreja nem na praça, então nós fizemos uma cerimônia mais curta, mas muito mais participada por todos os operários.“

“Quando o Herzog foi assassinado – lembra D. Paulo –, em 1975, os jornalistas me pediram que houvesse um ato ecumênico na catedral. Os judeus fazendo o ato deles em hebraico, portanto, não na língua que compreendêssemos. Foi impressionante e muito bonito.“

Modesto, D. Paulo evitou comentar que sua decisão foi um ato de enorme coragem. Primeiramente, porque a alta hierarquia católica não viu com simpatia sua iniciativa de oficiar missa ao lado de um rabino e de um reverendo. Depois, por ser um desafio frontal ao regime militar, que o ditador Geisel engoliu, pedindo apenas a D. Paulo que segurasse seus radicais, “enquanto eu seguro os meus”.

Finalmente, por ter, em nome de ideal de justiça e solidariedade cristãs, corrido o risco da ocorrência de tumultos e mortes que teriam um peso devastador em sua consciência de religioso.

Graças a ele, foi viabilizado o ato que acabou se tornando um divisor de águas: a partir desta vitória sobre a intimidação, a ditadura começou sua lenta, mas irreversível, marcha para o fim.

Sobre o Governo Lula, antes mesmo da crise do mensalão, D. Paulo já mostrava uma ponta de apreensão, ao se dizer esperançoso de que “o Brasil não perca esta ocasião e não afunde o barco em vez de conduzi-lo a uma margem da terra onde haja outra terra e outro céu, como diria a Sagrada Escritura; onde haja outra possibilidade de sonhar e outra possibilidade de viver com dignidade, mas para todas as pessoas e não só para uma parte”.

E, inquirido sobre o menor engajamento atual da Igreja às causas sociais, ele finalizou com uma mensagem de esperança: “A Igreja é o povo. Se o povo se mobiliza bem, a Igreja também se mobiliza. Então, é preciso unir esses dois conceitos, o povo de Deus e o povo, simplesmente. Nós precisamos caminhar para a fraternidade, para uma possibilidade de todos serem respeitados como filhos de Deus e irmãos uns dos outros”.

Não há como retratarmos a grandeza de um D. Paulo Evaristo Arns numa única entrevista. O principal, no entanto, é que suas gestões junto às autoridades salvaram a vida e evitaram a tortura de resistentes, no pior momento da ditadura.

Fiel ao espírito da igreja das catacumbas, foi o pastor que tudo fez para que seu rebanho sobrevivesse a um tempo de lobos. Um imprescindível, enfim.



Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial).



sábado, 7 de janeiro de 2017

VERA RUBIN, A MULHER QUE CONVERSAVA COM AS ESTRELAS


Ela sempre foi fascinada pelo céu. Nada, absolutamente nada, era mais interessante para ela do que a observação do céu noturno. Ficava imaginando como seria cada estrela vista de ângulos diferentes e o que significava o bailado dos astros.


Coerente com sua paixão dizia a todos que um dia seria uma astrônoma para poder ver o céu mais de perto, as estrelas em suas múltiplas formas e mal percebia os sorrisos irônicos dos que duvidavam.


Estudou com afinco focada nesse objetivo. Passou pelo Instituto Carnegie, em Washington e quando se candidatou à Universidade de Princeton para a pós-graduação, ouviu que “Princeton não aceita mulheres”.


Não se abalou e fez então, doutorado na Universidade de Georgetown. Conforme prometido, era enfim, uma astrônoma.


E que astrônoma.


Inquieta, inovadora, curiosa, desde cedo chamou a atenção de seus colegas, infelizmente não só por seu talento, mas pelo fato de ser mulher.


Objeto de piadinhas machistas e comportamentos hostis, num ambiente quase que exclusivamente masculino.


Um professor chegou a dizer que ela deveria se afastar desse campo de estudo tão complexo e “próprio para homens”.


Outra vez um professor se ofereceu para apresentar o trabalho dela, imaginando que ela não fosse aguentar tanta pressão dos “colegas”.


Mas ela prosseguiu, apresentou seus trabalhos, venceu. Mais importante que os preconceitos era seu amor pelas estrelas.


Tornou-se uma modelo de pesquisadora séria que tinha alegria em compartilhar seus conhecimentos, não deixando jamais de auxiliar os que estavam começando.


Não ganhou respeito, mas conquistou-o quando observando os céus como no seu tempo de criança, conseguiu provar, de forma científica, a existência da matéria escura, teorizada pelo astrônomo Fritz Zwicky, em 1933, mas que só com ela deixou de ser uma hipótese para se tornar um preceito científico.


Brilhante. Como são as estrelas.


Hoje, a composição, função e origem dessa matéria não luminosa que existe além da galáxia ótica e compreende cerca de quatro quintos da matéria do universo, é o assunto mais instigante e pesquisado nos meios astronômicos.


E foi ela, Vera Rubin, que “trouxe” esse mistério fabuloso da criação, para o conhecimento científico.


A menina que adorava observar as estrelas morreu em 25 de dezembro último, aos 88 anos.


Segundo muitos cientistas proeminentes como Lawrence M. Krauss e Katie Mack, Vera Rubin deverá ser sempre lembrada como uma das cientistas mais brilhantes e injustiçadas de seu tempo, visto não ter recebido aquilo que lhe seria de direito, e que, certamente, um homem receberia, o Prêmio Nobel de Física.


Vera Rubin, a mulher que nos convenceu que a matéria escura existe.


E por que essa mulher genial não recebeu o prêmio?


Melhor perguntar para os colegas machistas, ou então, para as estrelas.



Prof. Péricles