sábado, 21 de janeiro de 2017

DE QUASE NÃO SE VIVE



Existem países que quase chegaram lá. Alguns chutaram no gol, a bola bateu nas duas traves e saiu. Não entrou. Não foi gol, mas foi quase.


O Paraguai, por exemplo.


Seu modelo de país independente após deixar a condição de colônia, foi inédito.


Sem grande dívida externa e em marcha acelerada visando à industrialização, o Paraguai, no século XIX foi o sonho da América Latina. Governado por ditadores populares, aboliu o analfabetismo, promoveu uma reforma agrária corajosa e tinha índices de mortalidade infantis menores do que a maioria dos países europeus.


Quase. Mas não concretizou seu modelo, já que foi destruído, num genocídio sem precedentes praticado pelo Brasil, que alguns chamam de ‘Guerra do Paraguai”.


Tornou-se um pária, um molambento país claudicante e condenado.


O Haiti também.


Primeiro país latino-americano a se tornar independente após um processo único em que a metrópole (França) se despiu de qualquer intenção de manter a colonização já que estava envolvida em sua própria revolução, o Haiti teve a chance única de fazer suas opções sem interferência externa e sem uma elite pra atrapalhar e manter a desigualdade como norma, já que essa elite composta por brancos livres e mulatos (10% da população) foi perseguida e massacrada pelos 90% de escravos que compunham o povão.


Mas, a própria violência do massacre isolou o país diante do resto do mundo e isolado, o Haiti sucumbiu.


Na Europa também teve país que quase.


Portugal, por exemplo.


Grande líder das grandes navegações Portugal alcançou de forma pioneira o “novo mundo” e o rico comércio do oriente que poderia fazer dele, Portugal, a maior potência do mundo. Era só questão de detalhes diplomáticos e comerciais para coroar seus esforços exploratórios com a dominação econômica indiscutível de seu tempo.


Mas, Portugal teve um rei que se meteu numa guerra religiosa estúpida, morreu sem deixar herdeiros  e o trono de Portugal foi ocupado por um rei espanhol. Para recuperar a independência o país teve que vender a alma para a Inglaterra a quem perdeu quase toda sua vantagem como país metropolitano.


A História relata esses e outros exemplos de quase lá.


O Brasil  teve momentos em que poderia ter alçado voos mais altos.


Quando proclamou a independência e a República os brasileiros tiveram a folha em branco nas mãos para escrever que país queriam. Em ambas as oportunidades a escolha se fez por sua elite que assim, manteve o país que já existia, que pelo menos para eles, estava bom. Uma economia primário-exportadora que enriquecia poucos e empobrecia o resto.


Quando optou pela busca da industrialização de fato, com Getúlio Vargas, novamente tivemos a chance de reescrever nossa história, e mais uma vez, as elites fizeram dessa experiência apenas um rascunho, não um trabalho final, fazendo morrer a esperança e o próprio presidente


Atualmente, após três mandatos da esquerda, o Brasil ameaçou caminhar na direção de ser um país de todos, uma pátria educadora e menos desigual.


Pagou suas dívidas, fez crescer o PIB e pela primeira vez o crescimento foi acompanhado pela diminuição das misérias e desigualdades.


Parecia, mas não foi... O lado oculto da força se organizou dirigido e patrocinado por interesses outros e a presidente que não cometeu nem um crime caiu, a dívida voltou, a esperança sumiu.


A bola bateu nas duas traves, correu pela linha do gol, e saiu para fora.


Dá até pra desconfiar que o problema, então, não seja o time, mas a torcida.


Quem sabe, para essa torcida que apenas torce e xinga o juiz, já não tenha chegado a hora de uma boa invasão de campo para mostrar que cansou de esperar pelo cumprimento do tal destino de gigante, prometido, mas sempre amordaçado, pelos que sempre ganham com a miséria alheia?


Ou então, sejamos sempre, apenas um, quase.



Prof. Péricles





quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

CRISE ENTRE OS PODERES


Por Luciano Martins Costa



O Brasil corre o risco de acordar com as instituições irremediavelmente fragmentadas.

Esse é o resultado da operação que rompeu a ordem democrática ao desfazer a decisão tomada nas urnas em 2014 pela maioria dos brasileiros.

Os últimos dias registraram um embate inglório entre o Congresso Nacional e os integrantes da força-tarefa que tocam a Operação Lava-Jato.

Inglório, porque ambos os lados têm razão ao acusar os desafetos de desonestidade – e neste caso nenhum deles está com a verdade.

Embora a causa matriz da desavença seja absolutamente defensável, por se tratar de uma necessária atualização da lei de 1965 que coíbe o abuso de autoridade, há nessa iniciativa apressada um indisfarçado objetivo de blindar certas autoridades que estão na mira das investigações.

As mais reluzentes delas são o presidente do Senado e o presidente transitório da República.

Por outro lado, não se justifica que também sejam blindados os operadores da Justiça: nenhum juiz, procurador ou integrante da Polícia Federal pode se colocar acima das demais instituições em sua missão de apurar crimes de corrupção.

Acontece que os abusos nunca foram denunciados ou sequer considerados como tais enquanto a ousadia dos agentes públicos ajudava a derrubar o governo eleito nas urnas.

Apenas quatro meses depois de tomar posse, com a promessa de “resgatar a força da economia e recolocar o Brasil nos trilhos”, o inquilino do Planalto se vê sitiado pelos antigos aliados e vai sendo arrastado pela sucessão de escândalos rumo ao seu lugar na História: a “cesta” seção.

A mídia tradicional lança combustível na fogueira das vaidades, de olho na chance de trocar Michel Temer por alguém mais palatável e mais confiável: um prócer do PSDB paulista, por exemplo, ou, num caso extremo, o senador cearense Tasso Ribeiro Jereissati.

Pode-se afirmar que grande parte das opiniões divulgadas nasce enviesada pelo processo de criminalização da política, que cresce como um tsunami no rastro das denúncias de corrupção.

A leitura do projeto recomenda cautela: não há sinais de incoerência no texto que prevê punições para magistrados e integrantes do Ministério Público quando suas condutas forem incompatíveis com o cargo.

Porém, pode-se interpretar a letra da proposta como uma ameaça a juízes e procuradores que extrapolam de suas funções e usam dois pesos e duas medidas conforme a ideologia ou a posição político-partidária do acusado.

Pode-se apostar que 9 entre dez leitores de jornais e telespectadores dos noticiários da TV opinam sem ter lido o texto, mas é certo que muitos deles sairão às ruas de verde e amarelo.

Até mesmo advogados, que sofrem o risco de se tornarem irrelevantes diante das alianças entre promotoria e magistratura, têm aderido aos protestos.

O caos está instalado.

À sombra do edifício da Fiesp, na Avenida Paulista, os defensores da volta da ditadura tomam carona outra vez no carro de som dos indignados.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2017

A CONSTRUÇÃO DA INTOLERÂNCIA


A intolerância não se adquire pronta e acabada.

Na verdade, a melhor imagem que se faz não é a de um produto que já vem pronto e embalado, mas uma pequena planta irrigada desde os tempos de semente até tornar-se frondosa árvore.

O intolerante não nasce intolerante, é feito, embora depois trate de se aprimorar.

Quando os pais ensinam seus filhos que o coleguinha negro do colégio é diferente e que, em certas ocasiões, como o aniversário em casa com os amiguinhos, deve ser evitado, se está regrando a plantinha.

Quando o professor permite o bulling ao menino com trejeitos que segundo a regra da maioria da turma, e dele mesmo, são efeminados, está também, dando sua contribuição.

Além dos pais e mestres existem ainda os plantadores oficiais de intolerância.

A mídia, por exemplo, ao apresentar programações que separam e rivalizam meninas e meninos ou quando desfilam filmes e programas que cultuam a violência e o machismo, faz a sua parte com maestria.

Em geral, o preconceito se enraiza junto com convicções precipitadas mas póstas como verdades incontenstáveis.

Nesse processo de construção de ódios algumas nuances são tão sutis que nem os agentes diretos no processo o percebe.

Exemplo são as muitas mães que cultuam um machismo desacerbado e imprudente cujas origens estão na própria educação que recebeu e que que transmite sem parar para pensar. 

O pessoal que coleciona piadas homofóbicas, também participam e até mesmo o culto à mulher virgem e frágil cujo valor está na beleza e que muitos acham ser elegante tem sua dose forte na desigualdade nos tratamentos.

Depois da cobra criada falta apenas o aprimoramento e aí, a personalidade de cada um faz o resto, mas o caminho foi previamente construído.

Então a barra pesa, pois, a intolerância nunca anda sozinha e tem uma família unida. Ela é filha do ódio, irmã do orgulho e do preconceito, mãe da hipocrisia.

Dificilmente alguém anda acompanhado de apenas um desses pares.

Quem caminha com essa turma carrega o ódio escondido no bolso já que a hipocrisia exige um comportamento dissimulado, mas que sempre se trai quando algum tipo de valor está em julgamento.

Os que andam com essas companhias participam da violência da qual se julgam vítimas, defendendo a violência do estado e bradando que bandido bom é bandido morto.

Com a visão tapada por tanta coisa ruim são instrumentos úteis para aqueles que buscam manter a sociedade desigual e excludente como a conhecemos. É a maneira de fazer crer que a exclusão é natural e, de certa forma, uma opção do excluído.

Assim, a desconstrução dessas anomalias passa, não apenas pela necessária transformação social, mas antes de tudo, na transformação da própria cidadania.

Não será por decreto nem por atos revolucionários, pois a Lei sem a vivência nas criaturas é efêmera, como o demonstra a Lei Maria da penha.

É dever de todos lutar pela desmistificação da intolerância como coisa natural entre as pessoas.

Enquanto isso, jovens pais, procurem saber exatamente, que tipo de semente está sendo plantada no terreno fértil da personalidade de seus filhos.




Prof. Péricles

sábado, 14 de janeiro de 2017

A ERA DO PÓS-RIDÍCULO


Por Kiko Nogueira


Eu vi a formulação na conta dos Fatos Nacionais no Twitter. A foto de João Dória e Regina Duarte fingindo que varriam ruas em São Paulo tinha a seguinte legenda: o “ano do pós-ridículo”.

É uma definição feliz.

Dória, Regina e Janaína Paschoal são luminares da era do pós-ridículo. Seguidos de perto por Crivella, Alexandre de Moraes, Michel Temer e a mulher Marcela.

O pós-ridículo é uma ampliação do conceito que foi eleito palavra do ano em 2016 pela Universidade de Oxford. “Pós-verdade” (post-truth) foi devidamente dicionarizada.

É um adjetivo “que se relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião pública do que apelos à emoção e a crenças pessoais”.

Dois acontecimentos políticos foram citados como exemplares no emprego dessa prática: a campanha de Trump e o Brexit. As mentiras tiveram papel crucial em ambos os casos. Ainda que desmascaradas, isso não mudou o voto da maioria.

Nada seria possível sem as redes sociais. O Facebook, atualmente, tenta se livrar das notícias falsas fazendo com que sites que as compartilhem não usem sua rede de anúncios e não ganhem dinheiro com isso.

O pós-ridículo também deve muito de sua ascensão a essas mídias.

Nelson Rodrigues, gênio absoluto, já tinha avisado que os cretinos perderam a modéstia. O que ocorre é que, hoje, eles publicam suas cretinices e são seguidos por outros cretinos, formando um bolo que adquire um tamanho impressionante.

O superego foi eliminado. A tibieza intelectual de Janaína Paschoal não era novidade e ficou conhecida com o processo do impeachment. Seu vexame nos arcos do Largo de São Francisco, quando encarnou uma pomba gira gritando sobre uma tal república da cobra, deveria ser suficiente para sua aposentadoria precoce ou seu retorno ao anonimato.

Não. No pós-ridículo, ela ganha empuxo.

Sua conta no Twitter é uma calamidade intelectual e, de quebra, uma mancha na reputação da faculdade em que leciona. A vírgula, usada ao bel prazer, enfeita estupidezes como a invasão do Brasil.

“Com uma base militar na Venezuela, Putin estará a um passo de atacar o Brasil. Estão rindo? Pois eu estou falando sério”, escreveu na primeira sentença de uma série.

Recentemente, prontificou-se a atuar como “inspetora de banheiro” do Ibirapuera. Virou piada, novamente.

Menos para os demais surfistas do pós-ridículo, como João Dória, que lhe telefonou porque viu nela uma igual. Janaína contou que o prefeito “falou brincando sobre fazer uma nomeação, eu agradeci, mas eu não gosto dessas formalidades e o meu trabalho será de cidadã para mostrar que os cargos não são tão essenciais assim”.

As aparições de Dória como gari são triunfos do pós-ridículo. Na primeira, mandou atirar moradores de rua para debaixo de um viaduto, cobriu com tela, e fingiu que limpava o chão que já tinha sido limpado. Tudo diante das câmeras.

Na segunda incursão, Dória contou com a mão de outra musa do pós-ridículo, Regina Duarte. A atriz inventou que integrava uma “associação que batalha por uma cidade mais digna, mais humana” e por isso estava no local. Totalmente por acaso.

“É nois! O importante é lutar por uma São Paulo mais limpa, por dentro, na alma”, afirmou. “Não quero ser política, mas acho que todos os moradores de São Paulo devem se engajar”. (Onde estão os filhos ou familiares responsáveis por esse pessoal??)

Napoleão um dia observou, após uma derrota no Egito, que do sublime ao ridículo é apenas um passo. Nós demos esse passo coletivamente e estamos enterrados até o pescoço numa indigência mental que parece ser a regra.



quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

COLAVAM NAS PROVAS E SE JULGAM PROFESSORES



Havia um personagem num programa humorístico, se não me engano, no “Viva o Gordo” que, diante de um questionamento sobre qualquer bobagem que dizem, repetia o refrão “não discuto com leigos, não discuto com leigos”.

Quando se é leigo sobre determinado assunto e saímos por aí a falar francamente sobre o que não entendemos bem, facilmente cometemos erros bizarros, e, até mesmo, ridículos.

Claro que ter opinião é um direito de todos nós, mas, o perigo é, precipitadamente, se formar convicção sobre qualquer coisa sem ter uma gama mínima de informação de quem entende melhor do assunto, para balizar nossa opinião.

Se mesmo assim, insistimos em expor o que pensamos, ao mesmo tempo em que exercemos um direito assumimos riscos e por isso, é necessário estarmos abastecidos de humildade para reconhecer que sabíamos pouco daquilo que ora expúnhamos e que, falamos bobagem.

Por isso é tão superficial analisar o procedimento alheio, já que, geralmente, ao fazer isso, estamos trazendo os nossos valores, as nossas impressões sobre algo e não as impressões e vivências do alheio.

Certa vez, em 2003, um político nordestino, num evento festivo de recepção ao recém-empossado presidente Lula, fez um inflamado discurso contra os paulistas e sua pretensa arrogância em relação ao restante do Brasil, em especial, ao nordeste. Pobre homem imprudente. Ao responder ao discurso Lula não só discordou dos termos agressivos utilizados com ainda defendeu o povo paulistano que o recebeu quando migrou de Pernambuco para a Paulicéia desvairada, enquanto o político nordestino, no outro lado do palanque não sabia onde se enfiar.

Isso que dá, geralmente, quando se mete a impor os seus valores a outro sem conhecer o que lhe vai no íntimo.

Isso é particularmente conflitante quando pessoas defendem suas simpatias ou antipatias políticas pessoais usando argumentos pretensamente históricos.

É muito importante ressaltar que história é ciência, não é opinião.

A história possuí método científico e exige provas para suas conclusões, mesmo não sendo essas provas empíricas que alguns julgam serem as únicas provas válidas.

Os diferentes narradores dos fatos históricos, não devem, mas podem enfatizar, conforme suas paixões determinados aspectos dos fatos narrados, mas jamais deturpa-los conforme suas próprias ideias, isso porque, história não é estória, é ciência.

Por exemplo, quando alguém antipetista, tenta esconder seus preconceitos contra esse partido, afirma categoricamente que nunca se viu corrupção igual aos dos tempos do PT, ou que na Ditadura Militar não havia corrupção, esse alguém comete um patético erro de julgamento histórico.

Um indignado leitor do Blog, dia desses, para contrariar a opinião exposta em alguns artigos afirmou que não se rotula algo de direita e esquerda pelos princípios ideológicos ou de práxis, mas pelo “tamanho e poder” do governo, sendo esquerda quem defende o estado interventor na economia e direita o governante que é contra (?).

Disse mais, o leitor indignado. Disse que o golpe de 1964 não foi um golpe já que a Constituição permitia a “intervenção militar” (??) e, na sequência de seu surto, que já havia grupos de guerrilha no Brasil, antes mesmo de 1964 (certamente referia-se aos grupos de defesa organizados pelas ligas camponesas de Francisco Julião, desconhecendo completamente as enormes diferenças entre esses grupos de defesa e seus objetivos com os objetivos de grupos de guerrilha).

As redes sociais tornaram-se, nesse aspecto, armas de tortura ao professor de história e a todo aquele que a estuda e quer bem à veracidade dos fatos.

Expandem-se convicções aos borbotões sem a menor preocupação com a honestidade.

Defendem-se pontos de vistas a partir de citações que jamais foram citadas, estatísticas que jamais foram realizadas ou conceitos que nunca foram emitidos, com o propósito de fazer valer o seu ponto de vista.

E isso, não é apenas errado, é capcioso.

Parafraseando Churchil, nunca tantos que odiavam tanto estudar história opinaram tanto sobre algo que não estudaram direito, mas tornaram-se doutores.

Faríamos bem, todos nós, se respeitássemos um pouco mais a ciência dos fatos e a veracidade das conclusões históricas.

Quanto ao indignado leitor do Blog lhe foi dado uma visão mais coerente daquilo que ele defendia e, certamente ainda defende porque, quem quer se recusar a entender, simplesmente, não entende.

E por aí ficamos, sem impor nada, já que, como dizia o grande Jô Soares, “não se discute com leigos”, e, embora jamais nos furtemos de colaborar com os que querem saber mais, nos incomodam os que sabem menos, colavem nas provas, e hoje se julgam professores.



Prof. Péricles

terça-feira, 10 de janeiro de 2017

EM MEMÓRIA DE PAULO EVARISTO ARNS


Por Celso Lungaretti


Quando o entrevistei longamente em 2003, dom Paulo já era um homem combalido, que caminhava com dificuldade e tinha problemas de audição — decorrentes, esclareceu-me, de ferimentos sofridos quando de uma tentativa de sequestro num país latino-americano (pretendiam obter, em troca, a liberdade de um chefão do narcotráfico).

Tal entrevista permanece bem atual, daí eu estar reproduzindo aqui seus principais trechos, sem alterações na forma como então a redigi.

No final, apesar de sua dificuldade de locomoção, fez questão de percorrer comigo o longo caminho até a saída. E se despediu com uma frase marcante: “Precisamos contar essas histórias [do que aconteceu neste país durante a ditadura militar] às novas gerações. É importante que elas saibam de tudo isso!”

Muitos programas pioneiros, na linha da inserção social, foram introduzidos na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo entre novembro/1970 e maio/1998, período em que, como arcebispo metropolitano de São Paulo, dom Paulo foi Grão Chanceler da instituição.

Logo que se tornou o principal responsável pelos rumos desta universidade, dom Paulo fez a primeira visita ao Conselho da PUC. E disse: “Não quero uma escola de 2º grau melhorada. O que me interessa é que vocês façam uma pós que dê bons professores para todos os lugares do Brasil; e que todas as teses e tudo o que vocês discutirem além da escola se refira ao povo e ajude o povo. Que isso seja a norma daqui para a frente”.

Os resultados não tardaram, diz dom Paulo. “A Arquidiocese se organizou em pastorais diferentes – p. ex., a Operária, a da Terra, a do Trabalhador –, então eu consegui que a Faculdade de Direito se interessasse em ir, durante a semana ou no sábado, à periferia e ver como se poderia ajudar essa população e quais os problemas reais da periferia. A mesma coisa aconteceu com a assistência social, que, aliás, está trabalhando nessa linha até hoje, com métodos sempre novos e recebendo apoio da Europa e de outros lugares, com uma eficiência muito grande.”

Hoje, essas iniciativas pioneiras da PUC/SP encontraram muitos seguidores e há um sem-número de empresas e instituições esforçando-se para dar uma contribuição positiva à sociedade.

“Os estudantes da USP me procuraram em 1973 quando um colega [Alexandre Vannucchi Leme] foi assassinado pelos órgãos de segurança. Os estudantes se reuniram, uns 10 mil, e mandaram representantes à minha casa, à noite, para que eu fosse lá falar aos alunos.

“Eu disse que era melhor reunir os estudantes, mas não dava para fazer no campus da universidade, porque ele estava cercado por policiais e oficiais do Exército.

“Então, decidi fazer na catedral. Eu disse: ‘Na catedral, nós falamos o que queremos, e nós falaremos aos estudantes. Encham a catedral de estudantes e de povo, que nós diremos a verdade’. E foi o que eles fizeram. Às 15h, eu fui lá, fiz aquele ato solene em favor do estudante e celebrei a missa para o falecido. Fiz o sermão sobre o não matarás!, o mandamento central dos 10 mandamentos. Foi sobre isso que eu falei para eles, e eles participaram, vivamente, da missa e de toda manifestação religiosa posterior.

“Depois, em 75, foi a vez do Herzog; em 76, a do Manuel Fiel Filho; e em 79, a do Santo Dias, quando recebemos de 150 mil a 200 mil pessoas, que andaram desde a igreja de Nossa Sra. da Consolação. A multidão foi engrossando. Ao chegar na Catedral da Sé, não cabia nem na igreja nem na praça, então nós fizemos uma cerimônia mais curta, mas muito mais participada por todos os operários.“

“Quando o Herzog foi assassinado – lembra D. Paulo –, em 1975, os jornalistas me pediram que houvesse um ato ecumênico na catedral. Os judeus fazendo o ato deles em hebraico, portanto, não na língua que compreendêssemos. Foi impressionante e muito bonito.“

Modesto, D. Paulo evitou comentar que sua decisão foi um ato de enorme coragem. Primeiramente, porque a alta hierarquia católica não viu com simpatia sua iniciativa de oficiar missa ao lado de um rabino e de um reverendo. Depois, por ser um desafio frontal ao regime militar, que o ditador Geisel engoliu, pedindo apenas a D. Paulo que segurasse seus radicais, “enquanto eu seguro os meus”.

Finalmente, por ter, em nome de ideal de justiça e solidariedade cristãs, corrido o risco da ocorrência de tumultos e mortes que teriam um peso devastador em sua consciência de religioso.

Graças a ele, foi viabilizado o ato que acabou se tornando um divisor de águas: a partir desta vitória sobre a intimidação, a ditadura começou sua lenta, mas irreversível, marcha para o fim.

Sobre o Governo Lula, antes mesmo da crise do mensalão, D. Paulo já mostrava uma ponta de apreensão, ao se dizer esperançoso de que “o Brasil não perca esta ocasião e não afunde o barco em vez de conduzi-lo a uma margem da terra onde haja outra terra e outro céu, como diria a Sagrada Escritura; onde haja outra possibilidade de sonhar e outra possibilidade de viver com dignidade, mas para todas as pessoas e não só para uma parte”.

E, inquirido sobre o menor engajamento atual da Igreja às causas sociais, ele finalizou com uma mensagem de esperança: “A Igreja é o povo. Se o povo se mobiliza bem, a Igreja também se mobiliza. Então, é preciso unir esses dois conceitos, o povo de Deus e o povo, simplesmente. Nós precisamos caminhar para a fraternidade, para uma possibilidade de todos serem respeitados como filhos de Deus e irmãos uns dos outros”.

Não há como retratarmos a grandeza de um D. Paulo Evaristo Arns numa única entrevista. O principal, no entanto, é que suas gestões junto às autoridades salvaram a vida e evitaram a tortura de resistentes, no pior momento da ditadura.

Fiel ao espírito da igreja das catacumbas, foi o pastor que tudo fez para que seu rebanho sobrevivesse a um tempo de lobos. Um imprescindível, enfim.



Celso Lungaretti, jornalista e escritor, foi resistente à ditadura militar e participou da Vanguarda Popular Revolucionária. Escreveu o livro Náufrago da Utopia (Geração Editorial).



sábado, 7 de janeiro de 2017

VERA RUBIN, A MULHER QUE CONVERSAVA COM AS ESTRELAS


Ela sempre foi fascinada pelo céu. Nada, absolutamente nada, era mais interessante para ela do que a observação do céu noturno. Ficava imaginando como seria cada estrela vista de ângulos diferentes e o que significava o bailado dos astros.


Coerente com sua paixão dizia a todos que um dia seria uma astrônoma para poder ver o céu mais de perto, as estrelas em suas múltiplas formas e mal percebia os sorrisos irônicos dos que duvidavam.


Estudou com afinco focada nesse objetivo. Passou pelo Instituto Carnegie, em Washington e quando se candidatou à Universidade de Princeton para a pós-graduação, ouviu que “Princeton não aceita mulheres”.


Não se abalou e fez então, doutorado na Universidade de Georgetown. Conforme prometido, era enfim, uma astrônoma.


E que astrônoma.


Inquieta, inovadora, curiosa, desde cedo chamou a atenção de seus colegas, infelizmente não só por seu talento, mas pelo fato de ser mulher.


Objeto de piadinhas machistas e comportamentos hostis, num ambiente quase que exclusivamente masculino.


Um professor chegou a dizer que ela deveria se afastar desse campo de estudo tão complexo e “próprio para homens”.


Outra vez um professor se ofereceu para apresentar o trabalho dela, imaginando que ela não fosse aguentar tanta pressão dos “colegas”.


Mas ela prosseguiu, apresentou seus trabalhos, venceu. Mais importante que os preconceitos era seu amor pelas estrelas.


Tornou-se uma modelo de pesquisadora séria que tinha alegria em compartilhar seus conhecimentos, não deixando jamais de auxiliar os que estavam começando.


Não ganhou respeito, mas conquistou-o quando observando os céus como no seu tempo de criança, conseguiu provar, de forma científica, a existência da matéria escura, teorizada pelo astrônomo Fritz Zwicky, em 1933, mas que só com ela deixou de ser uma hipótese para se tornar um preceito científico.


Brilhante. Como são as estrelas.


Hoje, a composição, função e origem dessa matéria não luminosa que existe além da galáxia ótica e compreende cerca de quatro quintos da matéria do universo, é o assunto mais instigante e pesquisado nos meios astronômicos.


E foi ela, Vera Rubin, que “trouxe” esse mistério fabuloso da criação, para o conhecimento científico.


A menina que adorava observar as estrelas morreu em 25 de dezembro último, aos 88 anos.


Segundo muitos cientistas proeminentes como Lawrence M. Krauss e Katie Mack, Vera Rubin deverá ser sempre lembrada como uma das cientistas mais brilhantes e injustiçadas de seu tempo, visto não ter recebido aquilo que lhe seria de direito, e que, certamente, um homem receberia, o Prêmio Nobel de Física.


Vera Rubin, a mulher que nos convenceu que a matéria escura existe.


E por que essa mulher genial não recebeu o prêmio?


Melhor perguntar para os colegas machistas, ou então, para as estrelas.



Prof. Péricles

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

COLÉGIO ELEITORAL, A LOUCURA AMERICANA



Por José Inácio Werneck



Os americanos gostam de proclamar que seu país é “excepcional”. Pode ser verdade, mas é necessário acrescentar que exceções podem ser boas ou ruins.

Uma exceção ruim dos Estados Unidos é o aloprado sistema do Colégio Eleitoral.

Pela segunda vez em 16 anos teremos um cidadão que recebeu menos votos assumindo a Presidência da República.

O primeiro caso foi com Al Gore, no ano 2000. Ele ganhou a eleição no voto popular mas perdeu no Colégio Eleitoral para George W. Bush.

O que é o Colégio Eleitoral? É um sistema em que, quando um candidato ganha mais votos em um Estado (por exemplo, Flórida) os “electors” daquele Estado mais tarde (semanas mais tarde) dão a ele os seus votos.

O número de votos varia de Estado para Estado e na verdade começou como um pérfido sistema para dar aos estados do Sul (os da antiga Confederação, estados escravocratas) um número grande de votos no Colégio Eleitoral.

Para isto, os negros residindo naqueles estados, mesmo os escravos que não tinham direito a voto, eram computados como “3/5 de um homem”. Não eram um ser humano completo, apenas 3/5, para efeito eleitoral.

Na eleição perdida por Al Gore o resultado foi ainda mais escandaloso porque tudo indica que, na verdade, Al Gore ganhou a eleição na Flórida, mas, no tapetão da Suprema Corte, onde havia mais juízes republicados do que democratas, George W. Bush foi considerado o vencedor.

Agora, na eleição do mês de novembro passado, Hillary Clinton teve 2,8 milhões de votos mais do que Donald Trump, mas, por causa do pérfido sistema do Colégio Eleitoral, Donald Trump foi oficialmente indicado como o novo presidente dos Estados Unidos (tomará posse em 20 de janeiro).

Quem é Donald Trump? Um vigarista, mentiroso, racista, xenófobo, misógino e demagogo.

A péssima impressão que se tinha dele antes da eleição só fez aumentar nos últimos dias, pois vem indicando pessoas absolutamente desqualificadas para os postos importantes de sua administração.

Para o Departamento de Energia, vai nomear Rick Perry, antigo candidato presidencial que havia prometido… fechar o Departamento de Energia, mas, num debate em primária presidencial, em 2008, não conseguiu sequer lembrar seu nome.

Para o Departamento de Proteção ao Meio-Ambiente, Trump nomeará Scott Pruitt, um político de Oklahoma que é famoso como testa de ferro de empresas petrolíferas e quer romper o Acordo Climático de Paris.

Para a Secretaria de Defesa vai um general da reserva apelidado “cachorro louco”.

Como embaixador em Israel, um cidadão que considera os judeus favoráveis a um acordo com os palestinos “nazistas”.

Para a Secretaria de Estado, o “chairman” e executivo chefe da Exxon Mobil, Rex Tillerson, cujo interesse maior é negociar acordos petrolíferos com a Rússia, onde sua empresa tem direitos de exploração em 64 milhões de acres.

Para a Secretaria do Trabalho, Andrew Puzder, inimigo declarado da legislação trabalhista e dos sindicatos.

Trump continua a dar declarações totalmente insensatas e parece a caminho de um choque frontal com a China, por dizer que vai restabelecer relações diplomáticas com Taiwan.

É este homem, Donald Trump, que o Colégio Eleitoral consagrou Presidente dos Estados Unidos, embora tenha perdido por larga margem a votação popular.




José Inácio Werneck, jornalista e escritor, é intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.



terça-feira, 3 de janeiro de 2017

O IMPÉRIO DAS ELITES


O maior império da antiguidade, o Império Romano, agonizou antes da queda final. Uma agonia que durou cerca de três séculos.

Apesar de ter o mundo inteiro interessado em sua queda, não foi nenhum inimigo externo que o derrubou. Não foram os povos “bárbaros” como eles chamavam os germânicos, uma nova arma ou um gênio militar. O que derrubou o maior de todos os impérios foram suas próprias contradições.

Roma adotou uma religião alienígena, do oriente, que fazia sucesso entre seu povo, a religião cristã. Negociou com lideranças inimigas. Subornou generais estrangeiros. Fortaleceu os limes com aliados de última hora e até mesmo dividiu o próprio império acreditando que seria mais fácil defender e preservar dois impérios menores.

Os políticos romanos fizeram tudo o que acharam possível fazer. Só esqueceram de olhar para dentro do próprio Império. Se assim o fizessem talvez percebessem que a causa de sua decadência estava na sua própria estrutura escravagista e na imensidão de miseráveis que construía em torno de um pequeno núcleo de privilegiados.

Ao não enfrentar suas mazelas tentou deter uma avalanche com meias-medidas.

Outros grandes impérios deram o mesmo exemplo.

A falta de humildade somada à fome insaciável de poder e manutenção de privilégios, construíram ao longo da história, sepulturas de povos e de líderes que só olhavam para fora, para o inimigo externo, nunca para suas próprias deficiências.

A história deveria ser a conselheira dos governantes, mas não é.

No Brasil, o núcleo de privilegiados que tomaram o estado como sua propriedade encastelam-se dentro de um mundo surreal.

Quando Getúlio Vargas aproximou-se das causas operárias reagiram com a soberba de quem não aceita vizinhos pobres em sua esfera mítica. Tanto infernizaram a vida do líder populista que acabou com o suicídio do presidente.

Antes mesmo de retornar a segurança de suas muradas de privilégios, porém, um novo “ataque” externo tirou o sono da casta de bem-nascidos do Brasil, com o fenômeno João Goulart e suas reformas de base.

Ao invés de olhar para si mesma e perceber as enormes contradições num país que cada vez mais se industrializava e se politizava, a casta reagiu novamente com a força do império. Chamou os militares e o golpe de 1964 desbancou Jango, o “bárbaro” e trouxe mais 20 anos de calmaria aparente para esses eleitos da fortuna.

Mas o fim da ditadura traria com forças redobradas as esperanças dos mais humildes, principalmente depois da enorme popularidade da Campanha Diretas-Já e da promulgação da Constituição Cidadã de 1988.

O império dos eleitos temia por sua sobrevivência e usando sua mais potente arma, a mídia, que fora tão útil na deposição/morte de Getúlio e de Jango, criou uma mentira e elegeu um presidente amigo em 1989.

Outros mitos viriam, como um presidente sociólogo, teórico esquerdista nos velhos tempos e o Plano Real.

O que o império não entendeu e continua não entendendo é que esses mitos televisivos são eficientes para empurrar as crises para debaixo do tapete, mas são ineficazes para trazer a paz que almejam, sendo que a paz que almejam é manter seus privilégios sem que a esquerda e seus molambos ameaçem tomar o poder.

Lula deveria ser o choque de realidade, fosse nossas elites minimamente capazes de ler nas massas populares o desejo de mudanças.

Os programas sociais, os estímulos a distribuição de renda soaram para essas elites como o grito dos Hunos deve ter soado aos ouvidos romanos. O início do fim. Do cataclismo. E isso, simplesmente porque a elite brasileira, uma das mais reacionárias do mundo continua vendo pobre e melhorias sociais como algo inimigo, contrário ao seu mundo.

O golpe parlamentar contra Dilma não demonstra que a guerra acabou, ao contrário, deixa claro que a paz está cada vez mais distante.

Tomar o poder do qual sentiam tanta saudade não resolve seus problemas. O uso da truculência tem prazo de validade

O que fazer com um presidente pífio que não consegue obter uma popularidade que chegue a dois dígitos? Como angariar popularidade com medidas neoliberais?

Como enganar a população trazendo notícias de desenvolvimento econômico se a crise, a mesma que já era difícil nos tempos de Dilma, ameaça ficar pior a partir do protecionismo republicano de Trump?

A elite brasileira faria melhor se olhasse para si mesma, mas parece que, humildade é algo que os poderosos do Brasil continuam desconhecendo, assim como desconheceram que a causa da instabilidade da monarquia era, que ironia, a manutenção das estruturas escravagistas.



Prof. Péricles







domingo, 1 de janeiro de 2017

DO BRASIL E SEUS HERÓIS


Por Alberto Dines



Enquanto um via suborno e aviltamento, o outro ironizava sobre a ” doçura” do

Diplomata Calero que não entendeu o espírito de como se faz política em Brasília.



Calero negou-se a aceitar o projeto estapafúrdio da vaquejada como cultura e da maracutaia como forma de fazer política. Na suíte do caso, Temer teria enquadrado Calero, o caso acabou respingando no presidente, mas Calero saiu, Geddel ficou — só não aguentou a pressão, agora da população inteira, e uma semana depois pediu “exoneração do honroso cargo”. Tarde. Na mesma denúncia de propina nas páginas que destrincham a falência do Rio, vem a explicação de uma simples “oxigenação “.



Na mesma revolta da população inteira que inclui canto de servidores revoltados com trechos de Carmina Burana de Carl Orff e Carmen de Bizet diante da Assembléia Legislativa do Rio, a declaração de Sergio Cabral, “estou com a consciência limpa, indignado com acusações “. Neste Brasil grande cabe tudo, Caixa Dois por um lado e pressa para descriminalizar o que é crime.



Esta semana Temer montou o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social alegando que assumiu um Brasil com déficits de verdade e muito ilusionismo contábil. Garantiu “entramos na era da lucidez”. Na mesma edição, Temer qualificava então o escândalo Calero-Geddel de “um acidente” menor.



O mesmo ex-governador do Rio, Antônio Garotinho, que ia levar ”um bombom Garoto” para Sérgio Cabral quando o desafeto fosse preso, acabou em Bangu, junto com Cabral. Antes, tentou oferecer R$ 5 milhões para não ser preso e apresentou um diploma universitário duvidoso para escapar do xilindró.



Um bombom, um acarajé, um kibe, bacalhau, propina não. ” Fumar um charuto”, “tomar um vinho”, assim o ex-diretor de Serviços da Petrobrás, Renato Duque, marcava encontros com os operadores para receber contratos malocados.



O ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto cunhou como ”pixuleco” aquilo que Carlinhos Cachoeira preferia denominar ”assistência social”. Luís Rogério Gonçalves Magalhães em conversa com Wagner Garcia, preso em Bangu, preferiu noticiar três dias antes a prisão de Cabral assim, “entregou a rapadura com raspas de limão”. Já Cabral preferia negociar propinas com a Andrade Gutierrez utilizando nome de mulher, Nelma de Sá Saraca, em alusão à histórica secretária d’O Pasquim, tabloide fundado entre outros pelo Sergio Cabral pai, criador do musical Sassaricando.



A era é a do esquecimento, Sergio Cabral não sabe como pagou as joias da mulher em dinheiro vivo, algumas no valor de R$100 mil. Sua mulher não sabe como R$ 10 milhões foram parar na sua conta. A era é a do deslumbramento, da ostentação, do triplex em Guarujá que é de ninguém, de mais uma delação premiada do senador cassado Delcídio Amaral dizendo que o ex-presidente Lula, que não sabia de nada, tinha ” conhecimento absoluto “. E todo Congresso, que diz não temer nada, tremendo diante do acordo de delação dos 80 executivos da Odebrecht, empreiteira que mantinha um departamento de propina para suprir as demandas e agora pode atingir 130 políticos.



A era é a da pós-verdade, do virtual que não é real, da anti-humanidade de Donald Trump respingando temores nos ilegais brasileiros. A era é a do nacionalismo, da ultradireita antissemita, racista, xenófoba, homofóbica, neonazista ganhando espaço no mundo. A era é a da pós Petrobrás, empresa das mais poderosas do mundo, transformada na mais endividada do planeta com 132 bilhões de dólares. E é ainda o pré-sal, os royalties do pré sal que vão saldar parte do endividamento dos estados.



Na era da “lucidez ” que é a dos reality shows, devem se suceder as operações Calicut, My Way, Nessum Dorma, Caça-Fantasma, Resta Um e uma nação que segue atônita com verdades partidas, em busca de seus heróis– ou pelo menos de políticos éticos –, e de um espelho que não reflita a face de uma pós-verdade tão mentirosa.



Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do Observatório da Imprensa.



sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

PODEMOS MUDAR O MUNDO

Quando crianças somos cheios de fantasias e sonhos. Criamos amigos imaginários e monstros embaixo da cama. Brincamos com tudo e tudo se transforma em brinquedo, seja uma bola de meia ou uma caixinha de fósforos que vira um carrinho de fórmula 1.

Quando adolescentes, nossas fantasias se alteram, mas não nos abandonam.

Junto aos amigos e brinquedos imaginários somamos sonhos com pessoas reais que gostaríamos que fossem como queríamos que fossem e não como realmente são.

Mas, chega um momento, sem data específica para cada um de nós, em que as fantasias escasseiam e a maioria dos sonhos acabam. Um mergulho frio na realidade da vida. Dizem que é quando nos tornamos adultos, mas desconfio que seja quando nos tornamos tristes.

De muitas maneiras 2016 representou o fim de sonhos de muita gente.

Em especial, 2016 representou o fim do sonho de um tipo de esquerda representado pelo PT forjado na crença de que os programas sociais, por sua abrangência e virtude seriam suficientes para manter o poder. Terrível despertar de quem achava que fosse possível governar sendo aliado da banda mais podre da política brasileira. O PT descobriu que não se entra num chiqueiro sem se sujar.

Também foi o fim da crença de grande parte dos brasileiros de que a democracia depois de tantas quedas estivesse suficientemente madura para superar os perigos do golpismo.

A queda de Dilma foi a queda de milhões de joãos e Marias. Caímos junto com Dilma após um longo percurso de farsa onde uma mulher inocente e sem crimes foi condenada.

Em 2016 de alguma maneira, nosso país por inteiro despertou de algo, ou, pelo menos se viu envolto numa realidade até então não muito bem identificada.

Nunca tantos se revelaram tão reacionários e a hipocrisia até virou moda. Piadas racistas e machistas incentivadas pela intolerância tornaram-se dura realidade, agressiva e cruel.

Assim como quando jovens descobrimos que nosso melhor amigo não é tão amigo assim, descobrimos que nosso judiciário não é tão imparcial como imaginávamos.

A Lei Maria da Penha completou 10 anos, mas não tem como festejar se as mulheres continuam sendo agredidas e massacradas todos os dias e em todos os cantos do Brasil.

Um Tribunal de São Paulo decidiu que os 111 fantasmas de Carandiru, continuarão insepultos ao determinar a anulação dos julgamentos anteriores que punia os responsáveis.

No mundo inteiro o fascismo cresceu, tomou forma e trouxe consigo todos os medos que julgávamos enterrados para sempre.

Trump ganhou nos Estados Unidos e a extrema direita cresceu em vários países da Europa.

Mal podemos festejar com o espetacular Papa Francisco e a canonização da Santa dos pobres, madre Tereza de Calcutá diante de tanta pressa das notícias ruins.

Ficamos mais afastados da humanidade e próximos da animalidade em Orlando, onde 50 pessoas de uma boate LGBT foi morta e 53 foram feridos no pior atentado homofóbico desse tipo nos Estados Unidos, um país farto em atentados em escolas e faculdades.

De várias maneiras nos afastamos mais da unidade, criando novas fronteiras.

Depois de 50 anos de guerra o povo colombiano parece que se acostumou, e rejeitou um acordo de paz com as FARC.

Os britânicos decidiram, em referendo dar adeus à União Europeia.

E, acredite, o comandante Fidel que acostumamos pensar que fosse eterno, morreu, e foi ocupar seu lugar na história.

Se não dá para dizer que despertamos da inocência, já que nossa inocência não sobreviveu a outros golpes como o de 1964, dá para afirmar que acordamos no inferno das incertezas.

Há algo profundamente errado acontecendo no Brasil e no mundo.

Sobram conformidades e faltam escândalos diante das grandes e pequenas tragédias do nosso dia a dia. Será que perdemos a capacidade de indignação?

Mas sobram algumas certezas e entre elas, diante da intolerância e violência de um lado e do desejo de igualdade e fraternidade do outro, podemos ter a certeza de estar no lado certo.

Por isso, você aí, que anda cabisbaixo se sentindo derrotado. Você que anda indignado querendo que egoístas e fascistas divirtam-se com o butim que a crédula e invigilante sociedade brasileira permitiu, você, não pode fraquejar.

Você precisa resistir em defesa dos seus valores e da dignidade humana.

Você precisa ser a voz dos que não podem se expressar e os corações dos que deixaram de acreditar.

Você pode pensar que é pequeno e que não tem influência, mas está errado.

Nós somos capazes de mudar o mundo, mudando uma só consciência.

Somos capazes de fazer o mundo melhor fortalecendo uma só esperança.

Não desista. 2017 está aí e a luta está só começando.

Do seu jeito, em seu trabalho, entre amigos e parentes, com a namorada, debatendo com o marido, corrigindo informações distorcidas, incomodando os que não querem pensar na besteira que apoiaram e no perigo que nos ronda, faça você a sua parte.

Ela é grandiosa, acredite... os grandes incêndios começam sempre com pequenas chamas.

Feliz 2017 a todos os nossos queridos leitores do Blog. Foi uma enorme alegria poder contar com a presença de vocês em nossos textos.

Estaremos juntos no ano que inicia.

Boa luta!





Prof. Péricles

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

TEMPOS DE FÚRIA

por Fernando Pacheco


Há datas que entram para a história como símbolos da abertura de novo ciclo. O 14 de julho de 1789, o outubro de 1917, entre outros, são dias que se cristalizaram em nossas memórias pelo ineditismo de seus fatos, ainda que não fossem a consolidação de seus processos históricos.

Quando as ruínas das torres do World Trade Center ainda ardiam em chamas na noite do dia 11 de setembro de 2001, tornou-se popular entre os analistas de política internacional a ideia de que ali começava o século XXI. 

O ano de 2016 parece, agora, melhor candidato a ponto de partida de uma nova jornada histórica.

No espaço de um ano, assistimos a sucessivas ondas sociais e políticas a desafiar as análises e desmoralizar permanentemente quaisquer teorias de “fim da história”. Vimos o surgimento de um ambiente político marcado pela flutuação em tempo real da opinião pública, catalisada pelos algoritmos das grandes redes sociais.

E, assim, as insatisfações desaguaram em fúria, e escreveram enredos históricos antes impensáveis, dando origem a coisas como o Brexit, a eleição de Trump, o golpe parlamentar no Brasil, a vitória de François Fillon nas primárias na UMP na França, e o crescimento do partido nacionalista Alternative fur Deutschland nas eleições estaduais na Alemanha.

O balanço do ano é que a direita tradicional, o conservadorismo e um novo nacionalismo ampliaram seus terrenos, enquanto as esquerdas e as teses de internacionalização e integração econômica assistem atônitas às derrotas que acumulam.

As ondas bruscas que abalaram corporações, governos, partidos e convicções neste ano trouxeram mais dúvidas do que certezas para o futuro do mundo.

Há pouca semanas para o dia da posse de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos da América, analistas lutam contra as imensas dificuldades de traçar previsões sobre um resultado eleitoral que parecia fantasioso e impossível.

Incerteza e dúvidas são as palavras mais comuns entre os principais editorialistas e formadores de opinião americanos. 

Um dos poucos que acertaram o resultado eleitoral, o documentarista Michael Moore, adiciona mais incerteza sobre o futuro dos EUA ao dizer que ainda não sabemos quem tomará posse no dia 20 de janeiro, já que o resultado do colégio eleitoral poderá ser alterado por delegados infiéis às decisões de seus estados, fato que não ocorre desde 1824.

Já no Brexit, o novo governo conservador, instalado com o único propósito de tornar concreta a decisão do referendo, segue a pedir mais prazos para romper os laços com a Europa. Os acessos de fúria e insubmissão de uma opinião movida a likes produziram consequências que atingem interesses de amplo espectro, de corporações multinacionais a partidos progressistas, e tal convergência, em vez de representar sólido triunfo, pode ser a origem de fragilidades e dúvidas.

Invertendo o ângulo pelo qual se veem os fenômenos e a examinar os processos que deram origem às ondas de 2016, os vencedores podem ter mais preocupações do que comemorações. A crise generalizada da representação democrática e a inquietação de largos segmentos da população com os resultados e as soluções encontradas para a crise de 2008 indicam que a impaciência não foi aplacada.

Trump talvez seja o exemplo mais caricato dessa nova lógica, ao dar declarações conflitantes e moldar uma base oscilante para sua agenda política, moldada a partir da lista de trending topics de sua conta no Twitter. A estratégia é eficaz para passar pelo portal do processo eleitoral, mas será suficiente para sustentar um projeto de longo prazo?

Hoje o mundo digital é mais real que virtual, mas ainda assim a política ainda não é uma tela de smartphone, em que um deslizar de dedos faz desaparecer as verdades de 15 minutos atrás.

Em uma entrevista logo após o resultado do referendo, um vitorioso parlamentar Nigel Farage gaguejava ao dizer que o dinheiro que o Reino Unido destinava para a União Europeia talvez não pudesse ser revertido em futuro próximo para o Sistema Nacional de Saúde. Tal medida havia sido um dos principais motes da campanha do Brexit, da qual Farage foi o principal porta-voz. De julho para cá, seu partido perdeu 30% dos seus filiados.

Nos EUA, ainda resta duvidosa a capacidade de Trump de recriar os empregos fabris nos estados que lhe deram a vitória, pois a maioria das avaliações entendem que, mesmo que uma parte dos postos de trabalho tenha sido exportada, a grande maioria foi vitimada pela mais recente revolução tecnológica nos segmentos manufatureiros.

Aqui, o novo governo brasileiro, que inverteu a agenda política eleita pelo voto, adiou a promessa de crescimento para o último trimestre do ano que vem. Até lá, muito arrocho, medidas impopulares e hordas de políticos envolvidos em denúncias de corrupção. E a impaciência e a fúria latentes.

Tais realidades não implicam que os tempos das direitas serão necessariamente curtos. Por outro lado, há espaço para que forças progressistas recuperem o diálogo com a opinião pública.

Primeiro, é preciso parar de apontar para os outros, e começar a encarar os problemas internos. Seria positivo ver a esquerda brasileira parar de cobrar os que foram às ruas pelo impeachment, e passar a dialogar com as críticas a corrupção e a insatisfação com o estado de coisas da economia que levaram àqueles protestos.

Assim como seria excelente ver o Partido Democrata americano explicar porque ignorou a diretriz política de Barack Obama que dizia “Não façam coisas estúpidas” e permitiu que um sistema distorcido de superdelegados elegesse uma candidata vinculada ao establishment, quando o público exigia a antítese.

Os progressistas europeus poderiam retraçar um projeto de Europa integrada que incluísse os trabalhadores e preservasse direitos. Tais primeiros passos permitiriam que vozes progressistas recuperem o tempo de tela perdido nas timelines mundo afora.

Voltar a ser ouvido é apenas ponto de chegada e não de partida. Exige-se da esquerda e do campo progressista resposta para as grandes questões. A saída para crise de 2008 foi suficiente para reduzir desemprego em alguns países, mas a desigualdade social só se amplia (2016 também foi o ano que em que o 1% mais rico concentrou mais riqueza do que os demais 99%, segundo a Oxfam).

A insatisfação com o desaparecimento de empregos fabris resultante de substituições tecnológicas não foi aplacada pelas soluções de pós-emprego, tais como as panaceias do empreendedorismo e das indústrias criativas.

O multiculturalismo parece não ter sido suficiente para conciliar a vida em sociedades multiétnicas e preservar a laicidade do Estado em diversos países. O multilateralismo falhou na sua missão fundamental de promover a paz, tendo a Síria como prova cabal de seu insucesso.

Ideias novas que possam responder a essas difíceis questões talvez sejam a saída para que 2016 não tenha sido o marco de uma nova era conservadora, mas sim um importante recomeço para as forças que acreditam na construção de um novo mundo mais justo, tolerante e solidário.



Fernando Pacheco é economista e membro do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GR-RI).

domingo, 25 de dezembro de 2016

O MUNDO DE HADES



No início da criação dos mundos, em determinado momento, os três filhos de Cronos, Poseidon, Zeus e Hades, viram-se diante de um dilema: que área infinita da manifestação divina cada um deles deveria governar?


Como nenhum deles teve uma ideia melhor, resolveram pelo simples e eficiente sorteio.


Juntaram três pequenos gravetos de tamanhos diferentes que foram escondidos na mão fechada de Zeus. Hades e Poseidon, escolheram aleatoriamente um gravetinho cada um, que, a mão fechada, não permitia ver o tamanho.


Segundo os gregos, o grande sortudo foi Zeus que, ficando com o graveto maior tornou-se governador da Terra e de todos os seres vivos que vivem nela. Seria o deus mais bajulado e querido, senhor de todos os homens e pai de muitos outros deuses.


Poseidon não se deu tão bem, mas não podia se queixar, afinal, seria o senhor de todos os mares e oceanos. Todas as criaturas vivas das águas marinhas lhe deveriam obediência e reinaria absoluto e incontestável no seu mundo.


Quem se deu mal mesmo foi Hades que, ao ficar com o graveto menor tornou-se deus do reino dos mortos, senhor dos infernos e de todas as criaturas danadas e das sombras. Os gregos detestavam a ideia da morte por isso Hades seria um Deus muito mais temido do que amado.


Se até mesmo para os seres supremos, imortais e infinitamente poderosos, a sorte é caprichosa e decisiva, podendo sorrir mais para uns do que para outros, imagine para nós, simples mortais.


Mas, nem sempre quem tem sorte percebe que a teve e os benefícios de certas escolhas ou situações só serão completamente conhecidos muito mais tarde, assim como a falta de sorte pode enganar muita gente.


Os golpistas não sortearam, mas ratearam de acordo com as conveniências, seus nacos de poder após o vergonhoso golpe que engendraram no Brasil.


Alguns deles pensaram ter muita sorte pela situação ter chegado ao que chegou no dia 31 de agosto desse ano, quando Dilma Roussef foi definitivamente afastada pelo senado.


O próprio vice que, jamais seria eleito presidente, deve ter se achado com muita sorte por ganhar dois anos inteirinhos e um país para brincar de presidente.


“Ganhei o Olimpo”, talvez tenha imaginado.


Mas, como já nos avisavam os gregos, o tempo é o senhor da razão.


Nem terminou ainda 2016 e já se percebe no ar que alguns não tiveram tanta sorte assim.


Toda ação provoca reação e achamos que sabemos como começam as vilanias, golpes e traições, mas ninguém sabe como acabam.


Muitos que se imaginavam seguros contra investigações inconvenientes foram surpreendidos na sequência inevitável dos incêndios criados para outros fins.


Alguns, percebendo que o caixa vazio é frio e sinistro, começam a duvidar da eficácia em seus negócios dos resultados de toda essa confusão criada ou apoiada por eles.


Provavelmente o vice-presidente diante das nuvens cada vez mais negras no horizonte e percebendo que apoios absolutos são momentâneos e podem sumir com a rapidez de uma crise provocada pelo dólar, esteja pensando que, achando ter conquistado o Olimpo esteja agora abraçado com o inferno, sendo muito mais temido do que amado.


E as similaridades não são poucas, entre homens e deuses.


Os senhores do Olimpo, dos oceanos e dos infernos, eram egoístas, arrogantes e autoritários.


Exigiam serem reconhecidos por seu poder e adoravam bajulação.


Dizem que muitos senhores hoje banhados pelas luzes da mídia generosa também mavegam nas mesmas emoções.


Os deuses, muitas vezes movidos pela paixão ou inebriados pela idolatria cometiam injustiças das quais até mesmo, se orgulhavam.


Parece que no nosso mundo, também.


Mas, tudo passa, e se até os deuses envelhecem, juízes e oráculos também perderão seu fulgor diante das dificuldades e mais uma vez será impossível cobrir o sol com a peneira para sempre.


Não se sabe se um dia o Brasil será algo parecido com o Olimpo de Zeus, mas, com certeza, atualmente, se parece muito com o traiçoeiro mundo de Hades.



Prof. Péricles

quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

CONSPIRAÇÃO DO NATAL





Tudo bem, tudo bem... sabemos que quanto mais o tempo passa maior a tendência para o indefinido “ah meu tempo!”.

Podemos aceitar que na marcha dos anos vamos perdendo as ilusões. As cores ficam menos coloridas e a gente fala menos com amigos imaginários.

Dá pra acreditar que a maturidade nos dê aquele olhar enfadonho de quem acha que já viu tudo, mas, francamente, o que está acontecendo como natal?

Pelo menos em Porto Alegre quase não se vê mais, decorações natalinas nas ruas.

Para onde foram as luzinhas coloridas e piscantes? E a cara sorridente do papai Noel? Pior, por onde andam aquelas crianças que o amavam ou temiam?

Até daquelas musiquinhas irritantes e sempre as mesmas, sentimos falta.

Alguém tem que explicar o que aconteceu com a festa pré-natalina.

As coisas estão tão estranhas que temos até medo de desejar feliz natal para alguém e receber em resposta um “hã?”.

Nem precisa ser tanto quanto naquele ano em que foi promovido um concurso para a melhor decoração natalina e Porto Alegre inteira se tornou um imenso e lindo presépio. Realmente não precisa tanto, mas, que tenha algo.

O espírito de natal, que jamais esteve presente no comércio intenso de presentes, resistia nas luzinhas azuis, verdes, vermelhas, amarelas, que piscavam em torno de pinheiros, às vezes acompanhadas de bonequinhos representativos do nascimento de Jesus, estrela de Belém, etc.

Se a decoração de natal sumir corre-se o risco do próprio natal desaparecer.

Alguém tem que esclarecer o que está acontecendo.

Está tudo muito estranho, as cidades mais indiferentes e carrancudas.

Culpa do PT? Da Dilma? Lula?

Ou será uma conspiração dos americanos para nos deixar velhos antes do tempo?

Quem sabe?



Prof. Péricles

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

TEMER E OS INCAUTOS




Por Mário Augusto Jakobskind


O presidente golpista Michel Temer a cada dia que passa se supera em matéria de enganação e discursos que objetivam atemorizar quem não reza por sua cartilha e impor goela adentro do povo medidas que se voltam contra a maioria do próprio povo. Para isso agora ele conta no Senado com a colaboração de Romero Jucá como o líder deste governo usurpador e ilegítimo.


Temer fala para o mercado e prevê que a economia vai melhorar e já tenta mostrar atualmente com indicadores nesse sentido.


Temer de alguma forma faz lembrar o atual presidente argentino Maurício Macri, que no início de sua gestão falava mais ou menos a mesma coisa que Temer neste momento. O que previa Macri não está ocorrendo, muito pelo contrário, e alguns analistas receiam que possa acontecer a mesma coisa que sucedeu com o presidente Fernando de La Rua, que depois de quebrar a Argentina teve de fugir de helicóptero da sede do governo para não ser apanhado pelo povo enfurecido.


Temer neste momento ainda conta com o apoio irrestrito da maior parte dos jornalões e telejornalões, que fazem questão de apresentá-lo como uma espécie de “salvador da pátria”. Mas só que o tempo corre e o Brasil não está se “recuperando” como prevê Temer e seus seguidores, entre os quais Romero Jucá, que tenta de tudo para aprovação da PEC 55, conhecida também como PEC da morte, inclusive afirmando o absurdo que se trata de uma medida “para salvar o Brasil”.


Como se não bastassem todos esses discursos para enganar incautos, Temer ainda por cima investe contra os jovens estudantes que ocupam escolas para manifestar sua indignação contra as medidas adotadas pelo governo golpista. Temer revela inclusive desconhecimento total sobre os estudantes ao afirmar que “nem sabem o que é uma PEC” ou algo do gênero.


Temer imagina que está lidando com o seu rebanho peemedebista que o apoia em todas as circunstâncias. O presidente se considera um predestinado que tem uma missão a cumprir. E pelo que se pode depreender de sua “ponte para o futuro”, que tenta enfiar goela adentro do povo brasileiro, o seu projeto visa fortalecer os ricos para os tornarem ainda mais ricos e os pobres ainda mais pobres.


Está cada dia mais cristalino o papel que Temer está cumprindo, por enquanto com o apoio do PSDB, o mesmo partido que na gestão de FHC fez o que fez para o Brasil e foi derrotado nas urnas quatro vezes seguidas. Mas como no voto não conseguiram executaram outra estratégia para tomar o poder, não se importando com a forma para alcançar o objetivo.


O tempo agora vai dizer ao povo o que acontecerá ao Brasil se o projeto Temer-PMDB/PSDB conseguir ir até o fim. O PSDB pressiona Temer para fazer tudo ainda mais rápido e já chega a ameaçar que se não o fizer poderá perder o cargo por alguém indicado numa eleição indireta, a partir de janeiro para cumprir o resto do mandato até 1 de janeiro de 2019.


E por incrível que pareça já se começa a especular alguns nomes, entre os quais, o de Fernando Henrique Cardoso, o preferido da família Clinton. Mas se Cardoso por acaso der para trás podem convocar outro do gênero, inclusive já se cogitando o nome de Nelson Jobim, a figura patética que quando ocupava o cargo de Ministro da Defesa aparecida em público com a fantasia da farda militar.


Mesmo sendo do PMDB, Jobim em tempo algum se recusou a fazer sempre o jogo do PSDB. Por isso é um dos nomes já surgidos para seguir com rapidez a entrega do país às multinacionais, no mesmo diapasão feito por FHC nos anos 90 em suas duas gestões.



Mário Augusto Jakobskind, jornalista e escritor. Seus livros mais recentes: Líbia – Barrados na Fronteira; Cuba, Apesar do Bloqueio e Parla , lançados no Rio de Janeiro.

domingo, 18 de dezembro de 2016

A BANALIZAÇÃO DA MENTIRA


Leiam o que tem a dizer o deputado Jean Wyllis sobre a absurda campanha fascista no Congresso que tenta atingir seu mandato...




por Jean Wyllys


Eu poderia falar, como a Universidade de Oxford o fez, em "pós-verdade", conceito interessante quando se trata de política nas redes sociais. Contudo, para ser direto, prefiro falar de mentira. Porque disso se trata.


A família Bolsonaro usou, outra vez mais, uma mentira para me difamar; e seus aliados – o deputado Alberto Fraga e o ex-corregedor da Câmara, Carlos Manato, também aliados do agora preso Eduardo Cunha – a apresentaram como "prova" para representar contra mim no Conselho de Ética, pedindo a cassação ou suspensão do meu mandato.

Porém, dessa vez, a Polícia Civil desmascarou, por meio de perícia incontestável, a mentira.

Vou explicar brevemente a que mentira me refiro.

No dia da votação do impeachment da presidenta eleita, quando chegou a minha vez de votar, os deputados favoráveis ao golpe contra Dilma Rousseff (entre eles, os Bolsonaro) começaram a me vaiar e insultar com injúrias homofóbicas que ninguém merece ouvir, mas que eu, por ser homossexual assumido, estou acostumado a ouvir desde criança.

Ao longo dos últimos seis anos, ouvi os insultos homofóbicos de Bolsonaro dia após dia nos corredores, nas comissões e no plenário da Câmara dos Deputados, e nunca devolvi os insultos e nem agi com violência; jamais havia perdido a compostura por causa disso.

Naquele dia, porém, em meio à jornada mais tensa que vivi no parlamento desde que estou deputado, depois de ter ouvido Bolsonaro, minutos antes, homenagear o torturador Brilhante Ustra, as injúrias homofóbicas contra mim acabaram com a minha paciência e, numa reação humana, provocada pela indignação, cuspi em direção a ele.

Não neguei depois, como o fez o filho dele, que também me cuspiu, mas, depois, gravou um vídeo em que afirma jamais ter cuspido em alguém – porque não sabia que seu cuspe fora filmado. Eu não minto, eu sempre falo a verdade.

Se alguém tivesse me perguntado, uma semana antes, se eu seria capaz de cuspir em alguém, eu teria respondido que não. E não estaria mentindo. Não é assim que eu ajo; diferentemente do deputado Bolsonaro, que, além de mentir, já deu um soco no senador Randolfe; empurrou a deputada Maria do Rosário e disse que só não a estupraria porque, segundo ele, "é feia"; agrediu a senadora Marinor Brito; insultou uma jornalista do SBT durante uma entrevista; gritou para um grupo de jovens, numa audiência pública na Câmara, expressões como “teu pai está dando o cu e você gosta de dar o cu também”. 

Quase todos os dias recebo ameaças de morte vindas de seguidores desse deputado.

Diferentemente dessas pessoas e de seu mentor, a quem chamam de "Bolsomito", eu sou uma pessoa que faz política com conhecimentos, argumentos e ideias. Jamais agredi fisicamente outras pessoas (agredi verbalmente apenas como reação) e nunca me envolvi em brigas corporais. Porém, por ser humano, minha paciência tem limites. E, naquele dia, pela primeira vez, eu reagi. Espero que seja a última, porque espero que essa situação nunca mais se repita.

Foi isso que eu disse ao deputado Chico Alencar quando ele me perguntou o que tinha acontecido: "Eu cuspi na cara do Bolsonaro, Chico". A conversa foi filmada de longe, não dá para ouvir, mas a leitura labial permite entender. Eduardo Bolsonaro publicou uma versão deturpada desse vídeo com a legenda: "Eu vou cuspir", sugerindo que eu tinha premeditado o cuspe.

O vídeo deturpado foi apresentado pelo deputado Fraga e pelo ex-corregedor Manato como "prova" contra mim. O presidente da Casa, Rodrigo Maia, em que pese ser meu adversário político, foi honesto e republicano e quis arquivar a representação, mas Manato e os aliados de Cunha na mesa diretora derrotaram Maia numa votação e enviaram o caso com o vídeo falso para o Conselho de Ética.

Chico foi chamado para depor e disse que o vídeo era uma fraude. Eu fui chamado para depor e disse que o vídeo era uma fraude. Mas Jair Bolsonaro, o pai do falsificador, afirmou em seu depoimento que o vídeo era autêntico. Mentiu.

Agora, a Polícia Civil entregou ao Conselho de Ética uma perícia que prova sem sombra de dúvidas que o vídeo foi deturpado e que, na verdade, ele foi filmado depois da cusparada e a minha fala, exatamente como eu disse, foi: "Eu cuspi". Ficou provado que foi forjado um vídeo falso para me difamar para usá-lo contra mim no Conselho de Ética.

O que me assusta é a naturalidade com que convivemos com a mentira no parlamento e na política. Como se fosse normal. Agora que a Polícia Civil provou que o vídeo é falso, eu espero que o Conselho de Ética arquive essa absurda representação contra mim, mas, mesmo assim, quem me devolve o tempo perdido, a difamação sofrida, os danos, o sofrimento?

Outros homossexuais destacados em diferentes épocas foram vítimas desse expediente. Mentiras foram fabricadas contra eles para assassinar suas reputações, ou até para assassinar eles mesmos. Oscar Wilde, Alan Turing, Harvey Milk, Ângela Davis.

Não pretendo me comparar a eles, embora eles tenham sido inspiradores para mim no que diz respeito a lutar contra a opressão e pela justiça. Não pretendo ser nem ser visto como herói. Busco em meu cotidiano mostrar que sou um homem de hábitos comuns, ando nas ruas, vou ao supermercado, bares, frequento lugares de sociabilidade gay, como saunas e clubes, justamente para não criar em torno de mim uma área mítica.

Contudo, sou muito determinado em dar um sentido positivo à minha existência, em fazer, desta, um meio de defender a liberdade, a igualdade de oportunidade, a diversidade e a justiça.