segunda-feira, 14 de novembro de 2016

REPÚBLICA BRASILEIRA E SEU POVO DISTANTE


Após 67 anos de monarquia, a República brasileira foi proclamada em 15 de novembro de 1889, a partir de um golpe de estado promovido pelo exército.

Portanto, nesse 15 de novembro de 2016 ela está fazendo aniversário de 127 anos.

Costuma se dizer que o Estado tem 3 elementos que são básicos em sua constituição: um território definido e reconhecido, um povo com identidade cultural e um governo centralizado que o represente.

Em assim considerando, a grosso modo, como andou a saúde do estado nacional brasileiro no período republicano?

Bem, o território nacional além de reconhecido se ampliou, com a anexação do Acre durante o governo do Presidente Rodrigues Alves. O mar territorial foi ousadamente ampliado para 200 milhas pela Ditadura militar e, excluindo-se supostos torpedeamentos nazistas à navios mercantes brasileiros, não tivemos nenhuma ameaça real à nossa integralidade territorial.

Com relação ao governo centralizado que o represente, tivemos alguns abalos, mas, externamente sempre houve o reconhecimento por parte das nações estrangeiras de nossa soberania.

O Brasil foi o único país que enviou tropas para a Europa na segunda guerra mundial, abalizou vários tratados e protocolos internacionais e, infelizmente, mesmo nos negros anos da ditadura militar sempre teve seu governo reconhecido lá fora.

Já, o terceiro elemento definidor dessa equação que forma o estado não andou nada bem.

Fruto de uma colonização elitista e exploradora e de período monárquico que manteve a escravidão, uma das principais cicatrizes de nossa história, tivemos a formação de uma das sociedades mais conservadoras e excludentes do continente.

Diferentemente dos Estados Unidos, nossa classe média não enriqueceu e nem poderia, já que as políticas nacionais, em geral, visaram o bem financeiro das classes mais abastadas. No entanto, cristalizou-se nessa classe média o sentimento de estranha e falsa superioridade sobre os mais desvalidos.

É uma classe média que mesmo sem possuir terras é contra a reforma agrária, mesmo sem possuir escravos é avessa aos interesses históricos dos trabalhadores e, mesmo sem nunca estar de fato no poder, é mais reacionária do que se realmente o poder fosse seu.

Apenas nos últimos anos, a partir das políticas afirmativas, a população negra pode ter melhores condições de acesso ao ensino superior e isso, teve um peso enorme contra o governo que as criou.

Estupefatos assistimos o desenvolvimento crescente de um ódio, por parte das classes médias, às políticas que diminuíram as diferenças sociais que, beira, o fanatismo.

País da hipocrisia, no Brasil “não existe racismo” mas nele habita um dos povos mais racistas de nosso tempo. É tolerante, mas defende medidas medievais contra a diversidade de gênero. É pacífico, mas possuí uma das polícias que mais matam no mundo e gente capaz de defender a pena de morte como solução dos problemas da violência além de glorificar personagens de discurso fascista. Um Brasil de todos, mas com o poder nas mãos de meia dúzia.

Somos um povo de quase 200 milhões de pessoas, mas, definitivamente ainda não somos uma nação.

Vivenciamos absurdos como o fato de 10% da população concentrar mais de 60% da renda nacional. Ou ainda de saber que enquanto o 1% da parcela mais rica da nossa sociedade é tão rica como os abastados dos países mais desenvolvidos, nossos mais pobres são tão pobres como os mais carentes de Serra Leoa ou da República Democrática do Congo.

Então, ao chegar o calendário à mais um 15 de novembro, nos falta motivos para comemorar e sobram causas de reflexão.

Para onde vamos, afinal? Que Brasil estamos construindo para nossos filhos e netos?

Nos últimos tempos, as máscaras que, historicamente escondiam o ranço reacionário, caíram. O Brasil do “todos juntos vamos, pra frente Brasil” está cada vez mais dividido e, as pequenas feridas sociais ameaçam tornarem-se fraturas expostas.

E, num momento tão grave, se chega a conclusão que o que mais nos ameaça, o que mais assusta, não são perigos contra nossa soberania ou segurança territorial, nem mesmo qualquer menosprezo internacional contra nossos governantes. O que ameaça mesmo, o estado brasileiro, é a insensata segregação e intolerância racial e social.

Que o 15 de novembro seja um momento de reflexão que busque a união de todos os brasileiros, que só será possível com o fim dos elementos reacionários que a impedem.

Definitivamente, se nosso povo sofre e é mantido distante do banquete, nossa pátria sofre e não tem motivos para estar em festa.



Prof. Péricles

sábado, 12 de novembro de 2016

PROCURA-SE UMA HENRIETTE

por Paulo Nogueira


Em 1914, o jornal conservador Le Figaro vinha massacrando o ministro da Fazenda, Joseph Caillaux, de esquerda. Caillaux, para o jornal, era pacifista demais um momento em que a Alemanha flexionava seus músculos.

O Figaro conseguira uma correspondência íntima de Caillaux dirigida a uma mulher da sociedade parisiense, Henriette.

Eram cartas em que se misturavam lascívia e inconfidências políticas e datavam da época em que Caillaux e Henriette mantinham um caso clandestino.

Quando o Figaro obteve as cartas, Caillaux e Henriette já eram marido e mulher, depois de cada qual se divorciar para viver plenamente o seu relacionamento.

O editor do Figaro, Gaston Colmette, era o jornalista mais poderoso da França. 

Henriette queria que Joseph o desafiasse para um duelo para preservar a honra e a carreira. Mas depois teve uma segunda ideia.

Dirigiu-se à sede do jornal e pediu para ser recebida por Calmette, num final de dia. 

Um amigo de Calmette lhe recomendou que não a recebesse, dadas as circunstâncias da campanha movida contra o marido dela.

Mas Calmette era um francês, e respondeu que não poderia deixar de atender uma dama sozinha.

Henriette tinha um véu na mão.

“Você sabe para que eu vim aqui, não?”, disse ela, segundo testemunhas. Sem perder um só minuto, Henriette mostrou o que carregava: uma Browning automática. Descarregou-a em Calmette. Quatro tiros acertaram seu peito, e o mataram em poucos minutos.

A polícia não tardou a aparecer. Os policiais iam levar Henriette a uma delegacia na viatura que estava estacionada na frente da sede do Figaro.

“Não toquem em mim”, disse ela. “Je suis une dame”.

Ela foi para a polícia em seu próprio carro.

Poucas semanas depois, num julgamento que chacoalhou a França e a Europa, e obscureceu entre os franceses os acontecimentos que logo levariam à Primeira Guerra Mundial, o caso foi examinado por um júri composto apenas de homens.

Henriette acabou inocentada. O júri decidiu, em legítima defesa da honra, e sob intensa emoção.

A opinião pública, no julgamento, se inclinou por Madame Caillaux e não pelo jornalista morto, ou pela causa deste.

Houve entre os franceses um consenso de que Calmette e o Figaro tinham cometido um abuso intolerável de poder, e o veredito refletiu isso.

Acabou assim espetacularmente, pelas mãos de Madame Caillaux, une damme, o jornalismo que assassinava reputações na França.

O Brasil o Calmette brasileiro era o “Corvo”, o jornalista e político Carlos Lacerda, que se lançou a uma campanha selvagem que levaria Getúlio Vargas ao suicídio, em 1954.

É um exercício fascinante imaginar o que teria ocorrido se Vargas tivesse a seu lado uma Madame Caillaux.

Mas não tinha.

Lacerda foi vítima de um atentado em que saiu apenas com um pé ferido. O mandante, segundo a polícia, foi o chefe da guarda pessoal de Getúlio. Sob a pressão da imprensa, Getúlio poucos dias depois se mataria.

Madame Caillaux, na Paris de 1914, acabou de uma só vez com Calmette e com um tipo de jornalismo que os franceses julgaram destrutivo e nocivo ao interesse público. Lacerda pôde seguir, revigorado, sua carreira deletéria.

O Corvo seria o nome essencial para justificar, pela imprensa, a instalação de uma ditadura militar que, sob o pretexto infame de impedir “o triunfo do comunismo”, viria a matar milhares de brasileiros e faria do Brasil um campeão mundial da desigualdade social.

Henriette, com seu gesto extremo e desesperado, forçou a França a avaliar o jornalismo que se fazia então.

O Brasil jamais passou por este tipo de avaliação, e isso explica em grande parte o jornalismo sem limites que vigora entre nós ainda hoje, um século depois de os franceses terem imposto limites imprescindíveis ao interesse público.



quinta-feira, 10 de novembro de 2016

TRUMP GANHOU, E AGORA?


E não é que Donald Trump venceu as eleições...


Apesar das projeções de todas as pesquisas, o bilionário ganhou. Provavelmente a vitória veio dos votos dos “envergonhados”, aquele pessoal que não confessa que votará numa figura como Trump, mas no silêncio das urnas, vota.


Claro, nós sabemos que presidente não governa sozinho, nem manda tanto quanto a maioria imagina, mas... não é muito confortável saber que os botões das armas nucleares estarão ao alcance de um homem como Donald Trump.


É como saber que uma criança de sete anos está brincando com seu revólver.


Aliás, alguns biógrafos dizem que Donald é um menino de sete anos que envelheceu só por fora.


Tenho um amigo que diz que ficou satisfeito já que deseja ver o circo pegar fogo. Tudo bem, mas não esqueça que você está dentro do circo.


Mas, o fato é que o homem ganhou e isso confirma a tendência de vitória da extrema-direita no mundo (e no Brasil, como vimos nas eleições municipais).


Do que mais nos atinge diretamente, a política externa, algumas coisas mencionadas por ele durante a campanha eleitoral, não podem deixar de preocupar, agora que é presidente. Por exemplo:


01. O Irã, terra dos Aiatolás e do Hesbollah, mais poderoso exército árabe na Região do Oriente Médio, tinha um programa nuclear que incomodava as demais nações e ameaçava a paz mundial. Com muito esforço foi assinado um acordo entre Irã, Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, União Europeia, China e França que assegurou a continuidade do programa apenas para fins não militares. Trump defende que esse acordo seja rediscutido e isso, é grave em sua potencialidade de crise internacional.


02. Ele garantiu que fechará a fronteira entre México e Estados Unidos com um muro (e que faria os mexicanos pagarem por sua construção) nos moldes do muro de Israel na Palestina. Isso agradou muito os coxinhas dos Estados Unidos em sua xenofobia (os coxinhas daqui se pudessem ergueriam muros deixando os mais pobres do lado de lá). Claro que qualquer tipo de política de exclusão preocupa nos frágeis tempos atuais.


Ainda referente ao México, esse país deve estar muito preocupado com os adjetivos pesados usados pelo candidato, agora presidente, contra o livre-comércio entre os dois países.


03. Nunca, desde a crise de 1962, Estados Unidos e Cuba se aproximaram tanto de forma que o governo Obama marchava para o fim do embargo contra a ilha, e isso foi saldado pelo mundo todo. O presidente eleito, em discurso de campanha criticou essa reaproximação e o sinal de alerta agora soa novamente.


04. Estados Unidos e China, finalmente avançaram em direção à uma colaboração com os propósitos da ONU para um acordo de defesa do meio-ambiente em busca da redução do aquecimento global. De acordo com seu discurso pré-eleitoral vencedor, o acordo climático da COP21 deverá ser questionado e desconsiderado por seu governo. O mundo que se vire.


Esses, entre outros são pontos que preocupam em relação a geopolítica e a eleição de Donald Trump.


Lembremos ainda que, tradicionalmente, os republicanos defendem políticas protecionistas e Trump chega a mencionar barreiras não tarifárias, ou seja,aquelas baseadas em critérios técnicos que eles podem manejar à vontade para nosso desespero.

O governo golpista, uma espécie de sucursal norte-americana no Brasil, deve estar preocupado, pois, a troca de patrão atinge diretamente alguns objetivos previamente traçados. A Globo, que assumiu uma defesa atuante da candidatura de Hillary Clinton, parece atordoada.

A extrema-direita ganhou novamente. As análises sobre o que está acontecendo ainda precisarão de tempo, mas, com certeza vivemos anos amargos que prometem ser barra pesada.


Estejamos preparados, fortalecidos em nossos valores de igualdade e fraternidade e prontos para a luta.




Prof. Péricles



terça-feira, 8 de novembro de 2016

NÃO PROVOQUE AS MULHERES


É cada vez mais evidente que, novamente, o Brasil precisará da força de setores tradicionalmente resistentes ao autoritarismo para sobreviver a mais um golpismo em sua história. Entre esses setores destacam-se estudantes e a mulher.

Nunca cometa a asneira de subestimar a mulher.

A mulher indignada, meu amigo, é a maior força da natureza.

Mulheres são meigas e românticas, sim, mas sabem brigar pelos seus direitos e, fique sabendo, são terríveis quando injuriadas.

Como Boudicca.

Você conhece Boudicca não é?

Boudicca ou Boadicea, era esposa do rei Prasutagus da tribo Iceni, povo celta.

Quando Prasutagus morreu, seu Reino ficou para ela, a viúva.

Mas, o terrível Império Romano, em expansão, havia aportado às ilhas britânicas com outros planos para aquelas terras. Só não haviam ainda conquistado a tribo Iceni porque temiam o rei Prasutagus, tido como um grande líder e homem furioso. Com a morte deste eles deixaram pra lá a diplomacia.

Sem aviso invadiram a região e queimaram aldeias.

Boudicca e suas filhas foram feitas prisioneiras, torturadas e estupradas. Depois abandonadas quase mortas e consideradas como problemas superados.

Pobre Roma, não sabia com quem estava lidando.

Logo que recuperou a saúde a Rainha organizou a resistência, pessoalmente.

Em pouco tempo, tornou-se a figura mais temida pelos romanos, e olha que eles conheciam todo tipo de guerreiro.

Em seus relatórios, os apavorados comandantes romanos descreviam Boudicca como “uma mulher muito bela, alta, pálida como a neve, ruiva, com grandes cabelos que vinham até os quadris”. Segundo eles Boudicca nunca era vista sem estar carregando uma lança do seu tamanho, na mão direita, e seu olhar incutia respeito e pavor a todos.

Não escreveram, mas com certeza concluíram que não era o falecido rei Prasutagus que era terrível, mas sua esposa que na certa, ficava dando palpites.

Depois de um cerco brutal, Boudicca destruiu Camulodunum, o posto mais avançado e povoado dos romanos na região, restando poucos sobreviventes. Depois disso, a vingança ruiva não parou mais...

Aniquilou três cidades romanas, queimou Londres e massacrou mais de 80 mil posseiros romanos, gente que o Império colocou ali para criar vínculos com a terra ocupada, mais ou menos como as colônias de Israel na Faixa de gaza.

Os orgulhosos líderes militares de Roma foram um a um sendo derrotados e as forças militares romanas foram expulsos em pelo menos, duas oportunidades. Roma só conseguiu deter a avalanche de terror (deles) depois de enviar três legiões completas de seu invencível exército (algo como os Estados Unidos enviar a quarta frota para derrotar a marinha do Equador.

Boudicca não foi feita prisioneira e consta que morreu livre nas amadas montanhas de sua terra e, dessas montanhas os romanos queriam distância.

Então, meu amigo, muito cuidado ao provocar uma mulher.

A vingança feminina é terrível, principalmente quando justificada, e geralmente o é.

O golpe vil que foi dado no Brasil, patrocinado pela mídia e por outros setores fundamentais do país, bem que estão provocando a irritação popular, e, o mais provável é que essa irritação seja crescente a partir dos efeitos nefastos da economia neoliberal entreguista em curso.

Que as mulheres brasileiras não se inibam. Precisamos delas como os celtas precisavam de Boudicca.

E, no momento que as brasileiras saírem para as ruas, para formar barricadas, saí de baixo... não sobrará Temer sobre Temer.




Prof. Péricles

Obs. Boudicca já foi representada algumas vezes no cinema como no filme “Queen Boudicca”, produção inglesa de 1987, sendo a personagem título representada pela atriz Sybil Danning (foto). Mas, não arrisque, o filme é muito ruim.

Na literatura destaca-se “Boudicca, Dreaming the Bull”, um best seller de Manda Scott.



domingo, 6 de novembro de 2016

UMA MINISTRA SEM NOÇÃO


Por Luís Nassif


A Ministra Carmen Lúcia é fruto direto da espetacularização da Justiça que ocorreu a partir da AP 470. O jornalismo de celebridades abriu uma porta para Ministros com menor potencial analítico. De repente, se deram conta de que poderiam ganhar protagonismo explorando frases de efeito, mas, principalmente, obedecendo ao roteiro preconizado pelos grupos de mídia.

E, como o palanque da mídia não obedece a rituais, a procedimentos, a limites impostos pela própria Constituição, com suas declarações e decisões Carmen Lúcia vem extrapolando de forma temerária as atribuições do STF (Supremo Tribunal Federal), mostrando um amplo desconhecimento sobre as relações entre poderes.

Assumiu a posição de líder corporativa, atacando o presidente do Senado por críticas dirigidas a um juiz de primeira instância, mostrando – ela própria – um populismo e uma falta de decoro indesculpável nas relações com outro poder da República.

Agora, pretende colocar o STF no centro de uma política de segurança interna, inclusive com a convocação do Estado Maior das Forças Armadas, Ministérios da Justiça e da Defesa, para definir sabe-se lá o quê.

Sua falta de noção não tem limites. E o palco aberto pela mídia permite-lhe toda sorte de abusos verbais.

Carmen Lúcia, assim como Ayres Brito, surfou nas asas do lulismo, mas, de defensora de direitos humanos, foi se tornando, cada vez mais, uma avalista dos discursos de ódio e defensora da política mais temida pelos especialistas em direitos humanos: a militarização da segurança pública.

Dos blogs de esgoto, assimilou o chavão de que a única forma de censura é a do politicamente correto. Como se expressões como "negro bandido", "feminista sapatona", "viadinho" representassem o exercício da liberdade de expressão.

Ou então, o uso inexcedível da palavra canalha:

- Nós, brasileiros, precisamos assumir a ousadia que os canalhas têm

Assim como Ayres Brito, Carmen Lúcia vale-se do paradoxo do exibicionismo da simplicidade. Lembra o ex-ponta esquerda da seleção, Dirceuzinho: “Eu tenho uma humildade fora de série”.

Na sua posse, a descolada Carmen Lúcia aboliu os rituais e, com a simplicidade dos muito humildes, convocou um dos popstars brasileiros, Caetano Velloso, para cantar o Hino Nacional.

Se diz contra o uso da palavra “Corte” ou do tratamento de “Excelência” porque dotada de uma humildade fora de série. E tem especial predileção em recorrer à sabedoria caipira, banalizando uma das mais antigas e interessantes culturas do país.

Demonstra confundir ética pessoal com o conhecimento da ética:

- Não quero que alguém se forme em ética depois. Eu quero que quem concorra [nos concursos] tenha condições éticas.

Não explicou de que forma o candidato iria apresentar as “condições éticas”. Provavelmente através de atestado médico.

Ou então, esse primor do lirismo macabro, que superou o próprio Nelson Cavaquinho:

- Quando me encontrarem morta, ninguém vai me ver de braços cruzados, diante do que tem sido a minha luta para que a gente tenha um Brasil justo.

Nos postos de comando que exerceu, deixou mágoas em muitos funcionários por seu estilo brusco, autoritário, muito diferente da imagem pública da doce professorinha mineira.

Na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) em pelo menos duas ocasiões cometeu erros graves e tentou jogar nas costas dos funcionários.

Um dos episódios foi na divulgação dos filmetes de educação eleitoral. A agência de publicidade preparou 14 prospects de filmetes. Carmen deveria aprovar a proposta, antes que fossem confeccionados. Demorou e só liberou 9.

Quando o TCU cobrou a não veiculação dos 15 filmes, quis jogar o funcionário na fogueira. Recuou apenas quando se deu conta de que ele estava bem documentado sobre os motivos da não veiculação dos 6 filmetes.

Outro episódio grave foi na entrega dos CPFs dos eleitores para a Serasa Experian. A autorização partiu de Carmen Lúcia. Quando o escândalo estourou, jogou a responsabilidade sobre uma funcionária do TSE.

Embora aprecie usar palavras-chave do gerencialismo – como transparência, eficiência, racionalidade - Carmen Lúcia deixou inúmeras dúvidas sobre sua capacidade na organização de processos.

No TSE, os juízes conversavam antes e os processos onde havia consenso eram apresentados e votados em bloco. Deixava-se para o plenário apenas aqueles nos quais os advogados solicitassem sustentação oral ou que não houvesse consenso entre os juízes.

Quando assumiu a presidência, Carmen Lúcia passou a colocar todos os processos em votação individual, com sessões que se estendiam muitas vezes até às 22 horas.

Mais que isso, ordenou a separação em grupos distintos os agravos regimentais e os recursos especiais. O agravo é feito justamente no âmbito de um recurso especial que não foi recebido. Separando ambos, provocou-se uma barafunda nos processos, mostrando falta de visão na organização do trabalho interno.

Defensora da celeridade da Justiça, suas gavetas guardam há anos processos complexos, que exigiriam um bom nível de discernimento.

Sua falta de discernimento ficou patente em uma ação que buscava reservas de vagas para deficientes na Polícia Federal. Uma ação individual pela vaga acabou transitando em julgado. Quando a ordem chegou para a PF, os delegados vieram em peso falar com Carmen Lúcia. Já tinha passado a fase de recurso. Mesmo assim, ela proferiu uma decisão de esclarecimento, figura esta que não existe no Código de Processo Civil. Numa sentença surreal, disse que a PF deveria fazer reserva, mas poderia dizer de antemão qual deficiência seria aceita ou não.

O Ministério Público Federal entrou com recurso mostrando as contradições da sentença, mas ela indeferiu alegando que a decisão já tinha transitado em julgado.

Hoje em dia, quem defende cotas na PF usa a sentença de Carmen Lúcia. E quem não aceita, usa também, mostrando sua dificuldade em decidir sobre temas complexos.

Em vez de clarear, confundiu mais ainda.

Desde 21 de abril 2013 dorme nas gavetas de Carmen Lúcia a ADIN 4234). Dispõe sobre a questão das patentes, o que seria novidade, o que seria domínio público e quais seriam passíveis de retroatividade. Dependendo da decisão, terá grande impacto no custo dos medicamentos.

Como é tema complexo, que não se resolve com uma frase de efeito, dorme em gaveta esplêndida, enquanto Carmen Lúcia se preocupa em reorganizar a segurança pública.





Luís Nassif, jornalista, foi colunista e membro do conselho editorial da Folha de São Paulo, escrevendo por muitos anos sobre economia neste jornal.

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

A BRUXA ESTÁ SOLTA

Arco do Telles, hoje

Barbara Maria Joaquim nasceu em Portugal em 1770 e, com apenas 18 anos, veio para o Brasil com o marido.

Era extremamente bela, daquelas de parar o trânsito, se bem que naquela época não havia muito trânsito por aqui.

Bárbara se apaixonou por um rapaz mulato, cujo nome desconhecemos e, com ele, passou a trair o maridão lusitano.

Segundo algumas versões, o último a saber, acabou flagrando os dois e, na briga que se seguiu, ela, Bárbara, com agilidade e leveza no uso de uma faca, matou o esposo.

Alegando legítima defesa, escapou da prisão.

Passou a viver com seu amor moreno tropical, mas esse, logo se revelou ser um coisa ruim e quando ela percebeu, seu dinheiro e seus bens já tinham ido quase todos para o beleléu.

Outra vez mostrou destreza na faca e matou o amante latino e novamente alegando legítima defesa, se manteve livre.

Sozinha e pobre, a linda moça teve que lutar pela vida.

Naqueles tempos, ainda mais do que hoje, o mercado de trabalho era restrito para as mulheres. Mas Bárbara foi a luta, escolhendo o mercado em que, sem dúvida, sua beleza garantiria sucesso, a prostituição.

Assumiu o nome de Bárbara dos Prazeres e logo se tornou conhecidíssima na cidade.

Uma das mais belas entre as belas. Clientes que vinham de outras cidades e até mesmo de outras províncias, aproveitavam a ocasião para conhece-la.

Bastava procura-la, e torcer que ela pudesse atende-lo na Travessa do Comércio, Praça XV, muito conhecida pelo “Arco do Telles”, construído em 1743 para não atrapalhar o vai e vem dos transeuntes quando, naquela localidade, foram construídas inúmeras casas para aluguel residencial a mando de Antônio Telles Barreto de Menezes.

Era um lugar chic, mas que entrou em franca decadência quando um incêndio criminoso, em 20 de julho de 1790, que começou numa loja de objetos usados denominada curiosamente de "O Caga Negócios", destruiu o prédio deixando dezenas de feridos e dois mortos.

A partir desse incêndio, o pessoal chic preferiu morar em outros lugares e a região se tornou palco de boemia e prostituição.

Pois foi ali, no “Arco do Telles” que Bárbara dos Prazeres, reinaria por quase vinte anos, com a dignidade e a felicidade possível à sua situação.

Mas, o tempo, o maior inimigo de quem depende da beleza, é inclemente com todos e com todas e Bárbara viu surgir os primeiros sinais da decadência estética. Algumas rugas, várias estrias, e os cabelos ameaçavam embranquecer.

Além disso, havia contraído "doença ruim" ao atender o empresário Gomides D’Assado, o maior fornecedor de carne moída da cidade, e o mal ameaçava sair de controle e expor suas terríveis chagas.

Não se sabe exatamente como, mas Bárbara acabou convencida de que havia uma maneira de deter a velhice. Era uma receita complicada, cheia de ervas e alguns ingredientes difíceis de achar, mas, o mais chato mesmo era que tinha que ter sangue fresco de criança na mistura.

Barbarinha passou a sequestrar e matar crianças para obter o ingrediente vital.

Todo mundo sabe que no Brasil, de rua, filhos da miséria, não tiram o sono das autoridades que fingem não vê-los vivos nem reconhece-los mortos, e, por isso, espertamente, foi esse “manancial” que ela atacou primeiro.

Ela atraía essas crianças com doces, alguns brinquedos e atenção e os levava para casa sem ser notada. Lá, as crianças ingeriam sem saber ou forçadas pela faca, as ervas vindo a perder a consciência. Eram então penduradas de cabeça pra baixo e sangradas até morrer (Bárbara já tinha experiência no uso da faca). O sangue era recolhido num balde e levado a uma banheira onde rolava um banho ritualístico para manter a beleza e a eterna juventude.

Com o tempo, o surgimento crescente de corpos descartados pela cidade, deixou evidente que alguma coisa muito estranha estava acontecendo. Bateu pavor. As mães trancavam seus filhos em casa antes de escurecer e até as crianças de rua passaram a andar em bandos para se proteger.

A Bruxa teve que mudar de “matéria-prima”, e passou a sequestrar e matar crianças de um nível sócial mais alto. Isso provocou investigações policiais, alarmismo na imprensa e crescente pânico na população. Um serial killer (o termo não existia na época, dizia-se assassino em massa) estava matando crianças cariocas.

Tudo isso complicou mais a vida de Bárbara dos Prazeres e sua particular fonte da Juventude. Então passou a buscar novas vítimas na “Roda dos Inocentes”.

Na Santa Casa da cidade, havia uma espécie de bandeja giratória num dos muros, onde mães sem condições de criar seus recém-nascidos, os abandonavam, na esperança deles serem acolhidos e levados para um orfanato. As enfermeiras, ao ouvirem o choro das crianças, giravam a roda e resgatavam os bebês sem nem falarem com as mamães.

A assassina passou a esconder-se perto desse local e quando alguma mulher deixava se filho e se afastava antes da roda ser girada ela ia lá e pah... pegava o baby.

Por algum tempo foi uma espécie de crime perfeito, até que um dia ela a sorte a abandonou.

Aparentemente, certa feita, a Roda girou quando a sequestradora ainda recolhia a criança. Seu braço ficou preso e ela foi descoberta, mas fugiu.

Com quase 60 anos de idade, Bárbara dos Prazeres se tornou a criminosa mais procurada do Brasil, mas, jamais foi encontrada e presa.

Consta que a expressão popular “a bruxa está solta” nasceu nesse momento.

Seu ponto no “Arco do Telles” foi vigiado dia e noite, mas, permaneceu vazio. Bárbara, agora denominada de bruxa, a mais bela prostituta do Rio de Janeiro, desapareceu.

Em 1830, um corpo de mulher apareceu boiando próximo ao Lago do Paço. Era impossível reconhecer a vítima já que o corpo apresentava adiantado estado de putrefação, mas a roupa (um casaco de oncinha), altura e algumas pulseiras levaram a polícia concluir que fosse a terrível feiticeira.

Bárbara foi dada como morta e o caso encerrado, embora, por muitos e muitos anos, a população acreditasse que, de alguma maneira ela ainda estivesse viva e à espreita de crianças pela cidade.

Em 23 de julho de 1993, data exata dos 200 anos em que Bárbara, pela primeira vez apareceu no "Arco do Telles", para fazer sua estréia na “profissão”, um terrível evento chocou o país e o mundo – a Chacina da Candelária, quando oito crianças sem-teto foram brutalmente assassinadas pela polícia. Era exatamente nessa região, próxima à Igreja da Candelária, que as primeiras vítimas (as crianças de rua) foram sequestradas e mortas.

Já, em 2016, quando se completam 200 anos em que ela iniciou sua carreira de sequestradora e homicida, a vítima, perseguida e sangrada, é a própria democracia do país. 

Uma frágil Constituição, de apenas 28 anos, foi sequestrada e violentada com a queda de uma presidenta legitimamente eleita pela vontade de milhões manifestada no voto.

Coincidências?

Ou a bruxa ainda está solta no Brasil?




Prof. Péricles





quarta-feira, 2 de novembro de 2016

CARTA ABERTA A LULA

Por Francisco Costa



E então, Lula, foram necessários mais de quarenta anos para você se tornar réu pela primeira vez, e isto, num país de políticos ladrões, é muita incompetência.

Todo mundo está ganhando de você, meu amigo.

Se você ganhou do Serra nas urnas, a forra está nos tribunais, ele está lhe ganhando de 18 processos a 1, que currículo é esse, o seu? Até ontem virgem como uma menina de convento, sem ser flagrado uma única vez com a mão na botija, digo no cofre público?

Você é um político apagado, sem destaque... Na Operação Zelotes você não está, nem na lista de Furnas... Não estava na Operação Satiagraha, Anões do Orçamento, Privataria Tucana, Trensalão, Banespa, nem merenda escolar você roubou... 

Porra, nem uma contazinha no HSBC suíço?

A sua incompetência é tão grande que até o mísero Eduardo Cunha lhe humilha: são 23 processos a 1, caramba.

O Temer, o que é que ele tem que você não tem? Também ganha de você, 4x1.

Você é um político miúdo, nunca empreendeu no exterior. FHC tem ofshore, Aécio tem ofshore, Serra tem ofshore, Cunha tem ofshore, só você é que não?* Que diabo é isso?

Aparece helicóptero com meia tonelada de cocaína e não é seu. Constroem dois aeroportos em fazendas da família, com dinheiro público, e a fazenda não é sua, mandam pensão, com dinheiro público, para filho no exterior e o filho não é seu... 

Vai ser incompetente assim no inferno!

Cunha bota a boca no trombone, que vai denunciar pelo menos 170 parlamentares e o Luis Inácio não está. Diz que vai queimar 7 ministros e você não é nenhum deles, que vai derrubar o segundo presidente, e o golpista não é você, diz que vai enterrar dois ministros do STF... 

Nem pra ser denunciado por roubo você serve?

E a sua postura? Ridícula! Você não é maçom, não é membro do Lions nem do Rotary, não vai aos banquetes da Fiesp, às reuniões da Febraban... Que pobreza!

Roube, Lula, pelo amor de Deus, roube.

Disseram que um apartamentinho de um milhão e oitocentos era seu e não é, você mostrou os documentos, a sua mulher está processando a incorporadora, porque o negócio foi desfeito e não pagaram a vocês.

Nem para comprar um apê de 44 milhões, em Paris, você serve? O FHC passou na sua frente.

Aí aquela história do sítio do Bumlai que dizem que é seu, que empreiteiro fez obra de graça. Mais um ponto pro FHC, ele não tem sítio, tem fazenda, com um aeroporto dentro, presente de uma empreiteira, você é péssimo pra fazer negócios, Lula.

Todo mundo tem iate, você tem canoa de lata, pode? E pedalinho, afff, pedalinho, eu não aguento.

E o que é que você tem feito pelos seus filhos, seu desnaturado?

A filha do Serra saiu da miséria para uma das cem maiores fortunas brasileiras em menos de um ano, agora é sócia do dono da Ambev, a maior fortuna individual do país. O filho do FHC é representante da Disney no Brasil. O Michelzinho já nasceu com dois milhões na conta, presente de papá... E você... Desnaturado!

E esse seu primeiro processo... É desmoralizante, Lula, obstrução da Justiça.

Você podendo roubar, afanar, surrupiar, dar golpe, governar o Paraná, São Paulo, Goiás... *E olha quem o indiciou, um juizeco que estava afastado, sabe por que?

Acusado de obstruir a justiça, igual a você, pode rir, ele era da Zelotes, o Supremo mandava as provas e ele não considerava, isentando todo mundo, mas também só tinha pobre: Itaú, Bradesco, Gerdau, Natura, Globo... Caridade, com certeza.

Encerro por aqui, Lula, com um conselho: roube, roube, roube, roube muito, roube tudo, colecione processos por roubo, corrompa para não ser indiciado, sendo, corrompa para ser absolvido.

Perdoe o amigo a minha preocupação.

Você quer ser presidente, eu o quero presidente, mas se você não começar a roubar os coxinhas não vão votar em você.*


Preocupadamente,



Francisco Costa, um simples cidadão brasileiro



segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A AMEAÇA QUE VEM DO ALTAR


Em meados da década de 80, após a grande crise que pôs fim ao Império soviético, a grande onda geopolítica foi o neoliberalismo. Como fogo em mata seca parecia incontido e predominou no mundo inteiro. No Brasil, Fernando Color de Melo representava o “novo”, ou seja, o projeto neoliberal.

Na década seguinte, após a derrocada do neoliberalismo que, além de não trazer a prosperidade prometida ainda jogou a maior parte da população do planeta à uma situação de desespero, tivemos a “onda rosa”. Governos com uma visão mais à esquerda, ou, pelo menos, de uma visão econômica que defendia uma maior participação do estado na economia e na solução dos graves problemas sociais.

Essa onda que nunca deixou de ser rosa para ser vermelha, não radicalizou as ações para diminuir as distâncias entre os mais ricos e os imensamente mais pobres e também se desfez na areia.

Nos anos dois mil, governos de matizes mais populares e progressistas tornaram-se os principais protagonistas de uma nova geopolítica que colocou a direita nas cordas, principalmente após a crise política do império norte-americano que para se justificar passou por cima da ONU e atacou o Oriente Médio, e a crise econômica que começaria no setor imobiliário dos Estados Unidos.

Na América do Sul a chegada de Lula ao poder, a revolução bolivariana de Hugo Chaves na Venezuela e governos mais à esquerda na Argentina, Peru, Uruguai e Equador, são desse período.

O momento atual é de um retorno das ideias mais conservadores e o ressurgimento do neoliberalismo com novas cores.

Em alguns lugares esse retorno ocorreu graças as urnas, como a vitória dos Conservadores que derrotaram os Trabalhistas na Inglaterra. Em outros países onde as medidas sociais dos governos progressistas impediram a volta da direita por via eleitoral a própria democracia anda ameaçada.

Mas, as ameaças à democracia chegam com novidades, não de origem, mas, em protagonismos.

É o caso do Brasil do impeachment mais trapalhão e inusitado da história, da presidenta Dilma Rousseff, sem nenhum cometimento de ilícito, delineando um tipo de golpe jurídico-midiático-parlamentar até então desconhecido por nós.

Nesse contexto também se destaca a participação direta das Igrejas pentecostais e neopentecostais nas disputas político-eleitorais.

Crescendo de forma extraordinária o número de fiéis nesses cultos, muitos deles importados dos Estados Unidos e seus pastores eletrônicos, e valorizando a influência de seus líderes, bispos e pastores com seus discursos persuasivos, essas entidades desceram do púlpito para atuar diretamente na política nacional.

Em sua maioria esmagadora o pensamento defendido por esses novos agentes políticos é o velho discurso moralista e reacionário, com pitadas preocupantes de exclusão, sendo perceptível a forte tendência anticomunista, como uma autêntica volta ao passado.

Sua atuação se dá exatamente nos setores mais fragilizados e distantes do conhecimento formal, onde a mistura fé/política deixa de ser questionada e passa batida.

Dessa forma, vivemos dias loucos em que, qualquer um que não esteja comprometido com o pensamento fanatizado custa a acreditar no que vê, ouve e lê.

Com a cara mais deslavada do mundo um pastor de renome nacional aparece em vídeo orientando os fiéis que, ao descobrirem ilícitos praticados por seus pastores, não interfiram nem protestem e apenas mudem de pastor.

Outros, sem nenhum constrangimento utilizam apelos fortemente homofóbicos e incentivam atitudes de intolerância de seus fiéis, criando organismos claramente fascistas como uma tal “brigada do altar”.

E, em meio a tudo isso, o chamamento direitista radical e práticas de verdadeiros estelionatos morais e religiosos.

Exigem direito de expressão mas negam o mesmo direito aos seus fiéis e opositores.

Exigem o fim da corrupção, mas, alguns de seus líderes a praticam com uma desenvoltura assustadora.

A democracia brasileira está sim ameaçada, não apenas na forma, mas em seu conteúdo, em seus pilares, como o laicismo, garantido desde a primeira Constituição Republicana, em 1891.

Quem já contava com uma bancada no Legislativo agora elege seus representantes para cargos executivos, como é o caso da prefeitura do Rio de Janeiro, uma das mais importantes cidades brasileiras.

O Brasil marcha, cada vez mais, para a formação de uma espécie de “bolsão fundamentalista” que ameaça crescer e criar um abismo entre os que praticam esses cultos e os não praticantes.

Torna-se claro que não se trata de atos pontuais, mas de um novo ator político, cada vez mais definidor da realidade nacional e constituinte de uma nova era política.

Sem pessimismos, a história já mostrou onde isso vai parar, se não for enfrentado e detido, e não é nada bom para o país e para a imensa maioria das pessoas.





Prof. Péricles



sábado, 29 de outubro de 2016

A CIDADE E O VOTO


Prédios possuem personalidade própria. Observe bem e verá.

Os mais antigos estão carregados com aquela sabedoria dos anos que só quem os vive pode ter.

Já, os prédios mais jovens, adolescentes, com suas arquiteturas moderninhas, são belos, mas as vezes, muito esquisitos.

Árvores são divertidas.

Costumam rir dos homens sem que ninguém perceba e as vezes quando seus galhos se aproximam trocam confidências como grandes fofoqueiras, que não deixam de ser. Falam das últimas ventanias que levantaram as copas daquelas arvorezinhas mais jovens e distraídas.

Igrejas são arrogantes.

Não que eu implique com elas, nada disso, mas elas têm aquela coisa típica de quem se acha dono da verdade.

Todas elas.

Algumas ruas são mais divertidas do que as outras.

As lombas por exemplo, parecem sempre cansadas e por fazerem esforço a tanto tempo ficaram corcundas.

As avenidas são elegantes, mas se acham muito... prefiro as ruas mais calmas, especialmente as alamedas que falam com a gente. Você já ouviu, não é?

Tem lugares, entretanto, que a personalidade predomina sobre a paisagem.

Poucos lugares em Porto Alegre são mais frios e sisudos dos que os prédios da PUC.

Todos eles com jeito aristocrático e mesmo querendo ser populares a gente sabe que seus corações são de nobre linhagem.

A Redenção, nosso Parque no coração da cidade, já foi mais alegre.

Hoje, depois de assistir tantas violências e tantas vidas sendo queimadas ouvirando pó, ficou mais triste, mais sóbrio e mais velho.

O Arroio Dilúvio, antes imponente porta de entrada, hoje se queda completamente esquecido e abandonado. Ele até já pensou em participar de grupos de autoajuda, mas, parece que sua decadência é inevitável.

Não é culpa sua ser tão poluído, mas se sente desprezado e esquecido, logo ele que já viu até rebelde farroupilha se esgueirando entre suas sombras.

Com o tempo Porto Alegre se espreguiçou e algumas coisas saíram do lugar.

Alguns bairros nobres viraram bairros mais simples e alguns bairros simples viraram periferia.

A avenida independência uma baronesa agora se assusta com sua própria vulgaridade.

E tem os viadutos e seus grandes olhos que miram a todos e a tudo o tempo todo.

O Obirici, tão jovem, já traz nas costas quantidades inimagináveis de toneladas. Parece que ninguém se preocupa em lhe dar bom dia e em saber como vai sua saúde e suas vigas...

E o da Borges de Medeiros, um senhor quase caduco continua altivo, com a rua que lhe passa ao alto e o povo que o tempo todo lhe passa abaixo.

As cidades têm vida própria. E devemos respeita-las.

Talvez por isso, nos filmes de ficção de fim de mundo, o que mais nos assuste seja que elas não mais existam.

Fazemos amizade, trocamos confidências e todos nós temos um pedacinho de nossa cidade que gostamos de pensar que é só nosso.

Assim a eleição para prefeito é um momento especial para cada um.

Devemos pensar bem nosso voto e votar consciente naquele que se propõe a ser seu prefeito não por mero interesse carrerista, mas por amar verdadeiramente a cidade.

Vote bem e vote consciente e lembre-se que as vezes, o voto em branco pode ser uma declaração de amor.

Como tudo aquilo que amamos, não podemos entregar, nas mãos de qualquer um. 

Somos seres urbanos e com nossa cidade devemos agir com urbanidade e coerência.




Prof. Péricles



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

CUIDADO COM AS CONVICÇÕES


Por Mauro Santayana


Os países, como as pessoas, precisam tomar cuidado com as suas convicções.

Convicções arraigadas, quando não nascem da informação, da razão, do conhecimento, costumam ser fruto do ódio, do preconceito e da ignorância.

Não é por acaso que entre as características do fascismo, a mais marcante está em colocar, furiosamente, a convicção acima da razão.

Foi por ter a forte convicção de que os judeus, os comunistas, os ciganos, os homossexuais, eram espécimes de diferentes raças sub-humanas, que os nazistas fizeram coisas extremamente "razoáveis", como guardar centenas, milhares de pênis e cérebros arrancados dos corpos de prisoneiros em vidros de formol, esquartejar pessoas para fazer sabão, adubar repolhos com cinzas de crematório, ou recortar e curtir pedaços de pele humana para colecionar tatuagens e fazer móveis e abajours, em um processo que começou justamente nos tribunais, com a gestação da jurisprudência racista e assassina das Leis de Nuremberg.

De tanta mentira, distorção, hipocrisia, servidas - ou melhor, impostas, cotidianamente - à população, nos últimos quatro anos, o Brasil tem se transformado, paulatinamente, em um país em que a realidade está sendo substituída por fantásticos paradigmas, que são absorvidos e disseminados como as mais sagradas verdades, e adquirem rapidamente a condição de inabalável convicção na cabeça e nos corações de quem os adota, a priori, emocionalmente, sem checar, minimamente, sua veracidade ou sustentação.

Muitíssimas pessoas, no Brasil de hoje, têm convicção de que o PT quebrou o país.

Assim como têm convicção de que o Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso foi um tremendo sucesso do ponto de vista econômico, certo?

Errado.

Os números oficiais do Banco Mundial provam que o PIB e a Renda per Capita em dólares recuaram no Governo do Sr. Fernando Henrique Cardoso, com relação ao de Itamar Franco (de 534 para 504 bilhões e de 3.426 para 2.810 dólares), e aumentaram mais de 300% no governo do PT, de 504 bilhões para 2.4 trilhões de dólares, e de 2.810 para 11.208 dólares, entre 2002 e 2014; com o salário mínimo subindo também mais de 300% em moeda norte-americana nesse período, de 88 para 308 dólares no ano passado, com um dólar nominal mais ou menos equivalente, que chegou a 4,00 reais tanto em 2002 como em 2015.

A queda atual da economia é um ponto fora de curva que irá se recuperar, mais cedo do que tarde, se não forem adotadas medidas recessivas, que mandem, mais uma vez, a vaca para o brejo.

A maioria das pessoas - incluídos ministros do atual governo, que exageram os problemas, para vender a sua "competência" e seus projetos, muitos deles ligados, direta e indiretamente à iniciativa privada - têm convicção que o Brasil está endividado até o pescoço, certo?

Errado.

Nona economia do mundo em 2016 - éramos a décima-quarta em 2002 - o Brasil ocupa, apenas, o quadragésimo lugar entre os países mais endividados do planeta.

Temos uma Dívida Pública Bruta com relação ao PIB (66%) mais baixa que a que tinhamos em 2002 (80%).

Muitas pessoas também aparentam ter desenvolvido a convicção, no Brasil de hoje, de que o PT é um partido que é contra as Forças Armadas, bolivariano e comunista, certo?

Errado.

O PT sempre trabalhou com o tripé capital estatal, capital privado nacional e capital estrangeiro, e apoiou - a ponto de estar sendo execrado por isso - as maiores empresas privadas do país, e não apenas as de controle brasileiro - expandindo para elas o crédito subsidiado do BNDES, aumentando a oferta de crédito na economia, melhorando a situação do varejo e da indústria, fomentando a indústria automobilística, triplicando a produção e as vendas de caminhões, automóveis e equipamentos agrícolas, com linhas especiais de financiamento, e fortalecendo o agronegócio injetando bilhões de reais no Plano Safra, duplicando, praticamente, a colheita de grãos depois que chegou ao poder, sem atrapalhar o mercado financeiro, que teve forte expansão após 2002.

E, na área bélica, prestigiou o Exército, a Marinha e a Aeronáutica, lançando e bancando, por meio da adoção da Estratégia Nacional de Defesa, o maior programa de rearmamento das Forças Armadas na história brasileira.

Nem nos governos militares ousou-se investir, ao mesmo tempo, em tantos projetos estratégicos como se fez nos últimos anos, como é o caso do programa de construção de 36 caças-bombardeios com a Suécia.

Ou o do submarino atômico - além de outros quatro, convencionais - como se está fazendo em Itaguaí, no Rio de Janeiro, com parceria francesa.

Ou o da construção de mais de mil blindados multipropósito Guarani, em um único contrato, com a IVECO, com design e projeto de engenheiros do Exército Brasileiro.

Ou o do maior avião já construído no Brasil, o KC-390 da EMBRAER, produzido para substituir os Hércules C-130 norte-americanos, capaz de realizar missões também múltiplas, como o transporte de paraquedistas e blindados e o reabastecimento de outras aeronaves em vôo.

Para não falar da família de radares SABER, dos novos mísseis da AVIBRAS, do programa Astros 2020, da nova família de rifles de assalto IA-2 da IMBEL, capaz de disparar 600 tiros por minuto, e de outros projetos como o do míssil ar-ar A-Darter desenvolvido por uma subsidiária da Odebrecht, com a Denel, sul-africana.

Da mesma forma, muitíssimas pessoas têm convicção, nos dias de hoje, que o PT é o partido mais corrupto do Brasil, certo?

Errado.

Em ranking publicado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral em 2012 - que, estranhamente, parou de publicar rankings anuais por partido depois disso - o PT aparece apenas em nono lugar, em uma lista encabeçada pelo DEM.

Na lista de 50 políticos investigados na Lava Jato que estão com processos no STF, cuja maioria pertence ao PP, só 6 nomes são do PT, e do total de 252 candidatos impugnados por serem ficha-suja nas eleições de 2014, por exemplo, apenas 20 são do Partido dos Trabalhadores.

Dados que não mudam em nada o fato de que o discurso anticorrupção, no Brasil de hoje, só existe na proporção que ocorre, porque pertence e serve, como bandeira, desde o início - na tradição golpista da UDN - à direita e à extrema direita em nosso país.

É nesse país ridículo, mal informado, rasteiramente manipulado, por segmentos da mídia mendazes e deturpadores, que alguns procuradores do Ministério Público Federal vieram a público, há alguns dias, para dizer que tem "convicção" de que o ex-presidente Lula é o Chefe Supremo, o "Capo di tutti capi" da corrupção nacional, neste Brasil "casto" e "ilibado", nunca dantes atingido - como diziam no Caso do "Mensalão", estão lembrados? - por semelhante tsunami antiético.

Ora, nos poupem.

Ninguém está aqui para santificar o Partido dos Trabalhadores ou o Sr Luís Inácio Lula da Silva, que, se tiver cometido algum crime, deve purgá-lo - respeitada sua condição de réu primário - na mesma proporção de seus erros.

O que nos indigna e nos tira do sério, trabalhando na área em que trabalhamos, é a desfaçatez, a caradurice, a hipocrisia institucionalizada, com que estão tratando a verdade, a maior vítima desse atual "surto" de "convicções" brasileiro.

Não nos venham com estórias da Carochinha e mirabolantes apresentações que vão ridicularizar, pelo exagero, ausência de lógica, de proporcionalidade, razoabilidade e verossimilhança - como já mostram as matérias e editoriais dos jornais estrangeiros - o Ministério Público e o Judiciário brasileiros junto à opinião pública internacional.

Correndo o risco, seus "convictos" acusadores, de verem o tiro sair pela culatra, transformando Lula em uma espécie de símbolo, ou de herói, se for impedido de concorrer à presidência da República.

Ou em um mártir - caso alguma coisa ocorra a ele, eventualmente, na prisão - para boa parte do planeta.



terça-feira, 25 de outubro de 2016

E DEPOIS DO PT?


Por Maria Inês Nassif


A conspiração que resultou na deposição de uma presidenta da República, Dilma Rousseff, teve efeitos colaterais que atingiram de morte o sistema partidário brasileiro – e, junto, o poder que mais o representa, o Legislativo.


O Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal, que superdimensionaram seus poderes e se tornaram instrumentos não de garantia das leis, mas das condições “excepcionais” para a negação delas, sem encontrar grandes resistência dos partidos conservadores e dos setores de direita da sociedade e amparados pelo apoio da grande mídia, colocaram sob tutela todo o sistema político.


A jurisprudência urdida para colocar o PT na defensiva, prender petistas e seus aliados e preparar a futura prisão do maior líder político vivo do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, é a mesma que pode ser usada contra o presidente golpista Michel Temer e contra integrantes do seu partido, o PMDB, ou para atingir o PSDB do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.


Esses políticos, que fizeram parte da conspiração contra Dilma, e miram agora em Lula, não entenderam que não estão usando o MP, o STF, os juízes de primeira instância ou a Polícia Federal, mas são usados por eles. Não perceberam que essas instituições ganharam vida própria e hoje se sobrepõem à democracia.


Sem usar forças militares, os partidos que conspiraram contra o PT e contra Dilma e Lula ajudaram a implantar um regime de exceção em que o sistema judicial é hegemônico.


Incrustrados no aparelho de Estado e garantidos pelo direito à inamovibilidade, os integrantes das corporações envolvidas no golpe de Estado acumulam um considerável entulho institucional nas sucessivas decisões tomadas pelo STF, que relativizam os direitos constitucionais dos cidadãos brasileiros e corroboram violências do Ministério Público contra a Carta e a pessoa humana. Com isso, tratam de “legitimar” uma perseguição contra uma única força política e um golpe de estado que tornou-se parte dessa ofensiva. A partir disso, ações judiciais “excepcionais” se alastraram por todo o país.


É uma generalização da força bruta.


A Polícia Federal, o Ministério Público e a força-tarefa da Operação Lava-Jato, onde Moro pontifica, têm atuado livremente para vazar informações, inclusive de escutas telefônicas, de forma seletiva, e firmar convicção de culpa antes mesmo do julgamento de investigados, invertendo o preceito constitucional de garantia de defesa e derrubando o direito do cidadão à privacidade.


Recentemente, o STF decidiu “flexibilizar” outro direito constitucional e definiu condições para a PF invasão de residências sem mandato judicial, ampliando enormemente o poder das polícias.


Tornaram-se normais acusações feitas pelo Ministério Público sem nenhuma prova, apenas por presunção de culpa. E são frequentes os julgamentos sumários de Moro, que condena o réu apenas poucas horas após a apresentação da defesa. As justificativas das condenações, não raro, trazem grave conotação política, são inconsistentes juridicamente e frágeis factualmente, mas acabam por se impor pela força sobre o Direito.


O hiperdimensionamento da burocracia Judiciária e do Ministério Público fez do PT e de Lula suas vítimas preferenciais, mas tornou qualquer partido, qualquer político e qualquer cidadão brasileiro atingidos potenciais de um sistema jurídico sem controle.


Depois de resolvido o problema PT, contra quem essas instituições vão assacar para reafirmar seus poderes “excepcionais”, acima da democracia? Ou vão simplesmente e candidamente abrir mão deles?


O exercício do poder de fato, que se coloca à margem de regras democráticas, diz a história, nunca se limita a uma contingência de “excepcionalidade” em que forças se unem para abater um inimigo comum. Nessas situações, é a democracia, não o suposto inimigo, a primeira grande vítima.


Independentemente do uso da vontade contra os aliados de agora, o sistema jurídico, no processo de golpeamento das instituições definidas pelo voto, na prática manterá as forças políticas a ele aliadas no processo de destituição de Dilma Rousseff, e na farsa armada para tornar o ex-presidente Lula inelegível em 2018, como reféns de sua vontade.


A ascensão ao poder de um partido venal como o PMDB apenas confirma isso: como um governo comandado pelo grupo de Michel Temer – integrado pelo marido da Marcela e por Eliseu Padilha, Wellington Moreira Franco e, nos bastidores, ainda sob a influência de Eduardo Cunha, Henrique Eduardo Alves e Romero Jucá – e secundada pelo grupo do presidente do Senado, Renan Calheiros, podem ter autonomia em relação aos juízes que mantém nas gavetas processos contra todos eles?


A mesma coisa acontece com o partido que rivalizou com o PT nas eleições presidenciais desde 1994, o PSDB – ainda vai trilhar um longo caminho até que os muitos crimes eleitorais ou de corrupção prescrevam.


A liberdade de cada um dos delatados e investigados marginalmente pelo Ministério Público, ou réus de processos que dormem nas gavetas do Judiciário, dependerá da boa vontade de um juiz ou um procurador, ou das suas corporações.

domingo, 23 de outubro de 2016

PORQUE QUEREM ME CONDENAR


Por Luiz Inácio Lula da Silva


Em mais de 40 anos de atuação pública, minha vida pessoal foi permanentemente vasculhada -pelos órgãos de segurança, pelos adversários políticos, pela imprensa. Por lutar pela liberdade de organização dos trabalhadores, cheguei a ser preso, condenado como subversivo pela infame Lei de Segurança Nacional da ditadura. Mas jamais encontraram um ato desonesto de minha parte.

Sei o que fiz antes, durante e depois de ter sido presidente. Nunca fiz nada ilegal, nada que pudesse manchar a minha história.

Governei o Brasil com seriedade e dedicação, porque sabia que um trabalhador não podia falhar na Presidência. As falsas acusações que me lançaram não visavam exatamente a minha pessoa, mas o projeto político que sempre representei: de um Brasil mais justo, com oportunidades para todos.

Às vésperas de completar 71 anos, vejo meu nome no centro de uma verdadeira caçada judicial. Devassaram minhas contas pessoais, as de minha esposa e de meus filhos; grampearam meus telefonemas e divulgaram o conteúdo; invadiram minha casa e conduziram-me à força para depor, sem motivo razoável e sem base legal. Estão à procura de um crime, para me acusar, mas não encontraram e nem vão encontrar.

Desde que essa caçada começou, na campanha presidencial de 2014, percorro os caminhos da Justiça sem abrir mão de minha agenda. Continuo viajando pelo país, ao encontro dos sindicatos, dos movimentos sociais, dos partidos, para debater e defender o projeto de transformação do Brasil. Não parei para me lamentar e nem desisti da luta por igualdade e justiça social.

Nestes encontros renovo minha fé no povo brasileiro e no futuro do país. Constato que está viva na memória de nossa gente cada conquista alcançada nos governos do PT: o Bolsa Família, o Luz Para Todos, o Minha Casa, Minha Vida, o novo Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar), o Programa de Aquisição de Alimentos, a valorização dos salários -em conjunto, proporcionaram a maior ascensão social de todos os tempos.

Nossa gente não esquecerá dos milhões de jovens pobres e negros que tiveram acesso ao ensino superior. Vai resistir aos retrocessos porque o Brasil quer mais, e não menos direitos.

Não posso me calar, porém, diante dos abusos cometidos por agentes do Estado que usam a lei como instrumento de perseguição política. Basta observar a reta final das eleições municipais para constatar a caçada ao PT: a aceitação de uma denúncia contra mim, cinco dias depois de apresentada, e a prisão de dois ex-ministros de meu governo foram episódios espetaculosos que certamente interferiram no resultado do pleito.

Jamais pratiquei, autorizei ou me beneficiei de atos ilícitos na Petrobras ou em qualquer outro setor do governo. Desde a campanha eleitoral de 2014, trabalha-se a narrativa de ser o PT não mais partido, mas uma "organização criminosa", e eu o chefe dessa organização. Essa ideia foi martelada sem descanso por manchetes, capas de revista, rádio e televisão. Precisa ser provada à força, já que "não há fatos, mas convicções".

Não descarto que meus acusadores acreditem nessa tese maliciosa, talvez julgando os demais por seu próprio código moral. Mas salta aos olhos até mesmo a desproporção entre os bilionários desvios investigados e o que apontam como suposto butim do "chefe", evidenciando a falácia do enredo.

Percebo, também, uma perigosa ignorância de agentes da lei quanto ao funcionamento do governo e das instituições. Cheguei a essa conclusão nos depoimentos que prestei a delegados e promotores que não sabiam como funciona um governo de coalizão, como tramita uma medida provisória, como se procede numa licitação, como se dá a análise e aprovação, colegiada e técnica, de financiamentos em um banco público, como o BNDES.

De resto, nesses depoimentos, nada se perguntou de objetivo sobre as hipóteses da acusação. Tenho mesmo a impressão de que não passaram de ritos burocráticos vazios, para cumprir etapas e atender às formalidades do processo. Definitivamente, não serviram ao exercício concreto do direito de defesa.

Passados dois anos de operações, sempre vazadas com estardalhaço, não conseguiram encontrar nada capaz de vincular meu nome aos desvios investigados. Nenhum centavo não declarado em minhas contas, nenhuma empresa de fachada, nenhuma conta secreta.

Há 20 anos moro no mesmo apartamento em São Bernardo. Entre as dezenas de réus delatores, nenhum disse que tratou de algo ilegal ou desonesto comigo, a despeito da insistência dos agentes públicos para que o façam, até mesmo como condição para obter benefícios.

A leviandade, a desproporção e a falta de base legal das denúncias surpreendem e causam indignação, bem como a sofreguidão com que são processadas em juízo. Não mais se importam com fatos, provas, normas do processo. Denunciam e processam por mera convicção -é grave que as instâncias superiores e os órgãos de controle funcional não tomem providências contra os abusos.

Acusam-me, por exemplo, de ter ganho ilicitamente um apartamento que nunca me pertenceu -e não pertenceu pela simples razão de que não quis comprá-lo quando me foi oferecida a oportunidade, nem mesmo depois das reformas que, obviamente, seriam acrescentadas ao preço. Como é impossível demonstrar que a propriedade seria minha, pois nunca foi, acusam-me então de ocultá-la, num enredo surreal.

Acusam-me de corrupção por ter proferido palestras para empresas investigadas na Operação Lava Jato. Como posso ser acusado de corrupção, se não sou mais agente público desde 2011, quando comecei a dar palestras? E que relação pode haver entre os desvios da Petrobras e as apresentações, todas documentadas, que fiz para 42 empresas e organizações de diversos setores, não apenas as cinco investigadas, cobrando preço fixo e recolhendo impostos?

Meus acusadores sabem que não roubei, não fui corrompido nem tentei obstruir a Justiça, mas não podem admitir. Não podem recuar depois do massacre que promoveram na mídia. Tornaram-se prisioneiros das mentiras que criaram, na maioria das vezes a partir de reportagens facciosas e mal apuradas. Estão condenados a condenar e devem avaliar que, se não me prenderem, serão eles os desmoralizados perante a opinião pública.

Tento compreender esta caçada como parte da disputa política, muito embora seja um método repugnante de luta. Não é o Lula que pretendem condenar: é o projeto político que represento junto com milhões de brasileiros. Na tentativa de destruir uma corrente de pensamento, estão destruindo os fundamentos da democracia no Brasil.

É necessário frisar que nós, do PT, sempre apoiamos a investigação, o julgamento e a punição de quem desvia dinheiro do povo. Não é uma afirmação retórica: nós combatemos a corrupção na prática.

Ninguém atuou tanto para criar mecanismos de transparência e controle de verbas públicas, para fortalecer a Polícia Federal, a Receita e o Ministério Público, para aprovar no Congresso leis mais eficazes contra a corrupção e o crime organizado. Isso é reconhecido até mesmo pelos procuradores que nos acusam.

Tenho a consciência tranquila e o reconhecimento do povo. Confio que cedo ou tarde a Justiça e a verdade prevalecerão, nem que seja nos livros de história.

O que me preocupa, e a todos os democratas, são as contínuas violações ao Estado de Direito.

É a sombra do estado de exceção que vem se erguendo sobre o país.



LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA foi presidente do Brasil (2003-2010). É presidente de honra do PT (Partido dos Trabalhadores)

sábado, 22 de outubro de 2016

O QUE IMPORTA É O QUE SOBRA


O que importa, o que vale a pena mesmo, não é o que se tem, mas o que sobra.

Velhas certezas e convicções não valem mais do que uma dúvida recente.

Toneladas de preconceitos e intolerâncias são insignificantes diante de um simples abraço fraterno que, mesmo sem uma única palavra, diz mais do que todos os manuais de sobrevivência.

Não somos livres como pensamos, nem inteligentes como gostaríamos.

Não somos diferentes como acreditamos nem especiais como nos fizeram crer os velhos livros.

Somos um depósito de sedimentos culturais que não são realmente nossos, não foram escolhas nossas, mas que são ensinados como verdades absolutas desde que nascemos.

Temos mais medos do que assumimos. Mais rancores do que gostaríamos. Mais carências do que aceitamos ter.

Por isso, diante de tantas obras construídas por outras mentes e mantidas acima de nosso querer o que importa, o que vale mesmo, é o que sobra de tudo isso.

Pois o que sobra é o que realmente é nosso.

Somos mais negros do que qualquer racista possa aceitar. Mais índios do que poderíamos imaginar. Somos marginais e excluídos, vencedores e vencidos.

Somos herdeiros de chacinas e holocaustos e se não estávamos lá, algo de nós estava e por isso, não podemos ver na história humana fatos alheios à nossa vontade.

Pacifistas de almanaque, transgredimos apenas o que nossos medos nos permitem transgredir e odiamos aqueles que se arriscam no espaço entre abismos que não ousamos experimentar.

Talvez por isso a classe média conservadora tanto odeie as políticas sociais que avancem em direção a diminuição das desigualdades.

Para os membros reacionários da classe média é apenas a desigualdade para baixo que permite alguma sensação de superioridade.

É essa desigualdade que justifica sua rotina de aceitação à dominação como algo normal e torna a ousadia de sonhar subversivo à sua ordem.

Pensar que tem quem esteja pior reconforta essa gente e quando alguém vindo lá debaixo ousa fazer aquilo que ela mesma jamais ousou, acaba odiando profundamente esse alguém, não pelo que ele é mas pelo que desejaria ser mas nunca teve coragem de tentar.

Chamar os que lutaram contra a ditadura de terroristas é o único alento à sua própria covardia.

Os escravos capatazes, aqueles que recebiam o privilégio de não participar das atividades mais duras em troca do trabalho de vigiar seus próprios irmãos, odiavam profundamente os Zumbis dos Palmares porque eles tinham a dignidade que eles mesmos jamais poderiam ter.

O que importa quando se apaga a televisão depois de toda a manipulação é o que sobra de você nisso tudo, o que você realmente pensa, do que é capaz de provocar indignação genuinamente sua e não a estereotipada pelos âncoras e suas caras e bocas.

O que importa realmente é o que sobra de nós depois de cada tragédia alheia e do verdadeiro estupro a que a nossa democracia está submetida.

Como nos alerta o Dalai Lama, o que pensamos nos faz agir de certa forma, esse agir se torna hábito e a soma de nossos hábitos determinam nosso caráter.

Ou ainda como dizia Friedrich Nietzsche: é preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante.

Por isso, o que sobra e o que realmente interessa, é o que pensamos de nós mesmos e de nossos sonhos.

O que fazemos diante da violência crescente e como reagimos à perseguição contra às forças progressistas diante do fascismo crescente é o que, um dia, poderemos dizer aos nossos filhos e netos sem corar de vergonha.




Prof. Péricles

quinta-feira, 20 de outubro de 2016

VAI ACABAR NA FOGUEIRA


Um texto do professor Rogério Cezar Leite irritou profundamente o juiz Sergio Moro, a ponto deste escrever para a redação da Folha de São Paulo questionado a publicação do artigo. No texto, Rogério Cezar compara o magistrado ao frade florentino Girolamo Savonarola.

Savonarola, contemporâneo de Leonardo da Vinci, foi um precursor dos movimentos reformistas. No final do século XV tornou-se mito em Florença, capital do Renascimento.

Atacava qualquer tipo de prazer, condenava a riqueza, o sexo (principalmente a variedade homossexual), a perda de tempo. Criou a "fogueira das vaidades" onde queimava publicamente tudo o que lembrasse o que ele considerava coisas mundanas inúteis como bebida, música, livros. Conseguiu até expulsar os poderosos Médices de Florença.

Caiu em desgraça ao sofrer a oposição do Papa Alexandre VI, preocupado com os ataques da Savonarola à riqueza da Igreja. Foi preso, torturado e morto por enforcamento enquanto queimava na fogueira, em 1498, aos 45 anos de idade.

Hoje, em Florença, é possível visitar seu quarto original no convento de São Marcos, conhecer sua cadeira preferida e seus hábitos, além de algumas estátuas espalhadas pela cidade.

Por que será que o juiz de Curitiba se irritou tanto com a comparação?

Leia o texto abaixo e tire suas conclusões.





O húngaro George Pólya, um matemático sensato, o que é uma raridade, nos sugere ataques alternativos quando um problema parece ser insolúvel.

Um deles consiste em buscar exemplos semelhantes paralelos de problemas já resolvidos e usar suas soluções como primeira aproximação. Pois bem, a história tem muitos exemplos de justiceiros messiânicos como o juiz Sergio Moro e seus sequazes da Promotoria Pública.

Dentre os exemplos se destaca o dominicano Girolamo Savonarola, representante tardio do puritanismo medieval.

É notável o fato de que Savonarola e Leonardo da Vinci tenham nascido no mesmo ano. Morria a Idade Média estrebuchando e nascia fulgurante o Renascimento.

Educado por seu avô, empedernido moralista, o jovem Savonarola agiganta-se contra a corrupção da aristocracia e da igreja. Para ele ter existido era absolutamente necessário o campo fértil da corrupção que permeou o início do Renascimento.

Imaginem só como Moro seria terrivelmente infeliz se não existisse corrupção para ser combatida.

Todavia existe uma diferença essencial, apesar das muitas conformidades, entre o fanático dominicano e o juiz do Paraná -não há indícios de parcialidade nos registros históricos da exuberante vida de Savonarola, como aliás aponta o jovem Maquiavel, o mais fecundo pensador do Renascimento italiano.

É preciso, portanto, adicionar um outro componente à constituição da personalidade de Moro -o sentimento aristocrático, isto é, a sensação, inconsciente por vezes, de que se é superior ao resto da humanidade e de que lhe é destinado um lugar de dominância sobre os demais, o que poderíamos chamar de "síndrome do escolhido".

Essa convicção tem como consequência inexorável o postulado de que o plebeu que chega a status sociais elevados é um usurpador. Lula é um usurpador e, portanto, precisa ser caçado. O PT no poder está usurpando o legítimo poder da aristocracia, ou melhor, do PSDB.

A corrupção é quase que apenas um pretexto.

Moro não percebe, em seu esquema fanático, que a sua justiça não é muito mais que intolerância moralista. E que por isso mesmo não tem como sobreviver, pois seus apoiadores do DEM e do PSDB não o tolerarão após a neutralização da ameaça que representa o PT.

Savonarola, após ter abalado o poder dos Médici em Florença, é atraído ardilosamente a Roma pelo papa Alexandre 6º, o Borgia, corrupto e libertino, que se beneficiara com o enfraquecimento da ameaçadora Florença.

Em Roma, Savonarola foi queimado.

Cuidado Moro, o destino dos moralistas fanáticos é a fogueira. Só vai vosmecê sobreviver enquanto Lula e o PT estiverem vivos e atuantes.

Ou seja, enquanto você e seus promotores forem úteis para a elite política brasileira, seja ela legitimamente aristocrática ou não.



ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE, físico, é professor emérito da Unicamp e membro do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia.

terça-feira, 18 de outubro de 2016

FAZ DE CONTA QUE ESTÁ TUDO BEM


Provavelmente uma das características mais brasileiras do jeito de viver e de fazer política seja o “faz de conta que está tudo bem para não ficar pior”.

Essa ideia de que, para evitar barraco e maior confusão o melhor mesmo é “deixar assim”.

Com o tempo o “deixa assim” e o “faz de conta” acabam criando uma espécie de realidade paralela que longe de ajudar, prejudica o país e as pessoas na escolha de seus caminhos.

Foi o que aconteceu com o Atentado da Rua Toneleros, supostamente contra à vida do jornalista e político Carlos Lacerda que resultou na morte de um militar amigo que estava com ele ao chegar em casa na Rua Toneleros.

Os militares e os udenistas usaram o “atentado” para destituir Getúlio (que se suicidou antes) mesmo com o caso apresentando várias incongruências, como, o calibre da bala que atingiu Lacerda ser diferente do calibre do revólver do atirador.

Para não ficar pior “faz de conta” que está tudo bem e segue o baile, que, como vimos, acabaria em tragédia pessoal de Vargas e para o país.

A mesma coisa ocorreu no fim da Ditadura Militar.

A Ditadura foi responsável pela prisão e tortura de muitos brasileiros. Muitas morreram no cárcere sob a custódia do Estado, outros desapareceram para sempre.

Ao final do período tenebroso o normal é que se fizesse justiça aos perseguidos. Não uma infrutífera perseguição aos perseguidores, mas uma necessária ação para promover a verdade dos fatos e condenações aos culpados vivos e mortos.

No mínimo um profundo olhar no espelho e um mea culpa.

Mas, no Brasil do “faz de conta” mais uma vez a opção foi passar uma borracha sobre os fatos alegando conceitos vagos como “revanchismos” ou “caça às bruxas” ou o detestável “quem morreu, morreu”.

Rever a história é a forma correta de cicatrizar as feridas abertas, aliviar as dores de quem teve entes queridos varridos pela violência do regime e estabelecer uma relação sincera com seu passado.

A Comissão Nacional da Verdade, criada pela Lei 2528/2011 em 16 de maio de 2012 teve apenas dois anos de prazo para seus trabalhos e não pôde sugerir nenhum tipo de punição aos culpados em seu relatório final de dezembro de 2014.

Nenhum torturador foi punido. Nenhum ditador foi mencionado. Tudo terminou como se nada tivesse acontecido, a não ser para os lares que ainda choram a ausência de seus desaparecidos, pois nesses lares a ditadura ainda não terminou graças a insuficiência de objetivos e ações da tal Comissão.

Mas o governo achou melhor assim. Os militares acharam melhor assim. E ficou por assim mesmo.

São coisas como essas que permitem aos fascistas brasileiros acreditar que podem fazer o que quiserem pois jamais serão cobrados pelo que fazem.

A mesma impunidade que encoraja bandidos comuns, encoraja os bandidos políticos.

Tivessem os golpistas de ontem sido chamados por seus verdadeiros nomes talvez os golpistas de hoje pensassem melhor antes de derrubar uma presidente eleita por mais de 54 milhões de votos.

Mussolini foi fuzilado e seu corpo exposto pendurado de cabeça para baixo em praça pública.

Não precisaríamos disso. Preservando a civilidade e dando aos agressores as oportunidades de defesa que os mortos e desaparecidos não tiveram, bastaria a força da Lei.

Agora resta a comprovação de que, por trás do mesquinho golpe de agora, estão velhos vícios brasileiros, como esse, de fazer de conta que tudo está bem e deixa assim que é melhor.



Prof. Péricles





domingo, 16 de outubro de 2016

EPOPÉIA DE CHE - FINAL






Adaptado do bloglimpinhoecheiroso


Depois de muito andar para não serem capturados pela Guarda Rural de Batista, foram contabilizadas as perdas. Dos 82 homens que desembarcaram do Granma, apenas 17 sobreviveram. Nico Lopez havia morrido e Che teve ferimentos leves no peito e no pescoço.

Os rebeldes planejaram começar a revolução por Sierra Maestra, uma alta cadeia montanhosa de Cuba. A região era habitada por camponeses pobres e analfabetos, que lavravam pequenas roças para subsistência. As terras pertenciam a latifundiários, que pegavam uma parte de seus lucros.

Em 1956, era praticamente impossível que a tropa regular de Batista conseguisse chegar ao local, pois era um lugar selvagem e não havia caminhos pela mata. Os treinamentos no México seriam úteis para os revolucionários nessa hora.

Em janeiro de 1957, Fidel e seu exército, agora com 20 homens, decidiram realizar um ataque para mostrar que o Movimento 26 de Julho estava vivo e ativo. Atacaram um pequeno posto da Guarda Rural na foz do rio La Plata. Conseguem capturar algumas armas e munições.

Em fevereiro, Herbert Matthews, repórter do New York Times, foi à Sierra Maestra e fez uma longa entrevista com Fidel. Quando a reportagem saiu no jornal, o movimento ganhou notoriedade internacional, despertou simpatias e, principalmente, legitimidade. O governo de Fulgêncio Batista foi forçado a reconhecer que havia um exército rebelde em atividade dentro de Cuba.

Os revolucionários impressionavam as pessoas por seguirem um novo código de conduta bélica. As tropas regulares de Batista torturavam e executavam seus prisioneiros, além de cometer atrocidades contra civis. Já os rebeldes de Sierra Maestra tinham como norma liberar todos os soldados governamentais e jamais maltratar as pessoas da população local. Ao assumir princípios humanistas, os revolucionários conquistaram a confiança dos camponeses. Eles se mantinham firmes aos ensinamentos de José Martí, o herói nacional.

Ao longo de 1957, aumentava lentamente o número de rebeldes. Nesse mesmo ano, Fidel concede a Che a patente de comandante, posto que até então apenas ele próprio possuía, e o colocou na liderança da Segunda Coluna do Exército Rebelde.

Depois de quase um ano em Sierra Maestra, os revolucionários perceberam que a semente estava germinando. Em toda parte de Cuba, surgiam protestos contra o governo. As forças de Fidel, agora com cerca de 300 combatentes, estavam bem organizadas. Ele e Che montaram fábrica de munição, escolas, clínicas, cozinhas coletivas, oficinas de trabalho, um jornal e uma estação de rádio na região (a Rádio Rebelde). Os camponeses receberam terras e se sentiam livres das arbitrariedades cometidas pela Guarda Rural.

Em maio de 1958, o governo colocou 10 mil homens em Sierra Maestra, apoiados por tanques e aviões. A ofensiva durou quase três meses, porém o exército de Batista, desorganizado e não sabendo lutar nas montanhas, limitou-se a bombardear vilas e povoados, matando dezenas de civis.

Em agosto, Fidel e Raul marcharam com 200 homens para Santiago de Cuba, onde receberiam o reforço de outros 600 rebeldes para tentar ocupar a cidade. Enquanto isso, Che Guevara, com 148 homens, atravessava a província de Las Villas, em direção às montanhas Escambray e à cidade de Santa Clara. Camilo Cienfuegos comandava uma coluna de 82 homens, movendo-se paralelamente às forças de Che. O alvo dele era Havana.

Em dezembro, Guevara recebeu a missão de tomar toda a província de Las Villas, cortando a ilha em duas partes. Em questão de dias, com brilhantes manobras táticas, ele conquistou toda a província, exceto a capital, Santa Clara. Defendida por 2 mil soldados, a cidade contava com apoio aéreo. Guevara tinha apenas 200 homens. Os arredores de Santa Clara se renderam rapidamente com as tropas governamentais evitando o combate, mas o controle do centro da cidade custou três dias de luta e convencimento dos soldados governistas. Com a tomada de Santa Clara em 31 de dezembro de 1958, não havia mais nenhum obstáculo entre os rebeldes e Havana.

Santiago de Cuba continuava cercada pelas forças de Fidel e Raul. Sabendo que seu exército estava aniquilado e nada mais poderia fazer, às 3 horas da madrugada do dia 1º de janeiro de 1959, o ditador, juntamente com alguns comparsas, fugiu de avião para a República Dominicana com medo de ser morto. Fulgêncio Batista já havia transferido para o exterior uma fortuna estima em US$ 800 milhões, amealhada em anos de saque do Tesouro Nacional.

De Santiago, Fidel irradiou um apelo ao povo de Havana, conclamando-o a evitar violência e manter-se vigilante pela justiça. Prometeu que as forças rebeldes adentrariam as cidades de Cuba para restabelecer a ordem e impedir a contra-revolução. “A ditadura desmoronou”, disse ele, “mas isso não significa que a revolução tenha triunfado. Revolução, sim! Golpe militar, não!”

Fidel pediu que Guevara e Cienfuegos seguissem para Havana. Em 2 de janeiro de 1959, eles entraram na cidade e assumiram o controle das instalações militares para evitar qualquer reação do Exército. No mesmo dia, Fidel começou sua lendária travessia de 800 quilômetros por toda extensão de Cuba, fazendo discursos e entusiasmando a multidão. Ele chegou em Havana em 8 de janeiro.

Depois de seu trabalho como médico e comandante das tropas rebeldes, Che foi proclamado “cidadão cubano de nascimento” e, no governo revolucionário, assumiu o posto principal do Banco Nacional de Cuba. Em seguida, foi para o Ministério da Indústria, onde desenvolveu uma política econômica voltada à diversificação da agricultura e à industrialização a fim de reduzir a dependência externa.

Guevara também foi embaixador cubano, tendo visitado vários países, inclusive o Brasil, em 1960, onde foi condecorado pelo presidente Jânio Quadros, ansioso para demonstrar que o País tinha uma política externa independente.

Che ficou no cargo até abril de 1965, quando saiu de Cuba para levar a Revolução para outros países. Além disso, tinha suas dúvidas quanto à excessiva aproximação cubana com os soviéticos, posição que deixou bem clara nos encontros nos quais participou na época.

Queria voltar a voar, não se prender a uma revolução. Já tinha dito a Fidel, antes de entrar para o exército rebelde cubano, que “vou retomar minha liberdade de revolucionário depois do triunfo da Revolução Cubana”.

Deixou Cuba e uma carta a Fidel, que dizia num trecho o seguinte: “Sinto que cumpri a parte de meu dever que me atava à Revolução Cubana em seu território e me despeço de ti, dos companheiros, de teu povo, que já é meu. Faço formal a renúncia de meus cargos na direção do partido, de meu posto de ministro, de meu posto de comandante, de minha condição de cubano. Outras terras do mundo reclamam o concurso de meus modestos esforços... Até a vitória, sempre. Pátria ou Morte!”

Assim foi para o Congo, onde tentou organizar uma guerrilha, que acabou sendo frustrada. Retornou em segredo para Havana e dali partiu, em outubro de 1966, para as selvas bolivianas, levando alguns guerrilheiros cubanos para encontrar outros homens na Bolívia, de onde empreenderiam uma guerrilha similar à que saiu vitoriosa em Cuba.

Mesmo com cerca de 50 homens em território boliviano, as tropas de Che venceram algumas lutas contra os inimigos. Mas, isolados nas montanhas da Bolívia, Che Guevara e seus companheiros foram denunciados ao Exército boliviano.

Em 8 de outubro de 1967, eles foram encurralados num despinhadeiro e poucos escaparam. Che, ferido na perna, ficou preso na cidade de La Higuera.

Guevara foi interrogado por agentes da CIA e da inteligência boliviana. Em seguida, foi executado.

Segundo Ricardo Rojo, em seu livro “Meu amigo Che”, Guevara estava sentado no chão com as costas apoiadas na parede, respirando com dificuldade, quando o capitão Gary Prado, chefe da companhia dos Rangers que o capturou, disparou uma rajada de metralhadora de cima para baixo. O tiro de misericórdia foi dado pelo coronel Andrés Selnich, superior hierárquico de Prado, com uma pistola 9mm.

A bala atravessou-lhe o coração e o pulmão. Che estava morto.

A notícia se espalhou pelo mundo, mas, durante dias, houve uma discussão internacional sobre a veracidade da morte do guerrilheiro. Todas as especulações terminaram em 15 de outubro, quando Fidel Castro anunciou que realmente Guevara tinha sido capturado e executado na Bolívia.

Em seu discurso, profundamente emocionado, Fidel pronunciou o seguinte:

“Raramente pode-se dizer de um homem com maior justiça e com maior precisão o que vou falar sobre Che: ele foi um exemplo puro de virtudes revolucionárias; ele foi um ser humano extraordinário; um homem de extraordinária sensibilidade. Che era um homem de total integridade, um homem de supremo senso de honra, de absoluta sinceridade. Um homem de hábitos estóicos e espartanos, cuja conduta nenhuma mácula pode ser encontrada. Ele constituía, dentro de várias virtudes, o que podemos chamar de o verdadeiro modelo revolucionário”.

Os restos mortais de Guevara, depois de ficarem 30 anos enterrados num cemitério clandestino na Bolívia, foram identificados e exumados em julho de 1997. Atualmente, eles se encontram enterrados no Mausoléu Ernesto Che Guevara, na cidade de Santa Clara, em Cuba.

Mesmo se não levarmos em conta seus sucessos e frustrações durante toda sua vida, Ernesto Che Guevara, por si só, serviu como um símbolo da dedicação revolucionária, cujas ações foram sempre consistentes e em harmonia com seus ideais morais.

Ele morreu lutando por esses ideais, mas continua vivo nos corações de todos os povos solidários.


Texto adaptado.






sexta-feira, 14 de outubro de 2016

NOVAS TRAIÇÕES DE VELHOS TRAIDORES


O traidor mais famoso foi Judas.

Está no Novo Testamento, documentado e sacramentado para cristão nenhum esquecer.

Judas seria o traidor clássico, aquele que trai por dinheiro. Trinta dinheiros, ao que parece.

Porém, há controvérsias.

Alguns afirmam que Judas queria apenas dar um susto no seu mestre e posar, posteriormente de herói, assumindo espaços políticos no grupo que estavam ocupados por Pedro e Madalena. Algo como Temer na famosa carta, reclamando que não era lembrado pela Dilma.

Não sei. Fofocas...

Calabar é o tipo de traidor misterioso.

Lutava contra os holandeses da Companhia das Índias Ocidentais que haviam invadido Pernambuco e de repente mudou de lado, aparentemente sem ganhar dinheiro com isso.

Seria Calabar o traidor ideológico, aquele capaz de trair companheiros me assumir a má fama, mas ser fiel a uma ideia que considerada superior?

Já Cabo Anselmo é a síntese do traidor sádico.

Desde o início da luta armada contra a ditadura militar se posicionou no campo da guerrilha urbana, ganhou simpatias e aliados e dali mandou para o calabouço, para a tortura e morte, centenas de companheiros, incluindo até a namorada grávida.

Joaquim Silvério dos Reis o traidor oportunista e interesseiro.

Enfim, temos muitas histórias de traidores e traições.

Já se disse que a política não é lugar para moralismos e o aliado de hoje pode ser o inimigo de amanhã e vice-versa.

Tudo bem, pode ser mesmo que as relações dinâmicas da política exijam muito mais sorrisos do que estômago, mas, vamos combinar que o apoio de Prestes a Getúlio pouco tempo depois do ditador entregar sua namorada grávida à Gestapo e à morte extrapolou o limite do compreensível.

E mesmo entre as relações complexas da política um mínimo de ética e de coerência deve ser exigido. A não ser que o poder seja considerado razão suficiente para se esquecer qualquer moralismo.

Maquiavel diria que assumir e/ou manter o poder é sim a razão única que move a ação política. Mas nós não somos maquiavélicos... ou somos?

Aliar-se com o PMDB para chegar ao poder é como fazer amizade com o crocodilo. Você jamais pode confiar e dorm,ir em paz.

Os governos do PT jamais poderão dizer que não esperavam uma bola nas costas do PMDB, simplesmente porque o PMDB é o partido da bola nas costas, do poder pelo poder e os antigos amigos que se danem.

É o partido traidor compulsivo. Aquele que exerce essa função independente de quem seja a vítima de sua traição.

Não é por dinheiro como a maioria pode pensar. Nem por ideologia. É simplesmente pelo poder.

Seria muito ingenuidade esperar outra coisa como se o despertar da ética pudesse ocorrer de uma hora para a outra.

Como dizia Freud, o poder é a máxima realização da cobiça humana.

O PMDB é assim, tanto que poderá, em breve, trair os próprios parceiros do golpe.

O presidente interino deve saber que esse golpe se deu através de um condomínio de interesses que incluem fortes divergências: PMDB, PSDB, mídia, capital externo, etc. etc. além de muitas vaidades pessoais.

Manter o poder inclui obrigatoriamente, criar condições para vencer as eleições de 2018 e aí o condomínio deverá rachar pois seus autores escolherão personagens diferentes.

Como manter a união dos condôminos se a ruptura está logo ali adiante?

Sim, aguarda-se novas traições de velhos traidores.

Traição é a mola mestra da política de um país sem tradição partidária, como o nosso.

Faz parte de nossa cultura.



Prof. Péricles