domingo, 9 de abril de 2017

RAUL E ANA LÚCIA

Ela era uma menina simples, de família pobre, se chamava Ana Lúcia (Analú, para os íntimos), trabalhava como balconista numa loja no centro da cidade e ganhava um salário pequeno, que mal dava para ajudar a família.

Ele era advogado, recém-formado, se chamava Raul e militava num partido de esquerda.

Ela não entendia nada de política e costumava ficar ouvindo ele se definir como um lutador pelos interesses dos mais pobres e suas definições sobre utopia, classes sociais e mais valia, coisas que ela não sabia do que se tratava, mas que ouvia com entusiasmo, já que ele falava bonito.

Ele dizia que sua luta era por ela e por outras como ela, gente simples do povo que ele tanto amava.

Certa vez Analú foi com o namorado numa reunião sindical. Sentados lado a lado ele tão educado, tão meigo provocava suspiros enquanto imaginava que jamais encontraria outro homem tão gentil e doce como ele. Um homem que a entendesse tão bem.

Então Raul foi chamado para falar no palco.

Pobre Ana Lúcia, nunca se recuperaria do trauma...

Diante da plateia seu namorado abandonou completamente os modos gentis e delicados assumindo uma postura extremamente agressiva. Gritou até ficar rouco, gesticulava como se manuseasse uma clava invisível e ofendeu um monte de gente que igualmente reagiram xingando e gesticulando.

Ao voltar ao seu lugar, ao lado dela, Raul voltou a ser o bondoso namorado de modos meigos que ela conhecia.

Naquela noite, ela não dormiu de tantos pensamentos conflitantes em sua cabeça. Qual deles afinal era seu namorado?

No outro dia, ela até questionou o porquê da transformação e ele respondeu que agia assim porque defendia suas posições políticas e o povo, que o seu sindicato deveria sempre defender o povo e impedir quaisquer distorções desse objetivo que é o que aconteceria se o grupo rival dominasse o sindicato.

Ela era povo, pensava Analú, mas preferia o Raul educado e afetuoso e não aquele estranho que ficava vermelho de tanto gritar e ofender.

Com o tempo Raul foi parecendo mais estranho à Ana Lúcia.

Buscava convencê-la do que era interessante e o que não valia nada. Do que ela deveria fazer ou menosprezar. Queria dirigir suas escolhas e quando ela não demonstrava entusiasmo a chamava de alienada e direcionada pela sociedade e pela propaganda burguesa.

Ana Lúcia cada vez mais se percebia sem vontade e não entendia como alguém que dizia amá-la era tão surdo para seus pequenos desejos a ponto de cada vez mais esconder dele as suas próprias opiniões.

Um certo dia ela percebeu que entre ela e Raul a distância só fazia aumentar.

E o namoro terminou.

A esquerda brasileira sempre teve mais intelecto do que povo e sobre o povo mais teorias do que prática.

No Brasil depois de 14 anos no poder e pós golpe talvez fosse interessante um repensar sobre suas estratégias e seu destino, mas, sem esquecer o que mesmo quer o povo que ela jura representar.

Ou Raul e Ana Lúcia continuarão distantes.




Prof. Péricles

Um comentário:

Neli Bittencourt Galvão disse...

Se gritar,esbravejar,ofender resolvesse os problemas do povo...Se esperar pacífico,meigo,otimista resolvesse os problemas do povo...Se um equilíbrio entre os dois opostos resolvesse os problemas do povo...os paraguaios não precisavam gritar,"não somos brasileiros".O que ocorre com o povo brasileiro?