sábado, 20 de agosto de 2011

FREI TITO 03: UM SILÊNCIO DE DEUS

Banido do país, Frei Tito, deixou uma carta ao companheiro Vanderley Caixe, também na prisão: "companheiro, aqui ou no exterior estaremos sempre lutando pela liberdade e o socialismo."

Na prisão, ele escreveu sobre a sua tortura e o documento correu pelo mundo e se transformou em símbolo de luta pelos direitos humanos.

Em 1971 foi deportado para o Chile e, sob a ameaça de novamente ser preso, fugiu para a Itália. Em Roma, não encontrou apoio da Igreja Católica, por ser considerado um “frade terrorista”. De Roma foi para Paris, onde recebeu apoio dos dominicanos.

Traumatizado pela tortura que sofreu, Frei Tito submeteu-se a um tratamento psiquiátrico. Seu estado era instável, vivendo uma agoniada alternância entre prisão e liberdade diante do passado.

Para se ter idéia de como o seu trauma era terrível, saiba de uma história ocorrida em sua vida: Uma vez, em pânico, recusou-se a entrar no convento e os frades chamaram o frei Xavier Plassat. Ao encontrar Tito, no meio da chuva, assustado e escondido atrás de uma árvore, dizia que Fleury não o deixava entrar no convento. Xavier então pediu a Tito para tomar café com a "autorização de Fleury" (segundo a visão de Tito). Ao entrar no carro, Xavier pediu para Tito esperar no carro enquanto buscava alguns agasalhos. Quando Xavier voltou para o veículo, Tito estava fora do carro (escondido na mesma árvore) e assustado, como se Fleury tivesse entrado no automóvel.

No dia 10 de agosto de 1974, um morador dos arredores de Lyon, encontrou o corpo de Frei Tito, suspenso por uma corda.

Foi enterrado no cemitério dominicano Sainte Marie de La Tourette, em Éveux.

Em 25 de março de 1983, o corpo de Frei Tito chegou ao Brasil. Antes de chegar a Fortaleza, passou por São Paulo, onde foi realizada uma celebração litúrgica em memória dos mortos pela ditadura de 1964: o próprio Frei Tito e Alexandre Vannucchi.

A missa foi celebrada por D. Paulo Evaristo Arns em trajes vermelhos, trajes usados em celebrações de Mártires, acompanhada por mais de quatro mil pessoas.

É necessário e urgente contar essa história para os jovens. Mas falar da Ditadura Militar brasileira, da tortura e morte dos militantes, é sem dúvida um desafio para pais e educadores.

Como falar para nossos alunos e filhos que muitos brasileiros foram torturados até morrer, simplesmente porque não tinham o direito de falar contra o seu governo? Como explicar que alguns destes torturadores estão entre nós, trabalhando, candidatando-se a cargos políticos, vivendo sem lembrar do rastro de sangue que deixaram para trás? Como explicar que Frei Tito foi preso e sofreu tanto nas mãos dos seus algozes somente por ter conseguido um sítio para uma reunião de estudantes?

Professores e pais cearenses têm a sorte de contar com o Memorial Frei Tito, no Museu do Ceará. Idealizado e montado por Régis Lopes, historiador e diretor do Museu, e Lúcia Alencar, sobrinha de Frei Tito, o Memorial expõe documentos, fotos e objetos pessoais de Frei Tito, trazendo sua presença para perto de nós. Uma das fotos em exposição mostra os jovens presos no Congresso de Ibiúna, São Paulo, quando a Ditadura Militar não permitia nenhum tipo de reunião ou agremiação, justamente o momento que determinou a prisão e o começo do sofrimento de Frei Tito.

Passear pelas paredes vermelhas do Memorial Frei Tito com um grupo de adolescentes é despertar uma série de perguntas que eles precisam elaborar e responder, compreendendo o passado do país. Precisamos deixar essa história registrada, para que os jovens de hoje e de amanhã conheçam os passos deste homem, que acreditava no Evangelho, nas mudanças da sociedade, mas que tinha plena consciência de que nada aconteceria sem o esforço de cada um, desde cedo, vendo, julgando e agindo.

Poucos dias antes de morrer, Frei Tito escreveu na sua agenda:
"São noites de silêncio
Vozes que clamam num espaço infinito
Um silêncio do homem e um silêncio de Deus."

Socorro Acioli é jornalista e escritora, autora do livro Frei Tito da Coleção Terra Bárbara, Edições Demócrito Rocha.

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