sábado, 24 de outubro de 2015

BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO



Por Tarcísio Lage


Escândalo aqui, escândalo ali, tribunal com juiz acusado de corrupção julgando contas do governo, impeachment já, impeachment é golpe e toma lá um festival de pragas e discussões com xingatórios que assola a internet e até imprensa bem instalada, sem falar dos bancos com seus lucros abundantes e com regateios para conceder um mínimo aumento dos salários de seus empregados.


Mas não é nada disso que me arrepia o cabelo, que aliás, nem os tenho. No entanto, o que me arrepiou mesmo, por dentro e por fora, cabelo onde os tenho e a pele toda da cabeça aos pés, foi a pesquisa da Data Folha do dia 28 de setembro com a pergunta simples e rasteira:


“Você concorda que bandido bom é bandido morto?”


Com o estômago já revirado, li o resultado: empate. Ou, por outra, metade dos mais de 1.300 entrevistados em 84 cidades acima de 100 mil habitantes respondeu sim: bandido bom é bandido morto.


Não se especificou bem o que se entende por bandido. Mas creio que a referência é aos assaltantes saídos das favelas e das comunidades pobres da sociedade e não aos ladrões de colarinho branco trabalhando em escritórios de luxo ou dependências governamentais e vivendo em apartamentos de luxo e palacetes no Leblon, Ipanema, Lago Sul de Brasília, Jardim Paulista e outras pragas paulistanas onde a arte do bom viver é o orgulho máximo da burguesia bem nutrida.


Mas, vá lá, mesmo se a resposta de OK à proposta “bandido bom é bandido morto” coloca todos no mesmo saco – como se a bandidagem fosse como o saco do PMDB onde cabe tudo – eu ainda digo que é algo para vomitar. Ou pior. Para temer. Temer muito.


Quer dizer, então, que metade da população do Brasil, considerando-se eficiente o método de pesquisa da Data-Folha, é a favor de ir matando os bandidos, instalando esquadrões da morte em cada esquina ou armando a população para que se faça um OK Curral a cada instante na Avenida Paulista, na orla do Rio de Janeiro e mais invasões de favelas e comunidades pobres como se já não houvesse o bastante!


No chamado mundo ocidental, o Brasil é um dos poucos países onde ainda existe Polícia Militar, resquício da ditadura.


E tomem nota: só este ano em São Paulo foram mortas pela polícia militar 571 pessoas entre suspeitos de crime e gente inocente por estar no lugar errado e na hora errada.


Mande bala, na lógica de uma polícia já considerada uma das mais violentas do mundo e onde um punhado de bandidos mortos vale por um ou dois inocentes abatidos por engano. Efeitos colaterais, como dizia Rumsfeld quando invadia com Bush e Cheney o Iraque em ruínas.


No entanto, não há guerra no Brasil e as causas da violência urbana têm profundas raízes sociais.


A principal delas é péssima distribuição da renda que faz do país um dos mais injustos do mundo, ainda que a situação tenha melhorado um pouquinho nos últimos anos. E, no entanto, é por causa dessa política de melhor distribuição da renda que a classe media e a direta gritam pelo impeachment ou pela quebra da institucionalidade.


Mas não vamos desviar o assunto. A segunda causa da violência no Brasil é o tráfico de drogas. Isso poderia ser facilmente resolvido liberando-se o comércio de algumas delas com já vem ocorrendo em vários países.


Vale repetir que até a ONU chegou à conclusão da inutilidade da guerra contra as drogas. Há, inclusive, um relatório de 2011 assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito.


No entanto, dois setores são radicalmente contra a liberalização: os traficantes e a polícia, para que continuem com o jogo de gato e rato, numa teia de corrupção e violência.


Enfim, o tráfico é um vasto assunto certamente para um outro artigo. O que nos interessa aqui é ressaltar como ele contribui para o aumento da violência.


Veja, por exemplo, o caso do México, onde os assassinatos na guerrinha suja entre a Polícia, a DEA dos EUA e os carteis são com resquícios de maldade.


Para finalizar. Sugiro que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que encomendou a pesquisa da Data-Folha, peça uma outra para ver quem concorda com essa afirmação: um bandido bom é um bandido recuperado.


O resultado pode decepcionar dado ao avanço ideológico da direita no Brasil.



Tarcísio Lage, jornalista, escritor, começou na Última Hora de Belo Horizonte no início dos anos 60.As Tranças do Poder é seu último livro.




quinta-feira, 22 de outubro de 2015

MONTANHAS AZUIS

Às vezes, dá uma vontade danada de sair em silêncio, escapar do burburinho pelo buraco da fechadura das portas mal-humoradas. Você já percebeu como as portas são mal humoradas? Ao menos as fechadas.

E quando as horas do relógio ditam as fases de nossa rotina... nossa que vontade deixar de existir mesmo existindo!

Será que ao fechar os olhos com as pálpebras bem apertadas a gente fica invisível?

Quando criança funcionava. Pena que a idade adulta nos tire os superpoderes e a gente perceba que jamais se está invisível de si mesmo. Que porcaria!

Triste como a descoberta de que as montanhas azuis não são azuis, mas parecem assim pela distância misturadas com o horizonte.

Por que os rios não secam se dia e noite suas águas vão embora, e se perdem no mar, sendo que a água é recurso não renovável?

E as utopias são renováveis?

A reciclagem das fantasias que um dia fizeram que coubesse todas em nossos sonhos desde dragões até princesas, bruxas e fadas, espadachins e heróis que voam e uma infinidade de criaturas que dormiam, todas, embaixo do travesseiro.

Pra onde vai toda a rebeldia dos dias jovens capaz de destruir exércitos quando os dias jovens dão lugar aos dias velhos?

Como é chato o mundo das coisas sérias.

Horários pra tudo. Dias organizados que não variam e a segunda que sempre vem depois do domingo e o sábado que vem antes dos dois. Ou seria depois?

E essas semanas que se repetem em meses pré-definidos desde o dia do salário, até o próximo salário.

Deveríamos contar o tempo por número de salário e não por anos vividos, e o legal é que muitos, como os milhares de mendigos, ficariam eternamente jovens.

O ano das pessoas sérias é muito chato.

Sempre com 12 meses, feriados marcados, início e fim comemorado sem motivo, sendo que o ano não passa de uma volta que a Terra dá sobre o sol sempre do mesmo jeito, sem nenhuma reboladinha, na mesma velocidade e constância.

Não que eu seja fofoqueiro, mas é o que acontece com a lua que desde 1969, volúvel, deixou de ser dos poetas para ser dos cientistas que a viram nua, tão de perto, mas tão de perto que, pasmem... concluíram que não havia vida nenhuma por lá.

Quanta incapacidade criativa! A culpa não é da lua, é dos cientistas!

Para quem curte a história da vida, do país e das pessoas que habitam esse país, dói profundamente ver gente defendendo a ditadura ou chamando golpe de estado de intervenção.

É por demais chocante entender que as pessoas que se acham sérias considerem justas as diferenças que excluem e só consigam se sentir mais belos se existir feiura e por isso cultivem a feiura fanaticamente. Que necessitem que existam pobres mais pobres para acreditarem que foram competentes e previdentes.

Dilacerante é que existam argumentos endeusando criaturas da pré-história da memória nacional como deputado que se orgulha pelas torturas e defenda pena de morte ou pastores que enriquecem com a manipulação da fé e da ignorância entre os que os procuram.

Se é verdade que o conhecimento liberta, talvez também o seja que o conhecimento machuca, não o conhecimento da vida e da história, mas o conhecimento sobre as pessoas e de suas mediocridades.

Eu já decidi.

Vou continuar acreditando em justiça e igualdade, mas não aqui, com essas almas sombrias e sem cores.

Não. Com esses rançosos de egoísmo eu não brinco mais.

Vou procurar a minha turma.

Mesmo que muito longe, onde as nuvens se escondem atrás das montanhas azuis.



Prof. Péricles


terça-feira, 20 de outubro de 2015

O CIRCO DA PILANTRAGEM

Pilantragem e Civismo
Por Laerte Braga    

 
Kalanag foi um mágico que se apresentou no Brasil lá pelos idos de 1960. 

Como, ninguém nunca soube, mas descia do palco até a platéia com uma jarra d’água e mandava o espectador escolher a bebida preferida. Vinho, uísque, cerveja, da tal jarra saia tudo. Se levarmos em conta que os mágicos àquela época dispunham de poucos recursos tecnológicos, aquele negócio de jogos de luzes, máquinas que engolem pessoas, esses aparatos todos dos mágicos de hoje, Kalanag era de fato um prodígio.

Circos ainda ocupam um espaço importante tanto na lembrança dos que assistiram aos velhos grandes circos do passado, como os que hoje têm o privilégio de observar uma arte – falo de tudo o que o circo traz -. Aquela armação de lona sobrevive em muitas cidades do interior do País. Hoje, uma nova roupagem recheada de salamaleques dos tempos atuais, levou o circo para dentro dos ginásios, das grandes áreas de espetáculos e numa certa forma preservou e preserva as características do espetáculo circense.

Águas dançantes apareceram no Rio de Janeiro no final da década de 50 e o show aconteceu no Maracanãzinho como ponto culminante de um dos grandes circos norte-americanos em seguida a trapezistas, palhaços, mágicos, equilibristas, toda a troupe.

Foi uma semana antes da célebre luta entre Archie Moore e o brasileiro Luisão, mas essa é outra história.
 
A descaracterização da palavra circo, transformada, entre outros sinônimos, em local de pilantragem, de maracutaia aconteceu por conta de se emprestar à pilantragem e às maracutaias o epíteto de um grande circo, com mágicas com dinheiro público, trapaças nos negócios de governo, grandes palhaçadas de políticos, toda essa sorte de ilusionismo do chamado mundo real.

O circo de Brasília, por exemplo, não tem nada a ver com o Circo de Moscou. E nem com as lonas remendadas que povoam as cidades do interior brasileiro.  Ali, nessas cidades, crianças e adultos ainda são capazes de gargalhadas quando o palhaço tropeça e daquelas interjeições de espanto quando o mágico faz sumir um carro em pleno palco substituindo-o ou por um elenco de mulheres, ou por pássaros coloridos que saem voando dentro dos limites da lona.

O circo de Brasília tem a batuta de três dos mais espertos “mágicos” da política brasileira.

O presidente do Senado, José Sarney. O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer e o presidente do Supremo Tribunal Federal – atual STF – o “ministro Gilmar Mendes.

Sarney, proprietário dos estados/fazenda Maranhão e Amapá seja talvez o mais completo exemplo de Zelig da história da política brasileira. Em 1º de abril de 1964, governador do Maranhão, soltou um manifesto na parte da manhã apoiando o governo constitucional de João Goulart e outro à tarde, aderindo ao golpe militar. Virou capacho de confiança dos governos da ditadura. Acabou presidente da República no episódio da construção da candidatura Tancredo Neves e da morte do mineiro, eleito presidente em 1984.

Michel Temer saiu da casca de jurista e constitucionalista para virar político, deputado em vários mandatos e uma interpretação para cada caso, não importa que seja diversa da anterior, desde que os interesses dos que representa sejam mantidos.

É ponta de lança de FHC e José Serra no PMDB. O maior partido do País, curiosamente sem cara, sem rosto, um amontoado de queromeu, onde ainda pontificam figuras sérias do porte de Roberto Requião governador do Paraná.

O terceiro nessa trindade de pilantras é Gilmar Mendes, presidente do STF. Corrupto de carteirinha, tucano de coração, corpo e alma, ocupa a presidência do que deveria ser a corte suprema do País para transformá-la em instrumento de garantia de todo esse mundo podre e irreal que acaba sendo o real.

E William Bonner, síntese do pilantra na comunicação, está lá para assustar todos os “homer simpson” na hora do Jornal Nacional. O maior produto vendido pelos donos do Brasil aos incautos que ainda acham que esses circos são reais. Não têm a ver com Arrelia ou Pimentinha, palhaços de muito caráter e seriedade.

O circo da pilantragem é no duro mesmo um circo de tragédias e essas tragédias se abatem sobre o povo brasileiro que segundo o imortal João Ubaldo Ribeiro ainda é o culpado de tudo.

A corrupção é só uma conseqüência do modelo político e econômico. Esse é o fato gerador. Esses são os donos do circo.




Laerte Braga é jornalista em Juiz de Fora/MG

domingo, 18 de outubro de 2015

A MAIOR DOR DE ALEKSANDRA

A saudade por si só dói como vento gelado.

As vezes o vento pode ser tão frio que mata em pouco tempo. Em outras a agonia se faz de forma lenta, matando por desgaste e não por congelamento.

Já a decepção tem se processa rápida e não mata, mas prepara o caminho para o firmamento.

Me pergunto, como suportar a saudade misturada com outros sentimentos, como, por exemplo, a mágoa da ingratidão?

Ou ainda, qual seria o terreno mais inóspito, a crueza do Ártico ou a crueza do coração?


Lembro de Aleksandra Sokolovskaia.

Alexandra era uma linda ucraniana, como só as ucranianas costumam ser.

Ficava ainda mais bela ao viver como só os jovens conseguem o idealismo latente na construção de um mundo mais justo e fraterno.

Apesar de todos os perigos participou desde muito cedo dos movimentos clandestinos nos terríveis tempos de agonia e êxtase do czarismo.

Com apenas 18 anos participou da criação de um sindicato no sul da Rússia o que lhe valeria um mandato de prisão.

Conheceu, na clandestinidade, um dos mitos da revolução russa, Leon Trotsky, apaixonaram-se e com ele se casou em 1899, com 27 anos.

Tiveram duas filhas, Nina e Zinaida.

Em 1901 os dois foram presos e deportados para a Sibéria, um lugar tão gelado e de tão difícil sobrevivência que precisava de poucos guardas para ser mantida, já que fugir de lá, era quase impossível.

Só que os revolucionários deram um jeito para providenciar uma fuga. Mas, havia um problema, seria possível libertar apenas um dos prisioneiros.

Ela não permitiu discussão. Embora seu coração de mulher não quisesse a distância, o coração da revolucionária dizia que Trotsky era muito mais importante livre, para o projeto revolucionário, do que ela, e por isso ele deveria fugir, enquanto ela ficaria na prisão gelada e mortal da Sibéria, sobrevivendo enquanto fosse possível.

E assim foi feito, sendo Trotsky resgatado para um lugar a salvo na Europa.

Só que chegando a Paris, em 1903, Trotsky se apaixonou por outra mulher, Natália Sedova, declarou finda sua união com Sokolovskaia e casa-se com a outra.

É daí que vem a indagação.

O que será que mais doeu na bela Aleksandra: o vento gelado que corta a carne com um uivo selvagem nos ouvidos ou a traição do homem amado que para ser liberto precisou que ela mesma continuasse no inferno?

Sabe-se pouco sobre ela.

Não morreu na Sibéria e retornou, anos mais tarde para Moscou.

Não pode viver com as filhas que foram criadas pela mãe de Trotsky e nunca mais se casou.

Continuou suas atividades políticas mas caiu em desgraça na sangrenta ditadura Stalinista, assim como uma geração inteira de revolucionários que o ditador julgava mais brilhante do que ele mesmo.

Foi presa, e novamente deportada para a Sibéria, onde foi vista com vida pela última vez no campo de trabalhos forçados de Kolyma, em 1938.

Tinha então 66 anos.

Com essa idade e submetida as péssimas condições da prisão deve ter morrido em silêncio, de forma quase imperceptível em alguma noite de nevasca maior.

Mesmo assim, cabe a dúvida: qual teria sido a maior dor de Aleksandra Sokolovskaia?

A fria morte provocada pela hipotermia ou a morte por traição do amor de toda sua vida?




Leon Trotsky


Prof. Péricles
















sábado, 17 de outubro de 2015

COMO DILMA PERDEU A VITÓRIA

Por Mário Magalhães

Aniversaria, por esses dias, a vitória da campanha reeleitoral de Dilma Rousseff.

Em outubro do ano passado, a candidata venceu o primeiro e o segundo turnos. No começo daquele mês, alcançou 42% dos votos. No fim, 52%, triunfo com 54.501.118 sufrágios.

Talvez o porvir esclareça em que momento algum bichinho, o antípoda da mosca azul, soprou-lhe que havia sido sobrepujada por Aécio Neves. A presidente deu-lhe ouvidos, a julgar por seus passos no Planalto.
A reforma ministerial em curso consagra uma política contraditória com a pregação de palanque.
O governo contrário à agenda chancelada pela maioria dos eleitores é uma evidência tal que, quando Fernando Henrique Cardoso afirma que a presidente enredou-se em “um pacto com o demônio”, poucos correligionários de Dilma rejeitam o diagnóstico.
O que fazem as vozes intelectualmente honestas é recordar que o ex-presidente se pronuncia na condição de mestre Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça.
Há um sem-número de erros de tática política e inépcia de gestão no atual governo.
O engano mais relevante, porém, é a estratégia de impor ao país uma administração ofensiva à decisão da maioria um ano atrás.
Ao romper consigo mesma (ou com o que dizia), a presidente, em vez de frear, estimula segmentos que historicamente não reconhecem a soberania do voto popular. Como já dito no blog, ela age como o time que se retranca, chama o adversário para cima e padece com o sufoco.
Como também observado aqui, este ensaio de suicídio político resulta no abandono da presidente pelo colchão social que a respaldava.
De cada dez brasileiros, apenas um considera ótimo ou bom o governo Dilma. Ela dilapidou boa parte do seu enorme patrimônio eleitoral.
A síntese do arrocho que sacrifica os mais pobres é a presença, no comando do Ministério da Fazenda, de um eleitor de Aécio Neves.
Militantes que se dedicaram a renovar o mandato de Dilma, e nela acreditaram, protestarão sábado também “contra a política de ajuste fiscal”. Os bancos, na contramão, estabelecem recordes de lucros.
Sem sua antiga base social disposta a defender a política que pune os já punidos pela desigualdade obscena, a presidente rendeu-se ao toma-lá-dá-cá do Congresso.
Isto é, aceitou o terreno onde grassa a chantagem, incluindo a modalidade golpista do impeachment (não há prova de crime contra a presidente), e a ela se rende. O trunfo de Dilma contra as chantagens são _seriam_ os seus quase 55 milhões de eleitores.
Mas como convocá-los a pressionar as instituições que decidem, e nas quais muitos congressistas chantageiam a governante constitucional, se em 2015 Dilma castiga seus apoiadores de 2014 com a fatura mais amarga da conta da crise?
Expulsar da Saúde um sanitarista digno e entregar o Ministério à gula do PMDB equivale a autorizar a queda de qualidade do sistema público de saúde. É a rede que atende aos brasileiros mais necessitados.
Com o ensino público sofrendo com o arrocho impiedoso, Dilma retira do Ministério da Educação um educador de méritos reconhecidos para acomodar um amigo saído de outra pasta. Quem vem pagando pelo arrocho? Os filhos daqueles que precisam de livros infantis nas escolas públicas, que não têm como comprar nas livrarias _o governo cancelou ou adiou a aquisição de livros para as bibliotecas escolares.
Hoje faz nove meses que Dilma foi (re)empossada. Ela faz o que dizia que não faria. Governa contra os interesses de quem a escolheu. Castiga seus eleitores e prestigia a política neoliberal patrocinada pelo adversário derrotado. Comporta-se como se a derrotada tivesse sido ela.
Nas internas, a presidente costuma lamentar a correlação de forças no Congresso. Será que ela não sabe que, em muitos momentos da história, a pressão popular logrou dos conservadores concessões que eles não aceitariam sem o povo nas ruas?
Mas quantos eleitores de Dilma estão dispostos a desfraldar bandeiras em nome do arrocho que ela aplica?
Mais do que a cabeça da presidente, muitos figurões querem o fim das políticas que permitiram a dezenas de milhões de brasileiros deixarem a miséria absoluta. Tem gente que não aceita, eis o Brasil, nem empregada doméstica com carteira de trabalho.
Num vexame apoteótico, o PMDB famélico toma o governo.
A vida dos brasileiros mais humildes, comprovam até as estatísticas oficiais, vai piorando.
Não foi para isso que a presidente foi eleita.
Quem foi o bichinho que disse a Dilma Rousseff que ela perdeu a eleição? (Publicada originalmente no blog do autor)

Mário Magalhãesnasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. É autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

PICASSOS E GUERNICAS


(releitura de “Pintores da Noite” de dezembro/2011 cujo link apresentou problemas e teve que ser deletado)


Ela olhou pra mim como quem está prestes a fazer uma grande revelação: “sabe, eu nunca te contei, mas, detesto cachorros”.

Comecei a rir baixinho do seu jeito cerimonial. Mas o riso foi crescendo e ela, escorando a testa no meu ombro foi me acompanhando, e quando vimos as gargalhadas já eram cúmplices e incontidas.

Ergui os olhos para as estrelas e perguntei pra uma delas: mas do que mesmo estou rindo?

Do fato de estar pendurados no alto de um poste numa dessas madrugadas de Porto Alegre?

Seria da escada velha que rangia e que ainda por cima se mantinha mal equilibrada, inclinada entre o muro da calçada e o poste por dentro do terreno?

Talvez fosse dos dois cachorros furiosos que babavam de ódio por não poder nos alcançar e que ansiavam para que aquela escada velha se partisse.

Seria só do jeito de madame daquela guria com cola nos ombros e tinta na testa me sussurrando ter medo de cachorros?

Até hoje não sei, mas, eram tantas coisas que não sabíamos naqueles dias furiosos.

Tantas coisas que precisavam de respostas e tantas respostas que procuravam perguntas, que não valiam à pena perder muito tempo.

Só sei que nossas gargalhadas calaram os cachorros como se nem eles entendessem, afinal, qual era a graça de situação tão grotesca.

Quando paramos de sacolejar de tanto rir, a escada diminuiu seu rangido, e o silêncio nos lembrou a necessidade de continuar a gloriosa tarefa de prender no poste, com arames pouco resistentes, mais uma placa com nossas mensagens.

Mensagem? Não era só isso. Havia em cada placa um sentimento de resistência e onipotência, acalentado por tantos sonhos velhos e antigos sonhados por tanta gente!

Descemos altivos diante da indignação dos cachorros e recolhemos o material restante, pois era preciso ter pressa, pois outros postes nos esperavam, outros cachorros talvez, e com certeza, o sol, não demorava.

A polícia odeia a hora entre o fim da madrugada e o início da manhã. É quando encerram suas rondas.

Os cachorros odeiam escadas e ela odiava cachorros.

E eu achava graça. Uma graça que carecia de argumentos, mas que transbordava de dor e de energia.

Que nos importam os vadios da madrugada que vagueiam embriagados? Ou os loucos das calçadas como o Imperador, um velho amigo de insânia, morador das calçadas da Av. Independência.

Não eram com certeza mais embriagados ou mais loucos dos que carregam escadas e sonhos.

Lá, em cima do poste, vendo a cidade “do alto” a gente desafiava a repressão, os medos, os ventos do inverno, os cachorros e o destino.

Cá embaixo o bom senso nos desafiava a pensar mais um pouco e a tomar um café amargo diante da friagem insensível.

Às vezes, virávamos artistas e pintávamos muros.

Muros estreitos e largos. Inteiros e lascados. Muros simpáticos e taciturnos. De casas, de cemitérios, de colégios. Muros de ruela e de avenidas.

Tinta vermelha de cheiro forte, artesanal, feita por nós mesmos, em balde que abraçávamos para que não derramasse enquanto a velha kombi sacudia sobre as ruas de uma Porto Alegre adormecida.

Pintávamos palavras de ordem. Pintávamos declarações de guerra e de amor.

Cada um de nós era um Picasso pintando Guernica.

Mas, ao contrário de Picasso, não podíamos assinar nossas obras.

Mas no outro dia.. ah no outro dia ninguém podia impedir nosso orgulho de ver expostas nos muro da cidade em cores fortes com a tinta que ainda nos fedia, o nosso trabalho noturno.

“Depressa”, dizia em silêncio ao mundo, “leiam antes que apaguem”.

Talvez seja assim mesmo. Quando nos tiram os livros inventamos arte.

Quando nos tiram as montanhas, escalamos escadas que rangem.

Quando nos tiram oportunidades descobrimos talentos, e somos Picassos que pintam Guernicas com tinta barata em muros estreitos.

Quando nos tiram a graça rimos de nós, rimos a sós, e rimos das dores.

É quando pintamos nossa história, com tintas próprias para a alma e não para os muros carrancudos.

Pinturas que jamais se apagam da memória.


Prof. Péricles