sábado, 4 de abril de 2015

A SEPULTURA DE JESUS


por Liszt Rangel


Quando se trata de sondar os mistérios que envolvem a morte de Jesus, qualquer pesquisador terá que responder a uma difícil pergunta: Onde ele teria sido sepultado?

Primeiramente, quero esclarecer que, atualmente, são três os lugares em Jerusalém que reivindicam o reconhecimento daquele que seria o local exato do sepultamento de Jesus.

O mais antigo e famoso é o que se encontra na intimidade da Igreja do Santo Sepulcro. Este é conhecido como o túmulo católico de Jesus. A localização do Santo Sepulcro se deu sob as ruínas do templo construído em homenagem à Vênus, quando da reconstrução feita em Jerusalém por ordem do imperador Adriano, no século II.

No século IV, ao se converter ao cristianismo, Helena, mãe do imperador Constantino, recebeu indicações de cristãos e judeus que ali seria o lugar da crucificação e ressurreição, encontrando-se também a suposta catacumba cedida por José de Arimateia para o sepultamento de Jesus. A megalomaníaca Helena acabou com qualquer possibilidade de preservação do material arqueológico, ao mandar construir sobre o local, uma colossal Igreja, como fez também em outras regiões apontadas como cenários do Cristianismo Primitivo.

Além de uma suposta pedra onde o corpo de Jesus teria sido deitado, em outra parte da Igreja, há nichos cavados na rocha que foram usados para abrigar sepulcros judaicos que datam do século I d.C, o que, para alguns estudiosos, são boas evidências arqueológicas que podem dar sustentação ao fato de que Jesus foi enterrado ali.

Por outro lado, a geografia do local não é muito coincidente com a da narrativa encontrada no evangelho atribuído a João. Entretanto, a Igreja do Santo Sepulcro recebe milhões de cristãos, incluindo doentes de vária ordem que para lá se dirigem na esperança de serem beneficiados de alguma forma. Ela foi dividida entre cristãos católicos romanos, sírios, gregos ortodoxos, etíopes e armênios.

Sobre a referida pedra que foi usada para a limpeza e preparação do corpo de Jesus, pessoas do mundo inteiro se curvam sobre ela para beijá-la, chorar, fazer orações, e esfregam fotos de pessoas doentes, enfim... Todas querem conseguir algo miraculoso através da fé, ou simplesmente desejam participar da terrível história da crucificação.

O outro lugar, conhecido como a tumba do jardim, é considerado como o sepulcro protestante de Jesus. Estive também neste agradável lugar, e após ter feito algumas entrevistas com administradores do local, deu para perceber que nem eles estão convictos de que aquele elevado rochoso teria abrigado o corpo de Jesus. O local é inspirador, e o silêncio, ao contrário da perturbação do Santo Sepulcro, motiva o recolhimento e a oração.

Geograficamente, trata-se de uma colina facilmente encontrada a 260m, saindo de Jerusalém pelo portão de Damasco, e está a uma altura de 15m, apresentando buracos nas rochas que trazem características semelhantes as de um crânio. Além disso, apresenta um jardim ao lado dos sepulcros, o que o torna muito parecido com o que é descrito no evangelho de João. O grupo do general britânico, Gordon, que descobriu o lugar, chegou a conclusão de que ali era também um local muito usado para apedrejamento pelos judeus. Posteriormente, em escavações realizadas, encontraram restos de ossos humanos e também pregos romanos, indicando um possível lugar de crucificação durante o período da dominação na Judeia. A tumba do Jardim ou colina do Gólgota por ficar fora dos muros de Jerusalém, recebe mais um crédito para ser aceita como o lugar da sepultura, porém os defensores do sepulcro católico, alegam que apesar da atual Igreja do Santo Sepulcro situar-se dentro da cidade de Jerusalém, na época em que Jesus morreu, aquele sepulcro também ficava fora dos muros da cidade.

O fato do sepultamento ter sido feito fora dos muros de Jerusalém, reflete a tradição judaica que obrigava que aqueles que foram considerados marginais não maculassem o terreno sagrado da cidade. Eis o porquê dos grupos protestantes e católicos defenderem a tese de que ambos os sepulcros estavam fora dos muros da cidade santa.

Em 1980, outra sepultura foi descoberta no bairro de Talpiot, nos arredores de Jerusalém. Em 2006, os estudos arqueológicos em torno dos dez ossuários encontrados em Talpiot, revelaram que eles são realmente do século I, e as inscrições trazem os nomes de Mariamne Mara, que seria Maria Madalena, Miriam, a possível Maria, mãe de Jesus, Yehoshú'a bar Yussef, reconhecido como Jesus filho de José, e os nomes de Yehuda bar Yehoshú'a, ou seja, Judas, filho de Jesus e Matya, que foi traduzido como Mateus.

Apesar da empolgação do jornalista judeu, Simcha Jacobovici, que exige para si a descoberta do túmulo de Jesus, os arqueólogos e historiadores de Israel não aceitam estes túmulos como sendo o da família de José. Segundo eles, esses nomes eram comuns em Jerusalém e além do mais a família de Jesus era da Galileia e não há motivos para que suas catacumbas fossem encontradas na Judeia.

Em verdade, até agora não há provas definitivas acerca do corpo de Jesus. Seu sumiço continua fazendo parte de mais um mistério que envolve a sua história. O que temos são prováveis locais com suas respectivas evidências históricas, e que são relacionadas com as narrativas dos evangelhos.

Para os cristãos, ele ascendeu aos céus com corpo e tudo, o que explicaria o desaparecimento de seus restos mortais. Esta crença torna-se mais um problema na fé dos cristãos, pois caso o corpo de Jesus venha a ser encontrado, isto abalará profundamente o Cristianismo, pois ele foi estruturado na morte e na ressurreição de Cristo.



IXTAB



Na mitologia Maia, Ixtab era uma mulher jovem e sedutora. Cabelos longos, olhos profundos como um poço sem fim. A única pintura em sua face belíssima era um círculo negro. Corpo delineado com a força do desejo irresistível.

Mais do que desejada, era temida.

Vivia permanentemente escondida no céu, enforcada por uma corda de estrelas e de lá saía apenas para buscar pelas mãos, alguém em busca do fim através do suicídio.

Ixtab era a Deusa do Suicídio.

Era adorada pelos familiares de um suicida, pois, acompanhava a alma dos que assim morriam até o outro lado da existência. Era ela que se encarregava de explicar ao recém chegado, onde ele estava. Ele estava no seu reino onde apenas os suicidas viam seu rosto, com o círculo negro na face, a lembrar que morte e nascimento não passam de estágios diferentes de um mesmo círculo e que, portanto, sua existência (e suas dores e angústias) continuavam.

No dia 24 (terça-feira) o jovem copiloto da Germanwings, Andreas Lubitz, esperou o comandante do voo Barcelona-Dusseldorf ir no banheiro, para trancar a cabine do Airbus A320 que pilotavam.

Desde os atentados terroristas de 2001 nos Estados Unidos, as portas das aeronaves foram redesenhadas e tornaram-se intransponíveis, não sendo possível que alguém possa entrar na cabine sem que seja aberta pelo lado de dentro.

Em seguida, Andreas empinou o nariz do avião para baixo e iniciou um mergulho suicida que entra para a história da aviação como um dos mais dramáticos eventos já registrados.

Todos os 150 passageiros e tripulantes morreram com o choque da aeronave nos Alpes franceses.

O que se passava na cabeça e na alma desse suicida de apenas 28 anos, jamais saberemos.

Sabemos apenas que, o piloto tentou arrombar a porta inclusive com auxílio de um machado e que, os passageiros estavam cientes do que estavam acontecendo.

O mergulho foi breve em tempo, mas eterno em agonia de tantos que, não queriam morrer mas se viram arrastados a morte pelas mãos de Andreas, que decidiu por eles.

As caixas pretas (eram duas) não registram mas, com certeza, ao lado da poltrona do copiloto estava aquela jovem, bela, com um círculo negro no rosto, sorrindo e incentivando o desatinado ato do alemão.

Será que conversaram? Falaram de amor, de nascer ou morrer?

Foi ela que o recolheu nos Alpes e alçou novo voo em direção a eternidade.

Terá sido amor pela jovem que apenas os suicidas enxergam?

Na mitologia Maia, a bela Ixtab atraía rapazes para uma floresta densa e sem saída. Enfeitiçava-os com suas curvas perfeitas e seu seio alvo como a neve. Depois que os meninos estavam completamente apaixonados, ela desaparecia no topo de céu deixando-os eternamente perdidos, vagando pela floresta noturna que reproduzia com a luz da lua imagens irreais que apenas mentes alucinadas poderiam compreender.

Na floresta dos suicidas um novo morador, vindo dos céus e carregando as costas 149 vítimas, deve estar vagando em busca de respostas para seu louco mergulho nas rochas.

Mas, no Reino de Ixtab, as respostas se arrastam com os séculos, enquanto o silêncio das almas murmura nos Alpes.



Prof. Péricles

quinta-feira, 2 de abril de 2015

TEOLOGIA E FILOSOFIA ESPÍRITA DA HISTÓRIA


Por Eugenio Lara

Na Idade Média, a filosofia era escrava da Teologia. Esse quadro mudou somente com o advento da modernidade e o progresso da ciência. Pensadores como Espinosa, Hegel e Nietzsche se debruçaram sobre o tema sem que houvesse estreita ligação de seus estudos com a religião, a Teologia. Eles eram filósofos e humanistas, não eram teólogos.

Pode-se sustentar também que o Espiritismo é uma Teodiceia, por ser deísta sem negar a existência do Mal, cujo surgimento se dá quando ocorre a derrogação das leis naturais no campo da moralidade. A personificação do Mal, na figura de um deus maligno, do demônio, Satanás, eterno opositor de Deus, não é aceito pela Doutrina Espírita. O Mal não vem de Deus, mas do exercício do livre-arbítrio. Amiúde, o que consideramos um mal, mostra-se como um bem, em longo prazo. Para o Espiritismo, em determinadas situações, e para nossa “desgraça”, o mal é um bem.

O fato de o Espiritismo possuir uma Teologia e uma Teodiceia, não significa que sua visão de mundo seja teológica, dogmática, calcada em preceitos religiosos ou em algum artigo de fé. O Cristianismo, por exemplo, nos conduz a uma Teologia enquanto que o Espiritismo, de modo diferenciado, nos leva a conceber uma Filosofia da História, melhor dizendo, a uma Filosofia Espírita da História.

Para o Cristianismo, a figura histórica de Jesus Cristo é o próprio Deus, o Verbo que se fez Carne, que se manifestou historicamente a fim de salvar o homem do pecado. O Cristianismo tem como objetivo primordial a salvação do homem. Isto é incontestável. Enquanto que o Espiritismo, em que pese a influência cristã, não é salvacionista porque sua finalidade é a evolução do homem, a evolução intelecto-moral, contínua e permanente.

No sentido estrito do termo, repetimos, o Espiritismo é sim uma modalidade de Teologia por se propor a estudar, a analisar e tentar conceituar Deus como causa primordial, enquanto Inteligência Suprema, com supostos atributos. Porém, isto não quer dizer que sua visão do processo histórico seja fundamentada em uma visão teológica. Trocando em miúdos, a concepção que o Espiritismo tem do processo histórico é teleológica, jamais teológica.

Ao descartarmos o teologismo cristão na análise dos fatos históricos, surgem outras questões. Seria essa concepção espírita da história — dedutível dos princípios nucleares do Espiritismo —, dialética? Seria ela libertária, holística, monista ou positivista? Essa dialética na análise histórica é platônica ou aristotélica, hegeliana ou marxista? É necessário avançar nessa discussão. Ficar de rabo preso com o Cristianismo pode satisfazer aos anseios religiosos de muitos confrades e se torna um prato cheio para o estudo de antropólogos e sociólogos não-espíritas.

No entanto, essa vinculação cristã funciona mais como um estorvo do que como alavanca ou um novo instrumental de análise.

Para Hegel, a história é a manifestação do Espírito Universal. Ele troca a Teologia pela metafísica. Ao invés da ação de Deus no processo histórico, o que temos é a manifestação desse Espírito Universal, como ação inteligente e determinante. Marx inverte essa equação e sustenta que o motor da história não é esse suposto Espírito hegeliano, mas a luta de classes, aplicando o método dialético de Hegel adaptado ao estudo da economia política. Se existisse um Espírito Universal, ele seria efeito e não causa.

Contudo, sem descartar os Modos de Produção, determinantes e decisivos na construção do processo social, a filosofia espírita acrescenta outro dado: a ação dos seres desencarnados através da encarnação e da medianimidade, a (re)encarnação e o processo evolutivo, no que o filósofo espírita argentino Humberto Mariotti denominou de Modos de Evolução. Daí ser risível, tanto quanto ridícula a ideia de que possa existir um Espiritismo Marxista. O mesmo se dá em relação a um suposto Espiritismo Hegeliano, mais ainda quanto à existência de um Espiritismo Teológico Cristão, deduzível do pensamento kardecista.

A grande diferença entre a Teologia Cristã e uma suposta Teologia Espírita reside no uso exclusivo da razão, da lógica e do bom senso como ferramentas de análise e reflexão. Ou seja, no Kardecismo o exercício teológico se dá no campo da cogitação filosófica, sem a presença detestável do dogmatismo religioso e sem o indesejável uso da fé como fator de apreensão da realidade. A Teologia Espírita também poderia ser considerada uma modalidade experimental do pensamento teológico, pois se fundamenta na empiria e na reflexão filosófica, sem espaço hegemônico para a revelação religiosa e a fé dogmática.


Eugenio Lara é autor dos livros em edição digital: Racismo e Espiritismo; Milenarismo e Espiritismo; Amélie Boudet, uma Mulher de Verdade - Ensaio Biográfico; Conceito Espírita de Evolução e Os Quatro Espíritos de Kardec.

domingo, 29 de março de 2015

ÉTICA E PODER


Por Inez Lemos (foto)

Entre as ações impossíveis de serem realizadas plenamente, Freud destacou a de governar. Como inserir o sujeito no campo da ética, da política e do poder?

Quando os governos lançam projetos políticos que rompem com o imaginário social propondo mudanças historicamente petrificadas, sofrem forte resistência. Toda ruptura no campo psíquico provoca uma contratransferência, uma rejeição aos modelos que contrariam os códigos internalizados, seja de governos ou pessoas. Diante da proposta socialista, por exemplo, Freud, embora compartilhasse do sonho por sociedades mais justas, não acreditava na sua viabilidade, uma vez que a relação dos sujeitos com a riqueza se inscreve no circuito pulsional que regula o gozo. Perder dinheiro significa perda de gozo, e, para tanto, poucos estão preparados.

A transformação do estatuto simbólico dos bens materiais implicaria mudanças culturais e de valores, como também na circulação do gozo.

A instituição de uma sociedade menos desigual pressuporia a imposição de um limite ao gozo absoluto, operando como um interdito simbólico. Quando o sujeito é interditado em suas pulsões narcísicas, diante do imperativo do gozo se instala o mal-estar. Os conflitos entre interesses, muitas vezes explicados por motivos econômicos, geraram guerras e revoltas, desconstruindo o conceito de civilização universal e progresso. Contudo, a política deve transitar entre o universal (público) e o relativo (subjetivo). Daí a governabilidade ser um desafio que nunca se realiza completamente por se contrapor às demandas de gozo do sujeito. O conflito entre interesses, classes e ideias dificulta a democracia, uma vez que o narcisismo, a pulsão e o mal-estar na civilização fundam a desarmonia entre os cidadãos.

Como entender o ódio que se disseminou na sociedade brasileira a partir da ultima eleição para presidente da República? A questão é aprofundar o olhar sobre o sintoma “ódio ao PT” para além da realidade, extrapolando os conflitos partidários. Corrupção deve ser sempre combatida. Embora ela sempre tenha integrado o cenário político brasileiro, como explicar a onda de moralização, o furor por denúncias justo agora? O que subjaz à crise política que vivemos extrapola análises objetivas. Até que ponto as diferenças individuais e pulsionais inviabilizam a construção de um pacto social? Hegemonia prevê que a maioria dos participantes se una em torno de um valor universal.

Os obsessivos por poder geralmente mantêm uma relação insana e perversa com a política. Manipulam e cometem crimes ao promover lobbies e garantir o “queijo intacto”. Brigam movidos por fantasias de riqueza, vaidades, poder. Há algo no psiquismo que dificulta avançar nas propostas de redução da pobreza. No Brasil, a retórica da democracia sempre se opôs às políticas públicas de amplo alcance social. Os projetos desenvolvimentistas ocorreram com dinheiro público em empreendimentos privados.

Sempre convivemos com o Bolsa Boi, Bolsa Empresário, com o crédito ao agronegócio e às empresas. Contudo, o descontentamento com os investimentos do governo atual na área social deflagra a relação fálica de posse que o sujeito estabelece com os bens materiais. A lógica do lucro dificulta a aceitação, sem oposição, à expansão dos direitos sociais. Quando esses se estendem à maioria dos cidadãos, há perda de privilégios – a igualdade fere a fantasia fálica de acumulação.

O gozo do sujeito contemporâneo está na ostentação da riqueza e na espetacularização da posse – a imagem de rico e poderoso. O projeto de felicidade fundado na pós-modernidade e centrado na tecnologia reforça a cultura narcísica, individualista. O ideal de acumulação em que a riqueza material ganha primazia, muitas vezes, não consegue produzir satisfação, uma vez que o viver em sociedade provoca interdições e renúncias pulsionais. É quando o sujeito se vê diante de propostas que contrariam a ordem simbólica – orientação internalizada de ostentação.

Em “Psicologia das massas e análise do eu”, Freud enuncia que o homem é um animal de horda e não um animal de massa. Há algo no sujeito que o leva a rejeitar o social, a resistir aos processos de coletivização. No meio da massa, ele se entrega aos impulsos primários, abandona as interdições e, como animal feroz, defende seu naco de carne.

Ao defender com violência o seu espaço, seu patrimônio e seu partido, o sujeito demarca território. É o narcisismo, que, ao impor singularidade, rejeita a igualdade. Freud, ao refletir sobre as guerras, cunhou a expressão “narcisismo das pequenas diferenças”. Ele explica os conflitos entre os cidadãos – fonte do ódio entre partidos, torcidas, nações. A “guerra entre partidos”, a conduta beligerante do atual Congresso Nacional expõe a obsessão pelo poder: digladiar por um lugar de destaque na arena política. A corrupção, o desejo de se locupletar de forma ilícita, inscreve-se no circuito pulsional – é sintoma que escapa. Os perversos sempre rodearam o poder, lugar onde os atos espúrios são protegidos.

Quando governos tentam inovar com políticas sociais que rompem com o ideário da elite conservadora, que sempre determinou os investimentos públicos, há que se tentar uma intervenção e transformação no sistema de valores e na produção do desejo coletivo. Não é possível entender a resistência ao Bolsa-Família – programa que não se resume a transferir renda, mas garantir educação, saúde, saneamento, eletricidade e moradia aos mais pobres – pelo viés da razão moderna. Há algo no psiquismo que inviabiliza a construção de um modelo iluminista de cidadania baseado no bem comum, uma vez que ele se oporia ao projeto universal de felicidade, quando as riquezas seriam mais bem distribuídas.

Quando a política não consegue dialogar com as diferentes subjetividades, não oferece outras formas de laço social senão as clássicas inseridas pelo mercado e poder econômico, o efeito é a evidente corrosão entre Estado e tecido social. Tudo isso aponta para uma crise estrutural de valores, provocando uma dicotomia, a ruptura no ideal de nação. De um lado, os defensores do status quo – riquezas e privilégios –, de outro a população, que anseia por projetos que lhes garantam qualidade de vida. Uma população mais educada, saudável e com acesso a bens e serviços é pré-requisito ao desenvolvimento mais sustentável e menos desigual. A inclusão social e produtiva dos mais pobres é benéfica para o conjunto da sociedade.

Conclui-se que a relutância às políticas sociais, cujos impactos positivos na economia foram reconhecidos, aponta a dificuldade de se romper com a tradição simbólica que permeia as relações humanas, cristalizadas no preconceito e na resistência em conviver com a mobilidade social.

Como socializar os espaços de convivência e democratizar o acesso ao patrimônio público. Quando uma classe é ameaçada de perda de privilégios, ela sofre intervenção na relação fálica de posse, é privação do gozo.

O mal-estar que se instalou no país não pode ser explicado apenas pela corrupção na Petrobras (uma vez que ela remonta a várias décadas), tampouco pela alta do dólar e da gasolina. É efeito de algo maior e que escapa às análises econômicas – diz da demanda de gozo do sujeito.

Governar, educar e analisar são profissões infindáveis e incompletas.


Inez Lemos é psicanalista.

sexta-feira, 27 de março de 2015

POLACAS




Elas eram ainda meninas.

E eram judias.

Viviam na Polônia. Pobre Polônia de tantas guerras e massacres, no século XIX.

Elas eram sozinhas. A maioria de pais mortos ou distantes.

Elas vieram para o Brasil. Aqui chegaram em 1867. No Rio de Janeiro.

Mas continuaram meninas judias e sozinhas, agora numa terra estranha.

E resolveram viver, apesar das saudades da Polônia, dos pais mortos e distantes. Optaram pela sobrevivência.

E se tornaram prostitutas.

E a Torah despreza prostitutas.

Agora eram judias renegadas por seu povo, pobres meninas, prostitutas famosas do Rio de Janeiro.

E ganharam um apelido, um nome genérico, um ícone.

As polacas.

Polacas, prostitutas, judias.

Adoravam a vida apesar da miséria, apesar dos homens rudes e do desprezo do seu povo.

Polacas. Meninas polacas. Mulheres da vida. Mulheres em vida.

Apesar de renegadas decidiram continuar judias.

Fundaram a Associação Beneficente Funerária e Religiosa Israelita, em 1906 e criaram sua própria Sinagoga, na rua Afonso Cavalcanti, 171.

Amavam a vida, mas, precisavam pensar na morte. Sim, a morte era certa. Como o desprezo de seu povo, de homens que as adoravam a noite e as negavam de dia.

Conforme a Torah, suicidas e prostitutas não são enterradas junto aos bons cidadãos.

Suicidas e prostitutas, em cemitério judeu são enterrados encostados aos muros, lugar dos párias da sociedade.

Esquecidas na vida. Esquecidas na morte.

Não as polacas. Quem vive a margem da vida não aceita a margem de um muro.

E fundaram seu próprio cemitério, o Cemitério Israelita de Inhaúma.

As polacas, sobreviveram, decidiram viver.

Como sua última presidente de nome Rebeca e Beca como nome de guerra.

Foram tão populares que até a Constituição getulista do estado Novo, a Constituição de 1937 foi apelidada de “polaca”. Forma criativa do povo carioca chamar de prostituta sua Constituição ditadora.

O tempo passou, as polacas passaram. Os tempos são outros.

Mas ficaram as histórias. Algumas engraçadas como aquela em que elas gritavam “sacana” (polícia) dando origem a palavra sacanagem.

E ficaram as lápides. Mais de 700 no Cemitério de Inhaúma. Que está lá onde descansam seus corpos usados, e suas almas meninas.




Prof. Péricles
Fonte: TC Pesquisadora Beatriz Kushnir



domingo, 22 de março de 2015

CÉSAR E CESÁREAS


Antigamente todos os partos eram normais. A “cesariana”, parto do “útero rasgado” que implica “corte, incisão” só era praticada na antiguidade após a morte da mãe, visando salvar o feto ainda com vida.

Uma versão, sem aceitação histórica, mas aceita há muito tempo, afirma que a expressão “cesariana” teve origem no nascimento do General e ditador romano, Júlio Cesar (100 – 44 aC).

Tudo aponta que César nasceu de parto normal. Sua mãe, Aurélia, não apenas sobreviveu ao parto como ainda teve mais cinco filhos depois dele.
Já Plínio, o Velho, afirmava que não César, mas seu pai, teria nascido dessa forma.

O primeiro parto cesáreo, aceito como tal historicamente, ocorreu em 1500, em na cidade suíça de Sigershaufen, e foi realizada pelo próprio pai em sua esposa. Jacob, esse era o nome dele, homem simples, habituado a castrar porcas, vendo o sofrimento da esposa no momento do parto resolveu, impedir, de alguma forma, a morte da esposa que se tornava evidente. Auxiliado por duas horrorizadas parteiras, fez uma incisão em sua amada, retirou o rebento, e, como fazia com as porcas que castrava, fechou o corte.

Mãe e filho se recuperaram bem e nunca tiveram qualquer problema devido ao parto.

Somente no século XVIII é que esse tipo de parto tornou-se uma prática obstétrica, na França, e foi lá que foi batizado de cesariana, numa evidente homenagem a César.

No Brasil, assiste-se a uma verdadeira epidemia de cesarianas.

Nove de cada 10 partos, hoje, são feitos dessa maneira.

Embora existam muitos mitos que façam a cabeça feminina sobre o quanto a cesárea seja melhor do que o parto normal, a causa dessa equação desproporcional, muito provavelmente, seja mesmo, econômica.

Enquanto o custo de um parto normal pelo Sistema Único de Saúde é de R$ 291 a cesariana custa cerca de R$ 402. O valor, nos convênios privados, pode variar conforme a operadora do plano, ainda mais, sendo essa, a maior beneficiada.

Desde 2005, quando se descobriu que as mulheres com plano de saúde em quase sua totalidade faziam cesarianas, o governo federal tem pressionado as operadoras a reduzir as taxas. Passados dez anos, quase nada mudou e, o pior, o Brasil até agora não sabe ao certo em qual frente deve trabalhar para reverter a situação, já que os fatores de escolha pelo parto cesáreo são múltiplos.

A grande reclamação das mulheres, porém, é de que os médicos induzem ao parto cesáreo. Talvez isso

ocorra, porque além de ser mais lucrativo a cesárea é mais cômoda para o médico já que este procedimento dura cerca de duas horas enquanto um parto normal pode durar 12 horas.

Diante de dados que indicam que a cesariana, quando não há indicação médica, aumenta em 120 vezes o risco de problemas respiratórios para o recém-nascido e triplica o risco de morte da mãe e ainda que de 25% dos óbitos neonatais e 16% dos óbitos infantis no país estão relacionados à prematuridade, o Ministério da Saúde resolveu jogar duro.

O Ministério juntamente com a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) publicou uma resolução em janeiro desse ano que estabelece normas para o estímulo ao parto normal e a consequente diminuição das cesarianas desnecessárias na saúde suplementar. As operadoras receberam 180 dias para se adaptar às mudanças.

As novas regras ampliam o acesso à informação, já que as consumidoras poderão solicitar aos planos os percentuais de cirurgias cesarianas e de partos normais por estabelecimento de saúde e por médico obstetra. As informações deverão estar disponíveis no prazo máximo de 15 dias, contados a partir da data de solicitação. Em caso de descumprimento, será aplicada multa no valor de R$ 25 mil.

Outra norma prevê a obrigatoriedade de as operadoras fornecerem o cartão da gestante, no qual deve constar o registro de todo o pré-natal. Dessa forma, de posse do documento, qualquer profissional de saúde terá conhecimento de como se deu a gestação, facilitando o atendimento à mulher quando ela entrar em trabalho de parto.

Segundo o Ministro da Saúde, Arthur Chioro, “não dá para continuar tratando como normal aquilo que não é normal, que é o parto cesariano”.

É um assunto polêmico, que envolve o emocional das parturientes e o necessário nível de informação de cada uma delas.

A ideia é que, com essas medidas, haja uma reavaliação dos responsáveis por momento tão sublime da vida.

A César o que é de César e as brasileiras, o seu direito de escolha.


Prof. Péricles