quinta-feira, 5 de maio de 2016

SUPERMAN DE REAÇA AMERICANO A DITADOR SOVIÉTICO


Por Ednardo Pinho

Quadrinhos de super-heróis, historicamente, têm sido considerados produto para entretenimento de crianças e adolescentes, sem qualquer pretensão artística ou intelectual.


Foi assim desde o surgimento do gênero, no fim dos anos 1930, nos Estados Unidos, e quase nada mudou até idos da década de 1980, quando surgiram obras que, por um lado, introduziram inovações técnicas apreciáveis, chamando atenção para a  linguagem quadrinhística, e, por outro, apresentaram desenvolvimentos temáticos com forte apelo junto ao público adulto.

Nessa época, O Cavaleiro das Trevas, de Frank Miller, causou furor e devoção ao apresentar um Batman envelhecido, soturno, violento, numa trama efetivamente bem elaborada. Também Alan Moore e Dave Gibbons, com Watchmen, elevaram os quadrinhos de super-herói a um patamar artístico nunca antes atingido ao mostrar uma história altamente realista sobre como poderia ser um mundo em que super-heróis de fato existissem.


E assim começou a operar-se uma mudança no modo como os super-heróis eram vistos pelo público.

Ironicamente, o personagem símbolo de super-herói, o Superman, não teve a mesma sorte que um Batman ou um Demolidor, por exemplo, a de estrelar histórias que tivessem algo a dizer a um público maduro ou a um leitor não aficionado por quadrinhos. O Superman, a despeito de algumas histórias escritas por roteiristas consagrados, parecia um personagem fadado a viver aventuras infantiloides e dramas artificiais.

É que talvez não seja mesmo muito fácil infundir densidade a um personagem superlativamente poderoso e sem sérios dilemas morais, cuja atuação parecia ser sempre uma peça de propaganda de valores associados ao American way of life, aspecto ideológico estudado de maneira cabal por Umberto Eco em Apocalípticos e integrados, cuja primeira edição data de 1964.

O Superman, segundo Eco, batalha sempre pela manutenção do status quo num mundo profundamente injusto e cheio de sofrimento, sem jamais questionar sua conduta. Argumenta o estudioso que um personagem tão poderoso poderia gerar riqueza incalculável, seria capaz de resolver problemas como a fome e a opressão por que passam milhões de pessoas no planeta.

Em vez disso, porém, a luta do herói se dá geralmente em âmbito local, despendendo suas energias no desbarate de quadrilhas de gangsters, assaltantes de banco e coisas do gênero. Por que se limitar a salvar pessoas dos escombros de um desabamento ou evitar o descarrilamento de um trem quando se tem poder para agir em escala cósmica? Por que salvar a humanidade de monstros galácticos sem envidar esforços reais para mitigar o sofrimento humano aqui na Terra?

A resposta é só uma: o Superman nunca age contra as instituições, jamais questiona o establishment social, político e econômico, embora tenha poder para fazê-lo.


Está claro, então, que esse personagem espelha os valores do sistema socioeconômico vigente nas economias capitalistas. A própria mitologia do personagem  já mostra os Estados Unidos como um lugar especial.

Pensemos bem: o Superman é um ser alienígena que foi mandado por seus pais para a Terra a fim de escapar de um desastre em seu planeta natal. A nave que o transportou poderia ter caído em qualquer
lugar da Terra, mas foi aterrissar justamente no interior dos Estados Unidos, onde foi encontrada por um casal que, em tudo, encarna o ideal da pequena propriedade que faz a cabeça do americano médio. Parece natural que, dadas essas circunstâncias, o personagem se haja embebido com os valores desse sistema socioeconômico.

O que aconteceria, porém, se a fatídica nave, na verdade, tivesse ido parar, digamos, na antiga União Soviética? Teríamos então um Super-Homem educado segundo os valores do socialismo marxista e stalinista,  um defensor do comunismo?

Pois essa é a premissa básica de Superman: Entre a foice e o martelo (Superman: Red Son, no original), uma rara história desse personagem que talvez tenha algum apelo junto ao leitor adulto, ou que pelo menos já tenha passado pelo Ensino Médio, ainda que certos cacoetes do gênero a tornem uma história pouco palatável a quem porventura se acostumou a ler Faulkner ou Proust, por exemplo.

A verdade é que críticas como a de Umberto Eco não costumam deixar pedra sobre pedra, e por sua análise não havia mesmo outra forma de se enxergar o Superman a não ser como entretenimento barato para mentes ainda não amadurecidas e pouco exigentes.


De algum modo, então, e seguindo uma tendência mais geral dos quadrinhos norte-americanos em fins do século XX, a de se adequar a um público cada vez mais  adulto, procurou-se dar ao Superman alguma densidade, em tramas um pouco mais elaboradas, em que se esperasse do personagem mais que impedir uma queda de avião ou um assalto, por exemplo.

É nesse sentido que vêm a lume histórias como Paz na Terra, de Paul Dini & Alex Ross, que pretende justamente explicar por que o Superman, poderoso como é, não age de modo a superar os flagelos da humanidade. E é mais ou menos nessa linha conceitual que se insere a citada Entre a foice e o martelo, de Mark Millar e Dave Johnson, história que apresenta uma visão alternativa desse personagem, de maneira que, em vez daquele defensor do American way of life, temos “um super-homem alienígena comprometido com os ideais comunistas”, o “super-homem espacial de Stalin”, o “campeão dos proletários”, sempre disposto a atender a “seus chefes em Moscou”, segundo lemos nas primeiras páginas da história.

Na história, vemos um Superman tornando-se líder do Partido Comunista soviético após a morte de Stálin. Uma vez nesse posto, lança-se a ampliar a influência do Pacto de Varsóvia até que todos os países do mundo se hajam convertido ao modo de produção socialista, com exceção de Estados Unidos da América e Chile.

Segue-se uma era de relativo progresso material, com ganhos expressivos nas áreas sociais em todos os países que adotaram o regime socialista: não havia criminalidade, desemprego ou trabalho infantil, todos tinham direito a suas oito horas de sono por dia, e a expectativa de vida chegava a 120 anos.


A utopia ganha corpo. Tudo isso, porém, a um preço altíssimo. O Superman erigira-se não apenas líder, mas déspota, ditador, atuando com um Big Brother orwelliano em escala planetária. Não chegava aos extremos da violência física, mas também isso a um custo, o dos cérebros praticamente lobotomizados para todos os opositores, todos os dissidentes, todos os “desobedientes”.

Sob a liderança de Lex Luthor, o mundo vê a descoberta de uma cura para o câncer e a AIDS, por exemplo, e entra numa espiral de progressos materiais e tecnológicos inauditos. Aqui se tem, como conclusão, o outro lado da moeda: se, sob o comunismo, o que havia era opressão, apesar de alguns progressos econômicos e sociais, sob o capitalismo se produziu muito mais riqueza e conhecimento, com liberdade para o ser humano.


É bem claro o viés ideológico de Entre a foice e o martelo, de sorte que o Superman, mesmo nessa versão alternativa, continua a serviço da representação e propagação de valores caros ao status quo sociedades como a norte-americana.

Logo se vê, dessa forma, que a discussão de temas sociopolíticos resvala paraconcepções um tanto maniqueístas e reducionistas, ainda que estas venham a ser atenuadas pela habilidade dos autores na construção narrativa propriamente dita.


Somente assim se entende, por exemplo, que essa história em quadrinhos seja sucesso na Rússia, apesar das conclusões a que aludimos acima. É que, ao que tudo indica, a figura do Superman permanece ainda um símbolo de poder altamente sedutor, é ainda, como o classificou Umberto Eco, um mito moderno.

Ednardo Pinho, professor de Língua Portuguesa, mestre em Linguística pela Universidade Federal do Ceará, colecionador e estudioso de quadrinhos.



quarta-feira, 4 de maio de 2016

O CREPÚSCULO DEPRIMENTE DE CRISTOVAM BUARQUE



Por Carlos Fernandes

Houve um tempo em que o senador Cristovam Buarque representava uma das raras ilhas de lucidez e coerência em meio a um oceano de hipocrisia, ignorância e estupidez política.


Para ele não importava o problema secular que o país enfrentasse, a educação, e só ela, era a solução definitiva. Não é exagero falar que Cristovam dedicou uma grande parte de sua vida em defesa de uma educação pública inclusiva e de qualidade para todos. Sobretudo para os menos favorecidos.


Durante muito tempo utilizou de sua erudição para divulgar a importância do ensino público, dos profissionais da educação e das políticas governamentais para a democratização do ensino como as cotas raciais e o financiamento público para estudantes pobres em universidades particulares.


É justamente em função desse histórico invejável que Cristovam Buarque é hoje a maior decepção entre os principais traidores da jovem e inexperiente democracia brasileira.


Que víboras como Michel Temer, Eduardo Cunha, Aécio Neves e todos os seus asseclas acampem no pantanoso terreno de um golpe de Estado não é surpresa alguma. Mas alguém com as credenciais de Cristovam Buarque aderir a um expediente tão avesso à democracia e à Constituição Federal é realmente desalentador.


Não é à toa que está em curso no Distrito Federal um dos movimentos mais impressionantes e conscientes de agravo a um político feito exatamente pelos eleitores que o elegeram.


A outrora referência de dignidade, Cristovam Buarque, agora é alvo de uma campanha de “desvotação”. Nem Eduardo Cunha, um energúmeno, conseguiu tamanha desonra.


A revolta com que os cidadãos que votaram em Cristovam acreditando ser ele um porto seguro contra toda essa insanidade é gritante. É enorme a desilusão dos movimentos sociais que o ajudaram durante tanto tempo a estar no lugar de destaque que ocupa atualmente.


As evidências do descontentamento já são claras. O senador foi hostilizado recentemente numa livraria. Entre palavras de ordem, foi obrigado a ouvir de pessoas que provavelmente nutriam grande afeto por ele o estigma de “fascista” e “golpista”.


É inegável que o Brasil de transformou numa grande dicotomia ideológica. Chega a ser deprimente constatar que Cristovam Buarque optou por opor-se ao lado onde se encontram todos os movimentos sociais, todos os partidos políticos de esquerda, a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Organização das Nações Unidas (ONU), toda a imprensa internacional especializada, um vencedor do Pulitzer, um Nobel da Paz e até o Papa mais socialista da história recente da Igreja Católica.


Mais deprimente ainda é constatar que o homem que defendia a educação agora é defensor de um governo ilegítimo que, ao que tudo indica, trará um crápula como José Serra para o Ministério da Educação. Na prática é impor o desastre do governo Alckmin nesse setor a todo o país.


Trocando em miúdos – para não deixar Chico Buarque fora dessa discussão em que o outro Buarque faz um papel tão abjeto – Cristovam nega, descaradamente, Darcy Ribeiro, talvez o maior educador da história desse país.


É imprevisível saber como Dilma Rousseff sairá dessa monstruosidade a que está sendo submetida. Mas uma coisa é certa. Ou Cristovam Buarque retorna urgentemente às suas origens ou um dos maiores perdedores de toda essa história será exatamente ele. Depois, é claro, da democracia e de toda a população brasileira.





segunda-feira, 2 de maio de 2016

CRISE DA LÓGICA


A Lógica se baseia na harmonia de raciocínio, proporcionalidade entre os argumentos e a correta e equilibrada relação e concordância entre todos os termos. 

A lógica discute o uso da racionalidade em alguma atividade.

É discutida principalmente nas disciplinas de filosofia, matemática e ciência da computação.

Atualmente o Raciocínio Lógico é um dos conteúdos mais solicitados em concursos públicos.

“A lógica examina de forma genérica as formas que a argumentação pode tomar, quais dessas formas são válidas e quais são falaciosas. 

Em filosofia, o estudo da lógica aplica-se na maioria dos seus principais ramos: metafísica, ontologia, epistemologia e ética.

Foi estudada com paixão em várias civilizções, principalmente na Índia, na China e na Grécia Antiga.

No Ocidente, quem buscou estabelecer a lógica como disciplina, dividida em formal e material, foi Aristóteles na obra Organon.

Talvez seu estudo tenha faltado nos currículos escolares brasileiros.

Nessa terra de tantas certezas e de tantas convicções, muitas vezes, o que solidifica conceitos não é a lógica.

Assim como os tupiniquins juravam que viram o homem branco botar fogo na água sem conhecer o álcool, muitos nativos ainda acreditam que a TV mostra a verdade, por amor à verdade e sem outros interesses.

Aliás, o que ela mostra se torna a verdade dos fatos para muitos, sem grandes reflexões, mesmo em gente formada e "reformada" em cursos superiores de ensino.

Para que lógica se o moço da televisão falou está falado. Aliás, o mesmo moço que já comparou o telespectador brasileiro a Homer Simpson. Pra que pensar se a TV já traz a interpretação pronta?

Vejamos alguns exercícios de lógica.

Estão expostas duas camisas: verde e vermelha. Fulano diz que não gosta da verde, isso quer dizer que ele gosta da vermelha?

Não. Ao dizer não gostar da verde fulano não está dizendo que gosta da vermelha. São coisas diferentes. A conclusão em relação ao fulano não é lógica é preconceituosa, pois se formula um conceito sobre a referência sem ela ser exposta.

Da mesma forma se alguém diz ser contra lixamentos e justiçamentos pelas próprias mãos não está dizendo que defende o bandido e a violência. Afirmar isso, não tem lógica.

Outro exemplo.

Se um partido se diz defensor da ética, mas vota contra o fim das doações empresariais, discurso e prática estão em flagrante contradição e nenhuma contradição não é coerente.

Ou, se um partido se apresenta como defensor da ética mas é composto por uma imensa maioria envolvida em casos corruptos, algo violenta a afirmação.

Lógica é lógica. É coerência e harmonia.

Harmonia que não existe num Congresso presidido por alguém envolvido em gravíssimas denúncias públicas e que condena uma presidente sem cometimento de ato ilícito algum.

Simplesmente não tem lógica.

Quer saber? Consultemos a razão.

E que se leia Aristóteles.




Prof. péricles

sexta-feira, 29 de abril de 2016

DOS BANCOS QUE NÃO VEMOS



Minha querida colega Maria Alice é uma pessoa muito especial no nosso meio.

Amada por seus alunos, respeitada por seus colegas, preciosa para seus amigos.

Curiosidade de criança é capaz de fazer toda sala de professores rir, mesmo nos piores momentos, com uma simples pergunta.

Capaz de encurralar até um veterano professor de história como eu com questionamentos inéditos e impensados.

Mas, não se conhece todo um tesouro com apenas um olhar, e minha amiga Maria Alice desafia todos os olhares.

E num deles, mesmo que furtivo, somos capazes de descobrir riquezas escondidas nessa professora de português.

Mesmo que ela não aceite, mesmo que ela resmungue, tenha certeza... disfarçado naquele jeito de menina espavitada se esconde uma poetisa de talento e teimosia.

No texto abaixo, por exemplo, ela nos fala de algo muito comum e no qual esbarramos com frequência, mas, na pressa de levar os dias para frente, não damos o valor necessário, já que tudo é trivial nesse nosso andar de hoje em dia.

Os bancos das praças e das cidades, estão ali, e não vemos.

Silenciosas testemunhas de tantas juras e de tantos abandonos aceitam humildemente nossa ignorância.

Para eles basta estar ali, onde o teremos sempre que quisermos recostar nossas dores para tomar fôlego diante do caos.

Aos olhos do poeta, entretanto, eles são visíveis como o sol que nos anima.

Leiam o texto, e descubram a poetisa, Maria Alice Mendes, minha amiga.


DOS BANCOS QUE NÃO VEMOS


Os bancos me perseguem.

Aonde vou, eu os encontro. Até no pátio dos hospitais.

Parecem sinais! De que devo parar. E sentar. E pensar. Afinal, quanto tempo me resta?

Por mais que seja, é menos. Bem menos do que já foi. Do que fui. Então, que eu pare.

Que eu repare. Que eu preste atenção. Que eu escute mais uma vez aquela canção.

Que nada mais me passe (como já passou) sem que eu veja, sem que eu perceba que foi uma pena não ver o que eu não vi. E deixar de viver o que não vivi.

Que eu mantenha os meus olhos atentos, pois que ainda há tempo, sim! De reler Os Tambores de São Luiz, de fazer o que não fiz, de dizer o que eu não disse.

Claro que não será como seria, se eu tivesse dito (na hora de dizer).

Mas, e quem sabe?? E a hora não é agora?? Porque agora (e há muitas e muitas horas) eu já me desfiz dos falsos brilhantes, daqueles sonhos que sempre foram muito distantes.

Agora, eu tenho os bancos que vejo (e que fotografo) e tenho um novo retrato de mim.

Acho que vou, realmente, me sentar nesses bancos (e o farei sem culpa).

Se mais não fiz, não fiz porque não pude fazer. Então vou reler nem só Os Tambores de São Luiz, mas toda a obra de Machado de Assis.

E assim vou reinventando a vida, pois que "a vida só é possível, reinventada".

Isso não é um desencanto. É um novo canto, que canto, e me encanto de poder cantar (apesar dos pesares) e dos outros cantares que não deu para cantar.



Prof. Maria Alice Mendes

domingo, 24 de abril de 2016

É GOLPE SIM!


Por Mino Carta


Perdoem os leitores a exclamação, mas a arrogância e a desfaçatez dos conspiradores passaram da conta.

É golpe, é golpe sim. Verdade factual, diria Hannah Arendt, a verdade única, inegável.


A despeito das afirmações em contrário de pançudos alquimistas do engano, envoltos em prosopopeia. E dos editorialões dos jornalões e programões, e das colunas e reportagens dos sabujos midiáticos, de lida tão árdua com o vernáculo, mas de fantasia acesa.

E dos rentistas que se dizem empresários de um país que exporta commodities, de juizecos provincianos e advogados mafiosos que em cada lei enxergam a oportunidade de burlá-la. E de agentes ditos da ordem empenhados em semear a desordem e de funcionários do Estado dispostos a financiar no exterior campanhas a favor do golpe, como Furnas a patrocinar tertúlias lisboetas de Gilmar Mendes e José Serra.

Fato é que os argumentos aduzidos para justificar o impeachment não se prestam ao propósito. Quem diz: golpe não pode ser “algo que existe na Constituição” expõe apenas sua parvoíce.

Exatamente por ser previsto pela Carta, o impeachment no caso é impraticável, como aliás confirma o ministro Marco Aurélio Mello, consciente de sua função de magistrado. De todo modo, pedaladas fiscais são práticas comuns dos governos brasileiros.

Cabem, na exposição da verdade factual, comparações entre o presidencialismo à brasileira e o americano, ou o francês. Bush júnior foi calamitoso como presidente ao ponto de levar seu país a uma guerra precipitada pela mentira e pela hipocrisia, enfim,

inexoravelmente provadas.

Nem por isso deixou de governar até o fim. Barack Obama governou por boa parte do seu segundo mandato sem contar com maioria parlamentar, e nem por isso foi impedido.

François Hollande há dois anos não alcança nas pesquisas 20% de aprovação popular, e nem por isso deixa de governar. Será que o nosso presidencialismo está habilitado a dispensar o peso constitucional de uma eleição ganha em proveito dos números de um ibope qualquer?

A verdade factual oferece largo espaço à raiva que hoje medra na chamada classe média, ódio desvairado insuflado pela ofensiva midiática. Vale acrescentar um adjetivo: irracional. Fruto de ventos malignos e, de certa forma inexplicáveis, a soprar entre o fígado e a alma.

Aparentado com a raiva da pequena burguesia que gerou, por caminhos distintos, o fascismo e o nazismo, lembrança esta despida da pretensão de confrontar o estágio cultural das nossas classes A e B com a pequena burguesia de Alemanha e Itália dos começos do século passado.

Quem no Brasil se considera burguês, quando não aristocrata, não se expandiu muito além dos tempos da Pedra de Roseta. O ódio, entretanto, é parecido, eivado de recalques e preconceito. De todo modo, não será fascista ou nazista o desfecho da tragédia.

Hoje os EUA reatam com Cuba e certamente não enxergam no Brasil o seu quintal, graças à política exterior independente praticada por Lula e seu chanceler Celso Amorim. Sabem, porém, que significaria dar continuidade àquela política, como aconteceria se Lula voltasse ao poder. Resultaria no fortalecimento da aliança dos BRICS, que tende cada vez mais a tomar caminhos conflitantes em relação aos interesses norte-americanos.

Em 64, a casa-grande chamou os soldados para executar o trabalho sujo, desta vez os tanques são substituídos pelas togas de uma Justiça politizada, sequiosa por empolgar o poder em uma república justicialista.

Patética, emoldurada em ouro, a desculpa dirigida ao STF pelo juiz Moro por seus grampos ilegais e ilegalmente divulgados, a revelar uma vocação de humorista quando diz não ter agido com propósitos político-partidários. Pelo contrário, são estes exatamente os propósitos de futuro desta magistratura açodada, intérprete da Justiça desvendada.

O golpe de 64 gerou uma ditadura de 21 anos e de cujas consequências padecemos até hoje. Vale perguntar aos botões se o plano togado tem chances de êxito caso o impeachment premie os conspiradores de sempre. Impossível, respondem, à luz do que chamam de premissas da próxima, eventual, verdade factual.


Desta vez, os conspiradores estão divididos por divergências insanáveis e, se lograrem atingir o alvo comum, entrarão em conflito no dia seguinte. Dia nebuloso, caótico, de tensões espantosas. Chegassem ao governo, os cultores do poder pelo poder cuidariam de acabar de vez, como providência automática e imediata, com a Lava Jato.

Que é possível esperar de um governo Temer? Quem sabe José Serra na Fazenda. Que tal Rubens Barbosa chanceler e Miguel Reale Jr. na Justiça? Retorno ao afago norte-americano, leilão dos bens brasileiros a começar pelo pré-sal, distanciamento dos BRICS.

O progressivo galope decadência adentro. Súditos de Hillary ou de Trump? A esta altura, não consigo ver diferenças entre os dois, ao menos deste meu ponto de observação verde-amarelo.

As falhas do governo atual não se discutem, começam pelo estelionato eleitoral cometido pela presidenta Dilma ao convocar para a Fazenda um bancário neoliberal com o propósito transparente de acender um círio ao deus mercado.

Nada, porém, do que a acusam sustenta a conspirata e justifica o impedimento, assim como nada admite a pretensão de Sergio Moro de prender Lula. Houvesse provas cabais, já estaria preso. E esta é a verdade factual.

Certa agora, no País à deriva, é a falta de liderança. A presidenta Dilma encontrou finalmente o tom certo e a veemência necessária nos seus últimos pronunciamentos, mas perdeu a chance de assumir o comando do País e talvez jamais o tenha perseguido.

Ela parece satisfazer-se com a autoridade que lhe compete nas reuniões do ministério. De resto, o Brasil contou com poucos líderes populares autênticos, sem exclusão de Antônio Conselheiro, e dois se sobressaem, Getúlio Vargas e Luiz Inácio Lula da Silva. Getúlio repousa no panteão da memória, Lula está vivo.





Mino Carta, de CartaCapital

sábado, 23 de abril de 2016

O PODER DO VÁ SE FERRAR

O repertório de vocábulos utilizados na linguagem política é muito rico.

Essa riqueza varia em sua origem e fim. Pode ser rico em lustro intelectual, rico em significados, rico em oficialidade, etc.

O linguajar popular, por sua vez, também é rico. Pergunte a qualquer linguista ou professor de português.

Mas, geralmente não se mistura, a fala popular com a fala oficial.

Algumas expressões populares, porém, utilizadas por políticos deram vazão a uma enorme riqueza de significados e tornam-se inseparáveis do autor.

Muitos não lembram de Ronald Reagan, mas utilizam até hoje a expressão “Império do Mal” criada por ele para definir os “perigosos” à segurança dos Estados Unidos: União Soviética, Irã e Coréia do Norte.

No Brasil é o caso de “trabalhadores do Brasil” de Getúlio Vargas ou do “filhote da ditadura” de Leonel Brizola.

Brizola, aliás, possivelmente, era o mais profícuo nesse quesito, tendo tornado imortal os “interesses” com o primeiro “e” pronunciado com assento, ou ainda o “sapo barbudo” para definir Lula e a necessidade de engolir sapos na política.

Lula imortalizou o “nunca antes na história desse país”.

Algumas expressões, no entanto, são mais chulas, e nem por isso, menos imortais.

Possivelmente tenha faltado isso para a presidente Dilma.

Um eficiente assessor político (que falta fez para Dilma) deveria recomendar uma expressão que é cheia de significados populares e ao mesmo tempo rica em sua mensagem mais profunda. O “vai se ferrar”, variação educada do imortal “vai à merda”.

Quando a mídia censurou sua ida ao encontro de Lula após a ida “coercitiva” determinada pelo juiz paladino dos bons costumes, Dilma deveria ter dito simplesmente, “vai se ferrar” e mais nenhuma atenção ao fato.

Claro que a mídia cairia de pau censurando o uso de uma expressão tão grosseira na boca de uma presidente, mas, cá entre nós, isso faria alguma diferença? A mídia golpista alguma vez elogiou Dilma por ser “tão boazinha”?

Agora queriam impedi-la de uma viagem oficial até a ONU alegando que ela iria aproveitar o momento para criticar a política brasileira e “se fazer de vítima”.

O que Dilma deveria fazer era simplesmente mandar se ferrar e denunciar mesmo ao mundo, como já deveria ter feito antes, o golpe praticado no Brasil.

Imagine uma coletiva e diante de uma pergunta de repórter brasileira Dilma perguntasse “Você é da Globo? ” e diante do aceno positivo respondesse com um cheio, amplo, bem claro e sonoro “vai se ferrar”.

Dilma já deveria ter gritado ao mundo o golpe que estão aplicando nela. Já deveria ter pedido auxílio da Corte internacional de Haia sobre os desmandos jurídicos que se praticou no Brasil, e, embora muito tarde, faz muito bem em divulgar o golpe que está sendo aplicado aqui até para defender a democracia em outros pontos desse continente.

Você é golpista? Vai se ferrar.

Você votou “sim” em nome da mamãe, da esposa, da moral e dos bons costumes sem se ater à responsabilidade do fato? Vá se ferrar.

Vai se ferrar. Simples assim.

Vá se ferrar juiz que pensa que é Deus. Vá se ferrar eleitor mal perdedor.

Vão se ferrar todos os fascistas.

A esquerda do Brasil é muito bem-educada e observadora da etiqueta e da ética.

Está faltando a presidente Dilma um bom lado Leonel Brizola.

Ah, e bons assessores também.



Prof. Péricles