terça-feira, 20 de outubro de 2015

O CIRCO DA PILANTRAGEM

Pilantragem e Civismo
Por Laerte Braga    

 
Kalanag foi um mágico que se apresentou no Brasil lá pelos idos de 1960. 

Como, ninguém nunca soube, mas descia do palco até a platéia com uma jarra d’água e mandava o espectador escolher a bebida preferida. Vinho, uísque, cerveja, da tal jarra saia tudo. Se levarmos em conta que os mágicos àquela época dispunham de poucos recursos tecnológicos, aquele negócio de jogos de luzes, máquinas que engolem pessoas, esses aparatos todos dos mágicos de hoje, Kalanag era de fato um prodígio.

Circos ainda ocupam um espaço importante tanto na lembrança dos que assistiram aos velhos grandes circos do passado, como os que hoje têm o privilégio de observar uma arte – falo de tudo o que o circo traz -. Aquela armação de lona sobrevive em muitas cidades do interior do País. Hoje, uma nova roupagem recheada de salamaleques dos tempos atuais, levou o circo para dentro dos ginásios, das grandes áreas de espetáculos e numa certa forma preservou e preserva as características do espetáculo circense.

Águas dançantes apareceram no Rio de Janeiro no final da década de 50 e o show aconteceu no Maracanãzinho como ponto culminante de um dos grandes circos norte-americanos em seguida a trapezistas, palhaços, mágicos, equilibristas, toda a troupe.

Foi uma semana antes da célebre luta entre Archie Moore e o brasileiro Luisão, mas essa é outra história.
 
A descaracterização da palavra circo, transformada, entre outros sinônimos, em local de pilantragem, de maracutaia aconteceu por conta de se emprestar à pilantragem e às maracutaias o epíteto de um grande circo, com mágicas com dinheiro público, trapaças nos negócios de governo, grandes palhaçadas de políticos, toda essa sorte de ilusionismo do chamado mundo real.

O circo de Brasília, por exemplo, não tem nada a ver com o Circo de Moscou. E nem com as lonas remendadas que povoam as cidades do interior brasileiro.  Ali, nessas cidades, crianças e adultos ainda são capazes de gargalhadas quando o palhaço tropeça e daquelas interjeições de espanto quando o mágico faz sumir um carro em pleno palco substituindo-o ou por um elenco de mulheres, ou por pássaros coloridos que saem voando dentro dos limites da lona.

O circo de Brasília tem a batuta de três dos mais espertos “mágicos” da política brasileira.

O presidente do Senado, José Sarney. O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer e o presidente do Supremo Tribunal Federal – atual STF – o “ministro Gilmar Mendes.

Sarney, proprietário dos estados/fazenda Maranhão e Amapá seja talvez o mais completo exemplo de Zelig da história da política brasileira. Em 1º de abril de 1964, governador do Maranhão, soltou um manifesto na parte da manhã apoiando o governo constitucional de João Goulart e outro à tarde, aderindo ao golpe militar. Virou capacho de confiança dos governos da ditadura. Acabou presidente da República no episódio da construção da candidatura Tancredo Neves e da morte do mineiro, eleito presidente em 1984.

Michel Temer saiu da casca de jurista e constitucionalista para virar político, deputado em vários mandatos e uma interpretação para cada caso, não importa que seja diversa da anterior, desde que os interesses dos que representa sejam mantidos.

É ponta de lança de FHC e José Serra no PMDB. O maior partido do País, curiosamente sem cara, sem rosto, um amontoado de queromeu, onde ainda pontificam figuras sérias do porte de Roberto Requião governador do Paraná.

O terceiro nessa trindade de pilantras é Gilmar Mendes, presidente do STF. Corrupto de carteirinha, tucano de coração, corpo e alma, ocupa a presidência do que deveria ser a corte suprema do País para transformá-la em instrumento de garantia de todo esse mundo podre e irreal que acaba sendo o real.

E William Bonner, síntese do pilantra na comunicação, está lá para assustar todos os “homer simpson” na hora do Jornal Nacional. O maior produto vendido pelos donos do Brasil aos incautos que ainda acham que esses circos são reais. Não têm a ver com Arrelia ou Pimentinha, palhaços de muito caráter e seriedade.

O circo da pilantragem é no duro mesmo um circo de tragédias e essas tragédias se abatem sobre o povo brasileiro que segundo o imortal João Ubaldo Ribeiro ainda é o culpado de tudo.

A corrupção é só uma conseqüência do modelo político e econômico. Esse é o fato gerador. Esses são os donos do circo.




Laerte Braga é jornalista em Juiz de Fora/MG

domingo, 18 de outubro de 2015

A MAIOR DOR DE ALEKSANDRA

A saudade por si só dói como vento gelado.

As vezes o vento pode ser tão frio que mata em pouco tempo. Em outras a agonia se faz de forma lenta, matando por desgaste e não por congelamento.

Já a decepção tem se processa rápida e não mata, mas prepara o caminho para o firmamento.

Me pergunto, como suportar a saudade misturada com outros sentimentos, como, por exemplo, a mágoa da ingratidão?

Ou ainda, qual seria o terreno mais inóspito, a crueza do Ártico ou a crueza do coração?


Lembro de Aleksandra Sokolovskaia.

Alexandra era uma linda ucraniana, como só as ucranianas costumam ser.

Ficava ainda mais bela ao viver como só os jovens conseguem o idealismo latente na construção de um mundo mais justo e fraterno.

Apesar de todos os perigos participou desde muito cedo dos movimentos clandestinos nos terríveis tempos de agonia e êxtase do czarismo.

Com apenas 18 anos participou da criação de um sindicato no sul da Rússia o que lhe valeria um mandato de prisão.

Conheceu, na clandestinidade, um dos mitos da revolução russa, Leon Trotsky, apaixonaram-se e com ele se casou em 1899, com 27 anos.

Tiveram duas filhas, Nina e Zinaida.

Em 1901 os dois foram presos e deportados para a Sibéria, um lugar tão gelado e de tão difícil sobrevivência que precisava de poucos guardas para ser mantida, já que fugir de lá, era quase impossível.

Só que os revolucionários deram um jeito para providenciar uma fuga. Mas, havia um problema, seria possível libertar apenas um dos prisioneiros.

Ela não permitiu discussão. Embora seu coração de mulher não quisesse a distância, o coração da revolucionária dizia que Trotsky era muito mais importante livre, para o projeto revolucionário, do que ela, e por isso ele deveria fugir, enquanto ela ficaria na prisão gelada e mortal da Sibéria, sobrevivendo enquanto fosse possível.

E assim foi feito, sendo Trotsky resgatado para um lugar a salvo na Europa.

Só que chegando a Paris, em 1903, Trotsky se apaixonou por outra mulher, Natália Sedova, declarou finda sua união com Sokolovskaia e casa-se com a outra.

É daí que vem a indagação.

O que será que mais doeu na bela Aleksandra: o vento gelado que corta a carne com um uivo selvagem nos ouvidos ou a traição do homem amado que para ser liberto precisou que ela mesma continuasse no inferno?

Sabe-se pouco sobre ela.

Não morreu na Sibéria e retornou, anos mais tarde para Moscou.

Não pode viver com as filhas que foram criadas pela mãe de Trotsky e nunca mais se casou.

Continuou suas atividades políticas mas caiu em desgraça na sangrenta ditadura Stalinista, assim como uma geração inteira de revolucionários que o ditador julgava mais brilhante do que ele mesmo.

Foi presa, e novamente deportada para a Sibéria, onde foi vista com vida pela última vez no campo de trabalhos forçados de Kolyma, em 1938.

Tinha então 66 anos.

Com essa idade e submetida as péssimas condições da prisão deve ter morrido em silêncio, de forma quase imperceptível em alguma noite de nevasca maior.

Mesmo assim, cabe a dúvida: qual teria sido a maior dor de Aleksandra Sokolovskaia?

A fria morte provocada pela hipotermia ou a morte por traição do amor de toda sua vida?




Leon Trotsky


Prof. Péricles
















sábado, 17 de outubro de 2015

COMO DILMA PERDEU A VITÓRIA

Por Mário Magalhães

Aniversaria, por esses dias, a vitória da campanha reeleitoral de Dilma Rousseff.

Em outubro do ano passado, a candidata venceu o primeiro e o segundo turnos. No começo daquele mês, alcançou 42% dos votos. No fim, 52%, triunfo com 54.501.118 sufrágios.

Talvez o porvir esclareça em que momento algum bichinho, o antípoda da mosca azul, soprou-lhe que havia sido sobrepujada por Aécio Neves. A presidente deu-lhe ouvidos, a julgar por seus passos no Planalto.
A reforma ministerial em curso consagra uma política contraditória com a pregação de palanque.
O governo contrário à agenda chancelada pela maioria dos eleitores é uma evidência tal que, quando Fernando Henrique Cardoso afirma que a presidente enredou-se em “um pacto com o demônio”, poucos correligionários de Dilma rejeitam o diagnóstico.
O que fazem as vozes intelectualmente honestas é recordar que o ex-presidente se pronuncia na condição de mestre Renan Calheiros foi seu ministro da Justiça.
Há um sem-número de erros de tática política e inépcia de gestão no atual governo.
O engano mais relevante, porém, é a estratégia de impor ao país uma administração ofensiva à decisão da maioria um ano atrás.
Ao romper consigo mesma (ou com o que dizia), a presidente, em vez de frear, estimula segmentos que historicamente não reconhecem a soberania do voto popular. Como já dito no blog, ela age como o time que se retranca, chama o adversário para cima e padece com o sufoco.
Como também observado aqui, este ensaio de suicídio político resulta no abandono da presidente pelo colchão social que a respaldava.
De cada dez brasileiros, apenas um considera ótimo ou bom o governo Dilma. Ela dilapidou boa parte do seu enorme patrimônio eleitoral.
A síntese do arrocho que sacrifica os mais pobres é a presença, no comando do Ministério da Fazenda, de um eleitor de Aécio Neves.
Militantes que se dedicaram a renovar o mandato de Dilma, e nela acreditaram, protestarão sábado também “contra a política de ajuste fiscal”. Os bancos, na contramão, estabelecem recordes de lucros.
Sem sua antiga base social disposta a defender a política que pune os já punidos pela desigualdade obscena, a presidente rendeu-se ao toma-lá-dá-cá do Congresso.
Isto é, aceitou o terreno onde grassa a chantagem, incluindo a modalidade golpista do impeachment (não há prova de crime contra a presidente), e a ela se rende. O trunfo de Dilma contra as chantagens são _seriam_ os seus quase 55 milhões de eleitores.
Mas como convocá-los a pressionar as instituições que decidem, e nas quais muitos congressistas chantageiam a governante constitucional, se em 2015 Dilma castiga seus apoiadores de 2014 com a fatura mais amarga da conta da crise?
Expulsar da Saúde um sanitarista digno e entregar o Ministério à gula do PMDB equivale a autorizar a queda de qualidade do sistema público de saúde. É a rede que atende aos brasileiros mais necessitados.
Com o ensino público sofrendo com o arrocho impiedoso, Dilma retira do Ministério da Educação um educador de méritos reconhecidos para acomodar um amigo saído de outra pasta. Quem vem pagando pelo arrocho? Os filhos daqueles que precisam de livros infantis nas escolas públicas, que não têm como comprar nas livrarias _o governo cancelou ou adiou a aquisição de livros para as bibliotecas escolares.
Hoje faz nove meses que Dilma foi (re)empossada. Ela faz o que dizia que não faria. Governa contra os interesses de quem a escolheu. Castiga seus eleitores e prestigia a política neoliberal patrocinada pelo adversário derrotado. Comporta-se como se a derrotada tivesse sido ela.
Nas internas, a presidente costuma lamentar a correlação de forças no Congresso. Será que ela não sabe que, em muitos momentos da história, a pressão popular logrou dos conservadores concessões que eles não aceitariam sem o povo nas ruas?
Mas quantos eleitores de Dilma estão dispostos a desfraldar bandeiras em nome do arrocho que ela aplica?
Mais do que a cabeça da presidente, muitos figurões querem o fim das políticas que permitiram a dezenas de milhões de brasileiros deixarem a miséria absoluta. Tem gente que não aceita, eis o Brasil, nem empregada doméstica com carteira de trabalho.
Num vexame apoteótico, o PMDB famélico toma o governo.
A vida dos brasileiros mais humildes, comprovam até as estatísticas oficiais, vai piorando.
Não foi para isso que a presidente foi eleita.
Quem foi o bichinho que disse a Dilma Rousseff que ela perdeu a eleição? (Publicada originalmente no blog do autor)

Mário Magalhãesnasceu no Rio em 1964. Formou-se em jornalismo na UFRJ. Trabalhou nos jornais “Folha de S. Paulo”, “O Estado de S. Paulo”, “O Globo” e “Tribuna da Imprensa”. É autor da biografia “Marighella – O guerrilheiro que incendiou o mundo”.


quarta-feira, 14 de outubro de 2015

PICASSOS E GUERNICAS


(releitura de “Pintores da Noite” de dezembro/2011 cujo link apresentou problemas e teve que ser deletado)


Ela olhou pra mim como quem está prestes a fazer uma grande revelação: “sabe, eu nunca te contei, mas, detesto cachorros”.

Comecei a rir baixinho do seu jeito cerimonial. Mas o riso foi crescendo e ela, escorando a testa no meu ombro foi me acompanhando, e quando vimos as gargalhadas já eram cúmplices e incontidas.

Ergui os olhos para as estrelas e perguntei pra uma delas: mas do que mesmo estou rindo?

Do fato de estar pendurados no alto de um poste numa dessas madrugadas de Porto Alegre?

Seria da escada velha que rangia e que ainda por cima se mantinha mal equilibrada, inclinada entre o muro da calçada e o poste por dentro do terreno?

Talvez fosse dos dois cachorros furiosos que babavam de ódio por não poder nos alcançar e que ansiavam para que aquela escada velha se partisse.

Seria só do jeito de madame daquela guria com cola nos ombros e tinta na testa me sussurrando ter medo de cachorros?

Até hoje não sei, mas, eram tantas coisas que não sabíamos naqueles dias furiosos.

Tantas coisas que precisavam de respostas e tantas respostas que procuravam perguntas, que não valiam à pena perder muito tempo.

Só sei que nossas gargalhadas calaram os cachorros como se nem eles entendessem, afinal, qual era a graça de situação tão grotesca.

Quando paramos de sacolejar de tanto rir, a escada diminuiu seu rangido, e o silêncio nos lembrou a necessidade de continuar a gloriosa tarefa de prender no poste, com arames pouco resistentes, mais uma placa com nossas mensagens.

Mensagem? Não era só isso. Havia em cada placa um sentimento de resistência e onipotência, acalentado por tantos sonhos velhos e antigos sonhados por tanta gente!

Descemos altivos diante da indignação dos cachorros e recolhemos o material restante, pois era preciso ter pressa, pois outros postes nos esperavam, outros cachorros talvez, e com certeza, o sol, não demorava.

A polícia odeia a hora entre o fim da madrugada e o início da manhã. É quando encerram suas rondas.

Os cachorros odeiam escadas e ela odiava cachorros.

E eu achava graça. Uma graça que carecia de argumentos, mas que transbordava de dor e de energia.

Que nos importam os vadios da madrugada que vagueiam embriagados? Ou os loucos das calçadas como o Imperador, um velho amigo de insânia, morador das calçadas da Av. Independência.

Não eram com certeza mais embriagados ou mais loucos dos que carregam escadas e sonhos.

Lá, em cima do poste, vendo a cidade “do alto” a gente desafiava a repressão, os medos, os ventos do inverno, os cachorros e o destino.

Cá embaixo o bom senso nos desafiava a pensar mais um pouco e a tomar um café amargo diante da friagem insensível.

Às vezes, virávamos artistas e pintávamos muros.

Muros estreitos e largos. Inteiros e lascados. Muros simpáticos e taciturnos. De casas, de cemitérios, de colégios. Muros de ruela e de avenidas.

Tinta vermelha de cheiro forte, artesanal, feita por nós mesmos, em balde que abraçávamos para que não derramasse enquanto a velha kombi sacudia sobre as ruas de uma Porto Alegre adormecida.

Pintávamos palavras de ordem. Pintávamos declarações de guerra e de amor.

Cada um de nós era um Picasso pintando Guernica.

Mas, ao contrário de Picasso, não podíamos assinar nossas obras.

Mas no outro dia.. ah no outro dia ninguém podia impedir nosso orgulho de ver expostas nos muro da cidade em cores fortes com a tinta que ainda nos fedia, o nosso trabalho noturno.

“Depressa”, dizia em silêncio ao mundo, “leiam antes que apaguem”.

Talvez seja assim mesmo. Quando nos tiram os livros inventamos arte.

Quando nos tiram as montanhas, escalamos escadas que rangem.

Quando nos tiram oportunidades descobrimos talentos, e somos Picassos que pintam Guernicas com tinta barata em muros estreitos.

Quando nos tiram a graça rimos de nós, rimos a sós, e rimos das dores.

É quando pintamos nossa história, com tintas próprias para a alma e não para os muros carrancudos.

Pinturas que jamais se apagam da memória.


Prof. Péricles

segunda-feira, 12 de outubro de 2015

SEM DISCURSO E SEM CANTO



Certas coisas não avisam quando terminam. Simplesmente acabam e pronto.

A Gripe espanhola, por exemplo.

Depois de matar milhões de pessoas no mundo inteiro num tempo absurdamente curto, em 1918, simplesmente acabou em algum momento de 1919 sem deixar aviso.

Durante meses o mundo espreitou assustado, quando surgiria uma nova vítima, mas, simplesmente, acabou.

De certa forma, o feudalismo também.

As mudanças foram ocorrendo em série, as relações servis se alterando, o capitalismo se assentando aqui, acolá, e quando se viu, já não existia feudalismo.

Até hoje historiadores divergem sobre uma data específica sobre seu fim.

Outra coisa que acabou sem pompa e circunstância foi o governo Dilma Rousseff.

Não seu período de governo que ainda durará três anos, mas, sua originalidade e diferenciação.

Depois de um primeiro governo de resultados positivos em várias áreas e de carregar trôpega as bandeiras sociais do governo anterior, de Lula, o governo Dilma acabou sem nenhum aviso ou manchete no Jornal Nacional.

E isso depois de uma extraordinária vitória eleitoral, contra todas as forças conservadoras e a mídia, por um punhado de milhões de votos, Dilma venceu.

Sim, Dilma venceu embora a maioria tenha esquecido desse detalhe.

Mas Dilma e a esquerda brasileira não soube vencer.

Apequenou-se com a vitória.

Pressionado pelos perdedores que, ao contrário, se agigantaram com a derrota, o governo Dilma fez como o time pequeno que após fazer um gol se retranca e apenas se defende dos ataques do time que está perdendo, fazendo sua torcida sofrer a cada escanteio do adversário.

Ou como o lutador que, mesmo melhor tecnicamente, prefere se encostar nas cordas e suportar os golpes do outro esperando a vitória por pontos quando poderia ser por  knockout.

Numa situação parecida, embora mais grave pois acossado ainda por militares golpistas, João Goulart foi pra cima e proferiu o histórico discurso da Central do Brasil, em 13 de março de 1964. Com essa ação corajosa, Jango deixou claro que preferia ser deposto a fazer de conta que governava e que não aceitava chantagens. Os golpistas que mostrassem a cara.

Caiu, visto que sob a força das armas, mas não mentiu pra ninguém.

O governo Dilma terminou quando aceitou a chantagem da direita.

Terminou quando temeu perder o “apoio” dos aliados de sustentação e permitiu que esse medo fosse maior que a coragem de lutar.

Acabou quando promoveu uma reforma ministerial que agride aliados históricos e sinceros, substituindo ministros comprometidos com a luta ideológica por seres sinistros, que não serão seus ministros, mas, inimigos na trincheira.

No pôquer da política, aceitou um remendo de blefe e depôs suas cartas que eram, infinitamente melhores.

Faltou ao governo Dilma, ao governo do PT, o discurso da Central do Brasil.

Ou o canto do cisne que barulhento despede-se da vida num último ato de coragem.

O fim do governo Dilma, do governo do PT, será sem discurso e sem canto, muito menos ainda, coragem.

Infelizmente certas coisas são assim.

Não avisam quando terminam. Simplesmente acabam e pronto.




Prof. Péricles

sábado, 10 de outubro de 2015

TERRAS INDÍGENAS, UM GRANDE NEGÓCIO



Por Maria Fernanda Arruda 
Gerações aprenderam na escola que o Brasil foi descoberto em 1500, onde Pedro Alvares Cabral encontraria os índios, logo ofertando a eles uma primeira missa. Hoje, postas de lado as versões inventadas pela História Oficial, as crianças são informadas sobre a invasão ocorrida naquele ano, quando os portugueses navegantes se encontraram com os povos habitantes e senhores daquelas terras.
Estimativas, por razões evidentes, e mais que vagas: seriam entre 6,8 milhões e 1 milhão. Como informa o IBGE, hoje são 900 mil, uma população que tem crescido a partir de 1980, compreendendo 300 etnias e aproximadamente 274 línguas.
Na escola, as crianças aprendem o que não quis e não quer saber o homem branco, dono e proprietário de todas as terras e matas. Para os jesuítas, aqueles reais senhores dessas terras foram tratados como almas a serem conquistadas para a Igreja, Anchieta e Nóbrega, que se fizeram santos heróis europeus em terras da América. Mas os jesuítas foram expulsos do Brasil em 1759. O que fazer com os silvícolas?

Participação na história dos homens brancos? Poucas e discutíveis. Na guerra da Independência da Bahia, os índios, então chamados “caboclos”, foram vestidos como heróis e são celebrados a cada 2 de Julho. Além disso, o movimento indianista vivido pelas letras brasileiras: as Americanas, de Gonçalves Dias; O Guarani, Iracema, Ubirajara, de Jose Alencar; A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães.
A Lei de Terras, de 1850, inaugura a agressão ilimitada às terras das aldeias indígenas.
Dai a pergunta de resposta pronta: onde estão os índios? A província do Ceará foi a primeira a negar a existência deles em suas terras; em 1853 é o Sergipe que define sua inexistência. Adornado em sua túnica produzida com penas de papagaios, o pequeno Imperador de longas barbas tranquiliza-se: não há mais índios no Brasil.
O massacre promovido desde os primeiros tempos com os bandeirantes, que os “caras-pálidas” transformaram em estátuas de heróis, foi a regra implementada sem descanso a partir de 1850, procedendo-se a uma expropriação total.
Eventuais embargos legais, passaram a ser levantados com a emancipação dos índios que passavam a ser entendidos como “aculturados”. Ou ainda, muitas aldeias de Goiás, Ceará, Sergipe, Pernambuco, Rio de Janeiro e São Paulo passavam a ser declaradas extintas, sob alegação de que abrigavam populações mestiças.
O que são então os povos indígenas no Brasil do século XXI?

No Sul restam 75 mil, no Rio Grande do Sul representando 0,4% da população, 8,9% em Santa Catarina, 0,33% no Paraná.

Em fins do século XIX, quatro indígenas foram levados do Rio Grande do Sul para serem exibidos em circos europeus.

Em São Paulo, são 44,8 mil, representando 0,11% da população. Os kaingangs que habitavam todo o vale do rio Peixe, foram chamados de coroados pelos antropólogos.

Esta tribo enfrentou e resistiu a colonização branca. Já os Cayúas que habitavam o vale do rio Paranapanema, à sua direita, tinham terras de campos agricultáveis, os primeiros a desaparecer.

Por último, os Xavantes, considerados sociáveis, ocupavam toda bacia inferior do Rio Pardo (Mato Grosso) atravessando o rio Paraná (São Paulo) indo se estabelecer nos campos de Jaquaretê e Laranja Doce. Estes oferecendo grande resistência.

Quase sempre foram sangrentos os contatos entre índios e pioneiros. Os verdadeiros habitantes da terra lutaram muito, mas, foram dizimados pelos colonizadores.

O empenho de um militar, Cândido Rondon, de formação positivista, foi decisivo na criação de um primeiro órgão de proteção aos índios, o SPI – Serviço de Proteção ao Índio, que não impediu a transferência de terras para colonização, defendendo o respeito e o trato amigável com os indígenas, o que não foi mais do que uma exceção, com gente como os Irmãos Villas Boas e o médico sanitarista Noel Nutels.
Sob a égide de um governo tíbio, o Congresso Nacional pretende assumir a tarefa de demarcação das terras indígenas, o que em termos práticos significa entrega-las aos ruralistas comandados pela ministra Katia Abreu.
Nos últimos meses, a ação de pistoleiros vai se multiplicando, animada pela fraqueza de um Ministério de Justiça omisso. Os abusos vão tomando todas as formas possíveis.
Recentemente, a Agência Nacional de Petróleo lança pré-edital de licitação para exploração de petróleo em sete blocos próximos de 15 terras indígenas, sem qualquer consulta prévia à FUNAI.
Avá Uerá Arandú é um dos líderes do povo Kaiowá Guarani no Mato Grosso do Sul. Doutorando em Antropologia no Museu Nacional da UFRJ, ele tem a voz que fica muito acima dos grunhidos dos matadores, que não são gente simples e nem mesmo jagunços. São pessoas ricas, recrutadas pelas organizações ruralistas e por políticos.
É o índio antropólogo que nos diz o que é obrigação nossa saber: “Há fontes consistentes e diversos documentos oficiais que comprovam essa história recente de compra e venda das terras indígenas, envolvendo no comércio dessas terras somente para a elite, a classe rica, políticos poderoso e os agentes dos governos.
Os povos indígenas foram expulsos e dispersados. O Estado-Nação brasileiro doou e vendeu as terras indígenas: isso é uma imensa dívida histórica no Mato Grosso do Sul”.
A política de genocídio do índio, praticada pelos bandidos brancos, é uma tradição profundamente arraigada entre nós.
Os ruralistas brancos têm poder de dinheiro e político. Comandam a Polícia e a Justiça. Agora, são donos do Ministério da Agricultura e estão próximos de conseguir a “solução final”.

Maria Fernanda Arruda é escritora e colunista do Correio do Brasil.