quarta-feira, 1 de julho de 2015

PAÍS DA INCLUSÃO SOCIAL



Por Paulo Nogueira direto do Diário do Centro do Mundo



Foi com satisfação especial que vimos Marieta Severo viralizar no DCM.

O texto sobre a enquadrada que ela deu sobre Fausto Silva, de autoria de Kiko Nogueira, já foi lido por mais de 1 milhão de pessoas, no momento em que escrevo.

No Facebook, o artigo recebeu, até aqui, 106 000 curtidas, uma raridade para qualquer site em qualquer país.

Por conta disso, o DCM teve, ontem, uma de suas maiores audiências: 1,6 milhão de acessos.

O texto, fora sua carreira no DCM, foi reproduzido em vários outros sites. Tem sido uma constante: a repercussão de nossos artigos para além dos nossos domínios.

“Kiko mitou”, brincamos aqui.

O que nos agradou, mais que tudo, foi o conteúdo que mereceu tantos aplausos: Marieta, ao responder a Fausto Silva, desfez o discurso manipulador, cínico e desonesto da Globo e das demais grandes empresas de mídia.

O Brasil não é o paraíso que a Globo pintava na ditadura militar, mas definitivamente está longe de ser o inferno descrito pela mídia.

Com todos os percalços dos últimos anos, o país melhorou substancialmente em sua grande chaga: a desigualdade social.

A mídia, com seus interesses sinistros, esconde de seus leitores que o maior problema nacional é a desigualdade. Isso porque seus donos, riquíssimos, se beneficiam da desigualdade.

Em vez de erguer a voz contra a iniquidade, a mídia fala obsessivamente em corrupção – porque este truque funcionou em 1954, com Getúlio, e em 1964, com Jango.

Escândalos, a maior parte deles amplificados ou simplesmente inventados, ocupam a maior parte do noticiário. O alvo é sempre o PT, como antes foram Getúlio e Jango.

O paradoxo, aí, é que a mídia é visceralmente corrupta: vive descaradamente do dinheiro público. Fez do Estado sua babá.

Não contentes com os bilhões em publicidade, financiamentos em bancos públicos a juros maternos e outras mamatas, as empresas de jornalismo ainda sonegam impostos – certas da impunidade.

Faustão veio, diante de Marieta, com o clichê obtuso do “país da desesperança”, algo que tem um apelo extraordinário para analfabetos políticos que batem panelas e vestem camisas da seleção em manifestações estimuladas pela mídia.

E Marieta rebateu com a inclusão social, que a mídia finge não ter importância nenhuma como se fôssemos a Suécia ou a Dinamarca.

Marieta viralizou porque ela falou por muitos brasileiros que já não suportam mais tanta empulhação.

Foi a mesma coisa que ocorreu quando Boechat mandou Malafaia procurar uma rola. Quantos de nós não gostaríamos de dizer uma coisa dessas para Malafaia?

Marieta trouxe a inclusão social para a conversa – e este foi seu maior mérito.

O Brasil avançou no campo social – mas muito menos do que deveria.

Lula e Dilma fizeram mais que seus antecessores desde Getúlio, mas muito menos do que o necessário para que o Brasil deixe de ser sinônimo de desigualdade.

“Brasil da desesperança”, para usar a expressão de Fausto Silva, é aquele que a plutocracia predadora construiu.

O resto, como escreveu Shakespeare, é silêncio.


segunda-feira, 29 de junho de 2015

O NAZISTA ERA JUDEU



Enquanto esperava para subir ao palco do auditório de uma escola em Budapeste, Csanad Szegedi andava apreensivo pelo corredor. Mas ao subir ao palco, em meio aos aplausos dos estudantes, não conteve o sorriso.

Szegedi o ex-militante neonazista húngaro não poderia ser uma pessoa mais diferente nos dias de hoje: há três anos, ele era um dos membros mais ativos do Jobbik, partido nacionalista húngaro de tendência neonazista e posicionamento marcado pelo antissemitismo.

Szegedi descobriu ser judeu em 2012.

Não fosse o suficiente para abandonar suas posições radicais, a avó dele sobreviveu aos horrores nazistas do campo de concentração de Auschwitz.

Ele foi educado como protestante pelos pais, apesar da origem judia de sua mãe.

Ao saber de sua origem judia, ele deu as costas para um passado de intimidações e intolerância. Vice-líder do Jobbik, Szegedi foi ainda fundador da “Guarda Húngara” uma milícia que tinha como hábito marchar uniformizada por bairros de Budapeste com presença de comunidades ciganas.

Juntos com os judeus, os povos nômades eram “acusados” pelo Jobbik por problemas atávicos da sociedade húngara. Uma plataforma que encontrou ressonância suficiente para eleger Szegedi membro do Parlamento Europeu, em 2009.

Na Hungria, estima-se que apenas entre 50 mil a 120 mil dos 10 milhões de habitantes são judeus. Mas calcula-se que, antes da Segunda Guerra Mundial, a população chegava a 800 mil – centenas de milhares foram deportados para campos de concentração.

Ao contrário do que se poderia imaginar, o partido não expulsou Szegedi quando ele revelou seu passado. O líder do Jobbik pensou em usar Szegedi como prova de que a legenda não era puramente antissemita.

Szegedi se converteu ao judaísmo ortodoxo. Viajou para Israel e fez uma visita a Auschwitz.

Ela também pôs fogo em cópias de sua autobiografia, “Eu Acredito na Ressurreição do Povo Húngaro”.

Hoje, Szegedi se dedica a dar palestras em escolas contra os perigos da intolerância.
E para tentar explicar a cultura judaica de forma a enfrentar estereótipos. Isso inclui descrições bem-humoradas do ritual da circuncisão. Ou o fato de que sua avó nos meses de verão usava um curativo no braço para esconder a tatuagem com um número de identificação, feita em prisioneiros de campos de concentração nazistas.

– O partido pode ter adotado uma postura mais para o centro, mas ainda está cheio de pessoas que se filiaram por causa de suas posições radicais, pelo nacionalismo e extremismo. Há um limite para o quão moderado o partido pode ser. Não penso mais numa vida política – disse o ex-militante a jornalistas da agência britânica de notícias BBC.

Szegedi critica o discurso antissemita na Hungria, mas ao mesmo tempo defende seus compatriotas. Para ele, é uma consequência do que chama de paradoxo do nacionalismo húngaro.

– Temos orgulho de nossas conquistas, mas não examinamos as conquistas de outros povos (que fazem parte da sociedade húngara). Temos medo de que sua cultura possa ser tão rica como a nossa – concluiu”.

Não poderia ser mais didático. O caçador, perseguidor de judeus, descobre-se ele próprio ser um judeu. O caçador se torna caça.

Seria interessante se tal fenômeno ocorresse mais frequentemente para modificar a cultura dos intolerantes.

Por exemplo, membros de uma classe média brasileira, supostamente superior aos que consideram mais pobres e ignorantes, despertassem num belo dia, dependendo da bolsa família para garantir a sobrevivência.

Ou se prolixos autores de argumentos contra as cotas nas faculdades despertassem negros, antes do ano 2000.

Infelizmente poucos Szegedis conseguirão aprender em tempo que, a intolerância é irmã do egoísmo e mãe de todo totalitarismo.


Prof. Péricles

Fonte: Correio do Brasil

sábado, 27 de junho de 2015

ATENAS E A DEMOCRACIA



A decantada democracia ateniense, sabe-se, não foi fruto de uma só mente genial. Foi, isso sim, o resultado de um processo de transformações de sua sociedade.

Até os séculos VII e VI a.C. a política de Atenas era controlada por sua elite agrária os “Eupátridas” ou “bem nascidos” como era comum no mundo antigo.

Entretanto quanto mais seu porto era movimentado e as mercadorias negociadas vinham dos mais distantes pontos de origem, mais a classe comerciante, os demiurgos, enriquecia e consequentemente, passava a reivindicar parcela do poder.

A democracia ateniense nasceu dessas pressões políticas pelo poder entre os demiurgos e a elite agrária.

Seus personagens marcantes foram legisladores e políticos que representaram, em diferentes momentos, inovações e reformas que levaram ao apogeu da democracia no século V a.C. no governo de Péricles.

Drácom, em 621 a.C. estabeleceu um conjunto de leis escritas que substituíram as leis orais que, invariavelmente beneficiavam apenas aos eupátridas. Embora a elite mantivesse o poder tornava-se muito mais difícil a manipulação legal em favor de seus interesses e abria um manancial de oportunidades futuras aos demais atenienses, antes marginalizados juridicamente.

Vinte e sete anos depois, em 594 a.C. diante da crescente pressão política, um novo legislador se destaca, Sólon. Entre as várias reformas que promoveu, Sólon acabou com a escravidão por dívidas, adota novas instituições políticas.

A Eclésia foi a mais sensacional das inovações, pois fazia o papel de executivo, sendo uma espécie de Assembleia onde as decisões mais importantes para a cidade eram decididas pelos cidadãos em voto direto, levantando a mão, após a audiência de diferentes debatedores.

O Conselho dos Quinhentos (Bulé) funcionaria como Legislativo no lugar do Areópago, instituição mais antiga e controlada pela aristocracia.

Já o Helieu era o Judiciário, sendo composto por juízes, para julgar os cidadãos atenienses de acordo com as leis escritas.

Mas as elites agrárias não aceitaram passivamente as novidades e usaram todo seu poder causando agitações e instabilidades.

No seio dessas agitações surgem os tiranos (que não quer dizer malvados, e sim, aquele que chega ao poder por outro meio que não eleito). Entre os tiranos destaca-se Psistrato que trouxe algumas vantagens para uma nova aristocracia que buscava ocupar o espaço da antiga e tradicional elite.

O recuo que beneficiou as elites provocou uma grande mobilização popular, e montado nesse apoio das ruas, Clístenes chega ao poder em 510 a.C.

Em seu governo, os atenienses passavam a ser divididos em dez tribos (poderíamos chamar de partidos) que escolhiam seus principais representantes políticos. Todo ateniense tinha por direito filiar-se a uma determinada tribo na qual ele participaria na escolha de seus representantes políticos no governo central. Dessa maneira diminui acentuadamente a distância entre os mais e menos abastados na participação da vida política ateniense.

Além disso, Clístenes (chamado de o pai da democracia) criou o ostracismo, medida que buscava (e conseguiu) romper a corrente de Tiranos que se sucediam no poder. O ostracismo bania por dez anos o indivíduo que fosse considerado uma ameaça à normalidade democrática, embora tomasse o cuidado de reconhecer o direito do banido de manter sua propriedade privada em Atenas.

Apesar do brilhantismo de um regime que valorizava o “governo do povo” e do ineditismo de suas ações, a democracia direta dos gregos nunca foi realmente do povo. Isso porque, pelo conceito de cidadania adotado, só homens livres de pai e mãe ateniense, maiores de 18 anos e nascidos na cidade, eram considerados cidadãos.

Mulheres e estrangeiros, independentemente do tempo que residissem na polis, não possuíam nenhum tipo de participação política.
Destacando ainda que, apesar de tudo, na base do trabalho continuou sendo utilizado o trabalho escravo, calcula-se que apenas 10% da população participava de fato da vida e das disputas políticas de Atenas.

Prof. Péricles

quarta-feira, 24 de junho de 2015

TERRORISMO BRANCO E CRISTÃO



Por José Inácio Werneck, de Bristol (EUA)


No dia 17 de junho de 1822, pouco antes da Independência do Brasil, um ex-escravo, Denmark Vesey, que havia comprado sua liberdade ao ganhar dinheiro em uma loteria, chefiou uma rebelião de negros contra a minoria branca em Charleston, no estado da Carolina do Sul.

Sim, minoria branca. Naquele ano, mais negros do que brancos viviam na Carolina do Sul, mas os brancos, donos de extensas propriedades rurais, tinham o poder nas mãos: as armas, a polícia, o Exército, o governo.

Um dos negros, Denmark Vesey, carpinteiro e pastor leigo de uma Igreja Presbiteriana negra, a Emmanuel Church, liderou uma rebelião de escravos, com o intuito de chegar ao porto, apossar-se de navios e zarpar para o Haiti, que tinha se tornado uma República Negra, depois de se tornar independente da França.

Alguns negros, talvez por medo, delataram a rebelião antes que ela se iniciasse ao primeiro minuto de 17 de junho. Denmark Vesey e dezenas de seus cúmplices foram enforcados, muitos outros negros sentenciados a longas penas.

Incendiada ou destruída mais de uma vez por brancos, a Emmanuel Church foi finamente reconstruída em definitivo na década de 1880.

Ela é a mais histórica igreja negra dos Estados Unidos e nela importantes líderes, como Martin Luther King Jr., discursaram.

Há ainda o interessante detalhe de que ela se situa em pleno centro de Charleston, que é até hoje ocupado por mansões de ricas famílias brancas, descendentes dos antigos donos de escravos.

A Carolina do Sul é também um estado que até hoje faz tremular em seus mastros a bandeira da Confederação – a bandeira do poder branco e separatista do sul dos Estados Unidos, cujas tropas foram derrotadas pelas tropas da União, do governo federal chefiado por Abraham Lincoln.

É impossível começar a entender o atentado deste 17 de junho em Charleston sem entender também que até hoje muitos brancos no sul dos Estados Unidos não se conformam com a derrota da Confederação. Eles são racistas, pertencem a grupos de “superioridade branca” e querem se separar do resto do país.

Dylann Storm Roof, de 21 anos, o confesso assassino, é um produto deste meio.

Será simples coincidência que ele escolheu um 17 de junho – a mesma data da frustrada revolta de Denmark Vesey – para assassinar nove negros durante um “Estudo da Bíblia” na Emmanuel Church?

Durante décadas os cristãos brancos da Carolina do Sul não permitiam a existência de “igrejas negras”. Eles exigiam que uma maioria dos participantes fosse de brancos, para a Igreja poder funcionar.

Os pastores brancos ensinavam que a escravidão dos negros havia sido determinada por Deus e que os negros deveriam se conformar com sua sorte.

Hoje, as igrejas negras funcionam, mas a mentalidade de muitos cristãos brancos em estados do sul dos Estados Unidos – como as duas Carolinas, Mississippi, Alabama – não mudou muito.

Esta semana, alguns dias antes do massacre em Charleston, um artigo “op-ed” no New York Times revelava algo muito interessante: embora os americanos tenham medo do “terrorismo islâmico”, a grande maioria de atentados terroristas nos Estados Unidos é praticada por grupos de “superioridade branca” – esmagadoramente constituídos por cristãos.

Grupos que defendem ferozmente o direito de portar armas de fogo.

São pessoas como Dylann Storm Roof, que posava em sua página no Facebook com um casaco exibindo as bandeiras dos regimes de “apartheid” na África do Sul e na antiga Rodésia (hoje Zimbabwe).

Este é um terrorismo irracional, como os outros terrorismos. A única diferença é que a maioria da imprensa americana não tem a coragem de chamá-lo por seu nome próprio.


José Inácio Werneck, jornalista e escritor, trabalhou no Jornal do Brasil e na BBC, em Londres. Colaborou com jornais brasileiros e estrangeiros. Escreveu Com Esperança no Coração sobre emigrantes brasileiros nos EUA e Sabor de Mar. É intérprete judicial em Bristol, no Connecticut, EUA, onde vive.

sábado, 20 de junho de 2015

DEIXAR PRA LÁ É SER CÚMPLICE


“Tem coisas, meu filho, que todos sabem, mas deixamos pra lá pois um dia a casa cai”.

Nunca esqueci dessa frase que ouvi quando muito jovem.

Ela me dava sensações diferentes.

Afirmava que o erro sempre será castigado, mas, ao mesmo tempo, indicava uma passividade e um distanciamento como se, justiça não fosse construída por nossos esforços, mas pelo destino.

Lembrei dela assim que tomei conhecimento das primeiras denúncias contra a FIFA e a prisão de alguns de seus dirigentes, inclusive do brasileiro José Maria Marin.

Todos que acompanham futebol nesse país desconfiavam que a FIFA (e a CBF) fosse foco dinamizador de interesses difusos e corruptos.

Entre os que gostam de futebol até mesmo em inocentes “rodinhas” de discussão o assunto CBF-FIFA-Corrupção era sempre levantado, geralmente acompanhado de piadinhas soltas.

Denunciadas, mas, jamais atacadas. E por aí já se vão décadas.

Afinal, será mesmo que só o destino é capaz de destruir certas safadezas, quando as safadezas mesmo bem conhecidas, são “bem feitas”? Ou as safadezas se consolidam como bem feitas por nossa omissão e tradição de alienados?

É revoltante ter que torcer para o FBI diante do “deixa pra lá”.

O futebol, é coisa séria. Diria, uma das coisas mais sérias do Brasil, cujo povo é capaz de transportar para a produção do trabalho de segunda-feira sua alegria ou decepção pelo resultado do seu time no domingo.

Para milhões de brasileiros, o futebol é o melhor programa de fim de semana, regulando humores e até mesmo, relações sociais.

Quantos poupam valores significativos de suas economias para poderem assistir um jogo importante do seu clube?

O imperador Otávio dizia que o plebeu não perturba a ordem constituída se tiver “pão e circo”.

E o futebol, definitivamente, é o maior circo do mundo. Aquele que congrega o maior número de assistentes, aqui denominados de torcedores.
Sua administração, portanto, deveria ser uma questão de estado.

A lisura dos campeonatos e dos seus dirigentes deveria ser inquestionável.

E isso, em nome de todos aqueles que dedicam boa parte de sua vida envolvidos com essa imensa paixão.

Definitivamente, tem coisas que “deixar pra lá” nos torna cúmplices.

A democracia e os procedimentos honestidade pressupõem a participação da cidadania e não sua alienação.

Conforme a polícia norte-americana o pior lugar para alguém ser atacado por um homicida, é o lugar cheio de gente e de testemunhas, visto que o usual é que todos sempre deixem para alguém a função desagradável de chamar a polícia.

No caso da CBF/FIFA o testemunho sem ação superou todos os recordes.


Prof. Péricles

quinta-feira, 18 de junho de 2015

PATOLOGIA DA FAMÍLIA BRANCA E RICA



Por Chris Hedges, Truthdig


A patologia da família branca rica é das mais perigosas nos EUA. A família branca rica é amaldiçoada com excesso de dinheiro e privilégios. Não conhece nenhuma empatia, resultado de gerações e gerações de privilegiados. Tem mínimo senso de lealdade, e é incapaz de auto sacrifício. A definição de amizade na família branca rica está reduzida a “O que você pode fazer por mim?” A família branca rica é possuída por insaciável ambição de aumentar sempre a própria fortuna e o próprio poder. Acredita que riqueza e privilégio conferem a ela inteligência e virtude superiores. É presa dos mais impenetráveis hedonismo e narcisismo.

E, por tudo isso, a família branca rica interpreta a realidade através de lentes de auto adulação e cobiça que reduzem a realidade a alguma espécie de fantasia distante. A família branca rica é uma perigosa ameaça que vive dentro dos EUA. As doenças dos pobres, se comparadas às doenças dos norte-americanos brancos ricos, são pequena vela ao lado do sol.

Não faltam propagandistas e elogiadores às famílias norte-americanas brancas ricas. Dominam as ondas de rádio e TV em todo o país. Culpam a patologia das famílias negras pobres pela miséria, pela falência da sociedade, pela violência urbana, pelo consumo de drogas, pela violência doméstica – como se não conhecessem algum desses itens. Dizem que as famílias negras pobres estão em desintegração por causa de algum defeito inerente –, o que implica dizer que veem os brancos como melhores que os negros–, defeito que essas famílias pobres devem tratar de consertar.

Se você é negro, e papagueia as mesmas pirações racistas dos brancos ricos, os brancos ricos enlouquecem de alegria. São capazes de cometer o desatino de oferecer-lhe palanques. Você pode até vir a ser presidente ou juiz da Suprema Corte. Dão-lhe programa de entrevistas na televisão, ou emprego bem remunerado numa universidade. Você receberá dinheiro para a sua fundação. Você pode publicar livros de autoajuda. Aparecerá dinheiro para fazer seus filmes. Pode acontecer até de você ser contratado para presidir uma empresa.

As famílias pobres, dizem os bajuladores de brancos ricos, nunca serão redimidas, se não se auto redimirem. Nós queremos ajudar, dizem os brancos ricos, mas os negros pobres têm de vestir as calças, ficar na escola, dar jeito de se educarem, encontrar um emprego, dizer “Não às drogas” e respeitar a autoridade constituída. Se não fazem isso... merecem o que têm. E o que a família negra média consegue em termos econômicos é um níquel para cada dólar embolsado pela família branca média.

Desde os dez anos, bolsista de uma escola de elite em New England, tive de aprender a conhecer a patologia das famílias brancas ricas. Não é experiência que eu recomende a alguém. Anos depois, por decisão pessoal, mudei-me para Rosbury, Boston, quando estava no seminário. Vivi do outro lado da rua de um dos projetos de moradia mais pobres da cidade, e era responsável por uma pequena igreja no centro do projeto, por quase três anos. Eu já tinha um sentimento de profundo desprezo contra famílias brancas ricas, e ele só aumentou depois de ver o que eles faziam contra os mais pobres. Gente branca rica, concluí depois da minha infância e dos meus anos em Roxbury, são sociopatas.

A miséria e o colapso da família e da comunidade em Roxbury não eram causados por alguma patologia inerente das famílias negras. Os ricos que tratavam os pobres como refugo humano eram a causa de todos os problemas. Camadas superpostas de racismo institucionalizado – os tribunais, as escolas, a polícia, os oficiais de condicional, os bancos, o acesso fácil às drogas, o desemprego endêmico e o subemprego, as estruturas em colapso e o sistema prisional – tudo efetivamente sempre conspirou para assegurar que os pobres permanecessem pobres. Drogas, crime, famílias em desintegração são resultado da pobreza, não da cor da pele. Vê-se o mesmo quadro também entre brancos pobres. Tire todas as oportunidades, encha a vida dos pobres de desespero e desesperança, e o resultado é o mesmo, entre brancos ou entre negros. Mas aí está exatamente o que famílias brancas ricas não querem que ninguém saiba. Se se soubesse de tudo isso, os ricos teriam de ser responsabilizados.

A família branca rica tem excepcional aptidão para o crime. Membros de famílias brancas ricas comandam corporações falidas (pensem nos Irmãos Lehman), fraudam acionistas e investidores, vendem hipotecas podres como se fossem investimentos dourados a fundos de pensão, comunidades e escolas e quando a coisa toda explode, ainda saqueiam o Tesouro dos EUA. Roubam centenas de milhões de dólares em Wall Street mediante fraude e assaltos, pagam poucos impostos ou nenhum, praticamente jamais vão para a cadeia, escrevem as leis e regulações que legalizam seus próprios crimes e, depois, são convidados a participar da direção das universidades de elite, ou tomam assento nos boards das grandes empresas privadas. Inventam fundações e são admirados como filantropos. E se acabam por meter-se em coisa realmente grave, têm os advogados mais caros e todos os seus ‘contatos’ nas elites políticas, para se safarem.

Isso é preciso reconhecer, nas famílias brancas ricas: roubam com muito mais finesse que qualquer outra família. Se você é adolescente negro pobre e salta de uma caminhonete com alguns vidros de shampoo que acabou de roubar, o mais provável é que seja assassinado a tiros, pelas costas, ali mesmo na calçada ou, então, é condenado a anos de cadeia. Se houvesse Olímpiadas de crime, as famílias brancas ricas levariam todas as medalhas; as famílias negras pobres teriam sorte se ficassem menos de cem metros atrás do último classificado. Nem sei por que há negros que tentam competir com os brancos, no setor “crime”. Comparados aos criminosos brancos, os criminosos negros são lastimáveis fracassos. Os monarcas do crime são gente branca, que chafurdam na própria riqueza, enquanto vão trancafiando nas prisões porcentagem enorme de homens pobres negros.

Famílias brancas ricas são também os matadores mais eficientes que há no planeta. É verdade há já 500 anos, começando na conquista da América e no genocídio contra os povos nativos norte-americanos, e continuando hoje, nas guerras dos EUA no Oriente Médio. As famílias brancas ricas não matam com as próprias mãos. Não precisam arriscar o próprio pescoço nas ruas das cidades nos EUA ou no Iraque. Mas contratam gente, quase sempre pobres, para matar por elas. Famílias brancas ricas queriam o petróleo do Iraque, ergueram bandeiras e entoaram slogans patrióticos, e assim arregimentaram legiões de crianças pobres para guerrear em nome delas e passar a mão nos poços de petróleo do Iraque.

Famílias brancas ricas queriam guerra sem fim para benefício da indústria de armas. Foi só convocar para uma guerra ao terror, que conseguiram o que queriam. Famílias brancas ricas queriam que a polícia usasse impunemente força letal contra os pobres e que os prendessem aos milhares, inchando ainda mais as prisões dos EUA com 25% da população prisional do planeta. Foi só criar uma rede de leis antidrogas e militarizar os departamentos de Polícia, que conseguiram o que queriam.

Não há decadência como a decadência dos brancos ricos. Conheço um bilionário que, aposentado, passa o dia num iate fumando maconha e tratado por uma resma de prostitutas caras. Os filhos das famílias brancas ricas – cercados de empregados e cevados em escolas privadas, nunca voam em aviões de carreira nem se servem do transporte público – desenvolvem o ócio e a preguiça como meio de vida, quase sempre embalado em drogas, que com frequência os levam a desperdiçar completamente a própria vida, como parasitas sociais. As mães não precisam ser mães. Os pais não precisam ser pais. Babás e porteiros fazem o serviço.

As patologias dos ricos logo nos levarão para uma ladeira econômica e ecológica. E quando mais nos afundarmos, mais os ricos, sem qualquer empatia e incapazes de compreender, determinados a manter a riqueza e os privilégios deles, mais usarão a guarda pretoriana deles, os veículos deles da comunicação de massas deles, os fantoches políticos deles, e o aparelho de vigilância e segurança deles para nos manter submissos.

“O segredo de um grande sucesso sem causa aparente é sempre um crime jamais descoberto porque foi bem executado”, escreveu Honoré de Balzac em seu romance Le Père Goriot.

Os ricos executaram um golpe de estado que transformou os três braços do governo dos EUA e praticamente todas as instituições, inclusive as empresas-mídia e todos os veículos comerciais de comunicação de massa em subsidiárias da empresa-estado.

Esse golpe dá aos ricos autorização e poder para acumular riqueza inimaginável, sempre à nossa custa. O golpe permite que os ricos imponham pobreza cada vez mais incapacitante a círculos sempre crescentes da população. A pobreza passou a ser o pior dos crimes – como George Bernard Shaw escreveu, “todos os demais crimes passam a ser virtudes, se comparados à pobreza.”

E a habilidade de uma elite rapace, para deixar crianças morrerem de fome; para fazer homens e mulheres sofrerem a perda da própria dignidade humana e a autoestima, porque não encontram trabalho; para lançar o estado de terror; e para pôr fim a qualquer esperança entre os menos afortunados, tudo isso demonstra e comprova que os oligarcas brancos e ricos norte-americanos são a força mais destrutiva e mais perigosa ativa hoje nos EUA.