sexta-feira, 3 de janeiro de 2014
ANÁLISE 2013:O XEQUE-MATE DO ANO
O fato marcante na política externa em 2013, pelas suas potencialidades de definição dos tempos futuros foi a surpreendente reversão de expectativas na Síria, ameaçada de ataque pelos Estados Unidos e OTAN, dados como certos e inevitáveis por comentaristas de política externa de nossa mídia.
A Síria acabou não apenas não sendo atacada, como saí fortalecida dos acontecimentos.
Antes, alguns fatos devem ser relembrados:
- o Oriente Médio é a região de maior produção de petróleo no mundo. Acreditam os especialistas que ainda exista petróleo para até o final desse século e, embora muito se tenha investido em fontes alternativas, o petróleo continua e continuará sendo a matriz preferida de produção;
- até por isso, a região tem sido área de intensas disputas políticas e militares onde os Estados Unidos possuem três históricos aliados: Israel, Arábia Saudita e o Kwait. Também tem peso e importância auxiliar o apoio do Iraque, da Turquia e do Egito.
- Rússia e China, potências militares e políticas, possuem penetração menos alicerçada, porém constante, com o apoio do Irã e, e muito especialmente, da Síria.
- os ataques de 11 de setembro de 2001 desencadearam uma reação militarista e beligerante dos Estados Unidos na região. Foram acionadas ações de monta, com ataques pontuais e que, em seu somatório, deveria levar ao controle político e estratégico total do Oriente Médio, como podemos ver:
1. Em 07 de outubro de 2001, os Estados Unidos bombardeiam e invadem o Afeganistão, derrubando os Talibãs, uma quadrilha de sanguinários, do poder. Os talibãs eram aliados, mas não eram completamente confiáveis aos ianques e a desculpa oficial é a procura por Osama Bin Laden. Mas o Afeganistão torna-se um atoleiro em que todos os dias morrem soldados americanos atacados por fantasmas, tornando impossível a retirada do país.
2. Em 20 de março de 2003 os Estados Unidos invadem o Iraque derrubando seu histórico aliado Saddam Husseim (que havia se tornado inimigo ao invadir o intocável Kwait em 1990). Este posto já era seu e a queda de Saddam, além de não acrescentar nada abre uma luta interna que pode levar a maioria xiita que era contida por Saddam, ao poder. Foi, na verdade, um gol contra de George Bush.
3. Em 11 de fevereiro de 2011, nas águas de uma tsuname chamada de Primavera Árabe, os Estados Unidos não conseguem evitar a queda de seu aliado Hosni Mubarak, eterno presidente do Egito. Mas, em 22 de agosto do mesmo ano, usando velhos acordos militares com os aliados ocidentais, conseguem derrubar o antigo inimigo Muamar Kadafi, da Líbia. Embora Kadafi esteja velho e seja um cão (como foi apelidado no passado) que não morde mais, os EUA aproveitam para colocar no poder, aliados que lhe serão úteis numa cartada mais decisiva, a Síria.
Assim chegamos ao ponto. A questão da Síria e as novidades nesse jogo de xadrez.
Embora o governo de Bashar AL-Assad não seja nenhum primor de democracia, possui apoio da maioria da população e representa na região os interesses contrários à Israel e aos Estados Unidos. Assad tem mantido a Síria em paz, num exercício incrível de tolerância, as vezes concedendo aos extremistas islâmicos determinadas demandas, outras aos cristãos, mantendo o controle sobre os xiitas e sunitas, abrigando milhares de refugiados palestinos e impedindo atrocidades.
Os rebeldes ao seu governo foram evidentemente armados e financiados pelo ocidente. O plano parecia óbvio: apoiando os rebeldes e derrubando Assad, mais ou menos como foi com Kadaffi na Líbia, a porta para o ataque final ao Irã (hoje a maior preocupação militar do ocidente) estaria aberta. Juntando-se o apoio territorial da Turquia seria fácil demais. Derrotando o Irã e impondo um governo aliado no lugar dos Aiatolás, o cerco estaria fechado. Game-over. Não haveria mais contestação ao império dos Estados Unidos.
Justamente nesse ponto, quando tudo marchava nesse sentido, Obama já tinha amordaçado o congresso e a opinião pública já estava bem abastecida de fatos que levavam a crer que a Síria é uma potência em armas químicas que matava sua própria gente, e Assad um novo Hitler, surge uma pedra no meio do caminho, chamada Vladimir Puttin.
O mandatário soviético, primeiro, ordenou que navios de guerra e porta-aviões estacionassem na região em evidente recado à Obama. Em seguida, apresentou uma proposta a Bashar AL-Assad (e ao mundo) que desconsertou os americanos. Sob vigilância de especialistas da ONU, o governo Puttin, diretamente, se responsabilizaria pelo desarmamentos sírio de qualquer armamento químico. A Síria aceitou, e o cachimbo de Obama caiu.
O governo americano que não convencera plenamente a opinião pública e nem mesmo os próprios militares da necessidade de um ataque, ficaram, literalmente, sem ação. Não havia como impor uma guerra nessas condições e foram obrigados a recuar.
As conseqüências prometem ser tanto surpreendentes, como radicais.
Arábia Saudita e Kuwait, que apoiavam publicamente um ataque a Síria se desgastaram muito no mundo árabe e perderam preciosos pontos de força e credibilidade.
A Rússia volta a ter um peso respeitável nesse jogo que a China promete acompanhar o movimento.
Uma das surpresas de tudo isso é a incrível reaproximação dos Estados Unidos com o Irã, de governo novo, menos beligerante e mais negociador. Isso implicará no enfraquecimento de Israel e na necessidade desse país de buscar negociações diretas com os palestinos para recuperar espaços.
A política internacional é versátil e no Oriente Médio muda, muitas vezes, com uma velocidade alucinante. O ano de 2014 promete apresentar novidades na região mais conflagrada do globo. Talvez começamos apenas a assistir o desmonte da grande máquina de guerra que os americanos montavam e uma reviravolta no seu plano de dominar a produção de petróleo de forma quase monopolista.
Prof. Péricles
segunda-feira, 30 de dezembro de 2013
MENSAGEM DE FIM DE ANO
Nosso trabalho visa acompanhar os fatos que compõem a nossa atualidade e, na medida do possível, buscar, juntos, compreender melhor o mundo que nos cerca.
Outro dos nossos objetivos é repensar os fatos históricos, tanto do mundo, como do Brasil, sob uma nova visão, ou, ao menos, numa visão mais humanista.
Todos os que tiveram o prazer de ter alguém na sua cabeceira dizendo “era uma vez...” sabem o quanto a forma de contar os fatos pode nos aproximar ou distanciar da narrativa. É de quem conta a função de não permitir que a história perca o seu fascínio, algo, infelizmente, muito comum em nossas escolas.
Em 2013 postamos 128 textos e tivemos a enorme satisfação de receber 16.200 acessos.
Para um blog modesto e sem patrocínio, é um número bem significativo, Tanto que o Google AdSense entrou em contato perguntando (na verdade, sugerindo) sobre interesse em incrementar o blog e fazê-lo gerar dinheiro.
Agradeci muito pelo inesperado contato, mas, preferimos ficar do mesmo jeito que estamos desde que começamos: um blog de amigos e para amigos, com muito prazer.
Bata-nos saber que não estamos sozinhos. Se somos lidos, existimos.
Conforme revelação deles que pudemos posteriormente comprovar, quando alguém seleciona um assunto em procura, o nosso blog é umas das primeiras ou a primeira opção que aparece (confiram).
Mas, essa mensagem não é para presepadas. Não, o orgulho fica lá fora. Essa mensagem é para agradecer.
Agradecer a todos que visitaram o blog, leram os textos, encaminharam comentários ou ampliaram a discussão em aula ou não.
Agradecer a todos os queridos amigos e amigas, primos, primas, alunos, colegas, enfim a todos os que prestigiaram o trabalho esse ano.
Um abraço especial no Marcos Santos por tudo que ele representa de apoio e estímulo. Sem ele o blog provavelmente já não existiria.
Também abraço especial nos queridos amigos Hilton, Luis Carlos, Eduardo, Helena, com suas sugestões de assuntos e discussões.
E um beijo e um abraço fraterno na mais linda família do sul do Brasil, a maluca e hiperativa família Rocha. Recebo todos os dias, as energias que vocês emanam de carinho, solidariedade e parceria.
Esperamos contar com vocês no ano que começa. Por favor, sua companhia nos deixou mal acostumados e não podemos mais escrever sem saber que estão aí.
Que a liberdade se fortaleça, que as transformações aconteçam dentro de nós, pois, quando mudamos as mentes, mudamos o universo!
Um brinde.
Feliz 2014 para todos nós!
Prof. péricles
domingo, 29 de dezembro de 2013
NÃO ESTOU VENDO FANTASMAS
Stuart Angel, militante do MR-8, foi assassinado sob tortura, amarrado com a boca presa ao cano de descarga de um automóvel. Sua mãe, Zuzu Angel, famosa estilista internacional, tornou-se conhecidíssima no Brasil e no exterior, ao procurar respostas sobre o que teria acontecido a seu filho, denunciando a Ditadura militar, até morrer em estranho acidente, até hoje não esclarecido.
Hildegard, a filha e irmã, teve um texto publicado aqui no Blog, “Carta de Hildegard Angel” em março/2012.
Na mensagem a seguir, na condição de sobrevivente e de quem perdeu as pessoas mais amadas, ela expõe seus temores de que um novo golpe seja dado no país. Ela “já viu esse filme antes”.
Costumo comentar com meus alunos que, um país que não pune seus ditadores, torturadores e lacaios do terror, e que permite que empresas e pessoas que não só apoiaram o golpe, como também conspiraram contra a democracia, continuem sem responder pelos seus atos criminosos pousando de moralistas, um país que confunde heróis com terroristas e dá nome de rua, pontes, etc., aos generais-presidentes, corre sim, sério risco de repetir os mesmos erros.
Que os brasileiros estejam atentos.
por Hildegard Angel
O fascismo se expande hoje nas mídias sociais, forte e feioso como um espinheiro contorcido, que vai se estendendo, engrossando o tronco, ampliando os ramos, envolvendo incautos, os jovens principalmente, e sufocando os argumentos que surgem, com seu modo truculento de ser.
Para isso, utiliza-se de falsas informações, distorções de fatos, episódios, números e estatísticas, da História recente e da remota, sem o menor pudor ou comprometimento com a verdade, a não ser com seu compromisso de dar conta de um Projeto.
Sim, um Projeto moldado na mesma forma que produziu 1964, que, os minimamente informados sabem, foi fruto de um bem urdido plano, levando uma fatia da população brasileira, a crédula classe média, a um processo de coletiva histeria, de programado pânico, no receio de que o país fosse invadido por malvados de um fictício Exército Vermelho, que lhes tomaria os bens e as casas, mataria suas criancinhas, lhes tiraria a liberdade de ir, vir e até a de escolher.
Assim, a chamada elite, que na época formava opinião sobre a classe média mais baixa e mantinha um “cabresto de opinião” sobre seus assalariados, foi às ruas com as marchas católicas engrossadas pelos seus serviçais ao lado das bem intencionadas madames.
Elas mais tarde muito se arrependeram, ao constatar o quanto contribuíram para mergulhar o país nos horrores de maldades medievais.
Agora, os mesmos coroados, arquitetos de tudo aquilo, voltam a agir da mesma forma e reescrevem aquele conto de horror, fazendo do mocinho bandido e do bandido mocinho, de seu jeito, pois a História, meus amores, é contada pelos vencedores. E eles venceram. Eles sempre vencem.
(...) Esse extemporâneo destemor teve uma irrefreável motivação: o medo maior do que o meu medo. Medo da Sombra de 64. Pânico superior àquele que me congelou durante uma década ou mais, que paralisou meu pensamento, bloqueou minha percepção, a inteligência até, cegou qualquer possibilidade de reação, em nome talvez de não deixar sequer uma fresta, passagem mínima de oxigênio que fosse à minha consciência, pois me custaria tal dor na alma, tal desespero, tamanha infelicidade, noção de impotência absoluta e desesperança, perceber a face verdadeira da Humanidade, o rosto real daqueles que aprendi a amar, a confiar…
Não, eu não suportaria respirar o mesmo ar, este ar não poderia invadir os meus pulmões, bombear o meu coração, chegar ao meu cérebro. Eu sucumbiria à dor de constatar que não era nada daquilo que sempre me foi dito pelos meus, minha família, que desde sempre me foi ensinado. O princípio e mandamento de que a gente pode neutralizar o mal com o bem. Eu acreditava tão intensamente e ingenuamente no encanto da bondade, que seguia como se flutuasse sobre a nojeira, sem percebê-la, sem pisar nela, como se pisasse em flores.
E aí, passadas as tragédias, vividas e sentidas todas elas em nossas carnes, histórias e mentes, porém não esquecidas, viradas as páginas, amenizado o tempo, quando testemunhei o início daquela operação midiática monumental, desproporcional, como se tanques de guerra, uma infantaria inteira, bateria de canhões, frotas aérea e marítima combatessem um único mortal, José Dirceu, tentando destrui-lo, eu percebi esgueirar-se sobre a nossa tão suada democracia a Sombra de 64!
Era o início do Projeto tramado para desqualificar a luta heróica daqueles jovens martirizados, trucidados e mortos por Eles, o establishment sem nomes e sem rostos, que lastreou a Ditadura, cuja conta os militares pagaram sozinhos. Mas eles não estiveram sozinhos.
Isso não podia ser, não fazia sentido assistir a esse massacre impassível. Decidi apoiar José Dirceu. Fiz um jantar de apoio a ele em casa, Chamei pessoas importantes, algumas que pouco conhecia. Cientistas políticos, jornalistas de Brasília, homens da esquerda, do centro, petistas, companheiros de Stuart do MR8, religiosos, artistas engajados. Muitos vieram, muitos declinaram. Foi uma reunião importante. A primeira em torno dele, uma das raras. Porém não a única. E disso muito me orgulho.
Um colunista amigo, muito importante, estupefato talvez com minha “audácia” (ou, quem sabe, penalizado), teve o cuidado de me telefonar na véspera, perguntando-me gentilmente se eu não me incomodava de ele publicar no jornal que eu faria o jantar. “Ao contrário – eu disse – faço questão”.
Ele sabia que, a partir daquele momento, eu estaria atravessando o meu Rubicão. Teria um preço a pagar por isso.
Lembrei-me de uma frase de minha mãe: “A gente nunca perde por ser legítima”. Ela se referia à moda que praticava. Adaptei a minha vida.
No início da campanha eleitoral Serra x Dilma, ao ler aqueles sórdidos emails baixaria que invadiam minha caixa, percebi com maior intensidade a Sombra de 64 se adensando sobre nosso país.
Rapidamente a Sombra ganhou corpo, se alastrou e, com eficiência, ampliou-se nestes anos, alcançando seu auge neste 2013, instaurando no país o clima inquisitorial daquela época passada, com jovens e velhos fundamentalistas assombrando o Facebook e o Twitter. Revivals da TFP, inspirando Ku Klux Klan, macartismo e todas as variações de fanatismo de direita.
É o Projeto do Mal de 64, de novo, ganhando corpo. O mesmo espinheiro das florestas de rainhas más, que enclausuram príncipes, princesas, duendes, robin hoods, elfos e anõezinhos.
Para alguns, imagens toscas de contos de fadas. Para mim, que vi meu pai americano sustentar orfanato de crianças brasileiras produzindo anõezinhos de Branca de Neve de jardim, e depois uma Bruxa Má, a Ditadura, vir e levar para sempre o nosso príncipe encantado, torturando-o em espinheiros e jamais devolvendo seu corpo esfolado, abandonado em paradeiro não sabido, trata-se de um conto trágico, eternamente real.
Como disse minha mãe, e escreveu a lápis em carta que entregou a Chico Buarque às vésperas de ser assassinada: “Estejam certos de que não estou vendo fantasmas”.
Feliz Ano Novo.
É o que desejo do fundo de meu coração.
sábado, 28 de dezembro de 2013
O MINOTAURO E NOSSOS LABIRINTOS
O grande Rei Minos teve que enfrentar seus irmãos para poder ter reconhecido seu direito sobre o trono de Creta. Mas, a briga foi feia, e num momento em que parecia que seria derrotado, prostrou-se ao solo e implorou ajuda ao deus Posseidon, o senhor dos mares.
O deus ouviu seu pedido e Minos venceu a guerra. Logo depois, numa noite de lua cheia, sai das entranhas do mar um touro, totalmente branco, extremamente belo, como ninguém jamais viu. A exigência de Posseidon à Minos, pela vitória, é que o rei sacrifique aquele touro de beleza indefinível em honra ao deus dos mares. Minos não consegue se libertar da admiração pelo touro branco e tenta enganar Posseidon sacrificando outro animal em seu lugar. Essa tentativa de ludibriar a divindade provocou profunda fúria do deus, como era próprio dos deuses gregos.
O castigo ao Reio Minos foi terrível. Posseidon pede ajuda à Afrodite, a deusa do amor, para que Pasífae, a esposa de Minos, se apaixone pelo touro vindo do mar e com ele tenha uma tórrida relação de amor. Para que isso fosse possível, a apaixonada Pasífae pede ao grande artesão Dédalo (pai de Ícaro, aquele que tentou voar até o sol), que lhe construa uma vaca de madeira, na qual ela se escondeu, para transar com o touro.
Dessa transa zooantropomórfica nasceu um monstrinho, com corpo de homem, porém, cabeça e cauda de touro, que será um dia chamado de Minotauro (o touro de Minos). Já o autor romano Ovídio, não tinha certeza de que partes eram humanas e quais eram de touro e no Renascimento, séculos depois, o Minotauro tem configuração inversa: corpo de touro e cabeça de homem.
Parsífae cuidou dele com todo o carinho de mãe durante a infância. Uma taça de vinho etrusca feita na primeira metade do século IV A.C.retrata cenas de uma terna mãe cuidando de seu filho aberração. Porém, com o natural crescimento ele foi se tornando cada vez mais feroz e assustador.
Sendo fruto de uma união sem similares, entre homem e animal selvagem, o Minotauro não tinha qualquer alimentação adequada na natureza, e, para sobreviver, era necessário devorar seres humanos para sobreviver.
Apavorado, Minos solicitou e Dédalos construiu, embaixo do palácio real, localizado na capital de Creta, Cnossos, um gigantesco labirinto para lá manter presa a fera.
O Labirinto de Cnossos sempre foi um dos objetivos mais procurados pela moderna arqueologia.
SegundoMichael Hogan, em seu livro“Cnossos, The Modern Antiquariun” de 2007, é possível identificar nas ruínas de Cnossos, mais de 1300 compartimentos dispostos semelhantes a um labirinto.
Pouco tempo depois Creta derrotou os atenienses, na época apenas em formação. Para estabelecer a paz o Rei de Creta exige que, todos os anos (segundo alguns relatos, a cada 9 anos), fossem enviados sete rapazes e sete moçasde Atenas (escolhidos por sorteio) para serem devorados pelo Minotauro.
Três anos após começarem os sacrifícios, Teseu, um jovem guerreiro, vai voluntariamente à Creta para matar o Minotauro. Ariadne, filha do Rei Minos apaixona-se perdidamente pelo jovem Teseu, e, para ajuda-lo entrega-lhe um novelo de lã na entrada do Labirinto. Teseu amarra uma ponta do novelo na parte interna da entrada e durante todo o caminho vai desenrolando o novelo. Sem esperar visitantes, o Minotauro é atacado por Teseu que usando a espada de seu pai, Egeu, assim, consegue matar a fera. O retorno para a saída será facilitado, bastando seguir o fio de novelo.
Infelizmente, pela demora de Teseu retornar, Egeu imagina que seu filho foi morto na luta e se suicida atirando-se ao mar que até hoje tem seu nome “Mar Egeu”.
Em outra versão, Teseu é filho não de Egeu, mas do próprio deus Posseidon e a Ariadne foi jogada no labirinto para ser devorada e para salva-la Teseu enfrenta e mata a fera. A ideia do novelo, entretanto, existe nas duas versões.
O mito do Minotauro foi um dos mais populares de todas as épocas da rica história grega e fascinava vivamente, especialmente os mais jovens.
A figura dos chifres sempre foram na antiguidade, e mesmo, na Idade M´dia, símbolo da virilidade masculina. O próprio demônio judaico-cristão tem chifres numa referência à sensualidade, ao apelo sexual que leva ao pecado e à queda do homem.
Em muitos relatos, a sedução e a virilidade masculina está representada com figuras com chifres como em alguns momentos o próprio Zeus em suas inumeráveis conquistas ou o deus Eolo ao cortejar Dejanira.
Em muitas imagens desse mito vemos, como sempre, a representação do próprio homem em seus desafios, medos e inseguranças, assim como em suas conquistas e vitórias.
O Minotauro é o “ser diferente” o excluído, aquele que não nasceu como os outros e muito menos foi amado e querido antes do nascimento.
Ainda hoje as sociedades humanas continuam discriminando suas crianças com síndrome de down, isolando hansenianos em leprosários apartados do convívio social e acorrentando seus loucos em manicômios de onde não se pode retornar e onde todas as esperanças são perdidas assim como os jovens condenados a serem devorados após percorrer um caminho sem fim e sem salvação.
Um Labirinto foi construído unicamente para exclui-lo, e continuamos hoje, construindo labirintos para outras exclusões.
Assim como foi com o Minotauro, esconde-se as misérias, os erros mais terríveis que assustam e lembram o quanto nosso mundo é frágil e a justiça um mito.
Ainda não houve uma sociedade humana sem seus minotauros.
Os Etruscos (povo que dominava a Península Itálica antes da ascensão de Roma) tinham uma visão bem mais humana do Minotauro, denotando até uma simpatia ao vê-lo, não como o touro aprisionado, mas como o homem rejeitado.
E, cada aspecto da vida humana e das opções que escolhemos para nossos procedimentos poderíamos incluir uma autocrítica sincera nos sentido de estabelecer se afinal, somos realmente humanos, ou se, ainda estamos mais próximos das feras.
Prof. Péricles
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
A ALEGRIA DO EVANGELHO - 02
No mais aguardado documento papal dos últimos tempos, a “Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), o Papa Francisco surpreende o mundo com propostas definitivas e corajosas de reformas na Igreja Católica.
O documento apresentado pelo Vaticano promete renovar a Instituição e combater o comodismo que por décadas têm jogada a Igreja em descrédito.
A reforma promete mexer com interesses arcaicos que dominam o pensamento religioso há muito tempo, afastando o catolicismo dos mais pobres e dos mais jovens.
Baseado nas conclusões do Sínodo de Bispos sobre a Nova Evangelização realizado em outubro desse ano, o documento de mais de 100 páginas traz as reflexões do novo Papa que denuncia que o afastamento da Igreja de seu povo reside, principalmente, na aceitação do domínio do dinheiro sobre a sociedade.
A seguir destacamos algumas reflexões e recomendações da Exortação Apostólica que promete mudar profundamente a Igreja dos católicos:
- Francisco critica a comodidade dos sacerdotes, a passividade das aparências de que tudo é normal, inclusive a exploração e a miséria. Segundo ele, é perceptível em muitos agentes de pastoral uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais; Como resultado “muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou ocultar a sua identidade e crenças cristãs”.
- Embora Francisco não conceda a possibilidade das mulheres exercerem o sacerdócio, considera que “elas devem ter um maior espaço e uma presença mais incisiva” na Igreja Católica, no âmbito laboral e nos diversos lugares onde são tomadas as decisões importantes.
- Sobre o aborto o papa Francisco afirmou que “não deve se esperar que a Igreja mude sua postura” sobre a questão do aborto, pois este assunto não está sujeito a “supostas reformas ou modernizações” e opinou que “não é progressista pretender resolver os problemas eliminando uma vida humana”.
- O Vaticano promete mudar sua visão sectária sobre as outras religiões reconhecendo que “é possível aprender com outras religiões. Quantas coisas podemos aprender uns com os outros”.
- Sobre a corrupção alerta “Enquanto alguns ganhos de poucos crescem exponencialmente, a maioria fica cada vez mais distante do bem-estar de que a minoria feliz desfruta. Esse desequilíbrio vem de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e especulação financeira”.
- O papa diz que a preleção não pode ser demorada e virar um espetáculo. “A homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo.”
- um alerta especial sobre o que chamou de “economia de exclusão”: Essa economia mata. Hoje, tudo está dentro do jogo e da competitividade, onde o forte come o fraco. Como resultado, grandes massas da população são excluídas e marginalizadas: sem emprego, sem horizontes”. “Os excluídos não são explorados, mas resíduos, excedentes”.
Finalmente, Segundo a Exortação Apostólica, a cultura midiática e alguns círculos intelectuais, por vezes, transmitem uma mensagem desconfiança em relação á Igreja, provocando decepção. “Como resultado, muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou ocultar a sua identidade e crenças cristãs. Um círculo vicioso é então produzido, porque se eles não estão felizes com o que fazem, não se identificam com a sua missão evangelizadora, isso enfraquece a entrega”, diz o documento.
Oremos.
Prof. Péricles
domingo, 22 de dezembro de 2013
BÍBLIA E AS SANTAS FOGUEIRAS
Com todo o respeito às diversas crenças e religiões, e sem a menor intenção de ferir suscetibilidades, não podemos de achar incrivelmente ingênuo o fato das pessoas aceitarem os relatos bíblicos como verdades insuspeitas. Pior ainda, alguns a interpretam “ao pé da letra” como se o seu texto tivesse conotação histórica e relatasse fatos irrefutáveis.
Causa ainda verdadeira angústia perceber que muitas e muitas pessoas pautam suas vidas, seus valores e suas relações pessoais e familiares a partir da leitura “fria” do texto bíblico.
Embora a fé seja um direito de cada um, não é compreensível que, os mesmos que exigem o respeito às suas crenças não tenham a menor consideração pelas verdades históricas.
Importante entender que “A Bíblia” não é um livro e sim a união de 66 livros. Seus 1.189 capítulos foram escritos por, no mínimo, 40 autores em contextos históricos, motivações políticas, regiões, línguas e nações diferentes, ao longo de quase 1600 anos.
A melhor idéia que se pode ter da Bíblia não seria a de um livro, mas de uma biblioteca em que, ao longo do tempo, vários autores acrescentaram suas próprias visões de religião (relação com Deus) e de mundo.
Esses autores, claro, possuíam seus próprios estilos e intenções.
Por exemplo: nos cinco primeiros principais livros que formam o que os cristãos chamam de “Pentateuco” (os judeus chamam de Torá), Deus é chamado de Javé ou Iavé e o autor o descreve de forma leve e informal, como se Deus fosse pessoa próxima e simples de compreender. Em outros, Deus é denominado de Elohim e o autor o trata de forma temerosa, distante e formal, numa clara diversidade de composição. Embora os religiosos afirmem que Moisés foi o único autor e usou os dois nomes porque quis é evidente o estilo diferente da narrativa, isso sem contar que, ao final é narrada a própria morte de Moisés.
É o “livro” sagrado do judaísmo, do catolicismo e de várias tradições islâmicas. Maior Best seller de todos os tempos e também, a literatura mais manipulada da história, tendo sido por séculos, propriedade exclusiva da Igreja Católica, que suprimiu textos, ampliou outros, alterou várias passagens gerando incontáveis distorções, sempre de acordo com seus interesses políticos e ideológicos. (em recente tradução de conhecida Editora, as palavras bruxos e feiticeiros foram traduzidas como “médius”, vocábulo criado pelo francês Allan Kardec apenas no século XIX).
Alguns textos estão em evidente contradição com os conhecimentos científicos mínimos, como da própria criação do mundo, que, na Bíblia refere o criacionismo divino da espécie humana que ignora completamente a já exaustivamente comprovada, evolução das espécies, incluindo, claro, a do homem.
A participação de outros povos evidencia-se, por exemplo, no relato do fim do mundo pelas chuvas e a sobrevivência da espécie graças à construção da Arca de Noé. Texto mais antigo que esse é encontrado na cultura dos sumérios, um dos mais antigos povos, que narra a Epopéia de Gilgamesh, um semideus que constrói um barco e salva muitas pessoas vítimas de uma calamitosa enchente que arrasou a região da Mesopotâmia e o próprio Oriente Médio.
Com o Cisma dos hebreus (divisão em dois diferentes Reinos, Judá e Israel, entre 878 e 924 AC) fica evidente a conotação de nacionalismo do autor descrevendo as crenças do “outro grupo” como desvios religiosos e defendendo a santidade de Judá e seu povo, num uso explícito da literatura religiosa para justificar diferenças políticas.
Evidentemente o respeito à fé de cada um, faz parte das relações mais saudáveis da convivência democrática. Mas é inconcebível que essa fé seja cega, surda e muda diante dos conhecimentos históricos e científicos que se acumulam com o passar do tempo.
Fatos de fé não são fatos históricos.
Dimensionar a Bíblia em seu verdadeiro contexto não é reduzir Deus, que, sendo espírito criador de tudo, e todo-poderoso, certamente está acima das concepções bizarras que se façam sobre ele. Raciocinar é por luz nas questões da fé e não apagá-la como apregoa o fanatismo.
Deus e Bíblia não são sinônimos até porque, enquanto Deus é um conceito universal, criador de todos os povos, a Bíblia é um livro nacionalista, de autoria e para o povo judeu. De seus incontáveis personagens, apenas um não judeu, Ciro, Imperador Persa, é citado como filho de Deus.
Tal como antiga propaganda do Bom-Bril que apregoava 1001 utilidades ao produto, a Bíblia já foi utilizada pelos poderes constituídos de 1001 maneiras para calar, queimar em santas fogueiras, prender e torturar, inimigos políticos ao longo do tempo.
A Bíblia é um livro, ou melhor, uma extraordinária coleção de livros, de alto valor cultural e antropológico. Deixar-se levar por suas diferentes interpretações não é viver pelo que na Bíblia está escrito, mas moldar-se aos valores defendidos por quem formulou suas interpretações.
Prof. Péricles
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