sábado, 28 de dezembro de 2013
O MINOTAURO E NOSSOS LABIRINTOS
O grande Rei Minos teve que enfrentar seus irmãos para poder ter reconhecido seu direito sobre o trono de Creta. Mas, a briga foi feia, e num momento em que parecia que seria derrotado, prostrou-se ao solo e implorou ajuda ao deus Posseidon, o senhor dos mares.
O deus ouviu seu pedido e Minos venceu a guerra. Logo depois, numa noite de lua cheia, sai das entranhas do mar um touro, totalmente branco, extremamente belo, como ninguém jamais viu. A exigência de Posseidon à Minos, pela vitória, é que o rei sacrifique aquele touro de beleza indefinível em honra ao deus dos mares. Minos não consegue se libertar da admiração pelo touro branco e tenta enganar Posseidon sacrificando outro animal em seu lugar. Essa tentativa de ludibriar a divindade provocou profunda fúria do deus, como era próprio dos deuses gregos.
O castigo ao Reio Minos foi terrível. Posseidon pede ajuda à Afrodite, a deusa do amor, para que Pasífae, a esposa de Minos, se apaixone pelo touro vindo do mar e com ele tenha uma tórrida relação de amor. Para que isso fosse possível, a apaixonada Pasífae pede ao grande artesão Dédalo (pai de Ícaro, aquele que tentou voar até o sol), que lhe construa uma vaca de madeira, na qual ela se escondeu, para transar com o touro.
Dessa transa zooantropomórfica nasceu um monstrinho, com corpo de homem, porém, cabeça e cauda de touro, que será um dia chamado de Minotauro (o touro de Minos). Já o autor romano Ovídio, não tinha certeza de que partes eram humanas e quais eram de touro e no Renascimento, séculos depois, o Minotauro tem configuração inversa: corpo de touro e cabeça de homem.
Parsífae cuidou dele com todo o carinho de mãe durante a infância. Uma taça de vinho etrusca feita na primeira metade do século IV A.C.retrata cenas de uma terna mãe cuidando de seu filho aberração. Porém, com o natural crescimento ele foi se tornando cada vez mais feroz e assustador.
Sendo fruto de uma união sem similares, entre homem e animal selvagem, o Minotauro não tinha qualquer alimentação adequada na natureza, e, para sobreviver, era necessário devorar seres humanos para sobreviver.
Apavorado, Minos solicitou e Dédalos construiu, embaixo do palácio real, localizado na capital de Creta, Cnossos, um gigantesco labirinto para lá manter presa a fera.
O Labirinto de Cnossos sempre foi um dos objetivos mais procurados pela moderna arqueologia.
SegundoMichael Hogan, em seu livro“Cnossos, The Modern Antiquariun” de 2007, é possível identificar nas ruínas de Cnossos, mais de 1300 compartimentos dispostos semelhantes a um labirinto.
Pouco tempo depois Creta derrotou os atenienses, na época apenas em formação. Para estabelecer a paz o Rei de Creta exige que, todos os anos (segundo alguns relatos, a cada 9 anos), fossem enviados sete rapazes e sete moçasde Atenas (escolhidos por sorteio) para serem devorados pelo Minotauro.
Três anos após começarem os sacrifícios, Teseu, um jovem guerreiro, vai voluntariamente à Creta para matar o Minotauro. Ariadne, filha do Rei Minos apaixona-se perdidamente pelo jovem Teseu, e, para ajuda-lo entrega-lhe um novelo de lã na entrada do Labirinto. Teseu amarra uma ponta do novelo na parte interna da entrada e durante todo o caminho vai desenrolando o novelo. Sem esperar visitantes, o Minotauro é atacado por Teseu que usando a espada de seu pai, Egeu, assim, consegue matar a fera. O retorno para a saída será facilitado, bastando seguir o fio de novelo.
Infelizmente, pela demora de Teseu retornar, Egeu imagina que seu filho foi morto na luta e se suicida atirando-se ao mar que até hoje tem seu nome “Mar Egeu”.
Em outra versão, Teseu é filho não de Egeu, mas do próprio deus Posseidon e a Ariadne foi jogada no labirinto para ser devorada e para salva-la Teseu enfrenta e mata a fera. A ideia do novelo, entretanto, existe nas duas versões.
O mito do Minotauro foi um dos mais populares de todas as épocas da rica história grega e fascinava vivamente, especialmente os mais jovens.
A figura dos chifres sempre foram na antiguidade, e mesmo, na Idade M´dia, símbolo da virilidade masculina. O próprio demônio judaico-cristão tem chifres numa referência à sensualidade, ao apelo sexual que leva ao pecado e à queda do homem.
Em muitos relatos, a sedução e a virilidade masculina está representada com figuras com chifres como em alguns momentos o próprio Zeus em suas inumeráveis conquistas ou o deus Eolo ao cortejar Dejanira.
Em muitas imagens desse mito vemos, como sempre, a representação do próprio homem em seus desafios, medos e inseguranças, assim como em suas conquistas e vitórias.
O Minotauro é o “ser diferente” o excluído, aquele que não nasceu como os outros e muito menos foi amado e querido antes do nascimento.
Ainda hoje as sociedades humanas continuam discriminando suas crianças com síndrome de down, isolando hansenianos em leprosários apartados do convívio social e acorrentando seus loucos em manicômios de onde não se pode retornar e onde todas as esperanças são perdidas assim como os jovens condenados a serem devorados após percorrer um caminho sem fim e sem salvação.
Um Labirinto foi construído unicamente para exclui-lo, e continuamos hoje, construindo labirintos para outras exclusões.
Assim como foi com o Minotauro, esconde-se as misérias, os erros mais terríveis que assustam e lembram o quanto nosso mundo é frágil e a justiça um mito.
Ainda não houve uma sociedade humana sem seus minotauros.
Os Etruscos (povo que dominava a Península Itálica antes da ascensão de Roma) tinham uma visão bem mais humana do Minotauro, denotando até uma simpatia ao vê-lo, não como o touro aprisionado, mas como o homem rejeitado.
E, cada aspecto da vida humana e das opções que escolhemos para nossos procedimentos poderíamos incluir uma autocrítica sincera nos sentido de estabelecer se afinal, somos realmente humanos, ou se, ainda estamos mais próximos das feras.
Prof. Péricles
quarta-feira, 25 de dezembro de 2013
A ALEGRIA DO EVANGELHO - 02
No mais aguardado documento papal dos últimos tempos, a “Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), o Papa Francisco surpreende o mundo com propostas definitivas e corajosas de reformas na Igreja Católica.
O documento apresentado pelo Vaticano promete renovar a Instituição e combater o comodismo que por décadas têm jogada a Igreja em descrédito.
A reforma promete mexer com interesses arcaicos que dominam o pensamento religioso há muito tempo, afastando o catolicismo dos mais pobres e dos mais jovens.
Baseado nas conclusões do Sínodo de Bispos sobre a Nova Evangelização realizado em outubro desse ano, o documento de mais de 100 páginas traz as reflexões do novo Papa que denuncia que o afastamento da Igreja de seu povo reside, principalmente, na aceitação do domínio do dinheiro sobre a sociedade.
A seguir destacamos algumas reflexões e recomendações da Exortação Apostólica que promete mudar profundamente a Igreja dos católicos:
- Francisco critica a comodidade dos sacerdotes, a passividade das aparências de que tudo é normal, inclusive a exploração e a miséria. Segundo ele, é perceptível em muitos agentes de pastoral uma preocupação exacerbada pelos espaços pessoais; Como resultado “muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou ocultar a sua identidade e crenças cristãs”.
- Embora Francisco não conceda a possibilidade das mulheres exercerem o sacerdócio, considera que “elas devem ter um maior espaço e uma presença mais incisiva” na Igreja Católica, no âmbito laboral e nos diversos lugares onde são tomadas as decisões importantes.
- Sobre o aborto o papa Francisco afirmou que “não deve se esperar que a Igreja mude sua postura” sobre a questão do aborto, pois este assunto não está sujeito a “supostas reformas ou modernizações” e opinou que “não é progressista pretender resolver os problemas eliminando uma vida humana”.
- O Vaticano promete mudar sua visão sectária sobre as outras religiões reconhecendo que “é possível aprender com outras religiões. Quantas coisas podemos aprender uns com os outros”.
- Sobre a corrupção alerta “Enquanto alguns ganhos de poucos crescem exponencialmente, a maioria fica cada vez mais distante do bem-estar de que a minoria feliz desfruta. Esse desequilíbrio vem de ideologias que defendem a autonomia absoluta dos mercados e especulação financeira”.
- O papa diz que a preleção não pode ser demorada e virar um espetáculo. “A homilia não pode ser um espetáculo de divertimento, não corresponde à lógica dos recursos mediáticos, mas deve dar fervor e significado à celebração. Se a homilia se prolonga demasiado, lesa duas características da celebração litúrgica: a harmonia entre as suas partes e o seu ritmo.”
- um alerta especial sobre o que chamou de “economia de exclusão”: Essa economia mata. Hoje, tudo está dentro do jogo e da competitividade, onde o forte come o fraco. Como resultado, grandes massas da população são excluídas e marginalizadas: sem emprego, sem horizontes”. “Os excluídos não são explorados, mas resíduos, excedentes”.
Finalmente, Segundo a Exortação Apostólica, a cultura midiática e alguns círculos intelectuais, por vezes, transmitem uma mensagem desconfiança em relação á Igreja, provocando decepção. “Como resultado, muitos agentes pastorais desenvolvem uma espécie de complexo de inferioridade que os leva a relativizar ou ocultar a sua identidade e crenças cristãs. Um círculo vicioso é então produzido, porque se eles não estão felizes com o que fazem, não se identificam com a sua missão evangelizadora, isso enfraquece a entrega”, diz o documento.
Oremos.
Prof. Péricles
domingo, 22 de dezembro de 2013
BÍBLIA E AS SANTAS FOGUEIRAS
Com todo o respeito às diversas crenças e religiões, e sem a menor intenção de ferir suscetibilidades, não podemos de achar incrivelmente ingênuo o fato das pessoas aceitarem os relatos bíblicos como verdades insuspeitas. Pior ainda, alguns a interpretam “ao pé da letra” como se o seu texto tivesse conotação histórica e relatasse fatos irrefutáveis.
Causa ainda verdadeira angústia perceber que muitas e muitas pessoas pautam suas vidas, seus valores e suas relações pessoais e familiares a partir da leitura “fria” do texto bíblico.
Embora a fé seja um direito de cada um, não é compreensível que, os mesmos que exigem o respeito às suas crenças não tenham a menor consideração pelas verdades históricas.
Importante entender que “A Bíblia” não é um livro e sim a união de 66 livros. Seus 1.189 capítulos foram escritos por, no mínimo, 40 autores em contextos históricos, motivações políticas, regiões, línguas e nações diferentes, ao longo de quase 1600 anos.
A melhor idéia que se pode ter da Bíblia não seria a de um livro, mas de uma biblioteca em que, ao longo do tempo, vários autores acrescentaram suas próprias visões de religião (relação com Deus) e de mundo.
Esses autores, claro, possuíam seus próprios estilos e intenções.
Por exemplo: nos cinco primeiros principais livros que formam o que os cristãos chamam de “Pentateuco” (os judeus chamam de Torá), Deus é chamado de Javé ou Iavé e o autor o descreve de forma leve e informal, como se Deus fosse pessoa próxima e simples de compreender. Em outros, Deus é denominado de Elohim e o autor o trata de forma temerosa, distante e formal, numa clara diversidade de composição. Embora os religiosos afirmem que Moisés foi o único autor e usou os dois nomes porque quis é evidente o estilo diferente da narrativa, isso sem contar que, ao final é narrada a própria morte de Moisés.
É o “livro” sagrado do judaísmo, do catolicismo e de várias tradições islâmicas. Maior Best seller de todos os tempos e também, a literatura mais manipulada da história, tendo sido por séculos, propriedade exclusiva da Igreja Católica, que suprimiu textos, ampliou outros, alterou várias passagens gerando incontáveis distorções, sempre de acordo com seus interesses políticos e ideológicos. (em recente tradução de conhecida Editora, as palavras bruxos e feiticeiros foram traduzidas como “médius”, vocábulo criado pelo francês Allan Kardec apenas no século XIX).
Alguns textos estão em evidente contradição com os conhecimentos científicos mínimos, como da própria criação do mundo, que, na Bíblia refere o criacionismo divino da espécie humana que ignora completamente a já exaustivamente comprovada, evolução das espécies, incluindo, claro, a do homem.
A participação de outros povos evidencia-se, por exemplo, no relato do fim do mundo pelas chuvas e a sobrevivência da espécie graças à construção da Arca de Noé. Texto mais antigo que esse é encontrado na cultura dos sumérios, um dos mais antigos povos, que narra a Epopéia de Gilgamesh, um semideus que constrói um barco e salva muitas pessoas vítimas de uma calamitosa enchente que arrasou a região da Mesopotâmia e o próprio Oriente Médio.
Com o Cisma dos hebreus (divisão em dois diferentes Reinos, Judá e Israel, entre 878 e 924 AC) fica evidente a conotação de nacionalismo do autor descrevendo as crenças do “outro grupo” como desvios religiosos e defendendo a santidade de Judá e seu povo, num uso explícito da literatura religiosa para justificar diferenças políticas.
Evidentemente o respeito à fé de cada um, faz parte das relações mais saudáveis da convivência democrática. Mas é inconcebível que essa fé seja cega, surda e muda diante dos conhecimentos históricos e científicos que se acumulam com o passar do tempo.
Fatos de fé não são fatos históricos.
Dimensionar a Bíblia em seu verdadeiro contexto não é reduzir Deus, que, sendo espírito criador de tudo, e todo-poderoso, certamente está acima das concepções bizarras que se façam sobre ele. Raciocinar é por luz nas questões da fé e não apagá-la como apregoa o fanatismo.
Deus e Bíblia não são sinônimos até porque, enquanto Deus é um conceito universal, criador de todos os povos, a Bíblia é um livro nacionalista, de autoria e para o povo judeu. De seus incontáveis personagens, apenas um não judeu, Ciro, Imperador Persa, é citado como filho de Deus.
Tal como antiga propaganda do Bom-Bril que apregoava 1001 utilidades ao produto, a Bíblia já foi utilizada pelos poderes constituídos de 1001 maneiras para calar, queimar em santas fogueiras, prender e torturar, inimigos políticos ao longo do tempo.
A Bíblia é um livro, ou melhor, uma extraordinária coleção de livros, de alto valor cultural e antropológico. Deixar-se levar por suas diferentes interpretações não é viver pelo que na Bíblia está escrito, mas moldar-se aos valores defendidos por quem formulou suas interpretações.
Prof. Péricles
sábado, 21 de dezembro de 2013
FAUNA URBANA
Tratado biológico emitido por ETs sobre a Fauna Brasileira:
A fauna urbana brasileira é extremamente rica e diversificada.
Animal noturno urbano, pré-histórico e que sobrevive ainda nos tempos modernos, como o tatu e as formigas, as “garotas de programa”, são numerosas e coloridas, e povoam as ruas brasileiras como suas ancestrais. Os bons cidadãos procedem com “As garotas de programa” de forma similar ao proceder com as baratas, ou seja, todos sabem que elas existem, mas fingem que não existem e esperam que se escondam nas sombras para manter as aparências.
Há o “motorista sou braço”, tipo que se reproduz através do caldo de cultura que criou a imagem imbecil simbolizada no “braço”, isso é, motorista bom é o que acelera mais, ultrapassa em qualquer circunstância e pratica todo ato de imprudência e nunca se considera errado apesar de fazer tudo que é proibido. Para o “motorista sou braço” dirigir bem é burlar a lei de trânsito sem ser multado e ludibriar a fiscalização. Adora criticar os políticos corruptos e reclamar da falta de segurança ao bom cidadão.
Uma variação muito comum do “motorista sou braço” é o “motorista bebum” espécime que adora dizer que dirige melhor depois que bebe e se acha inteligente por sobreviver aos acidentes que provoca. É um tipo ignorante que se torna predador de milhares de vidas inocentes todos os anos e continua a se reproduzir apesar de todas as campanhas de trânsito.
Temos o gênero “abandonados” seres nômades e seminômades, agrupados em múltiplas espécimes: “esquizofrênicus”, “seniles” e “chapadus”, sendo que esse último tipo, o “chapadus” inclui-se as subespécies “adultos” consumidores de álcool e menores, mais ligados ao crack e outros tipos de inalantes.
A população de alguns espécimes dessa fauna diminuiu em número, como o “batedor de carteira” e o “bicheiros” que, cederam espaço no ecossistema urbano ao “larápio à luz do dia”, criatura perigosa que não se preocupa em furtar, como antigamente, mas age a descoberto e a mão armada e o “traficantes” gênero de parasita que sobrevive graças a abundância de hospedeiros que o procuram diariamente.
A fauna urbana brasileira é riquíssima, e, ao contrário da fauna das matas, não corre qualquer perigo de extinção. Isso porque, segundo nossas pesquisas, não há perigo de que se acabe sua forma essencial de multiplicação que é a desigualdade, a exclusão, a desesperança, a solidão, a marginalização e, seu oxigênio, a falta de educação para a vida. Observamos ainda que sua principal fonte de alimentos, o preconceito, o conservadorismo e a falsa-moral possuem, no país, uma fonte, aparentemente, inesgotável, com o que, podemos concluir que sua sobrevivência está solidamente assegurada.
Prof. Péricles
quarta-feira, 18 de dezembro de 2013
A CRISE DO POPULISMO
Entre 1954 e 1964 o Brasil passou por uma sequência de crises e turbulências políticas que deram o nome ao período de “A Crise do Populismo”.
Em 1954 o suicídio do presidente Getúlio Vargas diante da iminência de ser derrubado pelos militares, evitou o golpe que já estava em andamento. O final de mandato de Getúlio foi exercido numa tensão terrível entre os golpistas, politicamente liderados pela UDN de Carlos Lacerda e os que buscavam desesperadamente manter a ordem democrática.
JK foi eleito nesse contexto em outubro de 1955 e sua posse só se concretizou graças a ação decidida do Marechal Henrique Teixeira Lott, que, em 11 de novembro desencadeou um forte movimento denominado de “retorno ao quadro constitucional vigente”. Lott conseguiu declarar o impedimento do presidente em exercício Carlos Luz (que apoiava o golpe em gestação).
Embora se costume falar maravilhas do governo JK, o maior mérito desse presidente, talvez seja, ter concluído todo o seu mandato. Pelo menos dois movimentos golpistas tentaram interromper seu governo: a Revolta de Jacarecanga em fevereiro de 1956 e a Revolta de Aragarças em 2 de dezembro de 1959. Ambas patrocinadas pela aeronáutica, sendo que a segunda, chegou a planejar o bombardeio dos Palácios Laranjeiras e do Catete para “afastar do poder o grupo comprometido com o movimento comunista internacional”. O movimento foi derrotado antes mesmo de qualquer bombardeio, ficando restrito a Aragarças (Goiás).
A eleição de Jânio Quadros em 1960 parecia trazer a pacificação interna, visto que a vitória eleitoral de Jânio, conservador e apoiado pela UDN, parecia representar o afastamento das forças ligadas ao trabalhismo do poder. Porém, sua inesperada renúncia em 25 de agosto de 1961originou um crise sem precedentes na nação.
Conforme a Constituição vigente (promulgada em 1946), o vice-presidente (eleito separadamente do cargo de presidente) João Goulart, deveria tomar posse como novo presidente da República (diante da renúncia do titular). Entretanto, odiado pelos militares e temido pelas elites, organizam-se as força que querem impedir essa posse.
De 25 de agosto a 07 de setembro daquele ano, o Brasil navegou em águas revoltas numa situação pré-guerra civil. De um lado as forças lideradas pelo governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, que defendiam a obediência à Constituição e preservação da democracia (por isso chamados de legalistas) e de outro, liderados pelo Ministro da Guerra, Marechal Odílio Denis, os que queriam impedir a posse do vice na Presidência.
A chamada Campanha da Legalidade apartou o Rio Grande do Sul de Brizola e do 3º Exército, do restante do país e a guerra civil só não se concretizou devido a uma costura política arranjada às pressas por Tancredo Neves, que cria uma emenda Constitucional criando o sistema parlamentarista no Brasil. Dessa forma, Jango assumiu, mas com poderes minimizados.
Em janeiro de 1963, um plebiscito determinava a volta do sistema presidencialista. Jango passou a governar como presidente com plenos direitos e teve início a conspiração para derruba-lo que uniu as elites brasileiras, grande parte de sua classe média e os serviços de inteligência dos Estados Unidos. Essa conspiração acabou vitoriosa com o golpe em 1964 e com a ditadura que se seguiu e duraria 20 anos.
Durante dez anos o estado de direito no Brasil viveu sob a corda bamba. Golpes foram planejados, alguns levados a efeito, mas a frágil democracia do país conseguiu protelar o seu fim. Dessa forma, o golpe militar de 31 de março de 1964, não deve ser visto de forma separada, como algo aleatório a seu tempo como muitos gostam de fazer. O golpe, foi, na verdade, a concretização da vontade de grupos poderosos que, ainda no tempo de Getúlio Vargas ambicionavam o poder.
A alegação de que o seu vetor tenha sido apenas o afastamento de João Goulart e da “ameaça comunista”, não encontra apoio se percebermos o golpe no seu contexto maior e os seus antecedentes que expõem um quadro reacionário que temia a politização das massas e de seus sindicatos.
Quanto ao seu viéis externo, o golpe de 1964 está inserido no doloroso drama da Guerra Fria e de suas mais infelizes definições.
Prof. péricles
sábado, 14 de dezembro de 2013
APARTHEID À BRASILEIRA
A capacidade de escândalo é sempre maior quando este escândalo parece distante da própria casa.
A maioria se revolta profundamente quando aprende sobre as origens, as histórias, as ignomínias praticadas pelo apartheid na distante África do Sul.
“Como isso é possível? Que barbaridade!”
Poucos dos escandalizados percebem o apartheid aqui mesmo, no nosso país, na nossa própria realidade verde e amarela.
- Como assim? Aqui não há restrição na Lei que impeça igualdade racial!
Realmente, a segregação nunca esteve legalizada por alguma constituição brasileira. Mas também é verdade que também nunca foi proibida, ao menos, até a de 1988.
No Brasil a preparação para abolir a escravidão ocupou mais de 50 anos de nossa história, o que nos tornou a nação escravagista mais longeva.
Quando as elites perceberam que a abolição era inevitável partiram para a execução de um plano macabro: desenvolveram uma política de imigração, seduzindo a mão de obra estrangeira, especialmente alemães e italianos, para vir ao Brasil, ocupar postos de trabalho e espaço social que deveria ser de quem? Dos negros.
Nenhum plano de treinar, adaptar, assistir a população recém liberta e totalmente despreparada para a competição do mercado de trabalho. Terras? Apenas para os imigrantes (pelo menos até a Lei de Terras de 1850).
A idéia era tão simples quanto macabra: se os negros fossem isolados em bolsões de miséria, não tivessem acesso à terra, sem inclusão e sem possibilidade de acumular capital, o provável era que, com o tempo, ocorresse um branqueamento total da sociedade e o desaparecimento da população negra no país.
Não foi um extermínio planejado como a “solução final” do holocausto judeu. Mas um extermínio social, pensado a longo alcance. Não foram criados campos de concentração, mas criados guetos na distribuição geográfica da riqueza.
Nossas favelas, nosso sertão nordestino e outros tantos sertões são nossos sowetos.
Se tirarmos das girafas todas as folhas suculentas das árvores... Se colocarmos as girafas, por exemplo, no deserto, a tendência natural é o desaparecimento das girafas. Sem os meios naturais para a sobrevivência as espécies desaparecem. A seleção natural elimina espécies inferiores nos diferentes ecossistemas e a seleção social baseada na posse, no sucesso e no dinheiro eliminaria o elemento “inferior” negro cujo espaço seria ocupada pelo elemento branco “superior”.
Foi esse o pensamento diabólico que norteou as ações das elites brasileiras e seus capachos monarquistas do governo D. Pedro II.
Para essa gente o negro era algo que não podia ser esquecido, mas bem que se queria esquecer. No início do século XX o negro é quase um estrangeiro no seu próprio país. O futebol era vedado aos negros. O samba era marginal. Os cultos afro-brasileiros era pecaminosos e demoníacos. A felicidade do negro incomodava.
O negro sobreviveu, felizmente, como todos nós sabemos, mas, ao longo do tempo ocorreu um fenômeno interessante: a negritude, um conceito de raça, se ampliou incluindo o miserável, um conceito social, brancos e pardos e outras cores.
Todos os governos brasileiros trabalharam para as elites e pelas elites e todo questionamento às diferenças tratadas como caso de polícia.
Na República Velha dos coronéis dê-lhe porrada no pobre, no negro e melhor ainda, no negro pobre.
A Era Vargas interpretou o papel de popular criando Leis populista como a CLT, e órgão tipo Ministério do Trabalho e Ministério da Saúde, por exemplo, mas atrelou os sindicatos aos seus interesses e amordaçou qualquer organização do trabalhador que não fosse aliada. Reformas, talvez, revoluções jamais.
Juscelino e Jânio nunca falaram seriamente sobre as necessidades dos miseráveis, embora Jânio adorasse interpretar esse papel e Juscelino conhecesse melhor o pobre norte-americano do que o brasileiro.
João Goulart foi uma ameaça inesperada a esse tipo de visão, pois suas reformas de base propunham mudanças mais consistentes, mas você sabe o que aconteceu com Jango, não é?
A Ditadura Militar por sua vez, criou um mito, o mito do pobre feliz que habita um gigante adormecido que, agora sim, vai ser grande e poderoso. Entretanto, por baixo do mito permitiu que a distância entre os que têm e os que não têm se tornasse imensurável.
O casamento de negros e brancos nunca foi proibido pela Lei brasileira, mas o sínico racismo nacional simplesmente não leva a sério esse tipo de união e quando leva é para benzer-se e pedir a Deus que esse tipo de desgraça nunca aconteça em sua família.
O direito de ir e vir no Brasil sempre existiu na lei, mas nunca na prática, a não ser que você considere o ir e vir do trabalho para casa. Você já viu pobre curtindo um turismo dentro do Brasil, conhecendo os Lençóis Maranhenses ou as delícias de Angra? O direito de ir e vir é uma ilusão que a classe média adora acreditar, nem que seja de excursão, uma vez na vida.
Não existem lugares proibidos à entrada dos negros/pobres no Brasil. Não pela Lei, mas pelo dinheiro sim.
Recentemente a classe média branca-conservadora-racista do Brasil resmungou profundamente por ver negros andando de avião. “Igualdade sim, mas precisavam andar de avião?”
Nos seus piores pesadelos, pobre tem carro e Plano de Saúde privado. “Só falta colocarem seus filhos na escola dos meus meninos”.
“Cotas? Por que se nosso país nunca houve racismo?”
No Brasil, todos são mais ou menos iguais perante a lei.
Nosso apartheid é um apartheid silencioso. Alguns Mandelas já foram criados em nossa história, mas, ao contrário do grande herói do povo sul-africano, não foram reconhecidos.
Zumbi dos Palmares, Sepé Tiarajú, Cipriano Barata, Antônio de Sousa Neto, João Cândido e tantos outros.
Não, nosso racismo não está Lei e, portanto, não provoca escândalos como o regime segregacionista de Peter Botha.
Mas está nas ruas, no dia a dia, nas mágoas que se tornaram anedotas para serem mais suportáveis.
Está nas marcas que o corpo e a história guardam.
Prof. Péricles
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