terça-feira, 15 de janeiro de 2013

TENSÕES INTERNACIONAIS



Nesse início de 2013 algumas áreas de tensão, que trazem preocupação à paz mundial, são bem visíveis. A fronteira Índia/Paquistão, a instabilidade na Península da Coréia, e o Oriente Médio, são as mais preocupantes ameaças à paz no mundo.
Quando a Índia tornou-se independente do Império Britânico, num processo impar de não violência liderado pelo Mahatma Ghandi, as divergências entre hindus e muçulmanos produziam as mortes que o Mahatma conseguira evitar contra os ingleses. Em grande maioria, os hindus ocupariam o governo do país, com facilidade. Devido antagonismos ancestrais os muçulmanos temiam perseguições por parte dos Hindus e as lideranças muçulmanas impuseram após lutas sangrentas, a secção de parte do país dando origem a um novo Estado, o Paquistão. Assim, a Índia seria dos hindus e o Paquistão dos muçulmanos. Na partilha territorial, porém, uma importante região chamada Caxemira, apesar de habitada quase que totalmente por muçulmanos ficou para o estado hindu. De lá pra cá, essa fronteira tem sido uma das mais tormentosas do planeta. Já ocorreram guerras convencionais devido o surgimento de grupos separatistas caxemires que lutam contra as autoridades da Índia para anexar a região ao mapa paquistanês. Segundo o governo da Índia, os rebeldes caxemires são financiados pelo Paquistão. Detalhe importante, ambos os países possuem armamento nuclear, o que torna a ameaça de uma guerra entre os dois um perigo global e não apenas regional.

A Guerra da Coréia foi um dos capítulos mais marcantes da primeira fase da Guerra Fria. Aconteceu entre 1950 e 1953 e dividiu o país, como se tornaria clássico naquela Ordem Internacional. A parte Norte apoiada pela China Comunista (fazem fronteira) e a porção sul apoiada militarmente por forças dos Estados Unidos. A Guerra chegou a uma espécie de empate técnico entre eles foi assinado o cessar fogo de Piongang. Por se tratar de um cessar fogo e não de um acordo de paz, teoricamente os dois países irmãos ainda estão em guerra. A Coréia do Norte adotou o socialismo e após a crise do socialismo e fim da URSS em 1990 entrou em profunda depressão econômica, já a Coréia do Sul adotou o modelo capitalista e graças a profundos investimentos norte-americanos desfruta hoje de uma cômoda situação financeira, sendo um dos países mais modernos da Ásia. Inconformados com a situação, a Coréia do Norte nos últimos anos tem trazido apreensões à região com testes de mísseis e outros armamentos que colocam em risco, além da Coréia do Sul, o Japão, tradicional inimigo coreano. A Coréia do Norte também possui armamento nuclear e o medo maior é que, para sobreviver à crise econômica use métodos radicais para forçar acordos com seus vizinhos.

O Oriente Médio possuí mais de um foco de crise. O Irã que a mais de ano iniciou um programa nuclear (segundo os iranianos apenas para fins pacíficos) mais uma vez está no olho do furacão. Segundo os governos de Israel, Estados Unidos e da maioria dos países da Europa Ocidental, o Irã busca construir armamentos nucleares que colocariam, não só Israel, mas toda a região em risco. Além disso, os investimentos em armas feitos por seu governo fazem desse país, o detentor de um dos mais poderosos exércitos da região. O mundo ocidental divide-se hoje entre os que defendem uma ação militar imediata contra Teerã e os que consideram melhor insistir nas negociações diplomáticas. Outro país que tem tirado o sono dos pacifistas é a Síria. País de inúmeras divisões internas, a Síria é governada desde 2000 pelo político Bashar AL-Assad. Envolto nos movimentos da Primavera árabe Assad enfrenta há vários meses uma verdadeira guerra civil para derrubá-lo do poder. Segundo o Presidente, os rebeldes são apenas aliados dos norte-americanos e israelenses que desejam dominar a Síria para que sirva de trampolim a um ataque ao Irã. Segundo os EUA e a OTAN, Assad é um ditador cruel que tem usado armamento militar contra populações civis. O problema torna-se mais grave ao entendermos a Síria como a mais importante aliada da Rússia e da China na região, tendo esses governos deixado claro que não irão tolerar uma nova intervenção militar no Oriente Médio, pois que, enfraqueceria sobremaneira suas posições políticas na zona estratégica do petróleo.

Finalmente importa lembrar a interminável questão árabe-israelense. No ano passado a Autoridade Nacional Palestina conseguiu status de Estado reconhecido pela ONU. Isso provocou turbulências e ameaças por parte de Israel e dos Estados Unidos (o governo norte-americano deixou de repassar alguns milhões de dólares na UNESCO como retaliação). Israel acompanha a questão do Irã e da Síria muito atentamente. Em 2012, alegando que mísseis palestinos do Hamas partiam da Faixa de Gaza, Israel apertou o cerco na região, acelerou a construção do muro da vergonha e bombardeou algumas cidades palestinas matando civis. Depois, num recuo surpreendente, aceitou um cessar fogo. Segundo analistas mais pessimistas, esse recuo pode ter sido estratégico, apenas para preparar um lance mais ousado, como, por exemplo, um bombardeio no Irã. Um conflito no Oriente Médio ameaça extrapolar as fronteiras da região, envolver OTAN, China e Rússia, e provavelmente originar um confronto de características muito mais graves do que os últimos desencontros na região.

Fique atento. A situação hoje é muito, muito mais grave do que qualquer predição dos Maias ou comentários que se faça nos telejornais.

Prof. Péricles

sábado, 12 de janeiro de 2013

DIGA-ME COM QUEM ANDAS



Você conhece o “João de Barro”?

É um pássaro que faz uma verdadeira obra de engenharia a partir da argila.

Ele faz sua “casa” não de folhas e galhos, mas de barro, e com ela atrai a fêmea na época do acasalamento. Um verdadeiro artista da natureza.

Pois conheço um João de Barro que, apaixonado resolveu construir sua casa no poste mais central na praça central da cidade (sabe como são os João de Barro apaixonados, querem aparecer).

Negociou com o prefeito, explicando que dessa forma poderia fazer a casa de João de Barro mais vista da cidade.

O prefeito, de um partido conservador, aceitou os argumentos da ave, mas com condições. O João de Barro não poderia usar barro e sim areia fina, um material superfaturado que o prefeito queria vender e, claro, uma parte da verba da construção iria para ele, prefeito.

João de barro ficou triste, mas, pensou, melhor assim do que sem casa nenhuma. E topou a parceria.

Por falta de experiência nesse tipo de material João de Barro se confundiu todo e resolveu pedir uma consultoria com o engenheiro mais famoso da cidade.

O engenheiro explicou que poderia usar água para endurecer a areia, porém, teria que pagar um por fora ao jardineiro da praça central, o dono da mangueira municipal e, uma beira pra ele, engenheiro.

Nosso herói não encontrou outra solução. Sua vontade de construir a melhor casa de João de Barro da cidade era imensa, precisava conquistar não apenas uma parceira, mas a Joana de barro mais gata da floresta. Mais uma vez, topou o negócio. Então, negociou com o jardineiro, pagou unzinho por fora e teve sua areia fina umedecida.
A água, entretanto, era pouca, parte da areia virou barro, e outra não.

As pessoas que admiravam sua enorme habilidade natural para a engenharia e arquitetura, seu ideal instintivo de grande construtor, aos poucos iam se decepcionando e já não o chamava de João de barro e sim “João areia fina” além de não acreditavam em seus discursos explicativos.

De um jeito ou de outro a casa finalmente ficou pronta e João de Barro se pôs a cantar para atrair a fêmea, mas atraiu mesmo foi o fiscal da prefeitura que ameaçou autuá-lo por perturbação da ordem e desrespeito ao horário de silêncio.

- Mas com atrairei as fêmeas? perguntou o pobre e a resposta do fiscal foi “faça mímica", forme uma banda, invista na serenata ou simplesmente cale-se.

Quando o período de acasalamento começou a realidade de João de Barro era completamente diferente da que imaginara.

Ele que queria fazer a melhor casa de barro no poste mais central da praça central e atrair a mulherada, ou a passarada, e a Joana de Barro mais gata da floresta, era agora chamado de João areia-fina, tinha apenas uma meia casa grudada ao poste e chamava as fêmeas com mímica. Nenhuma delas o percebeu e ele ficou sozinho, iludido e com enorme sentimento de fracasso.

Ascendeu ao poste mais alto, mas para isso negociara todas as suas mais essenciais qualidades. Morreu solteiro.

Coisa muito semelhante acontece com os partidos que cultuam a chama da mudança e da justiça social, que atraem milhões para os seus sonhos, que prometem um governo diferente de tudo que já foi visto, íntegro e fiel.

São partidos cuja natureza social é latente e sua mais forte característica.
Para chegar ao poder, porém, necessitam da tal governabilidade que é como chamam a parceria entre partidos, independentemente dos sonhos ou interesses, para ter espaço na propaganda eleitoral e votos aliados no Congresso.

Em nome da tal governabilidade. Negociam tudo.

Assim como o João de Barro negociou até o barro, partidos ditos ideológicos, negociam até suas ideologias e quando percebem, estão no alto do poste mais alto, mas nus de seus antigos sonhos. Mantém a estrela, mas perdem seu brilho.

Quase nada resta do sonho original e o que representam é apenas uma pálida lembrança do que fora sua utopia um dia.

Aprendem tarde demais, como Fausto, que não é possível barganhar com o capeta depois de vender sua alma.

Hoje, entre um cafezinho e outro na lanchonete do Congresso, políticos outrora ligados à resistência democrática contra o autoritarismo, se acotovelam com coronéis desse mesmo poder que combatiam. Trocam afagos e planejam estratégias.

Diga-me com quem andas que te direi quem és.

De que vale governabilidade se o seu preço for esquecer os velhos princípios? Sempre chegará o dia em que as diferenças que antes demarcavam claramente diferentes visões darão lugar à semelhanças, conservadoras e corruptas.

De seus projetos de construção de uma sociedade mais justa, de seus desvarios adolescentes e de suas velhas utopias, quase nada resta, muito menos o canto que antes atraía os verdadeiros sonhadores.


Prof. Péricles

quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

OPERAÇÃO CONDOR



A Operação Condor foi uma aliança estabelecida formalmente, em 1975, entre as ditaduras militares da América Latina. O acordo consistiu no apoio político-militar entre os governos da região, visando perseguir os que se opunham aos regimes autoritários. Na prática, a aliança apagou as fronteiras nacionais entre seus signatários, que se articularam na repressão aos adversários políticos.

O nome do acordo era uma alusão ao condor, ave típica dos Andes e símbolo do Chile. Trata-se de uma ave extremamente sagaz na caça às suas presas. Nada mais simbólico, portanto, que batizar a aliança entre as ditaduras de Operação Condor. Não à toa, foi justamente o Chile, sob os auspícios do governo de Augusto Pinochet, quem assumiu a dianteira da operação.

Além do Chile, fizeram parte da aliança: Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai. Nos anos 1980, o Peru, já sob uma ditadura militar, também juntou-se ao grupo. Pode-se dizer que a operação teve três fases. A primeira consistiu na troca de informações entre os países-membros. A segunda caracterizou-se pelas trocas e execuções de opositores nos territórios dos países que formavam a aliança. A terceira fase ficou marcada pela perseguição e assassinato de inimigos políticos no exterior - muitas vezes no próprio exílio.

Calcula-se que, apenas nos anos 1970, o número de mortos e "desaparecidos" políticos tenha chegado a aproximadamente 290 no Uruguai, 360 no Brasil, 2 mil no Paraguai, 3.100 no Chile e impressionantes 30 mil na Argentina - a ditadura latino-americana que mais vítimas deixou em seu caminho. Estimativas menos conservadoras dão conta de que a Operação Condor teria chegado ao saldo total de 50 mil mortos, 30 mil desaparecidos e 400 mil presos.

O Brasil participou ativamente das duas primeiras fases da Operação Condor. Não há, contudo, evidências que comprovem seu envolvimento com o extermínio de adversários políticos fora da América Latina. O Brasil apoiou os golpes militares em pelo menos três países da região: Bolívia, em 1971; Uruguai, em 1973; e Chile, no mesmo ano. Já existiam, portanto, estreitas ligações entre as ditaduras latino-americanas.

A Operação Condor veio apenas reforçar os laços políticos e militares, reorientando a aliança entre os governos da região para a perseguição a seus opositores. Nesse sentido, um caso emblemático foi o episódio envolvendo o seqüestro de uruguaios em Porto Alegre, em 1978. Militares daquele país atravessaram a fronteira com o Brasil, com a anuência do governo brasileiro, para seqüestrar um casal de militantes de oposição ao governo uruguaio que estavam na capital gaúcha.

A operação teria sido um sucesso - como tantas outras - não fosse o fato de dois jornalistas brasileiros, após serem alertados por um telefonema anônimo, terem ido até o apartamento onde o casal morava. O envolvimento dos jornalistas acabou revelando a ação conjunta do Uruguai e do Brasil - e repercutindo internacionalmente o episódio. Em 1991, o governo gaúcho indenizou as vítimas daquela ação militar. No ano seguinte, o Uruguai também tomou a decisão de reparar os seqüestrados.


Até hoje, uma das maiores controvérsias da Operação Condor em relação ao Brasil é a morte dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e João Goulart, e do ex-governador da Guanabara, Carlos Lacerda. Embora não existam provas que atestem o envolvimento do governo brasileiro na morte dos três políticos, os familiares de JK e Jango freqüentemente acusaram a participação da ditadura na morte dos ex-presidentes.

De tempos em tempos, parentes de Jango voltam aos jornais para acusar o governo militar de ter planejado e executado seu assassinato. Em 2008, o ex-agente do serviço de inteligência do governo uruguaio, Mario Neira Barreiro, disse em entrevista exclusiva à Folha de S.Paulo que espionou durante quatro anos João Goulart, e que ele foi morto por envenenamento a pedido do governo brasileiro.

Para investigar a morte dos dois ex-presidentes, o Legislativo chegou, inclusive, a instalar comissões especiais, que nunca conseguiram comprovar as teorias conspiratórias. Muito pelo contrário, os indícios, até agora, vão no sentido de comprovar que o Brasil não teve qualquer envolvimento com a morte de seus ex-presidentes, embora os dois episódios tenham ocorrido em circunstâncias estranhas na opinião de alguns observadores.

JK, Jango e Lacerda faleceram no espaço de menos de um ano. Em 1966, eles integraram a chamada "Frente Ampla", movimento de resistência à ditadura militar. Também por sua ativa participação no movimento oposicionista contra a ditadura, a morte dos três até hoje gera discussões quanto ao fato de terem ocorrido, ou não, sob as asas da Operação Condor.

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Vitor Amorim de Angelo
historiador, mestre e doutorando em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Carlos.

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segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

OS VÔOS DA MORTE



Floreal Avellaneda achava que não suportaria mais tanta dor.

Desde que fora preso na cidade de Vicente López e depois de trazido arrastado para a ESMA (Escola de Mecânica da Armada argentina) já passara por verdadeiro suplício.

Pancadas foram tantas que já se tornara dormente e nem mais ligava para elas.

O que doía mesmo eram os choques elétricos, principalmente nos testículos, ou na língua, que lhe faziam saltar além de sua vontade, como se toda a musculatura de seu corpo tivesse vontade própria.

Incomodava também, o hábito dos torturadores de apagar os cigarros em sua pele. Queimaduras de cigarro ardem muito especialmente quando vários cigarros são apagados no mesmo lugar.

Caíra em abril de 1976, mas não sabia mais em que mês estava pois sua cabeça não conseguia organizar os pensamentos, embora o esforço para não perder a lucidez. Percebera a transferência para o Campo de Mayo, mas isso, não alterou em nada sua agonia.

Na última sessão de tortura, dois dias atrás, eles, os seus carrascos, exageraram. Um choque fora tão forte que lhe cortara um pedaço enorme da língua. Sentiu vontade vomitar mas as pancadas em sua cabeça foram tão repetidas que ele sufocara com o próprio vômito, não morrendo por um detalhe.

Agora, encolhido no canto da cela permanecia com os olhos fechados não só pela dor e pelo cansaço de dias sem dormir, mas porque, se abrisse os olhos veria Maria Rosa Mora, companheira de militância, presa junto com ele, estirada na cela ao lado. Ele fora obrigado a assistir as torturas em Maria Rosa, os estupros seguidos e seus gritos que foram diminuindo de intensidade até tornarem-se apenas sussurros.

Quando ouviu os passos que se aproximam da cela ele imaginou que iria para a última sessão. Dificilmente sobreviveria mais uma vez.

Floreal Avellaneda tinha apenas 17 anos, mais o sofrimento o envelhecera rapidamente, e, como um veterano da dor, respirou fundo, esperando o suplício final. Havia decidido morrer sem dizer nada, sem entregar nenhum companheiro à mesma sanha assassina e dessa decisão não se afastaria.

Para a sua surpresa, a primeira figura que reconheceu na frente de sua cela, foi um padre. Por segundos se sentiu aliviado. Padres representam Deus e certamente são contra as torturas. Com um padre por perto talvez sobrevivesse.

O torturador-mor entrou em seguida.

Maria Rosa Mora abrira também os olhos, embora não fizesse o menor ruído.

Sem rodeios o “general”, como gostava de ser chamado, disse com sua voz aguda que os dois, Floreal e Maria Rosa, eram pessoas de muita sorte. Recebera ordens para solta-los, com a condição de que abandonassem o país imediatamente e para sempre. Por mim, dizia o General, eu matava os dois, mas ordens são ordens.

Enquanto dois homens se aproximavam dos prisioneiros e aplicavam uma injeção em cada um, o padre dizia que estava ali para garantir suas seguranças, que as injeções eram para aliviar as dores e que os acompanhariam até o outro lado da fronteira, no Chile, de onde poderiam ir para onde quisessem.

Floreal percebeu que chorava quando não mais enxergava o padre próximo falando. Sua lágrima de felicidade turvava a visão. Mas, a injeção, maravilhosa, lhe tirava bastante as dores, deixando uma sensação agradável e alguma tontura.

Com algum esforço ergueu os braços alcançando as mãos do padre e beijo-as com enorme alívio.

A partir daí sua rota foi entremeada de vigília com sono, como se estivesse sonhando um sonho prolongado e vagaroso.

Viu-se numa maca sendo colocado num avião, ao lado de Maria Rosa. Depois, despertou com a voz do padre que rezava uma daquelas preces conhecidas que sua mãe ensinara. Depois viu que alguns homens tentavam erguê-lo. Viu o mar, estranhamente belo e infinitamente azul, que como um manto celeste lhe prometia abrigo. Sorriu, compreendendo estar próximo da liberdade...

Em meados de Maio de 1976, os corpos de Floreal Avellaneda e de Maria Rosa Mora foram encontrados, com as mãos amarradas, no Balneário de Rochas, no Uruguai.

O método de arremessar pessoas a partir de aviões e helicópteros, conhecidos como Vôos da Morte, foi aplicado pelos três ramos das forças armadas argentinas e por várias forças de segurança, durante a ditadura militar daquele país.

Sabe-se que os prisioneiros políticos condenados eram enganados com a promessa de que teriam a liberdade. Eram dopados antes do embarque para evitar qualquer tipo de reação e levados para alto mar.

O coronel Albino Zimmermann, chefe de polícia de Antonio Bussi, chegou a gabar-se em reuniões familiares de ter atirado vários guerrilheiros para a morte e fazia piada imaginando a surpresa dos infelizes.

Calcula-se em mais de 5 mil vítimas nos vôos da morte, alguns com a anuência e colaboração de padres que chegavam a dar a extrema-unção dentro das aeronaves.

A principal pista sobre os executores diretos foi dada em 1995 pelo ex gendarme Federico Talavera, que admitiu que a cada vinte dias transportava seqüestrados adormecidos num caminhão Mercedes-Benz rumo à base de El Palomar, onde eram carregados num Hércules da Força Aérea.

Em dezembro iniciou-se na Argentina, o julgamento de pilotos dos “vôos da morte”, que promete envolver lágrimas, revolta e muita emoção em todo o país.

Ao contrário do Brasil, a Argentina busca cicatrizar suas feridas punindo os culpados desse passado tenebroso para que fatos assim não voltem a ocorrer no país.

A todos que entendem o respeito aos direitos humanos como pressuposto da democracia, cabe acompanhar esse caso por mais doloroso que seja.

É o mínimo que se pode fazer em memória de suas vítimas.


Prof. Péricles

domingo, 6 de janeiro de 2013

A VEJA E O ESCARAVELHO


Com a morte de Oscar Niemeyer aos 104 anos de idade ouviram-se vozes do mundo inteiro cheias de admiração, respeito e reverência face a sua obra genial, absolutamente inovadora e inspiradora de novas formas de leveza, simplicidade e elegância na arquitetura. Oscar Niemeyer foi e é uma pessoa que o Brasil e a humanidade podem se orgulhar.

E o fazemos por duas razões principais: a primeira, porque Oscar humildemente nunca considerou a arquitetura a coisa principal da vida; ela pertence ao campo da fantasia, da invenção e do lúdico. Para ele era um jogo das formas, jogado com a seriedade com que as crianças jogam.

A segunda, para Oscar, o principal era a vida. Ela é apenas um sopro, passageira e contraditória. Feliz para alguns mas para as grandes maiorias cruel e sem piedade. Por isso, a vida impõe uma tarefa que ele assumiu com coragem e com sérios riscos pessoais: a da transformação. E para transformar a vida e torná-la menos perversa, dizia, devemos nos dar as mãos, sermos solidários uns para com os outros, criarmos laços de afeto e de amorosidade entre todos. Numa palavra, nós humanos devemos aprender a nos tratar humanamente, sem considerar as classes, a cor da pele e o nível de sua instrução.

Isso foi que alimentou de sentido e de esperança a vida desse gênio brasileiro. Por aí se entende que escolheu o comunismo como a forma e o caminho para dar corpo a este sonho, pois, o comunismo, em seu ideário generoso, sempre se propôs a transformação social a partir das vítimas e dos mais invisíveis. Oscar Niemeyer foi um fiel militante comunista.

Mas seu comunismo era singular: no meu modo de ver, próximo dos cristãos originários, pois era um comunismo ético, humanitário, solidário, doce, jocoso, alegre e leve. Foi fiel a esse sonho a vida inteira, para além de todos os avatares passados pelas várias formas de socialismo e de marxismo.

Na medida em que pudemos observar, a grande maioria da opinião pública mundial, foi unânime na celebração de sua arte e do significado humanista de sua vida. Curiosamente a revista VEJA de domingo, dedica-lhe 10 belas páginas. Outra coisa, porém, é a revista VEJA online de 7 de dezembro com um artigo do blog do jornalista Reinado Azevedo que a revista abriga.

Ele foi a voz destoante e de reles mau gosto. Até agora a VEJA não se distanciou daquele conteúdo, totalmente, contraditório àquele da edição impressa de domingo. Entende-se porque a ideologia de um é a ideologia do outro. Pouco importa que o jornalista Azevedo, de forma confusa, face às críticas vindas de todos os lados, procure se explicar. Ora se identifica com a revista, ora se distancia, mas finalmente seu blog é por ela publicado.

Notoriamente, VEJA se compraz em desfazer as figuras que melhor mostram nossa cultura e que mais penetraram na alma do povo brasileiro. Essa revista parece se envergonhar do Brasil, porque gostaria que ele fosse aquilo que não é e não quer ser: um xerox distorcido da cultura norte-americana. Ela dá a impressão de não amar os brasileiros, ao contrário expõe ao ridículo o que eles são e o que criam. Já o titulo da matéria referente a Oscar Niemeyer da autoria de Azevedo, revela seu caráter viciado e malevolente: "Para instruir a canalha ignorante. O gênio e o idiota em imagens".

Seu texto piora mais ainda quando, se esforça, titubeante, em responder às críticas em seu blog do dia 8/12 também na VEJA online com um título que revela seu caráter despectivo e anti-democrático: "Metade gênio e metade idiota- Niemeyer na capa da VEJA com todas as honras! O que o bloco dos Sujos diz agora?" Sujo é ele que quer contaminar os outros com a própria sujeira de uma matéria tendenciosa e injusta.

O que se quer insinuar com os tipos de formulação usados? Que brasileiro não pode ser gênio; os gênios estão lá fora; se for gênio, porque lá fora assim o reconhecem, é apenas em sua terceira parte e, se melhor analisarmos, apenas numa quarta parte. Vamos e venhamos: Quem diz ser Oscar Niemeyer um idiota apenas revela que ele mesmo é um idiota consumado. Seguramente Azevedo está inscrito no número bem definido por Albert Einstein: "conheço dois infinitos: o infinito do universo e o infinito dos idiotas; do primeiro tenho dúvidas, do segundo certeza". O articulista nos deu a certeza que ele e a revista que o abriga possuem um lugar de honra no altar da idiotice.

O que não tolera em Oscar Niemeyer que, sendo comunista, se mostra solidário, compassivo com os que sofrem, que celebra a vida, exalta a amizade e glorifica o amor. Tais valores não cabem na ideologia capitalista de mercado, defendida por VEJA e seu albergado, que só sabe de concorrência, de "greed is good" (cobiça é coisa boa), de acumulação à custa da exploração ou da especulação, da falta de solidariedade e de justiça em nível internacional.

Mas não nos causa surpresa; a revista assim fez com Paulo Freire, Cândido Portinari, Lula, Dom Helder Câmara, Chico Buarque, Tom Jobim, João Gilberto, frei Betto, João Pedro Stédile, comigo mesmo e com tantos outros. Ela é um monumento à razão cínica. Segue desavergonhadamente a lógica hegeliana do senhor e do servo; internalizou o senhor que está lá no Norte opulento e o serve como servo submisso, condenado a viver na periferia. Por isso tanto a revista quanto o articulista revelam um completo descompromisso com a verdade daqui, da cultura brasileira.

A figura que me ocorre deste articulista e da revista semanal, em versão online, é a do escaravelho, popularmente chamado de rola-bosta. O escaravelho é um besouro que vive dos excrementos de animais herbívoros, fazendo rolinhos deles com os quais, em sua toca, se alimenta. Pois algo semelhante fez o blog de Azevedo na VEJA online: foi buscar excrementos de 60 e 70 anos atrás, deslocou-os de seu contexto (ela é hábil neste método) e lançou-os contra Oscar Niemeyer. Ela o faz com naturalidade e prazer, pois, é o meio no qual vive e se realimenta continuamente. Nada de surpreendente, portanto.

Paro por aqui. Mas quero apenas registrar minha indignação contra esta revista, em versão online, travestida de escaravelho por ter cometido um crime lesa-fama. Reproduzo igualmente dois testemunhos indignados de duas pessoas respeitáveis: Antonio Veronese, artista plástico vivendo em Paris e João Cândido Portinari, filho do genial pintor Cândido Portinari, cujas telas grandiosas estão na entrada do edifício da ONU em Nova York e cuja imagem foi desfigurada e deturpada, repetidas vezes, pela revista-escaravelho.

De Leonardo Boff

quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

MENINA DA ÍNDIA


Eu choro por ti, menina sem nome,

Menina que jamais vi embora te conheça por outras.

Eu choro pela violência da qual fosse vítima.

Pela dor impiedosa que te fizeram passar.

Eu choro por ti, filha da Índia, terra de Gandhi, que tanto lutou contra a violência.

Eu choro por ti, garota bonita, estudante de 23 anos, morta pela estupidez primitiva dos homens.

As aulas que assistias de medicina estarão mais vazias, sem ti.

O ônibus eternamente mais vazio e vagaroso.

Que direito tinham teus carrascos de tocarem teu corpo para apagarem teu sorriso e teus sonhos?

Eu choro por tantas outras meninas sem nome vítimas da mesma abominação, na Índia, na África, nos vários Brasis, e em todo o planeta.

Somos todos culpados, embora por ti, sejamos também as vítimas.

Consequências de uma sociedade subumana, subnutrida, sub-informada, sub-sensível.

Uma sociedade que permite que a mulher seja violada todos os dias de todas as formas.

Eu choro por ti menina da Índia e por nós todos filhos desse mundo de distância tão curta entre a razão e a bestialidade.

Chore por nós, menina da Índia, que morremos um pouco mais com tua morte.




Morreu dia 29 em um hospital de Cingapura, onde tinha sido levada para tratamento especializado, a jovem de 23 anos de idade, vítima de violência sexual na Índia.

Ela já havia passado por três cirurgias em Nova Déli antes de ser transferida para Cingapura. De acordo com os médicos, a causa da morte foi dada como falência múltipla dos órgãos causada por severos ferimentos ao corpo e ao cérebro além de hemorragia interna por introdução de uma barra de ferro.

Seu corpo deverá ser levado de volta para a Índia.

O ataque realizado no dia 16 de Dezembro desencadeou violentos protestos de rua na Índia.

Os líderes dos protestos afirmam que casos assim são comuns na Índia não havendo punição aos agressores.

Seis homens foram presos em conexão com o estupro e dois policiais foram suspensos.
A equipe do Hospital Mount Elizabeth, em Cingapura, onde a jovem estava internada, disse que ela ”faleceu em paz”, neste sábado, tendo sua família a seu lado.

Seu quadro era extremamente delicado, ela sofrera uma parada cardíaca, uma infecção no pulmão e no abdômen, além de dano cerebral.

Ela havia pegado um ônibus com seu amigo na região de Dwarka, no sudoeste de Nova Delhi. Dentro do ônibus ela foi violentada durante uma hora por diversos homens (no mínimo 6, incluindo o motorista). Depois, ela e o amigo foram lançados para fora do ônibus nus e com o veículo em movimento.

Somente neste ano, mais de 630 casos de estupro já foram registrados em Nova Delhi, conhecida no país como “capital do estupro”.


Prof. Péricles