quinta-feira, 10 de maio de 2012
CAPITALISMO CORRUPTO
A corrupção tem acompanhado a história da humanidade, mas hoje chegou a tais extremos que seu significado etimológico torna-se incompleto: desestruturar, depravar, danar, viciar, perverter, propinar, subornar, não parecem suficientes para descrever este tipo de câncer inserido na sociedade, já que foi transformado num anti-valor.
A corrupção é um dos principais fenômenos que acontecem no mundo do desenvolvimento seja político, social e/ou econômico. É um mal universal que corrói as sociedades e as culturas estando também ligado a outras formas de injustiça e
imoralidade, como os crimes e assassinatos, violência de todos os tamanhos,
morte e todo tipo de impunidade, provocando exclusão, marginalização e medos
generalizados – além de gerar poder para poucos se locupletem. Afeta a dministração geral dos países, o processo eleitoral, o pagamento de impostos, as relações econômicas e comerciais e internacionais, além de corromper todos os tipos de mídias.
Está por igual na esfera pública ou privada na qual se completam mutuamente. Está
ligada ao tráfico de drogas, comércio de armas, suborno, a venda de favores e
decisões, tráfico de influência, enriquecimento ilícito. "Tudo isso, com
características quase apocalípticas, afirmou a Conferência Episcopal da reunião
do Equador em Quito, em 1988, em seu artigo "A corrupção e consciência cristã." Hoje, poder-se-ia considerar todos esses conceitos como absolutamente válido em qualquer lugar do mundo.
O capitalismo do fim do século vinte e início do vigésimo primeiro tornou-se, simplesmente, uma máfia. A corrupção mostra claramente que existe uma doença no sistema, corpo estranho, atacando-lhe: é sua essência, o que o constitui e define a forma que assume na atualidade.
"Os Estados Unidos exigem a liberdade de ação nas áreas globais e de acesso estratégico para regiões importantes do mundo para satisfazer as nossas necessidades de segurança nacional", afirmava um documento relacionado à Estratégia Nacional de Defesa de Washington, em 2008. O ganho será garantido a qualquer custo, e se for através da força bruta, não importa: o fim justifica os meios. A "livre concorrência" tão decantada em verso e prosa foi para as “calendas
gregas”. O mundo tornou-se base operacional de bandos de criminosos e ilegais
de todos os quilates! Com poder absoluto, com o controle do grande capital e ainda se dão ao luxo de falar de democracia e liberdade! Como um gangster pé-de-chinelo, o capitalismo atual se move com a bravata e a mais descarada impunidade.
Se no início do século XX o presidente dos EUA, Calvin Coolidge poderia dizer
que os empresários de seu país “faziam negócios” hoje deveríamos adicionar um qualificativo a palavra negócios, ou seja, denominá-lo de “negócio sujo".
O capitalismo atual é fundamentalmente baseado no sistema financeiro internacional, todos relacionados a mega-fundos - que não têm pátria, respondem apenas à lógica do dinheiro fácil e rapidamente migram para uma extraterritorialidade alienígena quando o ganho não lhes for favorável ou saindo sempre quando a supervisão bancária aperta ou quando o país sede utiliza normas e diretrizes relacionadas á sua soberania nacional. Este espaço não é controlado (como o negócio de armas ou drogas ilícitas) e que, inversamente, em grande medida se abrigam nos chamados paraísos fiscais e bancários offshore (bancos que cobram juros amigáveis dos aplicadores)
Hoje ninguém sabe exatamente quantas são as empresas e os capitais. A verdade
está lá fora, e sua presença na dinâmica global é crucial: as sociedades virtuais e reais que não são obrigados a apresentar balanços, para estabelecer a sua estrutura de propriedade, ou mesmo ter algum capital. Eles (os capitais) se abrigam em todo o mundo: ilhas perdidas espalhadas por todo o mundo, capitais de países do Norte, ou curiosidades como o Principado de Sealand, que funciona em uma plataforma de óleo velho no mar do Norte, ou o Domínio de Melchizedek, a "nação virtual" em primeiro
lugar, localizado em um vizinho atol deserto às Ilhas Marshall, na Micronésia,
no meio do Oceano Pacífico, através do seu site oferece nacionalidade, passaporte e facilidades para todos os tipos de empresas.
Hoje como ontem, nós enfrentamos os mesmos problemas: o sistema beneficia poucos à custa de danos à maioria. A diferença é que agora toda a criminosa corrupção foi se disfarçando em algo legal (com a conivência ou omissão de muitos).
Em outras palavras, estamos nas mãos de uns poucos bandidos perigosos, cheio de poder e disposto a fazer qualquer coisa para continuar a manter seus privilégios. Mas
estamos confiantes que a história não acabou, e como disse uma vez o espanhol
Xabier Gorostiaga: "os que seguem tendo esperança nunca serão estúpidos."
Marcelo Colussi*, Argenpress
*Escritor y politólogo argentino.
domingo, 6 de maio de 2012
A FOGUEIRA DO ÓDIO
O maior problema é que, muitas vezes, a radicalização caminha junto com o desespero.
Como aquele homem que diante da difícil tarefa de capinar o terreno, coloca fogo no campo.
Foi assim, com o desespero de mãos dadas com o extremismo que o nazismo floresceu num dos estados mais evoluídos e civilizados, como a Alemanha, e as labaredas de sua insânia atingiram toda a Europa.
A história não é, como muitos pensam, um mero relato do que já aconteceu. Muito mais que isso, a história, individual ou da civilização é uma advertência para que os erros não se repitam.
Por isso, temos que entender que um cidadão nórdico, típico, instruído e bem relacionado, que sai matando as pessoas que encontra no caminho e que, justifica seu desatino como um protesto diante da passividade de seu governo à questão da imigração, não é apenas um doidinho de atar, como muitos pensam.
Adolf Hitler também foi diminuído em importância e rotulado como “um sujeito engraçado” ou “um doidinho de atar” antes de 1933, quando chegou ao poder.
Ainda por isso, temos que entender de quase 20% de votos para a Sra. Le Pen, digna representante da extrema-direita francesa, não são meros 20%, mas um aviso que o monstro está vivo e doido para reassumir importância, não como um estigma do passado, mas como um personagem do presente.
Quando a crise bate à porta, muitas mentes imprevidentes procuram por culpados.
Um culpado que nunca é ele mesmo ou seu meio, mas um estranho, um componente de fora, um terceiro.
Assim sendo, todos os povos e seus governos devem estar atentos para todo avanço da xenofobia.
Nada, nesse sentido, pode ser negociado.
Não podemos aceitar os elogios ao primeiro-ministro australiano por ter “coragem” de dizer as verdades aos imigrantes muçulmanos da Austrália da mesma forma que não podemos achar algo distante e sem importância a imitação de macaco, ouvida nos estádios de futebol da Europa, quando um jogador negro toca na bola.
Temos que ser intolerantes com a intolerância.
Não podemos proteger com a democracia quem defende o fim da democracia.
Não podemos dormir tranquilamente enquanto pensões muçulmanas são queimadas ou cemitérios judeus são violados, já que não somos nem muçulmanos, nem judeus.
Se hoje as chamas da intransigência não queimam teus pés, a história ensina que amanhã a fogueira do ódio racial poderá te engolir inteiro.
Prof. Péricles
quarta-feira, 2 de maio de 2012
JORNALISMO BANDIDO
A influência da imprensa no alto escalão da política britânica tornou-se a pauta preferida dos chás ingleses desta semana. O magnata Rupert Murdoch depôs e foi a grande estrela da comissão de inquérito presidida pelo juiz Brian Leveson.
Instaurada após a eclosão do escândalo de espionagem de centenas de caixas postais telefônicas feita pelo News of the World (fechado em 2011, após o escândalo), ela investiga os padrões éticos da mídia na Inglaterra e a relação entre jornalistas e políticos.
O premier David Cameron, do Partido Conservador, já esquentara a pauta ao afirmar em sessão no Parlamento: "Todos nós tivemos contato com Rupert Murdoch". Murdoch, porém, no depoimento minimizou sua influência sobre os jornais britânicos. Calmo, bem humorado, sustentou nunca ter pedido nada a um primeiro-ministro: "É natural que políticos busquem editores e às vezes proprietários, se eles estiverem disponíveis, para explicar o que estão fazendo. Mas, eu era apenas um entre muitos."
Nesta 3ª, porém, novas revelações foram feitas por seu filho, James Murdoch. Este confirmou ter estreitos contatos com os ministros do Reino Unido. Em especial, o de Cultura, Jeremy Hunt, ministro sob suspeita de ter passado informações ao grupo Murdoch para a compra da totalidade da operadora de TV a cabo “BSkyB”, da qual a News Corp. já possuía 39% das ações. A oferta para obter o total de ações da operadora foi atropelada pelo escândalo das escutas telefônicas.
Barões da mídia não admitem discutir jornalismo bandido
Murdoch filho nega que Hunt fosse um “grande aliado” na operação, mas confirmou ter tido “inúmeras conversas sobre diferentes assuntos relativos aos negócios e a indústria dos meios de comunicação em geral”. O filho do magnata disse, também, ter estado nada menos que em 12 oportunidades com o premiê Cameron.
Um desses encontros foi em 2010, quando o premier ainda estava na oposição. E mais, Murdoch filho contou que pelo menos em quatro desta uma dúzia de vezes em que esteve com Cameron, Rebekah Brooks, ex-diretora da News International e antiga diretora do “The Sun” e do “The News of the World”, também estava presente. Ela também é investigada por seu papel no escândalo.
Pois é, enquanto a mídia britânica topa discutir seus podres e o principal magnata dela chega quase ao banco dos réus, nós aqui no Brasil, nada de regulamentarmos a nossa imprensa, hein? É discutir o assunto aqui, levantar uma palavra a respeito, e os barões da mídia já vêm com tudo em sua velha história de que é censura, ameaça à liberdade de imprensa...E assim, continuam senhores absolutos de seus monopólios de comunicação e informação usando-os de acordo com seus interesses políticos e econômicos.
Fazem cara de paisagem, fingem que não é com eles e nem em suas empresas, e não discutem o assunto nem agora, que o episódio Carlos Cachoeira desnudou a prática de jornalismo bandido no Brasil, as relações promíscuas da mídia com o crime organizado na produção de notícias contra seus adversários.
Por José Dirceu, em seu blog
domingo, 29 de abril de 2012
A CRUCIFICAÇÃO EM ATENAS
O homem que prenderam, interrogaram, torturaram, humilharam, escarneceram e crucificaram, na Palestina de há quase dois mil anos, foi, conforme os Evangelhos, um ativista revolucionário. Ele contestava a ordem dominante, ao anunciar a sua substituição pelo reino de Deus. O reino de Deus, em sua pregação, era o reino do amor, da solidariedade, da igualdade. Mas não hesitou em chicotear os mercadores do templo, que antecipavam, com seus lucros à sombra de Deus, o que iriam fazer, bem mais tarde, papas como Rodrigo Bórgia, Giullio della Rovere, Giovanni Médici, e cardeais como os dirigentes do Banco Ambrosiano, em tempos bem recentes.
... Ao longo da História, duas têm sido as imagens daquele rapaz de Nazaré. Uma é a do filho único de Deus, havido na concepção de uma jovem virgem, escolhida pelo Criador. Outra, a do homem comum, nascido como todos os outros seres humanos, em circunstâncias de tempo e lugar que o fizeram um pregador, continuador da missão de seu primo, João Batista, decapitado porque ameaçava o poder de Herodes Antipas. Tanto João, quanto Jesus, foram, como seriam, em qualquer tempo e lugar, inimigos da ordem que privilegiava os poderosos. Por isso – e não por outra razão – foram assassinados, decapitado um, crucificado o outro.
(...) O Reino de Deus, sendo o reino da justiça, é a libertação. Daí a associação entre essa felicidade e a vida eterna, presente em quase todas as religiões. Na pregação de Cristo, a libertação começa na Terra, na confraternização entre todos os homens. Daí o conselho aos que o quisessem seguir, e ainda válido – repartissem com os pobres os seus bens, como fizeram, em seguida, os seus apóstolos, ao criar a Igreja do Caminho. Se acreditamos na vida eterna, temos que admitir que a vida na Terra é uma parcela da Eternidade, que deve ser habitada com a consciência do Todo. Assim, a vida eterna começa na precariedade da carne.
Quarta-feira passada um grego, Dimitris Christoulas, chegou pela manhã à Praça Syntagma, diante do Parlamento Grego, buscou a sombra de um cipreste secular, levou o revólver à têmpora, e disparou. Em seu bilhete de suicida estava a razão: aos 77 anos, farmacêutico aposentado, teve a sua pensão reduzida em mais de 30%, ao mesmo tempo em que se elevou brutalmente o custo de vida. As medidas econômicas, ditadas pelo empregado do Goldman Sachs e servidor do Banco Central Europeu, nomeado pelos banqueiros primeiro ministro da Grécia, Lucas Papademos, não só reduziram o seu cheque de aposentado, como o privaram dos subsídios aos medicamentos. “ Quero morrer mantendo a minha dignidade, antes que me veja obrigado a buscar comida nos restos das latas de lixo” – escreveu em seu bilhete de despedida, lido e relido pelos que tentaram socorrê-lo, e que se reuniam na praça.
(...) No mesmo texto, Christoulas incita claramente os jovens gregos sem futuro à luta armada, a pendurar os traidores, na mesma praça Syntagma, “como os italianos fizeram com Mussolini em Milão, em 1945”. O tronco do cipreste se tornou painel dos protestos escritos. Em um deles, o suicídio de Christoulas é definido como um “crime financeiro”.
Nunca, em toda a História, tivemos tanto desdém pela vida dos homens, como nestes tempos de ditadura financeira universal.(...)
Ao expirar, depois de torturado, ultrajado seu corpo, humilhado, escarnecido, Cristo se tornou a maior referência de justiça. Aos 77 anos, o aposentado grego, ao matar-se, transformou-se em bandeira que ameaça iniciar, na Grécia, novo movimento em favor da igualdade – a mesma idéia que levou Péricles a fundar o primeiro estado de bem-estar social, ao reconstruir Atenas, empregar todos os pobres, e dotar os marinheiros do Pireu do pioneiro conjunto de casas populares da História.
Vinte séculos podem ter sido apenas rápido intervalo – um pequeno descanso da razão.
Santayana: a crucificação de Cristo e o suicídio em Atenas
por Mauro Santayana
... Ao longo da História, duas têm sido as imagens daquele rapaz de Nazaré. Uma é a do filho único de Deus, havido na concepção de uma jovem virgem, escolhida pelo Criador. Outra, a do homem comum, nascido como todos os outros seres humanos, em circunstâncias de tempo e lugar que o fizeram um pregador, continuador da missão de seu primo, João Batista, decapitado porque ameaçava o poder de Herodes Antipas. Tanto João, quanto Jesus, foram, como seriam, em qualquer tempo e lugar, inimigos da ordem que privilegiava os poderosos. Por isso – e não por outra razão – foram assassinados, decapitado um, crucificado o outro.
(...) O Reino de Deus, sendo o reino da justiça, é a libertação. Daí a associação entre essa felicidade e a vida eterna, presente em quase todas as religiões. Na pregação de Cristo, a libertação começa na Terra, na confraternização entre todos os homens. Daí o conselho aos que o quisessem seguir, e ainda válido – repartissem com os pobres os seus bens, como fizeram, em seguida, os seus apóstolos, ao criar a Igreja do Caminho. Se acreditamos na vida eterna, temos que admitir que a vida na Terra é uma parcela da Eternidade, que deve ser habitada com a consciência do Todo. Assim, a vida eterna começa na precariedade da carne.
Quarta-feira passada um grego, Dimitris Christoulas, chegou pela manhã à Praça Syntagma, diante do Parlamento Grego, buscou a sombra de um cipreste secular, levou o revólver à têmpora, e disparou. Em seu bilhete de suicida estava a razão: aos 77 anos, farmacêutico aposentado, teve a sua pensão reduzida em mais de 30%, ao mesmo tempo em que se elevou brutalmente o custo de vida. As medidas econômicas, ditadas pelo empregado do Goldman Sachs e servidor do Banco Central Europeu, nomeado pelos banqueiros primeiro ministro da Grécia, Lucas Papademos, não só reduziram o seu cheque de aposentado, como o privaram dos subsídios aos medicamentos. “ Quero morrer mantendo a minha dignidade, antes que me veja obrigado a buscar comida nos restos das latas de lixo” – escreveu em seu bilhete de despedida, lido e relido pelos que tentaram socorrê-lo, e que se reuniam na praça.
(...) No mesmo texto, Christoulas incita claramente os jovens gregos sem futuro à luta armada, a pendurar os traidores, na mesma praça Syntagma, “como os italianos fizeram com Mussolini em Milão, em 1945”. O tronco do cipreste se tornou painel dos protestos escritos. Em um deles, o suicídio de Christoulas é definido como um “crime financeiro”.
Nunca, em toda a História, tivemos tanto desdém pela vida dos homens, como nestes tempos de ditadura financeira universal.(...)
Ao expirar, depois de torturado, ultrajado seu corpo, humilhado, escarnecido, Cristo se tornou a maior referência de justiça. Aos 77 anos, o aposentado grego, ao matar-se, transformou-se em bandeira que ameaça iniciar, na Grécia, novo movimento em favor da igualdade – a mesma idéia que levou Péricles a fundar o primeiro estado de bem-estar social, ao reconstruir Atenas, empregar todos os pobres, e dotar os marinheiros do Pireu do pioneiro conjunto de casas populares da História.
Vinte séculos podem ter sido apenas rápido intervalo – um pequeno descanso da razão.
Santayana: a crucificação de Cristo e o suicídio em Atenas
por Mauro Santayana
quinta-feira, 26 de abril de 2012
COTAS E PRECONCEITOS
O Supremo Tribunal Federal julgará hoje a constitucionalidade das cotas para afrodescendentes e índios nas universidades públicas brasileiras.
No palpite de quem conhece a Corte, o resultado será de, pelo menos, sete votos a favor e quatro contra. Terminará assim um debate que durou mais de uma década e, como outros, do século 19, expôs a retórica de um pedaço do andar de cima que via na iniciativa o prelúdio do fim do mundo.
Em 1871, quando o Parlamento discutia a Lei do Ventre Livre, argumentou-se que libertando-se os filhos de escravos condenava-se as crianças ao desamparo e à mendicância. "Lei de Herodes", segundo o romancista José de Alencar.
Quatorze anos depois, tratava-se de libertar os sexagenários. Outro absurdo, pois significaria abandonar os idosos. Em 1888, veio a Abolição (a última de país americano independente), mas o medo a essa altura era menor, temendo-se apenas que os libertos caíssem na capoeira e na cachaça. Como dizia o Visconde de Sinimbu: "A escravidão é conveniente, mesmo em bem ao escravo".
A votação do projeto foi acelerada pelo clamor provocado pelo linchamento de um promotor que protegia negros fugidos no interior de São Paulo. Entre os assassinos, estava James Warne, vulgo "Boi", um fazendeiro americano que emigrara depois da derrota do Sul na Guerra da Secessão.
As cotas seriam coisa para inglês ver, "lumpenescas propostas de reserva de mercado". Estimulariam o ódio racial e baixariam a qualidade dos currículos das universidades. Como dissera o barão de Cotegipe, "brincam com fogo os tais negrófilos". Os cotistas seriam incapazes de acompanhar as aulas.
Passaram-se dez anos, pelo menos 40 universidades instituíram cotas para afrodescendentes e hoje há milhares de negros exercendo suas profissões graças à iniciativa.
O fim do mundo ficou para a próxima. Para quem acha que existe uma coisa como ditadura dos meios de comunicação, no século 21, como no 19, todos os grandes órgãos de imprensa posicionaram-se contra as cotas. Ressalve-se a liberdade assegurada aos articulistas que as defendiam.
Julgando a constitucionalidade das iniciativas das universidades públicas que instituíram as cotas, o Supremo tirará o último caroço da questão. No memorial que encaminharam na defesa do sistema, os advogados Márcio Thomaz Bastos, Luiz Armando Badin e Flávia Annenberg começaram pelos números: "Em 2008, os negros e pardos correspondiam a 50,6% da população e a 73,7% daqueles que são considerados pobres. (...) Em 1997, 9,6% dos brancos e 2,2% dos pretos e pardos de 25 ou mais idade tinham nível superior".
E concluíram: "A igualdade nunca foi dada em nossa história. Sempre foi uma conquista que exigiu imaginação, risco e, sobretudo, coragem. Hoje não é diferente".
O senador Demóstenes Torres, campeão do combate às cotas, chegou a lembrar que a escravidão era uma instituição africana, o que é verdade, mas não foram os africanos que impuseram a escravatura ao Brasil.
Nas suas palavras: "Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos, mas chegaram..."
Hoje o Supremo virará a última página da questão. Ninguém se lembra de James Barne, mas Demóstenes será lembrado por outras coisas.
Elio Gaspari
Historiador
No palpite de quem conhece a Corte, o resultado será de, pelo menos, sete votos a favor e quatro contra. Terminará assim um debate que durou mais de uma década e, como outros, do século 19, expôs a retórica de um pedaço do andar de cima que via na iniciativa o prelúdio do fim do mundo.
Em 1871, quando o Parlamento discutia a Lei do Ventre Livre, argumentou-se que libertando-se os filhos de escravos condenava-se as crianças ao desamparo e à mendicância. "Lei de Herodes", segundo o romancista José de Alencar.
Quatorze anos depois, tratava-se de libertar os sexagenários. Outro absurdo, pois significaria abandonar os idosos. Em 1888, veio a Abolição (a última de país americano independente), mas o medo a essa altura era menor, temendo-se apenas que os libertos caíssem na capoeira e na cachaça. Como dizia o Visconde de Sinimbu: "A escravidão é conveniente, mesmo em bem ao escravo".
A votação do projeto foi acelerada pelo clamor provocado pelo linchamento de um promotor que protegia negros fugidos no interior de São Paulo. Entre os assassinos, estava James Warne, vulgo "Boi", um fazendeiro americano que emigrara depois da derrota do Sul na Guerra da Secessão.
As cotas seriam coisa para inglês ver, "lumpenescas propostas de reserva de mercado". Estimulariam o ódio racial e baixariam a qualidade dos currículos das universidades. Como dissera o barão de Cotegipe, "brincam com fogo os tais negrófilos". Os cotistas seriam incapazes de acompanhar as aulas.
Passaram-se dez anos, pelo menos 40 universidades instituíram cotas para afrodescendentes e hoje há milhares de negros exercendo suas profissões graças à iniciativa.
O fim do mundo ficou para a próxima. Para quem acha que existe uma coisa como ditadura dos meios de comunicação, no século 21, como no 19, todos os grandes órgãos de imprensa posicionaram-se contra as cotas. Ressalve-se a liberdade assegurada aos articulistas que as defendiam.
Julgando a constitucionalidade das iniciativas das universidades públicas que instituíram as cotas, o Supremo tirará o último caroço da questão. No memorial que encaminharam na defesa do sistema, os advogados Márcio Thomaz Bastos, Luiz Armando Badin e Flávia Annenberg começaram pelos números: "Em 2008, os negros e pardos correspondiam a 50,6% da população e a 73,7% daqueles que são considerados pobres. (...) Em 1997, 9,6% dos brancos e 2,2% dos pretos e pardos de 25 ou mais idade tinham nível superior".
E concluíram: "A igualdade nunca foi dada em nossa história. Sempre foi uma conquista que exigiu imaginação, risco e, sobretudo, coragem. Hoje não é diferente".
O senador Demóstenes Torres, campeão do combate às cotas, chegou a lembrar que a escravidão era uma instituição africana, o que é verdade, mas não foram os africanos que impuseram a escravatura ao Brasil.
Nas suas palavras: "Não deveriam ter chegado aqui na condição de escravos, mas chegaram..."
Hoje o Supremo virará a última página da questão. Ninguém se lembra de James Barne, mas Demóstenes será lembrado por outras coisas.
Elio Gaspari
Historiador
segunda-feira, 23 de abril de 2012
CPI DA VEJA
Recheada de anúncios, a última edição da Veja esmera-se em representar à perfeição a mídia nativa. A publicidade premia o mau jornalismo. Mais do que qualquer órgão da imprensa, a semanal da Editora Abril exprime os humores do patronato midiático em relação à CPI do Cachoeira e se entrega à sumária condenação de um réu ainda não julgado, o chamado mensalão, apresentado como “o maior escândalo de corrupção da história do País”.
(...) Segundo a mídia, a CPI destina-se a desviar a atenção da opinião pública do derradeiro e decisivo capítulo do processo chamado mensalão. Com isso, a CPI pretenderia esconder a gravidade do escândalo a ser julgado pelo Supremo.
O caso revelado pelo vazamento dos inquéritos policiais que levaram à prisão do bicheiro Cachoeira existe. Pode-se questionar o fato de que o vazamento se tenha dado neste exato instante, mas nada ali é invenção. Inclusive, a peculiar, profunda ligação do jornalista Policarpo Junior, diretor da sucursal de Veja em Brasília, com o infrator enfim preso.
(...)
Não faltam, nesta área, os alquimistas, treinados com requinte para cumprir a vontade do patrão. Jograis inventores. Um deles sustenta impávido que a presidenta Dilma despenca em São Paulo para recomendar a Lula toda a cautela em apoiar a CPI do Cachoeira, caldeirão ao fogo, do qual respingos candentes poderão atingir o PT. É possível. E daí? Certo é que a recomendação não houve. E que o Partido dos Trabalhadores escala, no topo da pirâmide, um presidente, Rui Falcão, tão pateticamente desastrado ao rolar a bola na boca da pequena área para o chute midiático. Disse ele que a CPI vinha para “expor a farsa do mensalão”.
De graça, ofertou a deixa preciosa aos inimigos. Só faltava essa…
De todo modo, o mensalão. Se o inquérito policial falou claro a respeito de Cachoeira e companhia, o mensalão ainda não foi provado. É este um velho argumento de Carta Capital, pisado e repisado. É inaceitável, em tese, antecipar-se ao julgamento, mesmo que no caso haja razoável clareza para admitir outros crimes, como uso de caixa 2 e lavagem de dinheiro. Não há provas, contudo, de um pagamento mensal, mesada pontual a irrigar o Congresso. A sentença compete ao Supremo, e a presença de Ayres Brito na presidência do tribunal representa uma garantia. O mesmo Ayres Brito que não aceita declarar mensalão enquanto carece de provas.
Sobra a CPI do Cachoeira. Veremos o que veremos. Resta, de minha parte, a convicção de que poderia tornar-se o inquérito da mídia nativa. Outros são os jornalistas (jornalistas?) envolvidos, além de Policarpo Junior, de sorte a configurar a chance de naufrágio corporativo. Entendam bem, evito ilusões. Não creio, infelizmente, que o Brasil esteja maduro para certos exames de consciência entre o fígado e a alma.
Casa-grande e senzala continuam de pé e, por ora, falta quem se atire à demolição. No fundo, os graúdos sempre anseiam aparecer no Jornal Nacional e nas páginas amarelas de Veja. Um convescote promovido por João Dória Jr., de próxima realização, conta com a presença de 14 governadores. Nem ouso me referir ao ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de Cachoeira. O qual, obviamente, está em ótimas mãos. Igual a Daniel Dantas.
Resta algo mais, merecedor de destaque e, suponho em vão, da atenção da mídia nativa. Passou oito anos a agredir o presidente Lula e o agredido contumaz deixou o governo com quase 90% de aprovação. A presidenta Dilma, embora ex-guerrilheira não é ex-metalúrgica, e tem merecido alguma condescendente compreensão. Mesmo assim, se houver oportunidade, não será poupada. Por enquanto, cuida-se, de quando em quando, de colocar pedras em seu caminho. Não são o bastante, ela cresce inexoravelmente em popularidade. Não me arrisco a crer que os alicerces da senzala comecem a ser abalados, já me enganei demais ao longo da vida. Por parte da mídia, não valeria, porém, analisar os fatos com um mínimo de realismo?
Mino Carta
sábado, 21 de abril de 2012
(...) Segundo a mídia, a CPI destina-se a desviar a atenção da opinião pública do derradeiro e decisivo capítulo do processo chamado mensalão. Com isso, a CPI pretenderia esconder a gravidade do escândalo a ser julgado pelo Supremo.
O caso revelado pelo vazamento dos inquéritos policiais que levaram à prisão do bicheiro Cachoeira existe. Pode-se questionar o fato de que o vazamento se tenha dado neste exato instante, mas nada ali é invenção. Inclusive, a peculiar, profunda ligação do jornalista Policarpo Junior, diretor da sucursal de Veja em Brasília, com o infrator enfim preso.
(...)
Não faltam, nesta área, os alquimistas, treinados com requinte para cumprir a vontade do patrão. Jograis inventores. Um deles sustenta impávido que a presidenta Dilma despenca em São Paulo para recomendar a Lula toda a cautela em apoiar a CPI do Cachoeira, caldeirão ao fogo, do qual respingos candentes poderão atingir o PT. É possível. E daí? Certo é que a recomendação não houve. E que o Partido dos Trabalhadores escala, no topo da pirâmide, um presidente, Rui Falcão, tão pateticamente desastrado ao rolar a bola na boca da pequena área para o chute midiático. Disse ele que a CPI vinha para “expor a farsa do mensalão”.
De graça, ofertou a deixa preciosa aos inimigos. Só faltava essa…
De todo modo, o mensalão. Se o inquérito policial falou claro a respeito de Cachoeira e companhia, o mensalão ainda não foi provado. É este um velho argumento de Carta Capital, pisado e repisado. É inaceitável, em tese, antecipar-se ao julgamento, mesmo que no caso haja razoável clareza para admitir outros crimes, como uso de caixa 2 e lavagem de dinheiro. Não há provas, contudo, de um pagamento mensal, mesada pontual a irrigar o Congresso. A sentença compete ao Supremo, e a presença de Ayres Brito na presidência do tribunal representa uma garantia. O mesmo Ayres Brito que não aceita declarar mensalão enquanto carece de provas.
Sobra a CPI do Cachoeira. Veremos o que veremos. Resta, de minha parte, a convicção de que poderia tornar-se o inquérito da mídia nativa. Outros são os jornalistas (jornalistas?) envolvidos, além de Policarpo Junior, de sorte a configurar a chance de naufrágio corporativo. Entendam bem, evito ilusões. Não creio, infelizmente, que o Brasil esteja maduro para certos exames de consciência entre o fígado e a alma.
Casa-grande e senzala continuam de pé e, por ora, falta quem se atire à demolição. No fundo, os graúdos sempre anseiam aparecer no Jornal Nacional e nas páginas amarelas de Veja. Um convescote promovido por João Dória Jr., de próxima realização, conta com a presença de 14 governadores. Nem ouso me referir ao ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, advogado de Cachoeira. O qual, obviamente, está em ótimas mãos. Igual a Daniel Dantas.
Resta algo mais, merecedor de destaque e, suponho em vão, da atenção da mídia nativa. Passou oito anos a agredir o presidente Lula e o agredido contumaz deixou o governo com quase 90% de aprovação. A presidenta Dilma, embora ex-guerrilheira não é ex-metalúrgica, e tem merecido alguma condescendente compreensão. Mesmo assim, se houver oportunidade, não será poupada. Por enquanto, cuida-se, de quando em quando, de colocar pedras em seu caminho. Não são o bastante, ela cresce inexoravelmente em popularidade. Não me arrisco a crer que os alicerces da senzala comecem a ser abalados, já me enganei demais ao longo da vida. Por parte da mídia, não valeria, porém, analisar os fatos com um mínimo de realismo?
Mino Carta
sábado, 21 de abril de 2012
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