O advogado João Lucena Leal, radicado em Rondônia há trinta anos, chocou o Brasil, em rede nacional de televisão, com um depoimento frio sobre mortes e torturas durante o regime militar.
Lucena, que é considerado um dos maiores torturadores ainda vivos, falou ao jornalista Roberto Cabrini, do programa Conexão Repórter, do SBT.
Agente da repressão a serviço dos militares que tomaram o poder no País com o golpe de março de 1964, João Lucena Leal foi descrito como o típico homem dos porões da ditadura. Na entrevista, Lucena descreveu, com tranqüilidade e frieza, o que viu e o que fez com os adversários políticos do regime. "O sujetio amarrado, algemado e o executor puxava o gatilho e matava", disse ele ao narrar uma das cenas entre as inúmeras das quais presenciou e participou.
Para Lucena, a tortura se justifica "para extrair uma informação ardente".
Fazia parte de seu trabalho extrair tais informações dos ativistas políticos. "Eu executava com nobreza", acrescentou. Ex-delegado da Polícia Federal, mesmo acusado de cometer atrocidades, Lucena disse estar orgulhoso de tudo o que fez.
Com a saúde severamente abalada após um ataque cardíaco e acusado de ser um torturador impiedoso, mesmo assim o homem da repressão diz ter a consciência e um sono tranqüilos.
Na entrevista, informou ter apenas um remorso. Foi quando viu o corpo de uma moça de 17 anos morta pelos militares. "Peguei no corpo dela e ainda estava quente. A moça não tinha ideologia nenhuma".
Em Rondônia, Lucena ficou rico como advogado de traficantes e de notórios assassinos, como o fazendeiro Darli Alves, que matou a tiros, no Acre, o líder seringueiro Chico Mendes.
Mostrando profundo conhecimento no assunto, o advogado disse que, na sua época, o método mais utilizado era o pau de arara, nas suas palavras , "um instrumento cruel, devastador, que deixa seqüelas. Tem muita gente que não resiste meia hora e conta tudo. Às vezes, é só mostrar o instrumento e ele (a vítima) abre".
O hoje professor José Auri Pinheiro, professor na época, foi torturado barbaramente por dois dias. Ele reconheceu Lucena durante a entrevista a Roberto Cabrini, que lhe mostrou uma foto do advogado quando ainda era mais novo. "O Lucena é um torturador conhecido aqui no Ceará. Em 1973 fui torturado por ele, que é um sujetio explosivo, impulsivo e malvado, que só falava em matar, em destruir as pessoas", contou Auri. Segundo ele, Lucena torturava as vítimas ” com sadismo, com convicção”.
Lucena afirmou ter visto de dez a 15 execuções de guerrilheiros do PC do B no Araguaia, entre elas, a morte de uma jovem identificada por ele como Sônia, que foi assassinada pelo hoje major reformado do Exército Sebastião Curió.
No meio da entrevista, João Lucena disse que, no Araguaia, foi preso o então estudante José Genoíno, que viria a ser presidente do Partido dos Trabalhadores e atualmente é assessor do Ministério da Defesa.
Segundo Lucena, Genoíno não foi torturado e fez um acordo para delatar os companheiros de guerrilha. O major Sebastião Curió confirma a afirmação de Lucena sobre o ex-dirigente petista. "O Genoíno não foi torturado e entregou todo mundo".
Tanto Curió quanto Lucena participaram das investigações e prisão da hoje presidente Dilma Rousseff, então militante política. "Ela (Dilma) era uma menina de 17 ou 18 anos de idade que foi presa e levada para a Operação Bandeirantes e entregue ao delegado Fleury (Sérgio Paranhos Fleury, notório torturador".
Por Nilva de Souza
Do Pragmatismo Político
sexta-feira, 23 de setembro de 2011
sábado, 17 de setembro de 2011
O QUE O BRASIL ESCONDE
Revista IstoÉ
Edição nº 2184 | 16.Set.11
O que se sabe é que perduram pelo menos quatro grandes vertentes de mistérios a ser desvendados na história recente do País:
O primeiro desses grupos refere-se à fase inicial da revolução (sic), de 1964 até o sequestro do embaixador suíço Giovanni Butcher, em 1970, quando a matança de inimigos ainda não havia se constituído propriamente numa clara política de governo. Mesmo assim, o aparelho de repressão produziu uma série de vítimas. Os episódios foram pontuais e não há documentos oficiais conhecidos capazes de esclarecê-los. Entre os mais emblemáticos está a morte do ex-sargento Manoel Raimundo Soares, cujo cadáver foi encontrado boiando no rio Jacuí, em Porto Alegre, no que ficou conhecido como “caso das mãos amarradas”, de 1966. Também é dessa fase o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva. Sequestrado em 20 de janeiro de 1971 dentro de sua própria casa, no Rio de Janeiro, Paiva foi morto após dois dias de tortura no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A ocultação da morte envolveu esforços da cúpula do governo e até hoje pouco se sabe dela. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, embora tenha ocorrido um pouco depois, em 1974, também pode ser incluído entre casos pontuais ainda sem explicação.
A outra vertente de mistério pertence à fase da chamada política de extermínio urbano, que vitimou militantes que retornaram de Cuba, banidos pelo regime militar e dirigentes de organizações de esquerda. É o momento em que começa a ficar claro que a repressão e a tortura fazem parte de uma política de Estado e não são apenas obras de agentes descontrolados dos porões da tortura. Uma das vítimas famosas do período é o estudante Frederico Eduardo Mayr, morto sob tortura. Os documentos conhecidos sobre sua prisão são típicos daqueles anos de chumbo: contraditórios e inconclusivos.
O terceiro grupo de episódios pendentes de esclarecimento refere-se aos fatos ocorridos a partir de outubro de 1973 durante a Guerrilha do Araguaia, quando todos os que estavam em batalha morreram. Integrante do grupo de trabalho criado pelo Ministério da Defesa para reconstituir o conflito, Myrian Alves sustenta que é no movimento organizado pelo PCdoB que estão os principais “esqueletos” escondidos tanto pela ditadura quanto pelo próprio partido. Entre eles, o sumiço do soldado Valdir de Paula, que pertencia ao comando militar do Pará.
O quarto e último grande grupo de mistérios do período da repressão remete já ao fim da ditadura militar, quando são exterminados dirigentes do PCB, durante a chamada Operação Radar. São casos como o de Orlando Bonfim Júnior, um dos “desaparecidos” do perío¬do. Não há sinais de Bonfim desde que ele foi levado por agentes da repressão ao presídio Castelo Branco, em outubro de 1975. “A resposta que buscamos é única: a verdade, o que aconteceu, onde estão os desaparecidos. Vamos esclarecer e virar essa página”, diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Para Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, a Comissão chega num instante em que o efeito do tempo é benéfico, “porque a distância dos fatos permite que hoje eles possam ser administrados de forma menos apaixonada”.
Pelo acordo fechado com o colégio de líderes pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Celso Amorim (Defesa) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), é provável que o projeto que cria a Comissão da Verdade seja aprovado na íntegra, como quer o governo. Por ele, a Comissão terá dois anos de vigência, seus sete integrantes serão insubstituíveis e terão ainda completa autonomia para revirar a história em busca da verdade. Ex-militante do PCdoB, preso na Guerrilha do Araguaia, torturado e condenado pela Justiça Militar, o ex-deputado José Genoino, assessor especial do Ministério da Defesa, afirma que não há riscos de a investigação descambar para o revanchismo nem de recolocar na agenda a lei de anistia ou a punição dos torturadores. Ele diz que o que foi pactuado pacifica o País, repõe a verdade histórica e afasta as animosidades que alimentaram a “guerra fria” entre esquerda e direita nos últimos 50 anos. “A comissão não será palanque e nem discutirá o que já foi resolvido pela anistia”, garante Genoino.
Edição nº 2184 | 16.Set.11
O que se sabe é que perduram pelo menos quatro grandes vertentes de mistérios a ser desvendados na história recente do País:
O primeiro desses grupos refere-se à fase inicial da revolução (sic), de 1964 até o sequestro do embaixador suíço Giovanni Butcher, em 1970, quando a matança de inimigos ainda não havia se constituído propriamente numa clara política de governo. Mesmo assim, o aparelho de repressão produziu uma série de vítimas. Os episódios foram pontuais e não há documentos oficiais conhecidos capazes de esclarecê-los. Entre os mais emblemáticos está a morte do ex-sargento Manoel Raimundo Soares, cujo cadáver foi encontrado boiando no rio Jacuí, em Porto Alegre, no que ficou conhecido como “caso das mãos amarradas”, de 1966. Também é dessa fase o assassinato do ex-deputado Rubens Paiva. Sequestrado em 20 de janeiro de 1971 dentro de sua própria casa, no Rio de Janeiro, Paiva foi morto após dois dias de tortura no Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi). A ocultação da morte envolveu esforços da cúpula do governo e até hoje pouco se sabe dela. O assassinato do jornalista Vladimir Herzog, embora tenha ocorrido um pouco depois, em 1974, também pode ser incluído entre casos pontuais ainda sem explicação.
A outra vertente de mistério pertence à fase da chamada política de extermínio urbano, que vitimou militantes que retornaram de Cuba, banidos pelo regime militar e dirigentes de organizações de esquerda. É o momento em que começa a ficar claro que a repressão e a tortura fazem parte de uma política de Estado e não são apenas obras de agentes descontrolados dos porões da tortura. Uma das vítimas famosas do período é o estudante Frederico Eduardo Mayr, morto sob tortura. Os documentos conhecidos sobre sua prisão são típicos daqueles anos de chumbo: contraditórios e inconclusivos.
O terceiro grupo de episódios pendentes de esclarecimento refere-se aos fatos ocorridos a partir de outubro de 1973 durante a Guerrilha do Araguaia, quando todos os que estavam em batalha morreram. Integrante do grupo de trabalho criado pelo Ministério da Defesa para reconstituir o conflito, Myrian Alves sustenta que é no movimento organizado pelo PCdoB que estão os principais “esqueletos” escondidos tanto pela ditadura quanto pelo próprio partido. Entre eles, o sumiço do soldado Valdir de Paula, que pertencia ao comando militar do Pará.
O quarto e último grande grupo de mistérios do período da repressão remete já ao fim da ditadura militar, quando são exterminados dirigentes do PCB, durante a chamada Operação Radar. São casos como o de Orlando Bonfim Júnior, um dos “desaparecidos” do perío¬do. Não há sinais de Bonfim desde que ele foi levado por agentes da repressão ao presídio Castelo Branco, em outubro de 1975. “A resposta que buscamos é única: a verdade, o que aconteceu, onde estão os desaparecidos. Vamos esclarecer e virar essa página”, diz o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Para Paulo Abrão, secretário nacional de Justiça, a Comissão chega num instante em que o efeito do tempo é benéfico, “porque a distância dos fatos permite que hoje eles possam ser administrados de forma menos apaixonada”.
Pelo acordo fechado com o colégio de líderes pelos ministros José Eduardo Cardozo (Justiça), Celso Amorim (Defesa) e Maria do Rosário (Direitos Humanos), é provável que o projeto que cria a Comissão da Verdade seja aprovado na íntegra, como quer o governo. Por ele, a Comissão terá dois anos de vigência, seus sete integrantes serão insubstituíveis e terão ainda completa autonomia para revirar a história em busca da verdade. Ex-militante do PCdoB, preso na Guerrilha do Araguaia, torturado e condenado pela Justiça Militar, o ex-deputado José Genoino, assessor especial do Ministério da Defesa, afirma que não há riscos de a investigação descambar para o revanchismo nem de recolocar na agenda a lei de anistia ou a punição dos torturadores. Ele diz que o que foi pactuado pacifica o País, repõe a verdade histórica e afasta as animosidades que alimentaram a “guerra fria” entre esquerda e direita nos últimos 50 anos. “A comissão não será palanque e nem discutirá o que já foi resolvido pela anistia”, garante Genoino.
A TERRA SE DEFENDE
Por Leonardo Boff
Hoje é vastamente aceita e entrou já nos manuais de ecologia mais recentes (cf.R. Barbault, Ecologia Geral, Vozes 2011) a ideia de que a Terra é viva.
Primeiramente, ela foi proposta pelo geoquímico russo W. Vernadsky na década de 1920 e retomada, nos anos de 1970, com mais profundidade por J. Lovelock e entre nós por J. Lutzenberger, chamando-a de Gaia. Com isso se quer significar que a Terra é um gigantesco superorganismo que se autorregula, fazendo com que todos os seres se interconectem e cooperem entre si. Nada está à parte, pois tudo é expressão da vida de Gaia, inclusive as sociedades humanas, seus projetos culturais e suas formas de produção e consumo.
Ao gerar o ser humano, consciente e livre, a própria Gaia se pôs em risco. Ele é chamado a viver em harmonia com ela mas pode também o romper o laço de pertença. Ela é tolerante, mas quando a ruptura se torna danosa para o todo, ela nos dá amargas lições.
Todos estão lamentando o baixo crescimento mundial, especialmente nos países centrais. As razões aduzidas são múltiplas. Mas para uma visão da ecologia radical, não se deveria excluir a interpretação de que tal fato resulte de uma reação da própria Terra face à excessiva exploração pelo sistema produtivista e consumista que tomou conta do mundo. Ele levou tão longe a agressão ao sistema-Terra a ponto de, como afirmam alguns cientistas, inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno, o ser humano como uma força geológica destrutiva, acelerando a sexta extinção em massa que já há milênios está em curso.
Gaia estaria se defendendo, debilitando as condições do arraigado mito de todas as sociedades atuais, inclusive a do Brasil: do crescimento, o maior possível, com consumo ilimitado.
Já em 1972 o Clube de Roma se dava conta dos limites do crescimento, este não sendo mais suportável pela Terra. Ela precisa de um ano e meio para repor o que extraímos dela num ano. Portanto, o crescimento é hostil à vida e fere a resiliência da Mãe Terra. Mas não sabemos nem queremos interpretar os sinais que ela nos dá. Queremos continuar a crescer mais e mais e, consequentemente, a consumir à tripa forra. O relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, prevê para 2012 um crescimento mundial de 4,3%. Vale dizer, vamos tirar mais riquezas da Terra, desequilibrando-a como se mostra pelo aquecimento global.
A “Avaliação Sistêmica do Milênio” realizada entre 2001 e 2005 pela ONU, ao constatar a degradação dos principais itens que sustentam a vida advertiu: ou mudamos de rota ou pomos em risco o futuro de nossa civilização.
A crise econômico-financeira de 2008 e retornada agora em 2011 refuta o mito do crescimento. Há uma cegueira generalizada que não poupa sequer os 17 Nobeis da economia, como se viu recentemente no seu encontro no lago Lindau no sul da Alemanha. À exceção de J. Stiglitz, todos eram concordes em sustentar que o marco teórico da atual economia não teve nenhuma responsabilidade pela crise atual (Página 12, B. Aires, 28/08/2011). Por isso, ingenuamente postularam seguir a mesma rota de crescimento, com correções, sem se dar conta de que estão sendo maus conselheiros.
Mas importa reconhecer um dilema de difícil solução: há regiões do planeta que precisam crescer para atender demandas de pobres, obviamente, cuidando da natureza e evitando a incorporação da cultura do consumismo; e outras regiões já superdesenvolvidas precisam ser solidárias com as pobres, controlar seu crescimento, tomar apenas o que é natural e renovável, restaurar o que devastaram e devolver mais do que retiraram para que as futuras gerações também possam viver com dignidade, junto com a comunidade de vida.
A redução atual do crescimento representaria uma reação sábia da própria Terra que nos passa este recado: “parem com a idéia tresloucada de um crescimento ilimitado, pois ele é como um câncer que vai comendo todas as células sãs; busquem o desenvolvimento humano, dos bens intangíveis que, este sim, pode crescer sem limites como o amor, o cuidado, a solidariedade, a compaixão, a criação artística e espiritual”.
Não incorro em erro na crença de que está havendo ouvidos atentos para essa mensagem e que faremos a travessia ansiada.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.
Hoje é vastamente aceita e entrou já nos manuais de ecologia mais recentes (cf.R. Barbault, Ecologia Geral, Vozes 2011) a ideia de que a Terra é viva.
Primeiramente, ela foi proposta pelo geoquímico russo W. Vernadsky na década de 1920 e retomada, nos anos de 1970, com mais profundidade por J. Lovelock e entre nós por J. Lutzenberger, chamando-a de Gaia. Com isso se quer significar que a Terra é um gigantesco superorganismo que se autorregula, fazendo com que todos os seres se interconectem e cooperem entre si. Nada está à parte, pois tudo é expressão da vida de Gaia, inclusive as sociedades humanas, seus projetos culturais e suas formas de produção e consumo.
Ao gerar o ser humano, consciente e livre, a própria Gaia se pôs em risco. Ele é chamado a viver em harmonia com ela mas pode também o romper o laço de pertença. Ela é tolerante, mas quando a ruptura se torna danosa para o todo, ela nos dá amargas lições.
Todos estão lamentando o baixo crescimento mundial, especialmente nos países centrais. As razões aduzidas são múltiplas. Mas para uma visão da ecologia radical, não se deveria excluir a interpretação de que tal fato resulte de uma reação da própria Terra face à excessiva exploração pelo sistema produtivista e consumista que tomou conta do mundo. Ele levou tão longe a agressão ao sistema-Terra a ponto de, como afirmam alguns cientistas, inauguramos uma nova era geológica: o antropoceno, o ser humano como uma força geológica destrutiva, acelerando a sexta extinção em massa que já há milênios está em curso.
Gaia estaria se defendendo, debilitando as condições do arraigado mito de todas as sociedades atuais, inclusive a do Brasil: do crescimento, o maior possível, com consumo ilimitado.
Já em 1972 o Clube de Roma se dava conta dos limites do crescimento, este não sendo mais suportável pela Terra. Ela precisa de um ano e meio para repor o que extraímos dela num ano. Portanto, o crescimento é hostil à vida e fere a resiliência da Mãe Terra. Mas não sabemos nem queremos interpretar os sinais que ela nos dá. Queremos continuar a crescer mais e mais e, consequentemente, a consumir à tripa forra. O relatório “Perspectivas Econômicas Mundiais” do FMI, prevê para 2012 um crescimento mundial de 4,3%. Vale dizer, vamos tirar mais riquezas da Terra, desequilibrando-a como se mostra pelo aquecimento global.
A “Avaliação Sistêmica do Milênio” realizada entre 2001 e 2005 pela ONU, ao constatar a degradação dos principais itens que sustentam a vida advertiu: ou mudamos de rota ou pomos em risco o futuro de nossa civilização.
A crise econômico-financeira de 2008 e retornada agora em 2011 refuta o mito do crescimento. Há uma cegueira generalizada que não poupa sequer os 17 Nobeis da economia, como se viu recentemente no seu encontro no lago Lindau no sul da Alemanha. À exceção de J. Stiglitz, todos eram concordes em sustentar que o marco teórico da atual economia não teve nenhuma responsabilidade pela crise atual (Página 12, B. Aires, 28/08/2011). Por isso, ingenuamente postularam seguir a mesma rota de crescimento, com correções, sem se dar conta de que estão sendo maus conselheiros.
Mas importa reconhecer um dilema de difícil solução: há regiões do planeta que precisam crescer para atender demandas de pobres, obviamente, cuidando da natureza e evitando a incorporação da cultura do consumismo; e outras regiões já superdesenvolvidas precisam ser solidárias com as pobres, controlar seu crescimento, tomar apenas o que é natural e renovável, restaurar o que devastaram e devolver mais do que retiraram para que as futuras gerações também possam viver com dignidade, junto com a comunidade de vida.
A redução atual do crescimento representaria uma reação sábia da própria Terra que nos passa este recado: “parem com a idéia tresloucada de um crescimento ilimitado, pois ele é como um câncer que vai comendo todas as células sãs; busquem o desenvolvimento humano, dos bens intangíveis que, este sim, pode crescer sem limites como o amor, o cuidado, a solidariedade, a compaixão, a criação artística e espiritual”.
Não incorro em erro na crença de que está havendo ouvidos atentos para essa mensagem e que faremos a travessia ansiada.
Leonardo Boff é teólogo, filósofo e escritor.
sexta-feira, 16 de setembro de 2011
VÍTIMAS DA DITADURA: STUART EDGAR ANGEL JONES
Stuart Edgar Angel Jones era filho da estilista de alta costura Zuzu Angel com o norte-americano Norman Angel Jones. Nasceu em Salvador, em 11/01/1945 e cresceu no Rio de Janeiro. Era estudante de Economia na Universidade Federal do Rio de Janeiro, tendo trabalhado também como professor. Em 18/08/1968, havia casado com Sonia Maria Lopes de Moraes e Moravam na Tijuca.
Era militante do Militante do MR-8
Foi preso por volta das 9h da manhã do dia 14 de maio de 1971, na avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro.
As circunstâncias de sua morte sob torturas foram narradas, em carta à sua mãe, Zuzu, pelo preso político Alex Polari de Alverga, que esteve com ele, preso na unidade da Aeronáutica, na Base Aérea do Galeão.
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos.”
Presume-se que os militares o torturaram com tamanha brutalidade porque pretendiam, através dele, chegar a Carlos Lamarca, recentemente integrado à organização.
Zuzu Angel procurou o filho infatigavelmente, abordando autoridades nacionais e internacionais e concedendo entrevistas a quantos veículos de imprensa tivessem a coragem de publicá-las. Conseguiu fazer chegar sua denúncia ao então senador Edward Kennedy, que levou o caso à tribuna do Senado dos Estados Unidos.
Pessoalmente, conseguiu entregar ao secretário de Estado Henry Kissinger, em visita ao Brasil em fevereiro de 1976, uma carta com a denúncia e um exemplar do livro de Hélio Silva, onde era relatada a morte de Stuart. Todos os principais jornais estrangeiros registraram o fato, em especial o Washington Post e Le Monde.
Zuzu foi morta, em março de 1976, sem nunca descobrir qualquer indício do paradeiro do filho. O desaparecimento de Stuart e a luta de Zuzu foram evocados por Chico Buarque e Miltinho na canção Angélica, de 1977, e levados ao cinema, em 2006, pelo diretor Sérgio Rezende, tendo a atriz Patrícia Pilar atuado como a mãe de Stuart.
No livro “Desaparecidos Políticos”, Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa escrevem:
“Para o desaparecimento do corpo existem duas versões. A primeira é de que teria sido transportado por um helicóptero da Marinha para uma área militar localizada na restinga de Marambaia, na Barra de Guaratiba, próximo à zona rural do Rio, e jogado em alto-mar pelo mesmo helicóptero. Mas, de acordo com outras informações, o corpo de Stuart teria sido enterrado como indigente, com o nome trocado, num cemitério de um subúrbio carioca, provavelmente Inhaúma.”
Muito mais que um exemplo de coragem, a estilista Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel, foi uma mãe determinada a dizer ao mundo como é cruel ter um filho assassinado sob torturas e não ter o direito de sepultá-lo com dignidade.
Longe de ser uma ativista política, Zuzu Angel era apenas uma estilista reconhecida do Brasil e no exterior preocupada em fazer o seu trabalho.
Zuzu Angel gostava de mostrar aos amigos a última carta que recebera de seu filho:
“Mãe,
Você me pergunta se eu acredito em Deus e eu te pergunto, que Deus? Tem sido minha missão te mostrar Deus dentro do homem, pois, somente no homem ele pode existir.
Não há homem pobre ou insignificante que pareça ser, que não tenha uma missão. Todo homem por si só influencia a natureza do futuro. Através de nossas vidas nós criamos ações que resultam na multiplicação de reações.
Esse poder, que todos nós possuímos, esse poder de mudar o curso da história, é o poder de Deus. Confrontado com essa responsabilidade divina eu me curvo diante do Deus dentro de mim.
Adaptado do Jornal "O Berro"
Era militante do Militante do MR-8
Foi preso por volta das 9h da manhã do dia 14 de maio de 1971, na avenida 28 de Setembro, em Vila Isabel, zona norte do Rio de Janeiro.
As circunstâncias de sua morte sob torturas foram narradas, em carta à sua mãe, Zuzu, pelo preso político Alex Polari de Alverga, que esteve com ele, preso na unidade da Aeronáutica, na Base Aérea do Galeão.
“Em um momento retiraram o capuz e pude vê-lo sendo espancado depois de descido do pau-de-arara. Antes, à tarde, ouvi durante muito tempo um alvoroço no pátio. Havia barulho de carros sendo ligados, acelerações, gritos, e uma tosse constante de engasgo e que pude notar que se sucedia sempre às acelerações. Consegui com muito esforço olhar pela janela que ficava a uns dois metros do chão e me deparei com algo difícil de esquecer: junto a um sem número de torturadores, oficiais e soldados, Stuart, já com a pele semi-esfolada, era arrastado de um lado para outro do pátio, amarrado a uma viatura e, de quando em quando, obrigado, com a boca quase colada a uma descarga aberta, a aspirar gases tóxicos que eram expelidos.”
Presume-se que os militares o torturaram com tamanha brutalidade porque pretendiam, através dele, chegar a Carlos Lamarca, recentemente integrado à organização.
Zuzu Angel procurou o filho infatigavelmente, abordando autoridades nacionais e internacionais e concedendo entrevistas a quantos veículos de imprensa tivessem a coragem de publicá-las. Conseguiu fazer chegar sua denúncia ao então senador Edward Kennedy, que levou o caso à tribuna do Senado dos Estados Unidos.
Pessoalmente, conseguiu entregar ao secretário de Estado Henry Kissinger, em visita ao Brasil em fevereiro de 1976, uma carta com a denúncia e um exemplar do livro de Hélio Silva, onde era relatada a morte de Stuart. Todos os principais jornais estrangeiros registraram o fato, em especial o Washington Post e Le Monde.
Zuzu foi morta, em março de 1976, sem nunca descobrir qualquer indício do paradeiro do filho. O desaparecimento de Stuart e a luta de Zuzu foram evocados por Chico Buarque e Miltinho na canção Angélica, de 1977, e levados ao cinema, em 2006, pelo diretor Sérgio Rezende, tendo a atriz Patrícia Pilar atuado como a mãe de Stuart.
No livro “Desaparecidos Políticos”, Reinaldo Cabral e Ronaldo Lapa escrevem:
“Para o desaparecimento do corpo existem duas versões. A primeira é de que teria sido transportado por um helicóptero da Marinha para uma área militar localizada na restinga de Marambaia, na Barra de Guaratiba, próximo à zona rural do Rio, e jogado em alto-mar pelo mesmo helicóptero. Mas, de acordo com outras informações, o corpo de Stuart teria sido enterrado como indigente, com o nome trocado, num cemitério de um subúrbio carioca, provavelmente Inhaúma.”
Muito mais que um exemplo de coragem, a estilista Zuleika Angel Jones, mais conhecida como Zuzu Angel, foi uma mãe determinada a dizer ao mundo como é cruel ter um filho assassinado sob torturas e não ter o direito de sepultá-lo com dignidade.
Longe de ser uma ativista política, Zuzu Angel era apenas uma estilista reconhecida do Brasil e no exterior preocupada em fazer o seu trabalho.
Zuzu Angel gostava de mostrar aos amigos a última carta que recebera de seu filho:
“Mãe,
Você me pergunta se eu acredito em Deus e eu te pergunto, que Deus? Tem sido minha missão te mostrar Deus dentro do homem, pois, somente no homem ele pode existir.
Não há homem pobre ou insignificante que pareça ser, que não tenha uma missão. Todo homem por si só influencia a natureza do futuro. Através de nossas vidas nós criamos ações que resultam na multiplicação de reações.
Esse poder, que todos nós possuímos, esse poder de mudar o curso da história, é o poder de Deus. Confrontado com essa responsabilidade divina eu me curvo diante do Deus dentro de mim.
Adaptado do Jornal "O Berro"
domingo, 11 de setembro de 2011
DÍVIDA PÚBLICA
Ultimamente estão escrevendo e falando muito sobre Dívida Pública.
Mas, você sabe o que é dívida pública?
A Dívida pública acontece quando todos os recursos arrecadados pelo Estado com impostos, não é suficiente para cobrir os gastos (do Estado) com as políticas públicas que incluem saúde, obras, aposentadorias, entre outras.
Então, para cumprir suas metas, o governo assume dívidas. É parecido com o orçamento doméstico: se não temos dinheiro para fazer uma reforma na casa, podemos pedir emprestado ao banco.
Essas dívidas são contraídas por meio de emissão de títulos públicos. O título é uma garantia de que o valor investido naquele país (emprestado) por bancos, empresas, particulares ou outro estado, será ressarcido com juros.
Em algumas circunstâncias, o endividamento pode atingir o patamar previsto no orçamento. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos. Os gastos militares com as guerras do Iraque e do Afeganistão, somados à crise financeira de 2008, fizeram com que o limite (US$ 14,3 trilhões ou cerca de R$ 22,2 trilhões), fosse atingido em 16 de maio. Uma manobra do Executivo permitiu estender esse prazo-limite para 2 de agosto, mas algo precisava ser feito.
Então, tivemos os debates no Congresso.
O Partido Democrata, do Presidente, defende que, para conter o déficit público é necessário cortar os gastos de guerra, e talvez aumentar os impostos.
O Partido Republicano, que é oposição ao presidente, mas tem a maioria no Congresso é contra o aumento dos impostos e defende o corte nos gastos públicos (saúde, aposentadoria, etc.).
Agora, preste atenção como está sendo tratado esse assunto pela mídia nacional. De repente as dívidas dos estados tornaram-se as explicações únicas para a crise financeira internacional. Não é o sistema capitalista que atravessa uma crise estrutural – é a dívida do estado.
Provavelmente a idéia seja desviar o foco da necessária reforma fiscal (no Brasil os mais ricos pagam muito menos do que deveriam) e culpar os custos com aposentadoria e saúde (o Brasil possui um dos melhores sistemas mundiais, que inclui saúde universal e aposentarias e pensões para grupos antes esquecidos como o trabalhador rural e empregada doméstica, mas claro, que isso tem preço).
Ou seja, a culpa da crise é a dívida. Mas não a dívida com guerras, com negociatas e favorecimentos, mas a dívida com o povo (a pública).
Não são as falências fraudulentas, as especulações irresponsáveis, os investimentos e trocas de favores os responsáveis pelas dificuldades atuais. São os benefícios, na maioria de um salário mínimo, os medicamentos gratuítos, as pensões...essas são as causas da crise.
Entendeu?
Não concorda? Então, observe os noticiários e depois me diga.
Prof. Péricles
Mas, você sabe o que é dívida pública?
A Dívida pública acontece quando todos os recursos arrecadados pelo Estado com impostos, não é suficiente para cobrir os gastos (do Estado) com as políticas públicas que incluem saúde, obras, aposentadorias, entre outras.
Então, para cumprir suas metas, o governo assume dívidas. É parecido com o orçamento doméstico: se não temos dinheiro para fazer uma reforma na casa, podemos pedir emprestado ao banco.
Essas dívidas são contraídas por meio de emissão de títulos públicos. O título é uma garantia de que o valor investido naquele país (emprestado) por bancos, empresas, particulares ou outro estado, será ressarcido com juros.
Em algumas circunstâncias, o endividamento pode atingir o patamar previsto no orçamento. Foi o que aconteceu nos Estados Unidos. Os gastos militares com as guerras do Iraque e do Afeganistão, somados à crise financeira de 2008, fizeram com que o limite (US$ 14,3 trilhões ou cerca de R$ 22,2 trilhões), fosse atingido em 16 de maio. Uma manobra do Executivo permitiu estender esse prazo-limite para 2 de agosto, mas algo precisava ser feito.
Então, tivemos os debates no Congresso.
O Partido Democrata, do Presidente, defende que, para conter o déficit público é necessário cortar os gastos de guerra, e talvez aumentar os impostos.
O Partido Republicano, que é oposição ao presidente, mas tem a maioria no Congresso é contra o aumento dos impostos e defende o corte nos gastos públicos (saúde, aposentadoria, etc.).
Agora, preste atenção como está sendo tratado esse assunto pela mídia nacional. De repente as dívidas dos estados tornaram-se as explicações únicas para a crise financeira internacional. Não é o sistema capitalista que atravessa uma crise estrutural – é a dívida do estado.
Provavelmente a idéia seja desviar o foco da necessária reforma fiscal (no Brasil os mais ricos pagam muito menos do que deveriam) e culpar os custos com aposentadoria e saúde (o Brasil possui um dos melhores sistemas mundiais, que inclui saúde universal e aposentarias e pensões para grupos antes esquecidos como o trabalhador rural e empregada doméstica, mas claro, que isso tem preço).
Ou seja, a culpa da crise é a dívida. Mas não a dívida com guerras, com negociatas e favorecimentos, mas a dívida com o povo (a pública).
Não são as falências fraudulentas, as especulações irresponsáveis, os investimentos e trocas de favores os responsáveis pelas dificuldades atuais. São os benefícios, na maioria de um salário mínimo, os medicamentos gratuítos, as pensões...essas são as causas da crise.
Entendeu?
Não concorda? Então, observe os noticiários e depois me diga.
Prof. Péricles
MARCHAS E MARCHANTES
As passeatas promovidas, inicialmente em redes sociais (?), e depois com hora e trajeto intensamente divulgados pela mídia, chamaram a atenção nos últimos dias.
Inicialmente, todo mundo é contra a corrupção. Qual cidadão brasileiro a defenderia?
Fazer passeata contra a corrupção é como fazer passeata contra o câncer. Bonitinho, mas inócuo.
Mas, junto com a aparente unanimidade de um movimento assim constituído, podemos ter inúmeras segundas intenções, que, claro, é próprio da política e da politicagem.
O maior perigo de movimentos assim são seus desdobramenos conforme o interesse de quem os organiza.
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi um movimento que nasceu dessa forma.
Auto denominando-se defensores da moral e dos bons costumes elegeram o governo do presidente João Goulart o responsável pela secular corrupção brasileira. De passagem, e não menos ímpeto, acusaram o presidente e seus auxiliares de comunistas. Assim, os defensores da moral uniram a corrupção à ideologia e a um governo. Tornaram-se proprietários puritanos da moral exigindo um golpe que derrubasse o poder constituído e salvasse a família brasileira.
A marcha, promovida pelas mulheres mineiras e que depois se alastrou por vários estados, clamou pelo golpe militar de 64. Segundo muitos foi ela que fez optar pelo golpe até militares que, inicialmente, eram contra ele, como o General Castelo Branco.
Pois deu-se o golpe e a corrupção não desapareceu.
Seguiram-se 20 anos de trevas e autoritarismo. Foram-se os antigos corruptos e novos tomaram seu lugar. Aliás, esse é o procedimento de todas as ditaduras: afastar os corruptos inimigos e colocar no lugar os corruptos amigos.
Não se pode partidarizar a corrupção. Ela é tão antiga quanto o Brasil e mais global do que o sistema financeiro. Não se pode permitir essa partidarização, pois isso é burro, injusto e desconhece a história do Brasil.
Na verdade, a corrupção começa na própria forma com que nosso sistema político está organizado, principalmente, nas questões de financiamento das campanhas eleitorais. É aí que os conchavos, acordos e alianças de interesses fazem nascer compromissos que mais tarde realimentarão o processo da corrupção.
Em vez de passeatas vazias deveríamos sair às ruas exigindo uma reforma política profunda, que torne absolutamente claro os investimentos de campanha. Que criasse o sistema unicameral extinguindo o senado que nunca serviu pra nada maior em nosso país já que nunca fomos realmente uma federação. Isso, por si só já traria um controle relativo que atualmente é impossível.
Em vez de passeatas contra o óbvio faria melhor o cidadão brasileiro sair às ruas quando elementos de um partido ameaçassem a presidenta de uma derrota no Congresso se continuasse a “limpa” em seu ministério.
Além disso, deveríamos trabalhar solução desse problema da corrupção no mesmo lugar onde nascem todos os nossos problemas e suas soluções: o nosso íntimo.
Não podemos exigir um sistema político e uma máquina administrativa menos corrupta enquanto nós mesmos não nos reformarmos no exercício da cidadania.
Não pode um povo que fura fila, que estaciona em fila dupla, que burla a Lei sempre que possível, que busca vantagem em tudo, que oferece propina à autoridade para obter vantagens, querer um congresso límpido como um coral de anjos.
Na verdade, cada congresso espelha fielmente seu próprio povo.
Inicialmente, todo mundo é contra a corrupção. Qual cidadão brasileiro a defenderia?
Fazer passeata contra a corrupção é como fazer passeata contra o câncer. Bonitinho, mas inócuo.
Mas, junto com a aparente unanimidade de um movimento assim constituído, podemos ter inúmeras segundas intenções, que, claro, é próprio da política e da politicagem.
O maior perigo de movimentos assim são seus desdobramenos conforme o interesse de quem os organiza.
A Marcha da Família com Deus pela Liberdade foi um movimento que nasceu dessa forma.
Auto denominando-se defensores da moral e dos bons costumes elegeram o governo do presidente João Goulart o responsável pela secular corrupção brasileira. De passagem, e não menos ímpeto, acusaram o presidente e seus auxiliares de comunistas. Assim, os defensores da moral uniram a corrupção à ideologia e a um governo. Tornaram-se proprietários puritanos da moral exigindo um golpe que derrubasse o poder constituído e salvasse a família brasileira.
A marcha, promovida pelas mulheres mineiras e que depois se alastrou por vários estados, clamou pelo golpe militar de 64. Segundo muitos foi ela que fez optar pelo golpe até militares que, inicialmente, eram contra ele, como o General Castelo Branco.
Pois deu-se o golpe e a corrupção não desapareceu.
Seguiram-se 20 anos de trevas e autoritarismo. Foram-se os antigos corruptos e novos tomaram seu lugar. Aliás, esse é o procedimento de todas as ditaduras: afastar os corruptos inimigos e colocar no lugar os corruptos amigos.
Não se pode partidarizar a corrupção. Ela é tão antiga quanto o Brasil e mais global do que o sistema financeiro. Não se pode permitir essa partidarização, pois isso é burro, injusto e desconhece a história do Brasil.
Na verdade, a corrupção começa na própria forma com que nosso sistema político está organizado, principalmente, nas questões de financiamento das campanhas eleitorais. É aí que os conchavos, acordos e alianças de interesses fazem nascer compromissos que mais tarde realimentarão o processo da corrupção.
Em vez de passeatas vazias deveríamos sair às ruas exigindo uma reforma política profunda, que torne absolutamente claro os investimentos de campanha. Que criasse o sistema unicameral extinguindo o senado que nunca serviu pra nada maior em nosso país já que nunca fomos realmente uma federação. Isso, por si só já traria um controle relativo que atualmente é impossível.
Em vez de passeatas contra o óbvio faria melhor o cidadão brasileiro sair às ruas quando elementos de um partido ameaçassem a presidenta de uma derrota no Congresso se continuasse a “limpa” em seu ministério.
Além disso, deveríamos trabalhar solução desse problema da corrupção no mesmo lugar onde nascem todos os nossos problemas e suas soluções: o nosso íntimo.
Não podemos exigir um sistema político e uma máquina administrativa menos corrupta enquanto nós mesmos não nos reformarmos no exercício da cidadania.
Não pode um povo que fura fila, que estaciona em fila dupla, que burla a Lei sempre que possível, que busca vantagem em tudo, que oferece propina à autoridade para obter vantagens, querer um congresso límpido como um coral de anjos.
Na verdade, cada congresso espelha fielmente seu próprio povo.
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