Muitos
brasileiros tinham esperança, ou ao menos expectativas, na atuação da Justiça.
Mesmo sabendo que os tribunais brasileiros são lentos, formais e que se
expressam num leguleio que poucos entendem – mesmo assim! – esses brasileiros
tinham esperanças. Não podíamos crer, materializar, o dito antigo de que a
Justiça no Brasil é feita – e com dureza! – apenas para ladrão de galinhas.
“Para os amigos tudo, para os inimigos a Lei!”.
Muito
menos podíamos imaginar que seria através de tribunais brasileiros que
interesses estrangeiros declarariam guerra ao Brasil.
Uma
guerra de novo tipo: uma guerra sem guerra, ou seja, uma guerra que usa meios
não-bélicos para destruir, solapar, aniquilar a capacidade do adversário.
Assim, utilizando-se de modernos meios tecnológicos – mídias digitais,
propaganda massiva, formação de quadros de elite em universidades estrangerias,
sistemas de estágios e bolsas de estudos em centros de treinamentos, etc… arma-se
uma elite para atuar a serviço, consciente ou inconscientemente, desse poder
estrangeiro.
O
Brasil não seria o primeiro alvo. Na verdade Ucrânia, Líbia, Egito, Tunísia,
Síria, Geórgia e Turquia foram alvos anteriores desse modelo novo de guerra –
uma guerra que não precisava recorrer aos custosos meios tradicionais de luta
com canhões, bombardeios e destruição de cidades.
Para
funcionar a “guerra sem guerra”, precisa-se conhecer bem o ponto fraco do
inimigo.
No
caso brasileiro foi fácil: homens do talho de Victor Nunes Leal e Raymundo
Faoro já apontavam para a chaga aberta do país – o caráter patrimonial do
Estado brasileiro. O patrimonialismo, no perfeito conceito de Max Weber,
permitiu que uma elite parasitária colonizasse o Estado e cooptasse tudo e
todos que se apresentem como “o novo”, “o transformador”, “o renovador”.
Trata-se do velho “transformismo” das elites, e de seu poder de cooptação, tão
bem descrito por Jorge Amado em seu personagem “Doutor Mundinho”, de “Gabriela,
Cravo e Canela”.
Cabia,assim,
utilizar-se dos males propiciados pela elite corrompida do país como brecha
para iniciar o ataque à soberania nacional. O interessante é que tal ataque a
nossa soberania seria feita pela parcela, aparentemente, não corrompida dessa
mesma elite. A elite “renovadora”, capacitada em centros estrangeiros,em nome
de uma pureza que só o “outro perfeito”, “o estrangeiro”, “o espelho” em que
devemos nos mirar e, assim, deixar de ser o que somos para ser a cópia
mascarada do “Outro” colonizador, renega sua própria gente, sua história e suas
tradições.
Com
tudo isso destrói as bases da própria soberania nacional.
A
Operação Lava-Jato abriu, sim, para muitos, a esperança de que as coisas
mudariam: o patrimonialismo de mais de quatro séculos seria arrancado pelas
raízes e o país seria “passado a limpo” – mas, infelizmente, só miravam no
espelho do Outro, do estrangeiro.
Depois
de seus cursos e estágios no exterior se sentiam prontos para a hercúlea tarefa
de “limpar” o Estado brasileiro, tomando-a como “missão”. De qualquer ponto que
puxassem o fio viria o novelo de pecados da história-pátria: propinas,
sinecuras, prebendas, filhotismo, estelionato, favoritismo, peculato, e tanto
mais… Contra uma “história feia”, a nossa, a da própria pátria, considerada
viciosa, antepunham a história virtuosa do outro”, sem saber que a história
desse “Outro” é uma pura construção mítica, ideológica, benzida na pia da
religião.
Incultos
na sua erudição, tomaram o mito d´Outro como história.
Iniciaram-se,
então, os procedimentos jurídicos, o flanco da “guerra sem guerra”, a primavera
do Brasil: afinal poderosos iriam para prisão. E realmente foram. Foram mesmo?
Bem, Eduardo Cunha – uma unanimidade nacional, uma espécie de “meu malvado
predileto” da Nação – mas, só depois que cumpriu seu papel, o de defenestrar
Dilma Rousseff do seu cargo via acusações que seriam nos meses seguintes
“fichinha”, “crime” de freira de colégio interno, face ao chorume a vazar do
Congresso Nacional nos meses seguintes ao seu impeachment.
Bom,
prendeu-se Cunha com seu aspecto melífluo, sua voz dissimulada, suas mãos
felinas e seu cabelo oleoso e com aparência de caspa severa – está lá!
Condenado a 15 anos de prisão! No entanto, sua esposa – uma jornalista de
grande experiência foi considerada inocente, pois não sabia de onde caía o
dinheiro no seu generoso cartão de crédito… Há quem mais? Ah, não… Esse está
livre; este outro… Fez delação e foi solto; aquele… hum, foi liberado e…. acolá
outrem está em prisão domiciliar.
O
próprio Cunha é personagem central de tramas noturnas da República e continua
sendo personagem central no “esquema” (ou será “organização”, um sinônimo
talvez de “quadrilha”) que sustenta com propinas e malas cheias o presidente em
exercício. Portanto, é, em verdade, um homem mais livre que a maioria dos 204
milhões de brasileiros que não escolheram seu presidente e com passes de
equilibrista esticam seus salários até o mês seguinte!
Ah,
temos sim um prisioneiro da Lava-Jato: o Almirante Othon Silva, condenado a 43
anos de reclusão. Um homem que prestou inúmeros serviços à Pátria, que
enfrentou terríveis forças internacionais para dotar o país de uma tecnologia
única e avançada, resistindo heroicamente às pressões ocultas de grandes
potências. Envergonhado, após a prisão, tentou o suicídio. Mostra caráter!
Sérgio Cabral, Eduardo Cunha, qual outro político escreveu sequer uma linha de
arrependimento? Nada!
Muito
pelo contrário continuam, com recursos escusos, conspirando contra a ordem
constitucional da República. No entanto o tribunal entendeu que o homem que
dotou o país de alta e exclusiva tecnologia de ponta, um saber estratégico para
a Nação, merecia uma pena 3.7 vezes superior ao mago do mal que presidiu o
Congresso Nacional, o senhor Eduardo Cunha.
Temos,
contudo, como explicar mais esse paradoxo: como permitir que um país com tantas
riquezas como o Brasil pudesse se dotar de uma tecnologia nuclear autônoma?
Tinha-se que exemplificar em alguém o castigo para parar, deter e nunca mais
permitir a ousadia de uma mera colônia neo-extrativista de ser, de fato, um
país verdadeiramente soberano.
Como
se não bastasse, o mesmo tribunal, aliado a governos estrangeiros, condenam as
empresas brasileiras. Isso mesmo, as empresas. Não condenam apenas os
executivos responsáveis pelos atos de corrupção, condenam as empresas. Ou seja,
em vez de julgar “CPFs”, o tribunal julga “CNPJs”. Condenando as empresas com
multas bilionárias a serem pagas a governos estrangeiros, conseguem gerar
desemprego massivo, destruição de postos de trabalho, extinção de modernas tecnologias,
subdesenvolvimento e a retirada do Brasil de mercados duramente conquistados.
E
os executivos? Bem, esses são “premiados” e vão para casa! Uma tornozeleira
aqui, outra ali; uma retenção de passaporte de um e de outro não… e para outros
nenhuma punição! Ou seja, as empresas, os “CNPJs”, são condenadas, caminham
para extinção, o desemprego campeia, os trabalhadores sofrem e os executivos –
“CEOs”, gostam de dizer! – vivem feliz o resto da história!
Nem
as empresas que colaboraram, e mesmo colocaram em funcionamento o Holocausto
durante o Terceiro Reich, foram punidas desta forma. A punição recai sobre seus
proprietários e executivos e hoje são orgulho da nova Alemanha.
Enquanto
isso, outros produtores/fornecedores internacionais, concorrentes do Brasil,
ocupam fatias crescentes de mercados tradicionalmente do país. A capacidade de
agregação de valor despenca e cada vez mais nos aproximamos de uma situação de
colônia neo-extrativista.
Trava-se,
assim, uma “guerra sem guerra” na qual o futuro da soberania nacional está em
jogo. E o mais triste de tudo é que o povo brasileiro nada sabe sobre guerras.
Por Francisco
Carlos Teixeira da Silva professor titular de História Moderna e
Contemporânea da UFRJ e do departamento de História da UCAM. Professor-Emérito
de Estratégia Internacional da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército
Brasileiro