quinta-feira, 17 de julho de 2014
ADIVINHA O QUE NÃO ACONTECEU
Por Matthew Futterman, no Wall Street Journal
O sol apareceu. As pessoas foram para o trabalho. Elas dirigiram táxis, abriram supermercados, clicaram em seus computadores para tratar de assuntos jurídicos e financeiros. Médicos curaram os doentes. Assistentes sociais enfrentaram os problemas da grande pobreza neste país de cerca de 200 milhões. A vida continuou.
Adivinha o que não aconteceu? Cidades não queimaram. Rebeliões em massa não aconteceram. Tanto quanto sabemos, torcedores não se jogaram de edifícios porque sua amada Seleção foi destruída pela Alemanha, por 7-1, na semifinal da Copa.
À luz cruel do dia, ainda é estranho escrever “Alemanha 7, Brasil 1.” Esse tipo de resultado não acontece neste nível de futebol. O último jogo oficial que o Brasil perdeu em casa foi em 1975. Se eu fosse um nativo, estaria abalado, tentando descrever a debacle que aconteceu em Belo Horizonte.
Não se engane: a derrota para a Alemanha, para usar a frase favorita do técnico dos EUA, Jurgen Klinsmann, foi uma lástima. As pessoas aqui amam o futebol. O governo declara feriados nos dias de partidas da equipe nacional. Ruas vazias, e eu quero dizer vazias – como se você pudesse montar uma barraca no meio de uma delas e não acontecer nada.
Ainda assim, não compre a história de que esta perda vai deixar alguma cicatriz indelével em um país tentando desesperadamente prosperar em uma série de áreas que não têm nada a ver com futebol. Essa idéia é um pouco humilhante para os brasileiros, que são a coleção de almas mais acolhedoras com que eu me deparei.
Houve a mulher na loja de óculos aqui em São Paulo que se recusou a aceitar dinheiro pelo estojo de óculos que ela me deu depois que eu perdi o meu. Houve os estudantes universitários em Natal que me ofereceram um tour pela cidade e uma carona de volta para meu hotel no meio da noite, quando não havia transporte à vista após a vitória dos EUA sobre Gana.
Lá estava o rabino que, 30 segundos depois de me conhecer, insistiu para que eu fosse jantar no sábado em sua casa (eu fui, e a sopa de matzo ball estava incrível). Houve as inúmeras almas pacientes comigo na rua, esperando enquanto eu tateava meu dicionário de bolso de português, procurando a palavra certa para completar uma pergunta idiota, quando certamente eles tinham algo melhor para fazer.
Estive aqui por um mês. Isso dificilmente me qualifica como um especialista na cultura brasileira. Minha amostragem é pequena e limitada a hotéis, restaurantes, estádios de futebol e pistas de corrida ao lado de praias do Rio, Natal, Recife e algumas outras cidades-sedes. Eu sei do crime e da pobreza.
Mas eu também sei que este é um país incrível, diverso. Encare quatro horas de voo rumo à Amazônia a partir de São Paulo e as pessoas parecem completamente diferentes daquelas em qualquer centro comercial do país. Em Salvador, você pode muito bem achar que está na África Ocidental. Em cada cidade, pessoas de todos os tons de pele — preto, marrom e branco — preenchem áreas de ricos e pobres. É um país de beleza física impressionante e vastos recursos naturais. O tráfego da hora do rush faz as avenidas de Los Angeles parecerem estradas do interior, um sinal claro de que o lugar precisa de alguns melhoramentos de infra-estrutura, mas também que há um grande número pessoas trabalhadoras que querem tornar o amanhã melhor do que hoje.
Em outras palavras, o Brasil é muito mais do que uma camisa canarinho e uma obsessão com o futebol.
O colapso contra a Alemanha certamente vai despertar algum exame de consciência nacional sobre como o Brasil cultiva e desenvolve a sua próxima geração de estrelas do futebol. O país tem um enorme banco de talentos, mas acidentes não podem mais acontecer no esporte. Vencer nesse nível hoje significa não apenas talento, mas dinheiro, treinamento e uma estratégia coerente.
“Quando você pensa sobre isso”, disse uma brasileira de 20 e poucos em um bar na noite passada, “é meio engraçado. Quer dizer, sete gols. É engraçado, né?”
Eu vou apostar que o Brasil como um todo vai se sair muito bem depois disso. Chateado um pouco, claro, mas em última análise, tudo vai dar certo. De muitas maneiras, já deu.
quinta-feira, 10 de julho de 2014
O AMOR, A ALMA E O PRAZER
Filho de Vênus (deusa do amor) e de Marte (deus da guerra), Cupido era o deus do Amor e da paixão em Roma, equivalente a Eros, entre os gregos.
Júpiter (pai dos deuses), sabedor das perturbações que iria provocar, tentou obrigar Vênus a desfazer-se dele assim que nasceu. Para protegê-lo, a mãe escondeu-o num bosque, onde ele se alimentou com leite de animais selvagens.
Cupido encarnava a paixão e o amor em todas as suas manifestações. Era geralmente representado como um menino alado que carregava um arco e setas, sempre pronto para disparar sobre o coração de homens e deuses. Os ferimentos provocados pelas setas que atirava despertavam amor ou paixão nas suas vítimas.
Embora fosse algumas vezes apresentado como insensível e descuidado, Cupido, geralmente orientado por sua mãe Venus, muitas vezes provocava situações terríveis ao fazer despontar a paixão onde ela não poderia, ou deveria ocorrer.
Certo dia, Vênus estava admirando a terra quando avistou uma bela moça numa praia. Na verdade, mais que bela, era tão linda que abalava a própria hegemonia de Vênus entre as mais belas.
Essa moça se chamava Psiquê.
Contrariada, Vênus decidiu que ela, por castigo de tamanha beleza, iria se apaixonar e casar com o homem mais feio do mundo.
Chamou seu filho Cupido e pediu que este fosse, durante a noite, até a casa de Psiquê e lhe atingisse com sua flecha do amor.
Cupido obedeceu, mas ao ver Psiquê em sono profundo, bela, e totalmente nua, ficou perturbado, e se aproximou demais de sua “vítima”. Nesse instante a jovem se moveu no leito e acidentalmente bateu no braço de Cupido que disparando a flecha atingiu a si mesmo.
Cupido imediatamente sentiu um amor profundo por Psiquê.
Sem mais conseguir sossego, pois o amor desassossega, o jovem deus foi falar com Zéfiro, senhor do vento oeste e pediu para que transportasse Psique para os ares e a instalasse num palácio magnífico, onde era a casa de Cupido.
Quando a noite caiu, a moça ouviu uma voz misteriosa e doce: "Não se assuste, Psiquê, sou o dono desse palácio. Ofereço-lho como presente do nosso casamento, pois quero ser seu esposo. Tudo que está vendo lhe pertence. E tudo que deseja será concebido. Eu só lhe faço uma exigência: não tente ver-me. Só sob esta condição poderemos viver juntos e sermos felizes".
Todas as noites Cupido vinha ver Psiquê, mas numa forma invisível. A moça estava vivendo muito feliz naquele lindo palácio. Mas, sabemos como são as mulheres, a curiosidade cada vez mais tomava conta de sua vontade de conhecer o rosto do homem que a fazia tão feliz.
Certa noite, quando Cupido veio vê-la, eles encontraram-se e amaram-se profundamente, mas quando Cupido adormeceu Psiquê escondida e em silêncio pegou numa lamparina e acendeu-a, e quando ela viu o belo jovem de rosto corado e cabelos loiros, ficou encantada. Mas num pequeno descuido deixou cair uma gota de óleo no braço do rapaz, que acordou assustado e, ao ver Psiquê, Cupido grita que o amor não sobrevive sem confiança e em seguida desaparece.
O encanto todo acabou, o palácio os jardins e tudo que havia em volta desapareceu, como por magia. Psiquê ficou sozinha e perdida num lugar árido, pedregoso e deserto.
Infeliz, Cupido foi para o Olimpo e suplicou a Júpiter que lhe permitisse uma nova chance e devolvesse a esposa amada.
A princípio Júpiter quis argumentou que o deus do amor não podia se unir a uma mortal, mas Cupido, em lágrimas tornou a suplicar que então, o deus dos deuses a tornasse imortal.
Júpiter, um conquistador incorrigível que, várias vezes havia pedido ajuda a Cupido em suas aventuras, acabou cedendo.
Psiquê foi transformada em imortal por Júpiter, tornando-se a alma humana.
Cupido e Psiquê, amor e alma, casaram-se e ainda vivem em amor eterno.
Tiveram em consequência desse amor, um filho, o prazer.
Mais uma vez a mitologia nos lembra sobre o que realmente importa em nós. A nossa porção divina, a alma, única capaz de reter aquilo que nunca morre.
É na eternidade da alma que o amor é possível. Apenas cultivando a nossa própria vida somos capazes de confiar nos sentimentos reais como o amor e não nos falsos reflexos da paixão.
Nossos castelos estão além das futilidades da existência e, nosso inferno, árido e perdido reside na nossa impaciência.
Ressalta ainda que o prazer é filho e conseqüência do amor e não a sua gênese.
Prof. Péricles
terça-feira, 8 de julho de 2014
INCÊNDIO EM SARAJEVO
Era um domingo de muito sol. As ruas da bela cidade de Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, estavam enfeitadas com bandeirinhas e cartazes coloridos. Pessoas se espremiam nas calçadas para assistir a passagem do comboio composto por cinco carros, onde ao centro, em um carro aberto, acenava para a multidão o arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro ao trono da Áustria-Hungria e sua esposa, a duquesa Sofia. Era o dia 28 de junho de 1914, cem anos atrás.
Após a cerimônia de recepção na câmara municipal, seguem a marginal junto ao rio Miljacka.
Na mesma manhã, seis jovens estudantes sérvios, componentes da organização ultranacionalista, clandestina, “Mão Negra”, tinham se espalhado pelo trajeto provável (o trajeto oficial não havia sido divulgado) que seria seguido pelo comboio. O plano é simples, matar o arquiduque e após cometer suicídio para não ser capturado com vida e delatar a organização sob tortura.
O primeiro dos seis, Muhamed Mehmedbasic acredita que foi descoberto e está sendo vigiado, entra em pânico e desaparece na multidão, mas o segundo, Nedeliko Cabrinovic lança uma bomba sobre o carro de Francisco Ferdinando, mas não atinge o alvo, acertando o terceiro carro da comitiva, ferindo alguns, mas sem causar mortes.
O terceiro, o mais jovem de todos, Vaso Cubrilovic acovarda-se ao perceber a presença não prevista da duquesa. Mas tarde, no seu julgamento dirá que não atirou pois seria incapaz de matar uma mulher.
O quarto, Cvijetko Popovic, era míope e não conseguiu distinguir a figura do arquiduque entre as outras personalidades.
Já Gavrilo Princip que ficara numa rua em que a comitiva acabou não passando, ouviu a explosão e acreditou no sucesso da operação. Mas, conseguiu ver Cabrinovic preso em meio à confusão após a bomba e percebeu que algo havia dado errado.
O atentado fracassara. Mas, uma séria de fatos aleatórios acabaria interferindo no desfecho do drama.
Furioso com a tentativa de assassinato e se dizendo indignado pelo risco que a esposa correra o
arquiduque decide abreviar os planos, mas, sem cancelá-los para não parecer covarde. Assim, decide ir ao hospital visitar feridos, conforme planejado. Já a reunião com mulheres bósnias de que participaria Sofia é cancelada e ela decide acompanhar o marido na visita ao hospital.
Desta vez vão à alta velocidade, mas o motorista engana-se no caminho,
mete-se num beco, pára o carro (sem marcha atrás) e este tem de ser
empurrado para a estrada.
Nesse momento Gavrilo Princip está descendo a rua, furioso pelo plano, meticulosamente preparado ter dado errado. É de se imaginar sua surpresa ao ver o carro do arquiduque completamente indefeso e à sua mercê.
São 11 horas da manhã quando Gravilo, sem pestanejar aperta o gatilho várias vezes.
Em instantes arquiduque e duquesa estão mortos.
O assassino tenta o suicídio atirando contra si mesmo, mas é agarrado por uma multidão atraída pelos tiros.
O que os desatinados jovens queriam era causar uma forte comoção que revertesse em favor da causa da criação de uma “Grande Sérvia”. Pensavam que, a presença da Áustria nos Bálcãs, em auxílio de sua aliada, a Bósnia-Herzegovina, impedia que seu povo alcançasse plenamente a nacionalidade e a independência.
Jamais poderiam imaginar que um mês depois do atentado, a Áustria usasse o atentado de Sarajevo para declarar guerra à Sérvia. Eu a Rússia aliada da Sérvia declarasse guerra à Áustria. Eu alemães, ingleses e franceses acabassem, por força de alianças secretas, também declarando guerra e que, assim, a Europa e o mundo entrassem no maior pesadelo de todos os tempos, até então, a Grande Guerra, mais tarde chamada de A Primeira Guerra Mundial.
No que será que pensaram os meninos de Sarajevo sobre uma guerra que matou mais de 10 milhões de pessoas. Eu pela primeira vez vitimou mais civis que militares, utilizou armas químicas, aviões e submarinos como armas letais?
Nunca saberemos se eles morreram se sentindo culpados da guerra ou se perceberam que todo o cenário já estava montado, aguardando apenas a ordem de ação.
Sabemos apenas que Gavrilo Princip, por ser menor, não pode ser condenado à morte e que acabou morrendo tuberculoso na prisão de Theresienstadt, em 1918, quatro anos depois do atentado de Sarajevo, e, curiosamente, poucos dias depois do fim da Grande Guerra.
Princip e seus amigos deveriam ouvir os conselhos dos mais velhos quando de que, criança que brinca com fogo, acaba se queimando. Nesse caso, o incêndio foi maior que toda a Europa.
Prof. Péricles
sábado, 5 de julho de 2014
O DONO DA VERDADE
Ser o dono geralmente representa, ter poder.
Alguns donos fazem parte inesquecível de nossas vidas... Por exemplo, o dono da bola no tempo em que, crianças, desejávamos passar o dia todo jogando futebol. Pois, o dono da bola era alguém poderoso. Às vezes sua chegada era precedida de uma espera torturante, quem sabe, deliberadamente provocada, pois não basta ter o poder, é necessário demonstrá-lo diante dos que não tem. A tortura podia ser longa até sua chegada, dele não, da bola que o trazia a reboque.
Não sei por que maldita tradição, geralmente o dono da bola era péssimo jogador, mas, sua titularidade no time era inquestionável. A bola, ou melhor, a posse dela, lhe conferia poder indiscutível. Isso, porém, não lhe assegurava popularidade, pois, apesar de garantir um lugar no time, não garantia, necessariamente, amigos.
O dono das mais difíceis figurinhas também.
Sempre havia aquele sortudo (aquele cujos pais podiam comprar quantidades maiores de envelopes) que tinha no bolso das calças as mais difíceis figuras para completar o álbum. O dono das figurinhas difíceis foi, para muitos, o primeiro exercício de diplomacia na vida, pois exigia negociação e alianças. Geralmente o dono das figurinhas difíceis compreendia que, o que para ele, era excedente, para outros era o essencial, e disso fazia um macabro jogo de poder. Talvez a maioria dos especuladores financeiros de hoje foram donos de figurinhas difíceis no passado.
E o dono do carro?
Quando jovens um carro e a maturidade era quase a mesma coisa. A turma ansiava sair à noite e mostrar sua incondicional rebeldia e independência, e nisso, nada mais decisivo e impactante na cabeça das meninas (ao menos no imaginário dos meninos) do que sair de carro. Disse sair e não exatamente ter um carro.
Quem tinha o carro, era quase uma lenda, por isso mesmo, tinha uma coleção de amigos que o capitalismo pode cooptar.
Mas, o mais indesejável dos donos, atravessa os tempos e pode estar ao seu lado a qualquer momento do dia. É o dono da verdade.
Sabe aquela pessoa que tem todas as respostas corretas? Que esteve em todos os lugares, falou com todas as pessoas e que nunca, jamais, de maneira alguma tem dúvidas? Aquela que não ouve sua argumentação, pois enquanto você fala está apenas pensando no que dirá em seguida para arrasar seja lá o que você estiver dizendo?
Pois é, o dono da verdade, sempre acompanhado de certezas inflexíveis.
Muitas vezes certezas nascidas no que disseram na televisão ou no “dizem por aí”.
O dono da verdade pode ser uma pessoa inteligente e articulada tornando às vezes incompreensível como possa ser tão obtuso.
A presunção, na maioria das vezes é a causa maior de suas convicções, mas, existem outras causas.
O fanatismo, por exemplo.
Quando em 1578 o rei português D. Sebastião, determinou a organização de uma expedição militar para invadir o norte da África e de lá expulsar os infiéis muçulmanos, não faltaram por parte de seus comandantes bons argumentos de que a missão estava condenada ao fracasso, visto ser o exército português inexperiente e frágil perante os exércitos inimigos.
Como D. Sebastião era o dono da verdade e de convicções nascidas do fanatismo religioso, mesmo sendo um homem culto e bem informado, empreendeu a fatídica expedição, totalmente destruída na batalha de Alcácer-quibir. Ele e todos os seus soldados perderam a vida e Portugal a independência.
Fanatismo produz arrogâncias, autoritarismos e donos da verdade, não necessariamente nessa ordem.
Destruidor de qualquer rodinha de amigos desconhece, o dono da verdade que, muitas vezes, é melhor estar com a paz do que estar com a razão, que, aliás, não precisa se impor pois a humildade da verdade se impõe por si.
E, como diria o sábio grego, melhor seria não esquecer que a gente só sabe, com relativa certeza, que nada sabe.
Prof. Péricles
sexta-feira, 4 de julho de 2014
DEMOCRACIA QUE SE VOLTA CONTRA O POVO
Por: Leonardo Boff
Uma grita geral da mídia corporativa, de parlamentares da oposição e de analistas sociais ligados ao status quo de viés conservador se levantou furiosamente contra o decreto presidencial que institui a Política Nacional de Participação Social. O decreto não inova em nada nem introduz novos itens de participação social.
Apenas procura ordenar os movimentos sociais existentes, alguns vindos dos anos 30 do século passado, mas que nos últimos anos se multiplicaram exponencialmente a ponto de Noam Chomsky e Vandana Shiva considerarem o Brasil o país no mundo com mais movimentos organizados e de todo tipo.
O Decreto reconhece esta realidade e a estimula para que enriqueça o tipo de democracia representativa vigente com um elemento novo que é a democracia participativa. Esta não tem poder de decisão apenas de consulta, de informação, de troca e de sugestão para os problemas locais e nacionais.
Portanto, aqueles analistas que afirmam, ao arrepio do texto do Decreto, que a presença dos movimentos sociais tiram o poder de decisão do governo, do parlamento e do poder público laboram em erro ou acusam de má fé. E o fazem não sem razão. Estão acostumados a se mover dentro de um tipo de democracia de baixíssima intensidade, de costas para a sociedade e livre de qualquer controle social.
Valho-me das palavras de um sociólogo e pedagogo da Universidade de Brasília, Pedro Demo, que considero uma das mentes mais brilhantes e menos aproveitadas de nosso país. Em sua Introdução à sociologia (2002) diz enfaticamente ”Nossa democracia é encenação nacional de hipocrisia refinada, repleta de leis “bonitas”, mas feitas sempre, em última instância, pela elite dominante para que a ela sirva do começo até o fim. Político (com raras exceções) é gente que se caracteriza por ganhar bem, trabalhar pouco, fazer negociatas, empregar parentes e apaziguados, enriquecer-se às custas dos cofres públicos e entrar no mercado por cima… Se ligássemos democracia com justiça social, nossa democracia seria sua própria negação “(p.330.333). Não faz uma caricatura de nossa democracia, mas, uma descrição real daquilo que ela sempre foi em nossa história. Em grande parte possui o caráter de uma farsa. Hoje chegou, em alguns aspectos, a níveis de escárnio.
Mas ela pode ser melhorada e enriquecida com a energia acumulada pelas centenas de movimentos sociais e pela sociedade organizada que estão revitalizando as bases do país e que não aceitam mais esse tipo de Brasil. Por força da verdade, importa reconhecer, que, entre acertos e erros, ele ganhou outra configuração a partir do momento em que outro sujeito histórico, vindo da grande tribulação, chegou à Presidência da República. Agora esses atores sociais querem completar esta obra de magnitude histórica com mais participação. E eles têm direito a isso, pois a democracia é um modo de viver e de organizar a vida social sempre em aberto – democracia sem fim – no dizer do sociólogo português Boaventura de Souza Santos.
Quem conhece a vasta obra de Norberto Bobbio um dos maiores teóricos da democracia no século XX, sabe das infindas discussões que cercam este tema, desde o tempo dos gregos que, por primeiro, a formularam. Mas deixando de lado este exitante debate, podemos afirmar que o ato de votar não é o ponto de chegada ou o ponto final da democracia como querem os liberais. É um patamar que permite outros níveis de realização do verdadeiro sentido de toda a política: realizar o bem comum através da vontade geral que se expressa por representantes eleitos e pela participação da sociedade organizada. Dito de outra forma: é criar as condições para o desenvolvimento integral das capacidades essenciais de todos os membros da sociedade.
Os movimentos sociais e a sociedade organizada podem contribuir poderosamente para essa democracia substancial. Especialmente agora que devido à gravidade da situação global do sistema-vida e do sistema-Terra se busca de um caminho melhor para o Brasil e para o mundo. Com sua ciência de experiências feita, com as formas de sobrevivência que desenvolveram em 500 anos de marginalização, com suas tecnologias sociais e com seus inventos, com suas formas próprias de produzir, distribuir e consumir, em fim, tudo aquilo que possa contribuir na invenção de outro tipo de Brasil no qual todos possam caber, a natureza inteira incluída.
Uma democracia que se nega a esta colaboração é uma democracia que se volta contra o povo e, no termo, contra a vida. Daí a importância de secundarmos o Decreto presidencial sobre a Política Nacional de Participação Social, tão irrefutavelmente explicada em entrevista na TV e em O Globo (16 de junho de 2014) pelo Ministro-chefe da Secretaria Geral da Presidência Gilberto Carvalho.
Leonardo Boff é teólogo e escritor.
quinta-feira, 3 de julho de 2014
CANDIDATO GUERRILHEIRO ALOYSIO
Por: Juremir Machado da Silva
Nas redes sociais, nas últimas eleições, apoiadores do tucano José Serra bombardeavam a candidata petista Dilma Rousseff por ela ter sido guerrilheira durante a ditadura militar brasileira que atolou o país no obscurantismo a partir de 1964. A escolha por Aécio Neves de Aloysio Nunes Ferreira para seu vice enterra um dos argumentos mais usados pela direita mais extrema em relação a quem participou da luta armada contra terrorismo de Estado.
Aloysio Nunes Ferreira é conhecido como o “motorista de Marighella”. O vice de Aécio participou com Carlos Marighella, executado pelos militares em 1969, da Ação Libertadora Nacional. Aloysio tem uma biografia de guerrilheiro de linha de frente. Não ficou nos bastidores. Fez bem.
Em “Marighella, o guerrilheiro que incendiou o mundo”, Mario Magalhães apresenta Aloysio portando uma carabina e dirigindo o carro usado por seus companheiros para fugir depois do assalto ao trem-pagador Santos-Jundiaí em agosto de 1968. Cena de filme. Coube a Aloysio a tarefa delicada de levar o dinheiro arrecadado.
Dois meses depois, em outubro de 1968, Aloysio participou de outro assalto, o ataque ao carro-forte da Massey Ferguson. Melhor não contar com ela para financiamento de campanha. Aloysio exilou-se em Paris. Na volta ao Brasil, passou pelo PCB e pelo PMDB até achar seu galho no PSDB.
Em 2003, quando Dilma assessorava Lula, a revista Veja disparou: “O cérebro do roubo ao cofre – com passado pouco conhecido, a ministra envolveu-se em ações espetaculares de guerrilha”. Dilma teria concebido o roubo do cofre do governador paulista Adhemar de Barros.
Como é sabido que Dilma não pegou em armas, Veja encontrou um jeito de comprometê-la um pouco mais, o depoimento do ex-sargento e ex-guerrilheiro Darcy Rodrigues, o “Leo”, “que ajudou o capitão Carlos Lamarca a roubar uma Kombi carregada de fuzis de dentro de um quartel do Exército, em Osasco”. Segundo Leo, “a Dilma era tão importante que não podia ir para a linha de frente. Ela tinha tanta informação que sua prisão colocaria em risco toda a organização. Era o cérebro da ação”. Será que Veja relembrará agora esse passado guerrilheiro de Aloysio?
Estou ansioso pelos textos dos lacerdinhas da mídia central Rodrigo Constantino, Lobão, Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Demétrio Magnoli e Olavo de Carvalho sobre esse passado belicoso do candidato tucano. O PSDB deixou correr a baba contra a “terrorista” Dilma.
A guerra de guerrilhas está empatada. Não condeno Aloysio nem Dilma. Intuo que a ala udenista que apoia Aécio ficará constrangida e triste por não poder se deliciar com a baixaria que mais a satisfaz. O guerrilheiro Aloysio tinha por codinome Mateus. Fugiu para Paris com passaporte falso. Manteve estreita amizade com Fidel Castro, tendo sido levado pelo ditador, em 2001, até o avião no aeroporto de Havana. Arranjou campo de treinamento para guerrilheiros na Argélia. Fez o que considerava necessário para combater a ditadura. O que vão dizer agora? Mateus, primeiro os teus? Ou os dos outros?
A coordenação da campanha tucana será feita por José Agripino, do DEM, aquele mesmo que perguntou a Dilma se ela mentira sob tortura. O lacerdão Agripino coordenando a campanha do guerrilheiro terrorista Aloysio Nunes. Uau!
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