segunda-feira, 2 de novembro de 2015
GUARDIÃO DE CABELOS AMARELOS
A figura de Sepé Tiarajú está fortemente relacionada ao imaginário do gaúcho.
Líder de um povo subjugado e inferiorizado militarmente teve a coragem de lutar pelo que considerava justo e erguer a voz com seu lendário: "Esta terra tem dono!".
Sepé foi brilhante como líder e como guerreiro em campo de batalha, sendo respeitado até pelos inimigos. Acredita-se que sua morte tenha sido premeditada para tira-lo da cena decisiva do conflito, a batalha de Caiboaté.
Como se dariam os fatos da tenebrosa batalha se houvesse a participação de Tiarajú? Jamais saberemos.
Ao longo do tempo, entretanto, a figura de Sepé foi sendo “europeizada” e “cristianizada” a ponto de ser visto como um santo popular dos católicos do Rio Grande.
Nas representações gráficas sua imagem abandonou o estereótipo guarani para adotar uma postura e rosto do “homem branco”.
Os Guaranis de hoje reclamam dessa “desindianização” do mito e alegam ser essa mais uma grande injustiça contra seu povo.
Como diz Werá Tupã (também chamado de Leonardo), tido como um dos mais destacados intelectuais indígenas do sul do país, “ninguém pode continuar pensando que perdemos a memória”.
Ele faz parte de um grupo de guaranis que vem pesquisando fatos históricos e episódios lendários com o objetivo de reapresentá-los ao povo brasileiro de um modo diferente daquele que se tornou predominante.
Um dos temas, cujo estudo demorou anos e ainda não está totalmente concluído, é a verdadeira história de Sepé Tiarajú.
Segundo Werá Tupã: Os homens da Igreja católica apossaram-se da figura heroica, metamorfoseando-a quase num branco que era índio por acaso.
Os livros falam que ele "abraçou a doutrina cristã" e foi "o mais ardoroso defensor da obra dos jesuítas"; que "seus mestres foram os padres"; que ele lutou "sugestionado pelos religiosos"; que "foi criado pelos jesuítas"; Werá Tupã discorda de tudo isso.
“Ele pertencia a um outro povo indígena que não conseguimos identificar. Ele foi adotado pelos guaranis e criado como um dos nossos".
Essa já é uma declaração bombástica de Leonardo, Sepé, era índio sim, mas não Guarani. E prossegue.
Quando ele tinha dois anos de idade, sua aldeia, que ficava no Rio Grande do Sul, foi atacada por portugueses ou espanhóis. Os guaranis correram para ajudar, mas o lugar já tinha sido invadido e quase todos tinham sido massacrados.
Os guaranis salvaram o menino e o levaram para uma aldeia nossa, perto da missão de São Miguel. Um casal adotou ele. O avô da família era um pajé muito poderoso e o menino adorava ele.
Uma coisa que quase ninguém sabe é que o nome certo dele não era Sepé Tiarajú. Esse era o jeito que os padres das missões entenderam e escreveram.
Seu nome era Djekupé A Djú, que significava "Guardião de Cabelo Amarelo".
"Guardião" porque era um guerreiro e "cabelo amarelo" porque não tinha o cabelo bem preto como os guaranis, era meio castanho. Mas era índio mesmo, não mestiço.
O destino de guerreiro (e não pajé como o avô adotivo) foi porque ele era revoltado com os brancos e tinha gratidão pelos guaranis. Queria lutar pelos guaranis. É que, na aldeia, nunca esconderam dele a sua história, tudo que tinha acontecido no ataque.
Os jesuítas não criaram ele, mas ia sempre nas missões porque aprendia tudo que pudesse com os padres. Foi assim que aprendeu a língua espanhola.
Sepé articulou uma espécie de Confederação Guaranítica, criando inovadoras táticas militares para a época, nas quais priorizava a guerrilha e evitava grandes batalhas. Chegou a idealizar e construir quatro peças de artilharia, confeccionadas com cana brava.
Foi assassinado numa emboscada, nos campos de Caiboaté, às margens da Sanga da Bica, em 7 de fevereiro de 1756.
As pesquisas a respeito de Sepé baseiam-se na história oral, preservada na memória de índios centenários que viveram no Rio Grande do Sul.
Resgatar a memória de Sepé Tiarajú, em nada diminuí seu espaço na galeria de heróis da liberdade, e é fundamental para se fazer justiça histórica a esse mito que sobrevive ao tempo nas histórias contadas e recontadas em torno no fogo de chão.
Prof. Péricles
quinta-feira, 29 de outubro de 2015
O MINUANO SUSSURRA SEU NOME
Local da Morte de Sepé Tiarajú |
Em 1750 com a assinatura do tratado de Madri, a região denominada de “Sete Povos das Missões” (noroeste do atual estado do Rio Grande do Sul) passou a fazer parte das terras portuguesas no continente.
Imediatamente, por iniciativa do Marques do Pombal, os Jesuítas de língua espanhola que, vindos da região do Paraguai em 1680, haviam fincados raízes por aqui, construindo às sete missões (São Borja, São Miguel, Santo Ângelo, São João, São Lourenço, São Nicolau e São Luis) foram expulsos para o outro lado do Rio Uruguai.
O fato foi recebido com inevitável resignação pelos padres mas com extrema pavor por seus aliados, os índios Guaranis.
Para os guaranis havia apenas dois tipos de brancos, os Jesuítas que lhes protegiam em troca de sua submissão religiosa e os bandeirantes que os atacavam com armas de fogo e, sempre que possível, os escravizavam, levando para terras distantes.
Para eles, a saída dos Jesuítas significava abandono e escravidão.
Em fevereiro de 1753 uma comissão de demarcadores ao chegar em São Miguel foi impedida pelos índios de seguirem adiante no trabalho de demarcar oficialmente o novo território.
Segundo os relatos, eles eram liderados por um jovem índio chamado Sepé Tiaraju.
Um ano depois, soldados portugueses estacionados no forte de Rio Pardo (atual cidade de Rio Pardo) convidaram, gentilmente, um grupo de guaranis a entrar no forte e ao penetrarem na guarnição foram imediatamente presos.
O oficial em comando acusou o grupo de ter roubado cavalos durante a noite. O líder do grupo de guaranis, Sepé Tiaraju disse saber onde estavam e prometeu ir busca-los. Mesmo escoltado por doze portugueses conseguiu fugir sem deixar rastro, muito menos, os cavalos.
Fatos como esses somado a insistência dos Guaranis de não abandonar a região enfureceram o governo português.
Era inadmissível aceitar a liderança de um selvagem que ousara dizer “Essa terra tem dono” numa afronta intolerável aos novos “senhores” do Continente de Rio Grande.
As “Guerras Guaraníticas” iriam se desenrolar entre os anos de 1754 a 1756.
A primeira expedição, foi organizada em parceria por forças portuguesas e espanholas e chegaram ao Continente no início do mês de setembro de 1754, mas, devido as péssimas condições climáticas de frio e chuvas intensas, tiveram que recuar.
Novas tropas portuguesas vindas do Rio de Janeiro unem-se a tropas espanholas vindas de Buenos Aires e Montevideo no início de 1756.
Algumas escaramuças menores, vencidas pelos índios fariam crescer a lenda do guerreiro invencível.
O desenrolar dos fatos acabaria levando a uma batalha que ambos os lados perceberam ser decisiva, a Batalha de Caiboaté, localidade próxima do atual município de São Gabriel.
Antes, porém, um grupo especial comandado por oficial português, e composto de renegados e desertores, que faziam guerra por dinheiro, recebeu a missão de matar Tiarajú. Não se conhece muitos detalhes, mas, conseguiram atraí-lo para uma emboscada.
O heroico índio foi morto em 7 de fevereiro de 1756, atingido por arma de fogo.
Três dias depois, a 10 de fevereiro, os índios foram forçados a enfrentar as tropas luso-espanholas em Caiboaté.
A morte de seu líder e maior estrategista seria fatal para os nativos.
O chefe dos Guaranis colocou suas forças postadas na forma de uma meia lua, o que enfraqueceu os flancos e fez com que seus homens fossem presas fáceis para o ataque de artilharia (armada até de canhões), além da cavalaria pelos lados.
A batalha de Caiboaté foi tão desigual que durou apenas uma hora e quinze minutos e o sangue indígena derramado foi tanto que formou uma grande pasta de lodo. Os sobreviventes capturados, feridos ou não, eram sumariamente executados.
O exército espanhol perdeu três homens e teve dez feridos. O português, um morto e 30 feridos. Os mortos entre os guaranis foram de 1500 a 1750 guerreiros.
Um militar português o coronel José Custódio de Sá e Faria chegou a escrever em seu diário, no dia 10 de fevereiro de 1756, que “fazia grande compaixão a multidão de mortos”.
A morte de Sepé e a chacina final representaram a derrota definitiva dos índios guaranis, os verdadeiros donos dessas terras.
Em maio de 1756, as tropas coloniais ocuparam os Sete Povos das Missões.
Em 1762 a Espanha voltou atrás e anulou o Tratado de Madri reiniciando a guerra contra os portugueses.
As Missões tornaram-se ruínas.
E Sepé tornou-se lenda e um dos mais fortes mitos na formação do povo rio-grandense.
Até hoje ainda dizem que o Minuano quando percorre as terras do Rio Grande sussurra o seu nome... Tiarajúúúúúúúúúúúúúúúúúú.
Prof. Péricles
O fato foi recebido com inevitável resignação pelos padres mas com extrema pavor por seus aliados, os índios Guaranis.
Para os guaranis havia apenas dois tipos de brancos, os Jesuítas que lhes protegiam em troca de sua submissão religiosa e os bandeirantes que os atacavam com armas de fogo e, sempre que possível, os escravizavam, levando para terras distantes.
Para eles, a saída dos Jesuítas significava abandono e escravidão.
Em fevereiro de 1753 uma comissão de demarcadores ao chegar em São Miguel foi impedida pelos índios de seguirem adiante no trabalho de demarcar oficialmente o novo território.
Segundo os relatos, eles eram liderados por um jovem índio chamado Sepé Tiaraju.
Um ano depois, soldados portugueses estacionados no forte de Rio Pardo (atual cidade de Rio Pardo) convidaram, gentilmente, um grupo de guaranis a entrar no forte e ao penetrarem na guarnição foram imediatamente presos.
O oficial em comando acusou o grupo de ter roubado cavalos durante a noite. O líder do grupo de guaranis, Sepé Tiaraju disse saber onde estavam e prometeu ir busca-los. Mesmo escoltado por doze portugueses conseguiu fugir sem deixar rastro, muito menos, os cavalos.
Fatos como esses somado a insistência dos Guaranis de não abandonar a região enfureceram o governo português.
Era inadmissível aceitar a liderança de um selvagem que ousara dizer “Essa terra tem dono” numa afronta intolerável aos novos “senhores” do Continente de Rio Grande.
As “Guerras Guaraníticas” iriam se desenrolar entre os anos de 1754 a 1756.
A primeira expedição, foi organizada em parceria por forças portuguesas e espanholas e chegaram ao Continente no início do mês de setembro de 1754, mas, devido as péssimas condições climáticas de frio e chuvas intensas, tiveram que recuar.
Novas tropas portuguesas vindas do Rio de Janeiro unem-se a tropas espanholas vindas de Buenos Aires e Montevideo no início de 1756.
Algumas escaramuças menores, vencidas pelos índios fariam crescer a lenda do guerreiro invencível.
O desenrolar dos fatos acabaria levando a uma batalha que ambos os lados perceberam ser decisiva, a Batalha de Caiboaté, localidade próxima do atual município de São Gabriel.
Antes, porém, um grupo especial comandado por oficial português, e composto de renegados e desertores, que faziam guerra por dinheiro, recebeu a missão de matar Tiarajú. Não se conhece muitos detalhes, mas, conseguiram atraí-lo para uma emboscada.
O heroico índio foi morto em 7 de fevereiro de 1756, atingido por arma de fogo.
Três dias depois, a 10 de fevereiro, os índios foram forçados a enfrentar as tropas luso-espanholas em Caiboaté.
A morte de seu líder e maior estrategista seria fatal para os nativos.
O chefe dos Guaranis colocou suas forças postadas na forma de uma meia lua, o que enfraqueceu os flancos e fez com que seus homens fossem presas fáceis para o ataque de artilharia (armada até de canhões), além da cavalaria pelos lados.
A batalha de Caiboaté foi tão desigual que durou apenas uma hora e quinze minutos e o sangue indígena derramado foi tanto que formou uma grande pasta de lodo. Os sobreviventes capturados, feridos ou não, eram sumariamente executados.
O exército espanhol perdeu três homens e teve dez feridos. O português, um morto e 30 feridos. Os mortos entre os guaranis foram de 1500 a 1750 guerreiros.
Um militar português o coronel José Custódio de Sá e Faria chegou a escrever em seu diário, no dia 10 de fevereiro de 1756, que “fazia grande compaixão a multidão de mortos”.
A morte de Sepé e a chacina final representaram a derrota definitiva dos índios guaranis, os verdadeiros donos dessas terras.
Em maio de 1756, as tropas coloniais ocuparam os Sete Povos das Missões.
Em 1762 a Espanha voltou atrás e anulou o Tratado de Madri reiniciando a guerra contra os portugueses.
As Missões tornaram-se ruínas.
E Sepé tornou-se lenda e um dos mais fortes mitos na formação do povo rio-grandense.
Até hoje ainda dizem que o Minuano quando percorre as terras do Rio Grande sussurra o seu nome... Tiarajúúúúúúúúúúúúúúúúúú.
Prof. Péricles
segunda-feira, 26 de outubro de 2015
SABIÁS CANTAM, TUCANOS PIAM
Por Moisés Mendes
Panfílio sempre canta antes dos outros sabiás da Aberta dos Morros. No ano passado, começou a cantar no final de agosto. Panfílio é o sabiá guaxo que seu Mércio trata com minhoca servida no bico.
Panfílio vem dando sinais de que está perto de cantar: desaparece por uns dias para remarcar territórios e conferir as sabiás da redondeza.
Na semana passada, Panfílio quase se engasgou com um susto do seu Mércio. Seu Mércio escutava no rádio a entrevista de um ministro do Tribunal de Contas da União. Augusto Nardes dizia que o governo Dilma deu pedaladas como nunca antes. Sempre pedalaram, mas não pedalavam tanto.
Seu Mércio deu um tapa na testa, tastaviou no banco de cortiça e quase pisou no Panfílio.
Imagine, pensou seu Mércio, medir o tamanho das pedaladas e decidir se é pedalada para um pito, para ficar quieto (como sempre ficaram), ou se é para cassar mandato.
Seu Mércio é guarda de rua na zona sul da Capital. Já viu assombração ao meio-dia e já montou mula com cabeça de macaco. Mas nunca na vida ouviu tanta entrevista de um ministro do TCU. Pelo menos aprendeu o que é pedalada, o truque dos governos para manipular contabilidades e maquiar despesas. Dizem que é delito grave, mas só agora.
A oposição torce pela reprovação das contas de Dilma pelo TCU para chegar ao impeachment. Se falhar, sobra a chance de reprovação das contas da campanha de Dilma no Tribunal Superior Eleitoral. Se também não der certo, teria a ilegalidade da dieta de Dilma, importada da Argentina e não regulamentada no Brasil.
Seu Mércio ouve a Rádio Gaúcha da manhã à noite. Do muito que já ouviu, concluiu o seguinte: Aécio quer porque quer ser presidente agora. Mas tem que ser agora. O PSDB perdeu oito eleições, não pode esperar até 2018 e correr o risco de perder mais duas em turno e returno.
Aécio perdeu a eleição para presidente até em Minas, a terra dele, onde não elegeu nem o governador. Por isso quer uma eleição só para ele.
Seu Mércio reflete e põe a minhoca no bico de Panfílio. O sabiá engole a minhoca com os olhinhos fechados. Seu Mércio garante que já viu o sabiá se lamber de faceiro. Ele sabe que Panfílio vai cantar logo. Mas seu Mércio não acredita que Aécio tenha gogó para cantorias antes do tempo.
Até porque tucano pia muito, mas, que se saiba, cantar mesmo, não canta.
Moisés Mendes é jornalista de Porto Alegre/RS
sábado, 24 de outubro de 2015
BANDIDO BOM É BANDIDO MORTO
Por Tarcísio Lage
Escândalo aqui, escândalo ali, tribunal com juiz acusado de corrupção julgando contas do governo, impeachment já, impeachment é golpe e toma lá um festival de pragas e discussões com xingatórios que assola a internet e até imprensa bem instalada, sem falar dos bancos com seus lucros abundantes e com regateios para conceder um mínimo aumento dos salários de seus empregados.
Mas não é nada disso que me arrepia o cabelo, que aliás, nem os tenho. No entanto, o que me arrepiou mesmo, por dentro e por fora, cabelo onde os tenho e a pele toda da cabeça aos pés, foi a pesquisa da Data Folha do dia 28 de setembro com a pergunta simples e rasteira:
“Você concorda que bandido bom é bandido morto?”
Com o estômago já revirado, li o resultado: empate. Ou, por outra, metade dos mais de 1.300 entrevistados em 84 cidades acima de 100 mil habitantes respondeu sim: bandido bom é bandido morto.
Não se especificou bem o que se entende por bandido. Mas creio que a referência é aos assaltantes saídos das favelas e das comunidades pobres da sociedade e não aos ladrões de colarinho branco trabalhando em escritórios de luxo ou dependências governamentais e vivendo em apartamentos de luxo e palacetes no Leblon, Ipanema, Lago Sul de Brasília, Jardim Paulista e outras pragas paulistanas onde a arte do bom viver é o orgulho máximo da burguesia bem nutrida.
Mas, vá lá, mesmo se a resposta de OK à proposta “bandido bom é bandido morto” coloca todos no mesmo saco – como se a bandidagem fosse como o saco do PMDB onde cabe tudo – eu ainda digo que é algo para vomitar. Ou pior. Para temer. Temer muito.
Quer dizer, então, que metade da população do Brasil, considerando-se eficiente o método de pesquisa da Data-Folha, é a favor de ir matando os bandidos, instalando esquadrões da morte em cada esquina ou armando a população para que se faça um OK Curral a cada instante na Avenida Paulista, na orla do Rio de Janeiro e mais invasões de favelas e comunidades pobres como se já não houvesse o bastante!
No chamado mundo ocidental, o Brasil é um dos poucos países onde ainda existe Polícia Militar, resquício da ditadura.
E tomem nota: só este ano em São Paulo foram mortas pela polícia militar 571 pessoas entre suspeitos de crime e gente inocente por estar no lugar errado e na hora errada.
Mande bala, na lógica de uma polícia já considerada uma das mais violentas do mundo e onde um punhado de bandidos mortos vale por um ou dois inocentes abatidos por engano. Efeitos colaterais, como dizia Rumsfeld quando invadia com Bush e Cheney o Iraque em ruínas.
No entanto, não há guerra no Brasil e as causas da violência urbana têm profundas raízes sociais.
A principal delas é péssima distribuição da renda que faz do país um dos mais injustos do mundo, ainda que a situação tenha melhorado um pouquinho nos últimos anos. E, no entanto, é por causa dessa política de melhor distribuição da renda que a classe media e a direta gritam pelo impeachment ou pela quebra da institucionalidade.
Mas não vamos desviar o assunto. A segunda causa da violência no Brasil é o tráfico de drogas. Isso poderia ser facilmente resolvido liberando-se o comércio de algumas delas com já vem ocorrendo em vários países.
Vale repetir que até a ONU chegou à conclusão da inutilidade da guerra contra as drogas. Há, inclusive, um relatório de 2011 assinado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso a respeito.
No entanto, dois setores são radicalmente contra a liberalização: os traficantes e a polícia, para que continuem com o jogo de gato e rato, numa teia de corrupção e violência.
Enfim, o tráfico é um vasto assunto certamente para um outro artigo. O que nos interessa aqui é ressaltar como ele contribui para o aumento da violência.
Veja, por exemplo, o caso do México, onde os assassinatos na guerrinha suja entre a Polícia, a DEA dos EUA e os carteis são com resquícios de maldade.
Para finalizar. Sugiro que o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, que encomendou a pesquisa da Data-Folha, peça uma outra para ver quem concorda com essa afirmação: um bandido bom é um bandido recuperado.
O resultado pode decepcionar dado ao avanço ideológico da direita no Brasil.
Tarcísio Lage, jornalista, escritor, começou na Última Hora de Belo Horizonte no início dos anos 60.As Tranças do Poder é seu último livro.
quinta-feira, 22 de outubro de 2015
MONTANHAS AZUIS
Às
vezes, dá uma vontade danada de sair em silêncio, escapar do burburinho pelo
buraco da fechadura das portas mal-humoradas. Você já percebeu como as portas
são mal humoradas? Ao menos as fechadas.
E
quando as horas do relógio ditam as fases de nossa rotina... nossa que vontade
deixar de existir mesmo existindo!
Será
que ao fechar os olhos com as pálpebras bem apertadas a gente fica invisível?
Quando
criança funcionava. Pena que a idade adulta nos tire os superpoderes e a gente
perceba que jamais se está invisível de si mesmo. Que porcaria!
Triste
como a descoberta de que as montanhas azuis não são azuis, mas parecem assim
pela distância misturadas com o horizonte.
Por
que os rios não secam se dia e noite suas águas vão embora, e se perdem no mar,
sendo que a água é recurso não renovável?
E as utopias
são renováveis?
A
reciclagem das fantasias que um dia fizeram que coubesse todas em nossos sonhos
desde dragões até princesas, bruxas e fadas, espadachins e heróis que voam e
uma infinidade de criaturas que dormiam, todas, embaixo do travesseiro.
Pra
onde vai toda a rebeldia dos dias jovens capaz de destruir exércitos quando os
dias jovens dão lugar aos dias velhos?
Como é
chato o mundo das coisas sérias.
Horários
pra tudo. Dias organizados que não variam e a segunda que sempre vem depois do
domingo e o sábado que vem antes dos dois. Ou seria depois?
E
essas semanas que se repetem em meses pré-definidos desde o dia do salário, até
o próximo salário.
Deveríamos
contar o tempo por número de salário e não por anos vividos, e o legal é que muitos,
como os milhares de mendigos, ficariam eternamente jovens.
O ano
das pessoas sérias é muito chato.
Sempre
com 12 meses, feriados marcados, início e fim comemorado sem motivo, sendo que
o ano não passa de uma volta que a Terra dá sobre o sol sempre do mesmo jeito,
sem nenhuma reboladinha, na mesma velocidade e constância.
Não
que eu seja fofoqueiro, mas é o que acontece com a lua que desde 1969, volúvel,
deixou de ser dos poetas para ser dos cientistas que a viram nua, tão de perto,
mas tão de perto que, pasmem... concluíram que não havia vida nenhuma por lá.
Quanta
incapacidade criativa! A culpa não é da lua, é dos cientistas!
Para
quem curte a história da vida, do país e das pessoas que habitam esse país, dói
profundamente ver gente defendendo a ditadura ou chamando golpe de estado de
intervenção.
É por
demais chocante entender que as pessoas que se acham sérias considerem justas
as diferenças que excluem e só consigam se sentir mais belos se existir feiura
e por isso cultivem a feiura fanaticamente. Que necessitem que existam pobres mais
pobres para acreditarem que foram competentes e previdentes.
Dilacerante
é que existam argumentos endeusando criaturas da pré-história da memória
nacional como deputado que se orgulha pelas torturas e defenda pena de morte ou
pastores que enriquecem com a manipulação da fé e da ignorância entre os que os
procuram.
Se é
verdade que o conhecimento liberta, talvez também o seja que o conhecimento
machuca, não o conhecimento da vida e da história, mas o conhecimento sobre as
pessoas e de suas mediocridades.
Eu já
decidi.
Vou
continuar acreditando em justiça e igualdade, mas não aqui, com essas almas
sombrias e sem cores.
Não.
Com esses rançosos de egoísmo eu não brinco mais.
Vou procurar
a minha turma.
Mesmo que
muito longe, onde as nuvens se escondem atrás das montanhas azuis.
Prof.
Péricles
terça-feira, 20 de outubro de 2015
O CIRCO DA PILANTRAGEM
Pilantragem e Civismo |
Por Laerte Braga
Kalanag
foi um mágico que se apresentou no Brasil lá pelos idos de 1960.
Como, ninguém
nunca soube, mas descia do palco até a platéia com uma jarra d’água e mandava o
espectador escolher a bebida preferida. Vinho, uísque, cerveja, da tal jarra
saia tudo. Se levarmos em conta que os mágicos àquela época dispunham de poucos
recursos tecnológicos, aquele negócio de jogos de luzes, máquinas que engolem
pessoas, esses aparatos todos dos mágicos de hoje, Kalanag era de fato um
prodígio.
Circos
ainda ocupam um espaço importante tanto na lembrança dos que assistiram aos
velhos grandes circos do passado, como os que hoje têm o privilégio de observar
uma arte – falo de tudo o que o circo traz -. Aquela armação de lona sobrevive
em muitas cidades do interior do País. Hoje, uma nova roupagem recheada de
salamaleques dos tempos atuais, levou o circo para dentro dos ginásios, das
grandes áreas de espetáculos e numa certa forma preservou e preserva as
características do espetáculo circense.
Águas
dançantes apareceram no Rio de Janeiro no final da década de 50 e o show
aconteceu no Maracanãzinho como ponto culminante de um dos grandes circos
norte-americanos em seguida a trapezistas, palhaços, mágicos, equilibristas,
toda a troupe.
Foi
uma semana antes da célebre luta entre Archie Moore e o brasileiro Luisão, mas
essa é outra história.
A
descaracterização da palavra circo, transformada, entre outros sinônimos, em
local de pilantragem, de maracutaia aconteceu por conta de se emprestar à
pilantragem e às maracutaias o epíteto de um grande circo, com mágicas com
dinheiro público, trapaças nos negócios de governo, grandes palhaçadas de
políticos, toda essa sorte de ilusionismo do chamado mundo real.
O
circo de Brasília, por exemplo, não tem nada a ver com o Circo de Moscou. E nem
com as lonas remendadas que povoam as cidades do interior brasileiro. Ali, nessas cidades, crianças e adultos ainda
são capazes de gargalhadas quando o palhaço tropeça e daquelas interjeições de
espanto quando o mágico faz sumir um carro em pleno palco substituindo-o ou por
um elenco de mulheres, ou por pássaros coloridos que saem voando dentro dos
limites da lona.
O
circo de Brasília tem a batuta de três dos mais espertos “mágicos” da política
brasileira.
O
presidente do Senado, José Sarney. O presidente da Câmara dos Deputados, Michel
Temer e o presidente do Supremo Tribunal Federal – atual STF – o “ministro
Gilmar Mendes.
Sarney,
proprietário dos estados/fazenda Maranhão e Amapá seja talvez o mais completo
exemplo de Zelig da história da política brasileira. Em 1º de abril de 1964,
governador do Maranhão, soltou um manifesto na parte da manhã apoiando o
governo constitucional de João Goulart e outro à tarde, aderindo ao golpe
militar. Virou capacho de confiança dos governos da ditadura. Acabou presidente
da República no episódio da construção da candidatura Tancredo Neves e da morte
do mineiro, eleito presidente em 1984.
Michel
Temer saiu da casca de jurista e constitucionalista para virar político,
deputado em vários mandatos e uma interpretação para cada caso, não importa que
seja diversa da anterior, desde que os interesses dos que representa sejam
mantidos.
É
ponta de lança de FHC e José Serra no PMDB. O maior partido do País,
curiosamente sem cara, sem rosto, um amontoado de queromeu, onde ainda
pontificam figuras sérias do porte de Roberto Requião governador do Paraná.
O
terceiro nessa trindade de pilantras é Gilmar Mendes, presidente do STF.
Corrupto de carteirinha, tucano de coração, corpo e alma, ocupa a presidência
do que deveria ser a corte suprema do País para transformá-la em instrumento de
garantia de todo esse mundo podre e irreal que acaba sendo o real.
E
William Bonner, síntese do pilantra na comunicação, está lá para assustar todos
os “homer simpson” na hora do Jornal Nacional. O maior produto vendido pelos
donos do Brasil aos incautos que ainda acham que esses circos são reais. Não
têm a ver com Arrelia ou Pimentinha, palhaços de muito caráter e seriedade.
O
circo da pilantragem é no duro mesmo um circo de tragédias e essas tragédias se
abatem sobre o povo brasileiro que segundo o imortal João Ubaldo Ribeiro ainda
é o culpado de tudo.
A
corrupção é só uma conseqüência do modelo político e econômico. Esse é o fato
gerador. Esses são os donos do circo.
Laerte
Braga é jornalista em Juiz de Fora/MG
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