sábado, 7 de outubro de 2017
O JORNALISTA ERA ESPIÃO
Por Sheila Sacks
Nascido na Alemanha do após guerra, Wilhelm Dietl era um jornalista experiente e respeitado, com vários livros no currículo, quando em 2005 descobriu-se que ele havia sido um agente do Serviço de Inteligência Federal (BDN, na sigla em alemão) por mais de uma década.
Especialista em geopolítica do Oriente Médio, autor de reportagens investigativas em zonas de conflito, notadamente em países como Irã, Iraque, Afeganistão, Paquistão, Líbia, Líbano, Israel, Egito e Síria, Dietl contava com espaços preciosos para as sua matérias em importantes veículos de comunicação, como os semanários “Stern” e “Focus”.
Mas tudo mudou quando seu nome apareceu em um relatório do BDN como sendo o de um espião remunerado de codinome “Dali” que exerceu a função de informante do órgão no período de 1982 a 1993.
Dietl sempre negou que espionava ou fornecia informações contra os seus colegas de profissão, apesar de admitir que por onze anos foi um agente pago do serviço secreto alemão. Ganhava mil marcos (cerca de 500 euros) por relatório de dez páginas, além de ter as suas passagens aéreas e as diárias de hotéis pagas a cada missão, que podia ser em Paris, entrevistando o presidente deposto da Argélia, Ahmed Ben Bella (1918-2012), ou em Damasco, conversando com o ministro de Defesa da Síria, Mustafa Tlass, que exerceu o cargo de 1972 a 2004.
Ele afirma que no início hesitou, mas que depois concordou com a proposta, imaginando que estaria servindo ao país.
O trabalho como jornalista funcionou como excelente cobertura, segundo Dietl, facilitando o seu acesso às informações e às pessoas, como no caso do jornalista sírio Louis Fares, amigo pessoal do presidente Hafez al-Assad (1930-2000). O político sírio que governou o país por quase 30 anos, pai do atual presidente Bashar al-Assad, enviou Fares em missões clandestinas à França e Dietl dá a entender que essa amizade e de outras fontes sírias lhe renderam importantes documentos sigilosos, os quais enviava para seus contatos na Alemanha.
Durante o período em que foi agente secreto, Dietl amealhou o equivalente a 600 mil marcos. Quando se desligou do BDN por divergências com o órgão, ele conta que até sentiu alívio, pois admite que estava com os “nervos em frangalhos”. Ele se reunia com terroristas, comandantes militares, representantes de serviços de inteligência e políticos na condição de correspondente, com a incumbência de escrever reportagens sobre os acontecimentos no Oriente Médio.
No início de 1982, chegou a ser detido pelas forças de segurança sírias na cidade de Hama, ao norte de Damasco, durante os sangrentos confrontos com o grupo da Irmandade Muçulmana, que se rebelou contra o governo central. Mas conseguiu escapar mostrando a seus interrogadores a gravação da entrevista que teve com o ministro de Informações do país e mentindo acerca de um suposto encontro agendado com o presidente Hafez Assad (que não pode ser checado porque o serviço de telefonia estava interrompido).
“Estou orgulhoso do que fiz”, declara Dietl. “Não tenho que pedir desculpas. Eu agi acreditando em valores e ideais; denunciei terroristas perigosos, abortando operações e salvando vidas humanas.”
No Brasil, o jornalista Claudio Tognolli, diretor-fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), professor da USP e autor de livros polêmicos (‘Mídia, Máfia e Rock and Roll – 50 anos a mil’; ‘Assassinato de reputações’, entre outros) é incisivo ao traduzir o envolvimento do jornalismo com o ambiente da inteligência e espionagem. “Todo mundo que cobre inteligência tem algum amigo que trabalhou ou trabalha para a CIA ou para a KGB.”
Ano passado, “O Globo” publicou uma reportagem investigativa do jornalista José Casado acerca da conexão islâmica no Cone Sul que prima pelos detalhes das informações. A matéria reconta os preparativos para os atentados à embaixada de Israel em Buenos Aires e ao prédio da Amia (Associação Mutual Israelita da Argentina), em 1992 e 1994. Casado expõe a fragilidade de atuação dos órgãos governamentais na Tríplice Fronteira e “a relutância dos governos da América do Sul em admitir a possibilidade de conexão regional com a novidade do terrorismo político-religioso em escala global” (“A Conexão Brasil no Extremismo Islâmico”, em 13/07/2014).
Um texto extraordinário, de leitura imperdível, melhor do que qualquer relatório “confidencial” da CIA, reforçando a sensação de que a linha de demarcação entre o jornalismo e a espionagem é uma questão de opinião.
Sheila Sacks, jornalista formada pela PUC-RJ tem artigos publicados nos sites Observatório da Imprensa e Rio Total. Desde 2009 mantém o blog “Viajantes do tempo”.
domingo, 1 de outubro de 2017
SILÊNCIO, MUXOXO E GAGUEJOS
O domingo de sol, ao menos aqui no Rio, pode ser a desculpa.
Mas a grande maioria dos comentaristas políticos da grande mídia está em silêncio, depois de uma quinzena em que decretou que “agora, Lula acabou”.
E vem o Datafolha e mostra o “defunto” não apenas vivo como esbanjando saúde, com taxas de crescimento eleitoral mais do que vigorosas.
Os demais candidatos, candidatos a candidato e factoides pararam ou até retrocederam um pouquinho.
Não apenas isso: a tão brandida como intransponível rejeição a Lula cai seguidamente e, nas simulações de 2° turno.
Os poucos que falam algo – aquele site que, por uma questão sanitária evito citar o nome – chama de “esquizofrênica” a pesquisa da Folha, enquanto os datafolhistas oficiais culpam os pobres pelo favoritismo do “monstro”.
Os partidos convencionais – ou o que resta deles – estão baratinados.
Como estão baratinados os dois partidos mais importantes do Brasil: a mídia e o PC, Partido de Curitiba.
A semana é de arranjar novas revelações “sensacionais” que tentam a, ao menos na aparência, evitar que o “duro de matar” do Lula seja o assunto de botequim.
Vão, como se vê, insistir na tática que levou a estre quadro, para eles, apavorante.
E Lula vai, ao contrário, retomar sua programação de viagens, apostando no contato direto com a população, que é o canal que não lhe podem – ainda – fechar. E passa a uma fase mais propositiva, dentro em pouco, com a apresentação de projetos e metas para arrancar o Brasil da crise.
Ao contrário da pancadaria, que seguirá sendo a pauta burra da direita, que visivelmente já enjoou a população e perdeu grande parte da credibilidade.
Enquanto isso, o país segue sua trilha de lama, com a revelação continuada das podridões de Moro e os esquemas sujíssimos do Ministério Público na montagem das delações seletivas.
E, distantes dos nossos olhos, prepara-se no Tribunal Regional Federal a “eleição” de quem não pode ser presidente do Brasil.
Como no retorno de Getúlio, só pensam na máxima de Carlos Lacerda de que Lula não pode ser candidato, porque se for, vencerá e se vencer governará.
Por Fernando Brito
sábado, 30 de setembro de 2017
D. PEDRO II E O QUADRO MALDITO
Sacanearam o jovem D. Pedro II.
Agentes políticos brasileiros, encarregados de achar uma noiva para o imperador, enviaram pra ele uma pintura de uma morena gatíssima, com uma linda paisagem de Nápoles ao fundo. O guri se apaixonou.
Depois de inúmeros preparativos oficiais para o casamento, a noiva, finalmente chegou no Brasil.
Pobre D. Pedro, só então percebeu que a bela da foto não tinha muito a ver com a original de carne e osso. Uma mulher relativamente, feia.
Bateu até depressão, mas, compromissos de estado não podiam ser cancelados assim, e teve que encarar o casamento com Teresa Cristina.
D. Pedro II jamais gostou realmente da esposa. Deve ter passado o resto da vida amaldiçoando a inspiração de pintores de retratos.
Entretanto ele se apaixonou cegamente por uma mulher que, apesar de nobre, jamais poderia ser sua imperatriz: Luísa Margarida Portugal e Barros, a condessa de Barral.
Foram 34 anos de intensa paixão.
Luisinha era magra, elegante, refinadamente educada, não era exatamente, bonita, mas era encantadora e sensual.
Conheceram-se na Bahia quando ela se aproximou das duas filhas do imperador, Isabel e Leopoldina. Foi aia das meninas ensinando um pouco de francês e etiqueta.
Com ela ele podia conversar sobre qualquer assunto, principalmente sobre artes, livros, teatro e ciências já que a moça foi criada na França, era bem informada e curtia os prazeres do conhecimento.
Mas não apenas esses prazeres.
Ao que parece D. Pedro II sentia ciúmes de Luísa, uma faceta totalmente desconhecida do homem que governou o Brasil por mais tempo.
Morreram no mesmo ano, 1891. Ela em janeiro, ele em dezembro. Ambos moravam em Paris e, ao que parece, o caso sobreviveu ao exílio e ao tempo. Ela morreu com 74 anos e ele com 65.
O Imperador do Brasil teve uma vida pública, discreta e sem escândalos, mas, uma vida amorosa, totalmente clandestina.
De onde podemos concluir que até mesmo os mais espertos quebram a cara quando se deixam levar pelas aparências.
Maldito quadro!
Prof. Péricles
sexta-feira, 29 de setembro de 2017
MINHA AMIGA IMPERATRIZ
Ela chamava atenção não apenas por seu porte físico avantajado, mulher alta e farta, como também pela forma de caminhar, de pés descalços como se calçasse um sapato de salto muito alto.
Moradora de rua, eu a chamava de Imperatriz.
Dizia ser neta do imperador D. Pedro II do Brasil e, quando em surto, agitava uma amassada folha de papel em branco, dizendo ser sua certidão de nascimento como prova de sua origem imperial.
Aproximava-me sempre que possível isso é, quando não estava alucinada ou embriagada. Conversamos muito, lado a lado na calçada.
Queria entender por que, na mente enlouquecida de uma pessoa, aparentemente tão simples, a fantasia era ser neta de D. Pedro II.
Não tinha conhecimentos de história muito maiores do que a média das pessoas mas revelava conhecimento incomum sobre a família imperial.
Jamais morou no Rio de Janeiro, mas dizia ter nascido em Petrópolis.
Numa de nossas primeiras conversas eu sorri e disse “claro, você é filha da Princesa Isabel não é?”.
Para meu espanto, serenamente ela respondeu não, da outra filha, a Leopoldina.
Leopoldina Teresa Francisca de Bragança e Bourbon foi a segunda filha de D. Pedro II e a segunda na linha de sucessão ao trono. Morreu prematuramente com apenas 23 anos, em 1871 e, que se saiba, teve apenas dois filhos homens.
Conversamos muito tempo, por muitos anos espaçados.
Dizia ter tido uma infância de princesa e perdido seus títulos quando foi proclamada a “maldita” república (ela sempre cuspia quando falava república).
Contava de suas viagens por todo o país que nunca lhe fez uma só reverência. Não frequentou salões da corte, nem viajou ao exterior embora quisesse muito conhecer Nápoles, terra de sua vó D. Teresa Cristina (informação absolutamente correta).
“Minha vó era uma mulher silenciosa porque sofria. Ela sabia que meu avô D. Pedro não a amava e gostava de outra”.
Sempre senti uma profunda admiração por sua loucura e jamais consegui compreender sua origem.
Se imaginar bela, rica ou esposa de um artista famoso é para as comuns.
Minha amiga sonhava ser neta de um imperador deposto e esquecido e filha de uma princesa que sequer era herdeira ao trono.
Quando soube de sua morte, senti a profunda tristeza de um súdito abandonado.
Até hoje, me pego imaginando se lá pelas estrelas mais afastadas do firmamento, aquelas exiladas do lado nobre do céu, ela não estará com seus trajes de gala do século XIX, finalmente calçando sapatos altos que sempre imaginou calçar, dançando, feliz, uma valsa de Strauss, num salão repleto de luz e reconhecimento.
Fecho os olhos e a imagino imponente, com um sorriso discreto, permitido à nobreza.
Descanse em paz Sua Alteza.
A Imperatriz das calçadas, finalmente chegou aos céus.
Prof. Péricles
quinta-feira, 28 de setembro de 2017
TECNOLOGIA
Por Luis Fernando Veríssimo
Para começar, ele nos olha nos olha na cara. Não é como a máquina de escrever, que a gente olha de cima, com superioridade.
Com ele é olho no olho ou tela no olho.
Ele nos desafia. Parece estar dizendo: vamos lá, seu desprezível pré-eletrônico, mostre o que você sabe fazer.
A máquina de escrever faz tudo que você manda, mesmo que seja a tapa.
Com o computador é diferente. Você faz tudo que ele manda. Ou precisa fazer tudo ao modo dele, senão ele não aceita. Simplesmente ignora você. Mas se apenas ignorasse ainda seria suportável.
Ele responde. Repreende. Corrige. Uma tela vazia, muda, nenhuma reação aos nossos comandos digitais, tudo bem. Quer dizer, você se sente como aquele cara que cantou a secretária eletrônica. É um vexame privado. Mas quando você o manda fazer alguma coisa, mas manda errado, ele diz “Errado”. Não diz “Burro”, mas está implícito. É pior, muito pior.
Às vezes, quando a gente erra, ele faz “bip”. Assim, para todo mundo ouvir.
Comecei a usar o computador na redação do jornal e volta e meia errava. E lá vinha ele: “Bip!” “Olha aqui, pessoal: ele errou.” “O burro errou!”
Outra coisa: ele é mais inteligente que você. Sabe muito mais coisa e não tem nenhum pudor em dizer que sabe.
Esse negócio de que qualquer máquina só é tão inteligente quanto quem a usa não vale com ele. Está subentendido, nas suas relações com o computador, que você jamais aproveitará metade das coisas que ele tem para oferecer. Que ele só desenvolverá todo o seu potencial quando outro igual a ele o estiver programando.
A máquina de escrever podia ter recursos que você nunca usaria, mas não tinha a mesma empáfia, o mesmo ar de quem só agüentava os humanos por falta de coisa melhor, no momento.
E a máquina, mesmo nos seus instantes de maior impaciência conosco, jamais faria “bip” em público.
Dito isto, é preciso dizer também que quem provou pela primeira vez suas letrinhas dificilmente voltará à máquina de escrever sem a sensação de que está desembarcando de uma Mercedes e voltando à carroça.
Está certo, jamais teremos com ele a mesma confortável cumplicidade que tínhamos com a velha máquina. É outro tipo de relacionamento, mais formal e exigente. Mas é fascinante.
Agora compreendo o entusiasmo de gente como Millôr Fernandes e Fernando Sabino, que dividem a sua vida profissional em antes dele e depois dele.
Sinto falta do papel e da fiel Bic, sempre pronta a inserir entre uma linha e outra a palavra que faltou na hora, e que nele foi substituída por um botão, que, além de mais rápido, jamais nos sujará os dedos, mas acho que estou sucumbindo.
Sei que nunca seremos íntimos, mesmo porque ele não ia querer se rebaixar a ser meu amigo, mas retiro tudo o que pensei sobre ele.
Claro que você pode concluir que eu só estou querendo agradá-lo, precavidamente, mas juro que é sincero.
Quando saí da redação do jornal depois de usar o computador pela primeira vez, cheguei em casa e bati na minha máquina. Sabendo que ela agüentaria sem reclamar, como sempre, a pobrezinha.
Luis Fernando Verissimo, jornalista e escritor gaúcho.
quarta-feira, 27 de setembro de 2017
O ITINERÁRIO DE UM DESASTRE
Em 1995 o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu uma amostra pública do seu compromisso com o capital financeiro, o inesquecível Programa de Estímulo à Reestruturação e ao Fortalecimento do Sistema Financeiro Nacional (Proer).
Nenhum governo teve mídia tão favorável quanto o de FHC, o que não deixa de ser surpreendente, visto que em seus dois mandatos ele realizou uma extraordinária obra de demolição, de fazer inveja a Átila e a Gêngis Khan.
Vale a pena relembrar algumas das passagens de um governo que deixou uma pesada herança para seu sucessor.
1994 e 1998
O dinheiro secreto das campanhas: Denúncias que não puderam ser apuradas, graças à providenciais operações “abafa”, apontaram que tanto em 1994 como em 1998 as campanhas de Fernando Henrique Cardoso foram abastecidas por um caudaloso esquema de caixa-dois.
Em 1994, pelo menos R$ 5 milhões não apareceram na prestação de contas entregue ao TSE. E em 1998, teriam passado pela contabilidade paralela nada menos que R$ 10,1 milhões.
A farra do Proer?
Na calada de uma madrugada de um sábado de novembro, assinou uma medida provisória instituindo o Proer.
Um programa de salvação dos bancos que injetou 1% do PIB no sistema financeiro. Um dinheiro que abandonou o sofrido Tesouro Nacional, para abastecer cofres privados. A começar pelo Banco Nacional, então pertencente a família Magalhães Pinto, da qual um de seus filhos era agregado. Não é mesmo FHC?
Cepal
O Proer demonstrou em 1996, como seriam as relações do governo FHC com o sistema financeiro. Para FHC, o custo do programa ao Tesouro Nacional foi de 1% do PIB. Para os ex-presidentes do BC, Gustavo Loyola e Gustavo Franco, atingiu 3% do PIB.
Mas para economistas da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal), os gastos chegaram a 12,3% do PIB, ou R$ 111,3 bilhões, incluindo a recapitalização do Banco do Brasil, da CEF e o socorro aos bancos estaduais.
E agora, FHC, você ainda vem aqui querendo dizer o que…?
Por Maria Fernanda Arruda, escritora e colunista do Jornal Correio do Brasil.
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