sexta-feira, 29 de setembro de 2017

MINHA AMIGA IMPERATRIZ


Ela chamava atenção não apenas por seu porte físico avantajado, mulher alta e farta, como também pela forma de caminhar, de pés descalços como se calçasse um sapato de salto muito alto.


Moradora de rua, eu a chamava de Imperatriz.


Dizia ser neta do imperador D. Pedro II do Brasil e, quando em surto, agitava uma amassada folha de papel em branco, dizendo ser sua certidão de nascimento como prova de sua origem imperial.


Aproximava-me sempre que possível isso é, quando não estava alucinada ou embriagada. Conversamos muito, lado a lado na calçada.


Queria entender por que, na mente enlouquecida de uma pessoa, aparentemente tão simples, a fantasia era ser neta de D. Pedro II.


Não tinha conhecimentos de história muito maiores do que a média das pessoas mas revelava conhecimento incomum sobre a família imperial.


Jamais morou no Rio de Janeiro, mas dizia ter nascido em Petrópolis.


Numa de nossas primeiras conversas eu sorri e disse “claro, você é filha da Princesa Isabel não é?”.


Para meu espanto, serenamente ela respondeu não, da outra filha, a Leopoldina.


Leopoldina Teresa Francisca de Bragança e Bourbon foi a segunda filha de D. Pedro II e a segunda na linha de sucessão ao trono. Morreu prematuramente com apenas 23 anos, em 1871 e, que se saiba, teve apenas dois filhos homens.


Conversamos muito tempo, por muitos anos espaçados.


Dizia ter tido uma infância de princesa e perdido seus títulos quando foi proclamada a “maldita” república (ela sempre cuspia quando falava república).


Contava de suas viagens por todo o país que nunca lhe fez uma só reverência. Não frequentou salões da corte, nem viajou ao exterior embora quisesse muito conhecer Nápoles, terra de sua vó D. Teresa Cristina (informação absolutamente correta).


“Minha vó era uma mulher silenciosa porque sofria. Ela sabia que meu avô D. Pedro não a amava e gostava de outra”.


Sempre senti uma profunda admiração por sua loucura e jamais consegui compreender sua origem.


Se imaginar bela, rica ou esposa de um artista famoso é para as comuns.


Minha amiga sonhava ser neta de um imperador deposto e esquecido e filha de uma princesa que sequer era herdeira ao trono.


Quando soube de sua morte, senti a profunda tristeza de um súdito abandonado.


Até hoje, me pego imaginando se lá pelas estrelas mais afastadas do firmamento, aquelas exiladas do lado nobre do céu, ela não estará com seus trajes de gala do século XIX, finalmente calçando sapatos altos que sempre imaginou calçar, dançando, feliz, uma valsa de Strauss, num salão repleto de luz e reconhecimento.


Fecho os olhos e a imagino imponente, com um sorriso discreto, permitido à nobreza.


Descanse em paz Sua Alteza.


A Imperatriz das calçadas, finalmente chegou aos céus.



Prof. Péricles

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