terça-feira, 28 de março de 2017

TRAGÉDIA BRANCA


Por: Monica de Bolle


A primavera costuma ser época de renascimento e esperança.

É primavera no Hemisfério Norte. Contudo, estudo de Anne Case e Angus Deaton (foi vencedor do Nobel de Economia em 2015 por suas contribuições na área de desigualdade de renda) mostra que, nesta primavera em particular, há muito desespero e tragédia.

Apresentado na prestigiosa reunião anual denominada Brookings Papers on Economic Activity, da centenária Brookings Institution aqui em Washington, o trabalho mostra que a expectativa de vida média de homens e mulheres brancos de meia-idade nos EUA está caindo vertiginosamente.

Indivíduos brancos com idade entre 45 e 54 anos morrem cada vez mais cedo, enquanto pessoas de outras raças e faixas etárias não estão desaparecendo no mesmo ritmo.

Não é só. Os que mais morrem cedo são aqueles com menos anos de estudo — homens e mulheres brancos sem educação superior padecem cerca de três a quatro vezes mais do que homens e mulheres brancos com grau universitário.

O fenômeno desvelado pelos autores é único entre os países desenvolvidos: apenas nos EUA se veem tantas mortes nessa faixa etária para esse grupo de pessoas com tal nível educacional, todos pertencentes à suposta "elite" branca.

As taxas de mortalidade em países desenvolvidos comparáveis continuaram a cair tal qual ocorria nos EUA antes dos anos 2000.

A revelação trágica de Case e Deaton, portanto, é também muito recente.

As causas apontadas para essas mortes precoces vão desde uma incidência maior de diabetes e outras doenças nessa faixa da população, ao suicídio, e ao abuso de álcool e drogas, sobretudo a epidemia de opioides que hoje tanto aflige diversos Estados e cidades americanos.

Os autores chamam essas mortes de "mortes do desespero", mortes causadas por uma profunda desesperança, pelo reconhecimento de que essas pessoas não terão jamais como alcançar a qualidade de vida que tinham seus pais e avós.

Hoje, a taxa de desemprego de quem tem apenas o Ensino Médio nos EUA está acima de 9%, enquanto a taxa de desemprego média do país inteiro está em 4,7%, ou a metade da que vale para os que têm baixos níveis de educação.

Ao que tudo indica, as políticas de Donald Trump não irão atenuar o sofrimento desses indivíduos desesperançados, muitos deles parte relevante do corte demográfico que elegeu o presidente americano.

Nas últimas semanas, Washington está paralisada pelas discussões em torno do American Health Care Act (AHCA), a proposta de reforma da saúde dos republicanos que visa alterar por completo aquela aprovada por Obama em 2010, conhecida como Obamacare.

De acordo com o Congressional Budget Office, órgão apartidário para a avaliação das políticas públicas que funciona no Congresso americano, serão 14 milhões os destituídos de seguro-saúde no primeiro ano de vigência da nova lei, caso seja aprovada. Até 2026, serão 24 milhões os indivíduos que não terão acesso a um plano de saúde.

O sistema de saúde nos EUA é inteiramente privado, o que revela o tamanho do problema para todos, mas sobretudo para essa população marcada pelo desespero.

Há mais. A proposta orçamentária recém desvelada por Trump prevê substancial aumento para os gastos militares e cortes profundos em programas sociais, muitos dos quais atendem a essa população que morre cada vez mais cedo. Portanto, a combinação do AHCA com o orçamento trumpista é muito mais do que aquilo que no Brasil conhecemos como "estelionato eleitoral".

As políticas propaladas pelo presidente são literalmente um golpe de morte na população que o elegeu em novembro de 2016.

Há solução? Case e Deaton argumentam que sim, que é possível reverter o quadro de mortes exageradas antes que seja tarde demais. Para isso, entretanto, é preciso fazer o oposto do que Trump propõe.

Donald Trump, em seu discurso de posse, fez questão de bradar que acabaria com o que chamou de "carnificina americana". Ao que tudo indica, o caminho que escolheu o levará a criar algo pior do que a carnificina sobre a qual discursou.



Monica de Bolle, Economista, pesquisadora do Peterson Institute for International Economics, professora da SAIS, Johns Hopkins University

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