sábado, 18 de julho de 2015

IGREJA EM SAÍDA


Por Leonardo Boff

Celebrando ainda a extraordinária encíclica sobre “o cuidado da Casa Comum”, voltamos a refletir uma perspectiva importante do Papa Francisco, um verdadeiro logotipo de sua compreensão de Igreja: “uma Igreja em saída”.

Essa formulação encerra uma velada crítica ao modelo anterior de Igreja que era uma Igreja “sem saída” devido aos diversos escândalos de ordem moral e financeira, o que forçou o Papa Bento XVI a renunciar, uma Igreja que perdeu seu melhor capital: a moralidade e a credibilidade dos cristãos e do mundo secular.

A “Igreja em saída” quer marcar uma ruptura com aquele estado de coisas. Essa palavra “ruptura” irrita os representantes do establishment eclesiástico. Mas nem por isso deixa de ser verdadeira. E então se coloca a pergunta: “saída” de onde para onde? Vejamos alguns passos:

– Saída de uma Igreja-fortaleza que protegia os fiéis contra as liberdades modernas para uma Igreja-hospital de campanha que atende a toda pessoa que a procura, pouco importa seu estado moral ou ideológico.

– Saída de uma Igreja-instituição absolutista, centrada em si mesma para uma Igreja-movimento, aberta ao diálogo universal, com outras Igrejas, religiões e ideologias.

– Saída de uma Igreja-hierarquia, criadora de desigualdades para uma Igreja-povo de Deus, fazendo de todos irmãos e irmãs: uma imensa comunidade fraternal.

– Saída de uma Igreja-autoridade eclesiástica, distanciada dos fiéis ou até de costas a eles, para uma Igreja-pastor que anda no meio do povo, com cheiro de ovelha e misericordiosa.

– Saída de uma Igreja-Papa de todos os cristãos e bispos que governa com o rígido direito canônico para uma Igreja-bispo de Roma, que preside na caridade e só a partir daí se faz Papa da Igreja universal.

– Saída de uma Igreja-mestra de doutrinas e normas para uma Igreja de práticas surpreendentes e do encontro afetuoso com as pessoas para além de sua inscrição religiosa, moral ou ideológica. As periferias existenciais ganham centralidade.

– Saída de uma Igreja de poder sagrado, das pompa e circunstância, dos palácios pontifícios e titulaturas de nobreza renascentista para uma Igreja-pobre e para os pobres, despojada de símbolos de honra, servidora e porta-voz profética contra o sistema de acumulação de dinheiro, o ídolo que produz sofrimento e miséria e mata as pessoas.

– Saída da Igreja-que fala dos pobres para uma Igreja-que vai aos pobres, conversa com eles, abraça-os e os defende.

– Saída de uma Igreja-equidistante dos sistemas políticos e econômicos para uma Igreja-que toma partido em favor das vítimas e que chama pelo nome os produtores das injustiças e convida a Roma representantes dos movimentos sociais mundiais para discutir com eles como buscar alternativas.

– Saída de uma Igreja-automagnificadora e acrítica para uma Igreja-da verdade sobre si mesma contra cardeais, bispos e teólogos zelosos de seu status, mas com cara de “vinagre ou de sexta-feira santa”, “tristes como se fossem ao próprio enterro”, enfim, uma Igreja feita de pessoas humanas.

– Saída de uma Igreja-da ordem e do rigorismo para uma Igreja-da revolução da ternura, da misericórdia e do cuidado.

– Saída de uma Igreja-de devotos, como aqueles que aparecem nos programas televisivos, com padres artistas do mercado religioso, para uma Igreja-compromisso com a justiça social e com a libertação dos oprimidos.

– Saída de uma Igreja-obediência e da reverência para uma Igreja-alegria do evangelho e de esperança ainda para esse mundo.

– Saída de uma Igreja-sem o mundo que permitiu surgir um mundo sem Igreja para uma Igreja-mundo, sensível ao problema da ecologia e do futuro da Casa Comum, a mãe Terra.

Estas e outras saídas mostram que a Igreja não se reduz apenas a uma missão religiosa, acantonada numa parte privada da realidade. Ela possui, além disso, uma missão político-social no sentido maior desta palavra, como fonte de inspiração para as transformações necessárias que resgatem a humanidade para um tipo de civilização do amor e da compaixão, que seja menos individualista, materialista, cínica e destituída de solidariedade.

Esta Igreja-em-saída devolveu alegria e esperança aos cristãos e reconquistou o sentimento de ser um lar espiritual. Granjeou pela simplicidade, despojamento e acolhida no amor e na ternura, a estima de muitas pessoas de outras confissões ou de simples cidadãos do mundo e mesmo de chefes de Estado que admiram a figura e as práticas surpreendentes do Papa Francisco em favor da paz, do diálogo entre os povos e da renúncia a toda violência e a guerra.

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